Durante a última semana de eleições, panfletos alarmantes e sensacionalistas foram distribuídos em diversos bairros do Rio de Janeiro, atribuídos a candidatos com identidade religiosa. Um desses materiais, enviado ao Bereia por leitor, intitulado “Estamos vivendo o tempo dificílimo”, circula na cidade e afirma que todos os partidos de esquerda apoiam a ideologia de gênero, a liberação das drogas e o aborto.
Imagem: Reprodução do planfleto impresso
A mensagem afirma explicitamente, sem qualquer base factual, que “todos os candidatos de esquerda” querem erotizar crianças e deslegitimar a autoridade dos pais na educação. O apelo final incentiva que se vote no pastor e cantor da Assembleia de Deus, candidato a vereador, Waguinho (PL).
Este apelo reflete as falsidades e enganos frequentemente veiculados em publicações políticas alarmantes, que associam a defesa da justiça de gênero e a educação sexual a ameaças à família tradicional e à moralidade cristã. Este tema também foi utilizado nas campanhas eleitorais municipal de 2020 e estadual-nacional de 2022 para convencer eleitores por meio do pânico, como Bereia checou, pois são objeto de verificação recorrente. Todas as checagens foram identificadas como falsas e enganosas.
Bereia já publicou que “ideologia de gênero” é um tema amplamente explorado em períodos eleitorais, especialmente em espaços digitais religiosos. O termo surgiu no contexto católico e foi adotado também por grupos evangélicos, com o intuito de deslegitimar a discussão científica sobre identidade de gênero e justiça de gênero.
O termo é falsamente apresentado como uma estratégia marxista, de grupos de esquerda, supostamente destinada a destruir a “família tradicional” por meio de “escolha do sexo que se deseja” e de uma educação sexual que levaria à depravação, homossexualidade e defesa do aborto e da pedofilia. Tal discurso gera pânico e medo entre os grupos religiosos.
Junto com este tema também é utilizado o pânico em torno da liberação tanto do aborto e das drogas, que também são frequentes objetos de checagem do Bereia. Todas as matérias mostram distorção das abordagens destes temas por lideranças religiosas, com omissão de informações e invenção de outras sobre o que se discute publicamente em torno deles.
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Bereia afirma que os panfletos distribuídos pelo candidato a vereador Waguinho (PL, Rio de Janeiro), intitulados “Estamos vivendo um tempo dificílimo” contêm conteúdo falso. O candidato, que é pastor e cantor da Assembleia de Deus, usa temas sensíveis como “ideologia de gênero” e as discussões em torno de drogas e do aborto para convencer eleitores que “todos os candidatos de esquerda” ameaçam crianças e seus pais. Waguinho faz campanha com conteúdo negativo contra outras candidaturas, sem oferecer qualquer referência que o justifique.
Essa estratégia de disseminação de desinformação busca gerar pânico moral e repulsa a opositores entre os eleitores, semelhantemente ao que foi observado em campanhas de pleitos anteriores. Por isso, é crucial que os eleitores desconfiem de candidatos que atuam com conteúdo negativo e não com propostas verifiquem a veracidade das informações antes de repercuti-las, a fim de evitar a propagação de discursos falsos.
Bereia participa da campanha Bote Fé no Voto. Votar é um direito que alerta sobre este tipo de má-fé nas eleições. Saiba mais.
Bereia recebeu uma solicitação de checagem a respeito de uma suposta nota de jornal sobre candidatos beneficiados por votos de cédulas falsas nas eleições de 1994, cuja imagem foi postada pelo perfil Fatos Nacionais no Twitter. O texto traz relatos de irregularidades ocorridas em várias zonas eleitorais do Rio de Janeiro. Em uma delas, o juiz Nelson Carvalhal, da 24a. zona, afirma ter encontrado quatro cédulas falsas beneficiando os candidatos a deputado federal a seguir: Jair Bolsonaro, Álvaro Valle, Vanessa Felipe e Francisco Silva. As cédulas seriam mais finas que as originais.
Bereia classifica, portanto, a nota como verdadeira. A postagem do perfil Fatos Nacionais foi publicada na edição do Jornal do Brasil, em data indicada na imagem compartilhada e foi motivada pelo debate em curso no país sobre os temas do voto em papel e do voto impresso, retomados periodicamente pelo presidente Jair Bolsonaro e seus partidários. Em breve Bereia publicará reportagem sobre estes temas, tendo em vista a ampla circulação de desinformação em torno deles.
Depois da prisão do vereador do Rio de Janeiro, Dr. Jairinho (Solidariedade), em 8 de abril, por suspeitas de ter assassinado o enteado Henry Borel, um folheto eleitoral (também chamado popularmente de “santinho”) digital com a imagem do político passou a circular em mídias sociais de pessoas e grupos cristãos. Além da foto do vereador, o folheto traz o número de sua candidatura e os seguintes dizeres: “Defensor da família”, “Contra a ideologia de gênero”, “A favor do Escola sem partido” e “Fechado com Bolsonaro”, além do número da sua candidatura.
Durante a campanha eleitoral em 2020, o que foi possível localizar sobre a relação do político com o presidente Jair Bolsonaro, foi uma live com o então prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella, em que o Dr. Jairinho diz: “Queria pedir que Deus abençoe nosso presidente, Jair Bolsonaro. Está do nosso lado, né?”. Em vídeo da campanha eleitoral de 2018 Coronel Jairo, pai de Jairinho e deputado estadual candidato à reeleição, pede votos para o então candidato a senador Flavio Bolsonaro, e vice-versa. Sobre os outros temas contidos no suposto folheto eleitoral, Bereia não encontrou registros relacionando Dr. Jairinho a “ideologia de gênero” ou “Escola sem Partido”. O número da candidatura informado no folheto está correto.
Bereia entrou em contato por e-mail com o gabinete do vereador questionando se o folheto é da campanha de Dr. Jairinho e se o político tem algum posicionamento sobre os temas dos dizeres, mas até o fechamento desta matéria não obteve retorno.
Quem é Dr. Jairinho?
Jairo Souza Santos Júnior disputou sua primeira eleição para vereador da cidade do Rio de Janeiro em 2004, conquistando uma vaga na Câmara com 24 mil votos – a maior votação de sua legenda de então, o Partido Social Cristão (PSC). É filho do ex-deputado estadual Coronel Jairo. Seu reduto eleitoral é o bairro de Bangu, na Zona Oeste da cidade, embora seu perfil público no site da Câmara de Vereadores também mencione que “é comum vê-lo andando pelas ruas de Bangu, Padre Miguel, Realengo e outros bairros da cidade em defesa do interesse dos moradores”. Atualmente cumpria seu quinto mandato consecutivo.
À época dos acontecimentos – no ano de 2008 – os únicos políticos que se encaixavam na descrição eram Dr. Jairinho (vereador) e Coronel Jairo (deputado estadual).
No contexto da prisão do Dr. Jairinho, voltou a circular nas redes sociais vídeo em que o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) aparece ao lado Coronel Jairo. No vídeo, o pai do Dr. Jairinho afirma: “Este é o meu candidato a senador, Flávio Bolsonaro. Pessoal de Itaguaí, vamos votar”, ao passo que Flávio Bolsonaro o abraça e diz: “Esse aqui é um cara que tá comigo há bastante tempo na Assembleia Legislativa, é um deputado exemplar, que trabalha, que cumpre compromissos”.
Em novembro de 2018, Coronel Jairo chegou a ser preso na operação Furna da Onça, que recebeu esse nome em referência a uma sala localizada ao lado do plenário da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) onde deputados se reúnem para rápidas discussões antes das votações. Na ocasião, houve a prisão preventiva de 22 suspeitos na investigação do ‘mensalinho’ da Alerj.
As investigações apontaram que a organização criminosa, chefiada pelo ex-governador Sérgio Cabral, pagava propina a vários deputados estaduais, com o objetivo de que patrocinassem interesses do grupo criminoso na Alerj.
Segundo matéria publicada no G1, o “mensalinho” era resultado de sobrepreço de contratos estaduais e federais, por meio do qual, de forma ilícita, os parlamentares também eram beneficiados com o loteamento de cargos em diversos órgãos públicos do estado, como o Detran, onde poderiam alocar mão de obra comissionada ou terceirizada. Nessa época, o Ministério Público Federal chegou a anunciar que o esquema movimentou R$54 milhões em pagamentos.
Outro possível indício de associação está no apoio da cantora gospel Eliane Martins durante a campanha para as eleições de 2008, registrado em vídeo. Nele, Martins justifica seu apoio: “Por que o Jairinho, com tantos candidatos no Rio de Janeiro? Porque ele é a favor da família, porque ele é médico, porque ele é servo de Deus acima de muitas coisas, porque professa a nossa fé” – a cantora foi membro da Assembleia de Deus dos Últimos Dias e em 2018 apresentou seu filho em cerimônia na Assembleia de Deus de Madureira. O vídeo também é o registro mais próximo de Dr. Jairinho com o dizer “Defensor da família” que consta no suposto folheto, mas ainda assim a menção ao tema não foi feita pelo próprio.
Bereia classifica, portanto, o folheto como FALSO. O conteúdo repassado no formato do “santinho” digital não apresenta substância factual, caracterizando-se como conteúdo fabricado para parecer informação. A maioria dos dados disponíveis não sustentam o que é informado no folheto junto da imagem do vereador.
Bereia também recomenda atenção para conteúdos compartilhados em mídias sociais sem a indicação da origem da informação, pois tais condições são comuns a conteúdo falso ou conteúdo criado para causar desinformação. No caso de conteúdos visuais, diante da possibilidade de montagens gráficas serem facilmente efetuadas, a cautela em tomar tais conteúdos como reais e repassá-los deve sempre ser considerada.
Circula em sites de notícias e portais de organizações religiosas que a iluminação vermelha do Cristo Redentor, na última semana de novembro, seria uma homenagem a cristãos perseguidos no mundo. A informação é falsa. A iluminação do Cristo Redentor se deve à campanha de doação de sangue dos hemocentros do Rio de Janeiro.
No site da Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN), instituição católica de apoio a projetos e missões sediada no Vaticano, a informação é de que “a ACN celebra na quarta-feira, 25 de novembro, a Red Wednesday (quarta-feira vermelha) – uma ação simbólica que ilumina de vermelho igrejas, edifícios públicos e monumentos em todo o mundo, como o Cristo Redentor, com o intuito de chamar a atenção para a situação dos cristãos perseguidos. A data marca também o lançamento do relatório “Presos em Nome da Fé”.”
No texto, o Cristo Redentor é citado como um exemplo dentre os monumentos que ACN teria intencionado iluminar, mas não diz que ele seria iluminado neste ano e nesta data em particular. A informação, portanto, foi tirada de contexto e usada pelos sites para repercutir que a iluminação que ocorreria esse ano seria em prol da causa da ACN.
No entanto, a ACN não controla a iluminação do Cristo Redentor – o órgão responsável é o Santuário Cristo Redentor, ligado à Arquidiocese do Rio de Janeiro. Em seu site oficial, o Santuário Cristo Redentor afirma que a iluminação é para promover as doações para os hemocentros – o jogo de luz ilumina de vermelho a escultura de baixo para cima fazendo alusão a uma bolsa de sangue se enchendo.
Em entrevista ao portal G1, o reitor do Santuário Cristo Redentor, Padre Omar, afirma que “o objetivo dessa iluminação especial é reconhecer a importância daqueles que já são doadores de sangue, por seu gesto de generosidade, e incentivar aqueles que ainda não se tornaram doadores a darem esse passo, para que haja o constante abastecimento dos bancos de sangue.”
A ação conta ainda com o apoio de Diego Ribas, jogador do Flamengo, que atua como embaixador da campanha. Para a Agência Brasil, Ribas disse:
“Me senti muito honrado em ser convidado a fazer parte dessa campanha incrível. Doar sangue é algo que precisa ser reforçado todos os dias e estamos aqui para lembrar disso durante essa data tão importante”.
Diego Ribas
O Bereia classifica a informação como falsa. Ambas as instituições, ACN e CNBB, não têm autoridade para determinar a coloração do Cristo. A autoridade responsável é o Santuário Cristo Redentor, que responde à Arquidiocese do Rio de Janeiro. Em seu site oficial, o Santuário Cristo Redentor afirma que a iluminação é uma campanha para os hemocentros da cidade, o que foi amplamente divulgada em mídias brasileiras. Portanto, a informação de que o Cristo Redentor seria iluminado de vermelho em homenagem aos cristãos perseguidos pelo mundo é falsa, servindo apenas para alimentar o uso político da ideia de que há perseguição a cristãos no continente.
As eleições municipais deste ano ocorreram sob condições atípicas. Com todos afetados de um jeito ou de outro pela pandemia, seja enclausurando-se em casa e cumprindo com os protocolos de higiene, seja pela obrigatoriedade da máscara, aferição de temperatura ou álcool em gel em espaços comuns, as mídias digitais angariaram mais tempo, olhos e atenção. Muito se falou sobre as campanhas virtuais, mas a realidade refletiu certa manutenção no modo de fazer campanha: ainda vimos carreatas, panfletagem e encontros presenciais.
Em meio a isso, o agravante da desinformação. Em reportagem no dia 23 de novembro para a Folha, Patrícia Campos Mello expõe os resultados preliminares de pesquisa sobre desinformação na pandemia. A pesquisa é bem enfática, já nessa fase: aqui, a desinformação sobre saúde se ancora na desinformação em benefício político. O escopo é a repercussão de fake news sobre cloroquina, mas podemos nos afastar e observar como a estrutura da desinformação dialoga, em geral, com os interesses políticos. E então vamos para São Gonçalo, cidade da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
O candidato à Prefeito pelo Partido dos Trabalhadores (PT) Dimas Gadelha, que venceu o primeiro turno e agora concorre ao cargo com o Capitão Nelson (Avante), reuniu-se com lideranças evangélicas em São Gonçalo, onde o seguinte material foi distribuído.
Material de campanha de Dimas Gadelha (PT)
O comportamento pode ser uma reação à articulação do pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, que visa denunciar um favorecimento do atual prefeito José Nanci (partido), à candidatura de Gadelha. No discurso em vídeo divulgado em mídias sociais Silas Malafaia denuncia que parte da política municipal do candidato do PT envolveria a divulgação e o ensino da famigerada “ideologia de gênero”.
O assunto é batido nos meios de desinformação, mas a reiteração funciona como um jeito de vencer a entropia natural na transmissão de mensagens: garantir que a informação chegue o mais intacta possível. Logo, não custa lembrar que a terminologia “ideologia de gênero” não existe.
Vamos ser mais específicos: ela existe, mas como um termo cunhado pela própria Igreja Católica, aparecendo em registros a partir de 1990. O objetivo da igreja era criticar o uso do termo “gênero” pela ONU. É o argumento do espantalho: cria-se um argumento para o adversário que nunca foi dito por ele. No caso, acusa-se a ONU e as políticas nacionais de educação de incentivarem a prática sexual entre crianças e adolescentes e os direciona a se tornarem gays.
Já há muito trabalho em desenhar todo o processo ocasionado por declarações como essa, sem que o campo progressista adote também a terminologia (consequentemente, endossando-a). Mas é justamente o que faz Dimas Gadelha. O candidato tem denunciado em sua página uso de fake news pela oposição contra ele. Em meio a isso, porém, se vê rendido a acatar o termo enganoso e garantir que não estaria promovendo a ideologia – que não existe.
Comprometendo-se a ser contra a “ideologia de gênero, a liberação do aborto, a liberação das drogas, ofensas religiosas, doutrinação nas escolas e destruição dos valores da família”, o candidato endossa e afirma que isso existe – e que ele é contra. O comportamento grita o impacto que as fake news têm, em sua campanha e no imaginário popular a seu respeito. No contexto eleitoral, em que cada voto conta (e, portanto, não se mede a “qualidade” do voto), essa adoção visa se aproximar das igrejas, mas faz um desserviço ao campo progressista de esquerda que se propõe a apoiá-lo.
Em um dos debates promovidos pela Rede Bandeirantes de TV com candidato/as a Prefeituras de 14 cidades do Brasil, na noite de 1 de outubro, o atual prefeito do Rio de Janeiro Bispo Marcelo Crivella (Republicanos), da Igreja Universal do Reino de Deus, recorreu a conteúdos falsos para confrontar debatedora.
Crivella que tenta a reeleição fez uso de mentiras já na primeira pergunta direta que deveria fazer a outro/a candidato/a. Ele escolheu a deputada estadual do PSOL Renata Souza, para indagar o que ela faria, caso vença as eleições, a respeito da “ideologia de gênero nas escolas” e do combate às drogas entre alunos.
Renata Souza respondeu com uma crítica ao prefeito da cidade, acusando-o de negligenciar a pandemia. Na réplica, Crivella retomou a pergunta e acusou:
“Se o PSOL ganhar a eleição nossas crianças vão ter uma coisa que tinham que ter em casa, orientação sexual. Vai ter kit gay na escola e vão induzir à liberação das drogas. Esse é o perigo do PSOL e por isso ela não quer tocar no assunto”.
Na tréplica, Renata Souza retomou a crítica que tinha feito:
“Estou falando de gente que morreu e o senhor quer falar do que o professor quer ensinar na escola? O professor tem que ter debate pedagógico, tem que ter autonomia”.
Ideologia de gênero e kit gay: duas falsidades político-religiosas
O prefeito Marcelo Crivella, que encontra dificuldades para se reeleger no pleito de 2020 por conta denúncias de corrupção, conseguiu se blindar na Câmara de Vereadores contra dois pedidos de impeachment em um período de 15 dias (casos de propina à Prefeitura e “Guardiões do Crivella). Porém, na Justiça o candidato à reeleição tem encontrado mais obstáculos: em 24 de setembro, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) decidiu por unanimidade, por 7 votos a 0, declará-lo inelegível até 2026 por abuso de poder político e conduta vedada a agente público. A defesa de Crivella está recorrendo da decisão e, por isso, ele pode disputar o pleito. Caso seja eleito, precisará de uma liminar para derrubar a decisão do TRE.
Enquanto briga para permanecer candidato, Marcelo Crivella participa dos debates recorrendo a conteúdos que fizeram sucesso entre o público cristão, durante a campanha de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018.
Os dois temas, “ideologia de gênero” e “kit gay”, são objeto de estudos no Brasil e no exterior e de investigações sobre desinformação como estratégia para conquistar apoios políticos, com recurso a valores religiosos, para interferência de líderes e grupos em temas de interesse público.
A estratégia é embasada em terrorismo verbal, impondo o medo de que valores caros a pessoas religiosas, como a família, seriam destruídos. Da mesma forma, toca na questão da sexualidade, aspecto da vida humana tratado de forma frágil por grupos cristãos, frequentemente embasado em repressão e pouco em educação, conforme abordado no clássico estudo “Protestantismo e Repressão”, de Rubem Alves (Editora Ática, 1979). O recurso ao tema da educação e das crianças, como elementos que estariam em risco numa “guerra a inimigos da família”, é usado insistentemente neste tipo de desinformação sem que haja evidências do terror indicado.
Perguntada pelo Coletivo Bereia sobre o que significa Marcelo Crivella usar deste tipo de conteúdo mentiroso para atacar uma adversária, a antropóloga, pesquisadora em Política e Religião, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do ISER Profa. Christina Vital afirma que “Crivella não foi o único a tentar produzir medos nos cidadãos sobre seus adversários. No entanto, diferente dos outros, mobilizou pânicos morais. A sua única intervenção mais detida sobre o tema da educação foi na pergunta que fez à candidata Renata Souza, do PSOL. A um só tempo ele retoma uma pauta das eleições presidenciais de 2018 e outra muito forte na produção da Base Comum Curricular Nacional”.
A Profa. Christina Vital acrescenta que:
“o pertencimento religioso de vários candidatos e candidatas no debate emergiram de um modo menos caricato do que vimos em outras campanhas. Isso chama atenção no sentido de que foi naturalizada aquela identidade e as menções a Deus e à Bíblia não precisavam ser expostas de modo virulento”.
“Este ponto torna mais interessante o pleito: qual ou quais serão então as cartas na manga dos concorrentes à prefeitura? Se a religião não servir como apelo exclusivo de um ou outro, quais serão as estratégias narrativas mais utilizadas? Acompanhemos. Crivella ficou fora do tom ao trazer supostamente valores religiosos daquele modo antigo, como acusação. Foi démodé!”, avalia a antropóloga ouvida pelo Coletivo Bereia.
O cientista político da Fundação Joaquim Nabuco e pesquisador em Política e Religião Prof. Joanildo Buriti foi entrevistado sobre o tema pelo Coletivo Bereia e avalia:
Há muito me acostumei com a forma desabusada como muitos líderes evangélicos inventam consequências ou perigos de certas coisas sem qualquer preocupação com os fatos. Mas não faziam isso no espaço público. Reservaram aos sermões, palestras e aulas de escola bíblica. Não admira que, numa conjuntura que favorece o uso destemperado e aleivoso da linguagem, esse estilo se torne parte do debate público. Não começou com Crivella. Mas ele parecia ter mais compostura em outros tempos. Não há nenhuma evidência de que jamais tenha existido o tal kit gay, nem que a chegada de uma liderança de esquerda à prefeitura signifique que haverá indução à liberação de drogas. Esta nunca foi uma prática de gestores de esquerda até hoje no país. Por que seria agora? Parece que, confrontado com o que foram os pontos fracos de sua gestão, o atual prefeito sente-se em maior segurança recorrendo a um velho estilo de “denúncia do mal” que implica no ataque ad hominem e na transformação de mentiras em verdades.
Bereia classifica a afirmação do candidato Marcelo Crivella à reeleição para a Prefeitura do Rio de Janeiro como falsa. Para retomar a credibilidade com apoiadores religiosos, diante dos casos de corrupção relacionados à sua gestão, o bispo recorre a conteúdos falsos que foram eficazes na campanha eleitoral de 2018, para desqualificar adversários, buscando resultado semelhante.
O site de notícias evangélicas Gospel Prime publicou em 12 de agosto de 2020 a matéria “Cidades ignoram decreto e proíbem abertura de igrejas”.
De acordo com Gospel Prime, mais de 500 prefeitos desobedeceram o decreto federal assinado em março, que inclui templos religiosos na lista de atividades essenciais. A matéria ressalta que as autoridades desconsideram o fato de que as igrejas realizam atividades sociais.
Entre estes prefeitos, Gospel Prime cita Nelson Marchezan Júnior (PSDB), prefeito de Porto Alegre, que autorizou a reabertura do comércio durante a semana de Dia dos Pais, porém teria mantido os templos fechados, ignorando pedidos feitos por lideranças religiosas.
Situação semelhante se repetiu no estado de São Paulo, onde mais de cem cidades desrespeitariam o decreto mantendo as igrejas fechadas, como Ribeirão Preto, com o prefeito Duarte Nogueira (PSDB) não tendo autorizado a reabertura dos cultos.
No município de Franca, o prefeito Gilson de Souza (DEM) recebeu pastores em seu gabinete, mas manteve a proibição dos cultos.
O prefeito do município de Araquari (SC) Clenilton Carlos Pereira (PSDB) assinou decreto que proibia a flexibilização até 10 de agosto, prolongando o período de fechamento das igrejas, o que, segundo o Gospel Prime, prejudicaria as atividades sociais desenvolvidas pelas instituições.
Sobreodecreto
O Decreto n° 10.292/2020, do governo federal, com a lista ampliada de atividades e serviços essenciais que deveriam funcionar durante a emergência de saúde pública provocada pelo coronavírus, foi publicado em 26 de março de 2020 no Diário Oficial da União. A primeira lista foi definida pelo Decreto n° 10.282/2020, uma semana antes, com base na Lei n° 13.979/2020, que concedeu ao Presidente da República a prerrogativa de decidir sobre as atividades essenciais.
De acordo com o decreto, são atividades e serviços essenciais aqueles que não colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
Além de lotéricas e igrejas, o governo incluiu a fiscalização do trabalho, atividades de pesquisa relacionadas com a pandemia de covid-19 e as atividades jurídicas exercidas pelas advocacias públicas, relacionadas à prestação dos serviços públicos.
No entanto, a medida preocupou alguns deputados, como Alice Portugal (PCdoB-BA), que afirmou, à época, que trabalharia pela modificação do decreto:
“Protejam sua saúde! Proteja os profissionais da saúde que estão na frente de guerra em defesa da vida! Por isso nós entendemos que o decreto do presidente que dá abertura para atividades que ele julga essenciais-atividades em igrejas, em lotéricas- vai na contramão da necessidade da defesa da vida”.
“A experiência internacional demonstra que os países que tiveram essa vacilação, inclusive os Estados Unidos, hoje vivem um período de imensa dificuldade para conter o crescimento da doença. A ideia central da quarentena total é de você diminuir a curva e a velocidade de contaminação da população. Para que isso permita que o sistema de saúde dê conta do atendimento de todos. E possa efetivamente salvar vidas”.
“O objetivo é fazer com que o Brasil, mesmo num momento difícil, continue minimamente ativo economicamente sobretudo no que diz respeito à saúde, produção e transporte de alimentos, segurança pública. Além de funções que precisam continuar para que a nação não pereça”.
Em 27 de março de 2020 a Justiça Federal proibiu o governo federal de adotar medidas contrárias ao isolamento social como forma de prevenção da Covid-19. Também foi suspensa a validade dos dois decretos editados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A medida teve efeito imediato e vale para todo o Brasil.
A decisão liminar atendeu a pedido feito pelo Ministério Público Federal (MPF). Nela, o juiz federal Márcio Santoro Rocha, da 1° Vara Federal de Duque de Caxias (RJ), determinou que o governo federal e a Prefeitura de Duque de Caxias “se abstenham de adotar qualquer estímulo à não-observância do isolamento social recomendado pela OMS”, sob pena de multa de R$ 100 mil em caso de descumprimento da decisão.
A decisão se baseou no argumento arguido pelo MPF, de que a inclusão de novos setores no rol de atividades e serviços essenciais é ilegal, já que essa lista foi definida pela Lei n° 7.783/1989.
O decreto do governo federal buscou atender às pressões da bancada evangélica no Congresso Nacional e de outras lideranças religiosas, que defendiam a realização de cultos religiosos mesmo durante a pandemia. Decretos ao redor do Brasil e decisões judiciais vinham impedindo igrejas de realizarem atividades com aglomeração de público.
Uma dessas liminares proibiu cerimônias na Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, do pastor Silas Malafaia, aliado de Bolsonaro. Em entrevista ao apresentador Ratinho, do SBT, em 21 de março de 2020, Bolsonaro criticou a proibição de cultos em igrejas:
“O que eu vejo no Brasil, não são todos, mas muita gente, para dar uma satisfação para o seu eleitorado, toma providências absurdas… Fechando shoppings, tem gente que quer fechar igreja, o último refúgio das pessoas”.
Asmedidastomadasporestadosemunicípios
Em 06 de fevereiro de 2020, a União editou a Lei n° 13. 979 que autorizou as “autoridades competentes” a adotarem medidas como a quarentena, o isolamento social e a realização compulsória de exames e tratamentos médicos. As medidas recaem sobre pessoas infectadas, suspeitas e população de risco (idosos, portadores de doenças etc.), não se aplicando às demais pessoas. É o chamado “isolamento vertical”.
Devido à expansão da doença principalmente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, estes foram os primeiros do país na adoção de medidas mais drásticas, implementadas com o crescimento do número de infectados e mortos, inspirando outros estados a tomarem suas medidas de combate ao coronavírus.
Estes estados suspenderam eventos e aulas na rede pública de ensino, o funcionamento de shoppings centers e de academias de ginástica e decretaram quarentena, com a suspensão do atendimento presencial em estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços.
O estado do Rio de Janeiro previu a possibilidade de suspender os meios de transporte intermunicipal, interestadual, aeroviário e portuário. Desse modo, os estados de São Paulo e Rio de Janeiro optaram pelo “isolamento horizontal”, buscando reduzir a circulação de pessoas, com o objetivo de evitar colapso na rede pública de saúde.
Em reação às normas estaduais, o Presidente da República editou, em março de 2020, a Medida Provisória n° 926, que determinou, principalmente, restrições à entrada e saída do país e à locomoção interestadual e intermunicipal sejam embasadas em normas técnicas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Essa determinação previu também que medidas restritivas somente poderiam ser tomadas com base em evidências científicas e em análises sobre informações estratégicas em saúde e autorizou decreto presidencial que definisse quais atividades devem ser consideradas essenciais, de modo que não sejam interrompidas durante a pandemia.
Desta forma, foram editados os Decretos de n° 10.282/2020 e 10.292/2020, designando as atividades tidas por essenciais, impedindo que os Estados determinassem a sua paralisação. Este fato aprofundou a diferença entre os pronunciamentos feitos pelo Presidente da República e aqueles por governadores, alinhados com os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com a maioria dos governantes mundiais e, sobretudo, com as recomendações da OMS e do Ministério da Saúde.
Nesta situação, as autoridades que representam os municípios, alinharam-se às orientações dos respectivos governos estaduais, ora seguiram as determinações do governo federal, como o município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, que no início da epidemia não seguiu as medidas de combate ao coronavírus, determinadas pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro.
O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6341. De autoria do Partido Democrático Trabalhista (PDT), a ação argumentava que a redistribuição de poderes de polícia sanitária introduzida pela MP 926/2020 na Lei Federal 13.979/2020 interferia no regime de cooperação entre os entes federativos, pois confiou à União as prerrogativas de isolamento, quarentena, interdição de locomoção, de serviços públicos e atividades essenciais e de circulação. Na sessão de 15 de abril, o Plenário da corte, por unanimidade, confirmou o entendimento de que as medidas adotadas pelo governo federal na MP para o enfrentamento do novo coronavírus não têm o poder de descartar a competência nem a tomada de providências normativas e administrativas pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios. Esta decisão passou a ser a orientadora para todos os procedimentos dos governos federal, estadual e municipal.
Bereia elencou os pontos levantados por Gospel Prime, para verificar a veracidade das informações.
No Decreto n° 20.676, de 06 de agosto de 2020, o prefeito autoriza o funcionamento de estabelecimentos comerciais, incluindo centros comerciais e shoppings centers no período de 07 a 09 de agosto de 2020. A permissão é concedida sob a condição de que sejam observadas regras de higienização e de funcionamento referidas em artigos anteriores do mesmo decreto.
A Prefeitura de Ribeirão Preto publicou no Diário Oficial de 12 de agosto, nota técnica autorizando a retomada de celebrações presenciais em templos religiosos das 8h às 21h. A Prefeitura recomenda que idosos, pessoas que fazem parte do grupo de risco do coronavírus ou que estejam com sintomas da doença, não frequentem os locais e continuem acompanhando as celebrações transmitidas via internet.
Segundo a nota, os templos devem implementar sistemas de controle na entrada das celebrações e limitar a ocupação do ambiente a 30% da capacidade determinada no alvará de funcionamento, de acordo com as regras estabelecidas pela Secretaria Municipal da Casa Civil.
A nota técnica também determina que é preciso usar máscara e que os fiéis devem manter distância de 1,5 metro com demarcações no piso ou reorganização dos móveis. As celebrações podem ter uma hora, com espaçamento de duas horas para higienização do ambiente.
De acordo com a normativa, durante as atividades está proibido o contato físico e a formação de fila entre os fiéis. Os espaços precisam ser mantidos arejados, com portas e janelas preferencialmente abertas, além de disponibilizarem álcool gel em pontos estratégicos para higienização das mãos.
O prefeito de Franca reconheceu as atividades religiosas como essenciais para a população do município. A Lei 8.919, de 29 de junho de 2020, foi publicada no Diário Oficial de 30 de junho de 2020, mas não garante a abertura dos templos por conta de determinação da Justiça.
Em 01 de junho de 2020, a Prefeitura publicou decreto autorizando a retomada de missas e cultos no município com apenas 30% dos fiéis que os templos comportam, segundo alvará de funcionamento.
A decisão foi alvo de ação civil pública do Ministério Público, que alegou riscos à saúde da população devido ao avanço da covid-19 na cidade. Posteriormente, o juiz da Vara da Fazenda Pública Aurelio Miguel Pena acatou o pedido da promotoria e suspendeu os efeitos do decreto municipal. A decisão foi cumprida pela Prefeitura.
No Decreto 50/2020 publicado no Diário Oficial em 10 de agosto de 2020, o prefeito de Araquari revogou o artigo referente ao funcionamento de igrejas, templos e locais de culto:
Subseção VII
Do funcionamento de igrejas, templos e locais de cultos
Art. 26-H Estão suspensos por tempo indeterminado a realização de cultos religiosos, missas e afins que acarretem reunião de público, em ambientes públicos ou privados, inclusive em ambientes domiciliares.
Linha do tempo sobre atividades essenciais
Em 20 de março, o Governo Federal editou a Medida Provisória 926, que concentrava no Presidente da República a competência dispor, por decretos, sobre atividades e serviços essenciais. No mesmo dia, o Decreto-Lei 10.282 definiu por serviços públicos e atividades essenciais: “aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população” (Artigo 3º, parágrafo primeiro).
Três dias depois, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) questionou o STF sobre a constitucionalidade da MP, argumentando que a medida interferia na cooperação dos entes federativos no que diz respeito à política sanitária.
Enquanto isso, a Presidência publicou no dia 25 de março o Decreto-Lei 10.292, estabelecendo como essencial “atividades religiosas de qualquer natureza, obedecidas as determinações do Ministério da Saúde” (Art. 3º, Parágrafo 1º, inciso XXXIX). Esse e outros trechos do decreto foram suspensos na primeira instância e reestabelecidos na segunda instância.
Foi somente no dia 15 de abril, que o plenário do STF decidiu em favor da ADI 6431 protocolada pelo PDT, reconhecendo a competência concorrente de estados, DF, municípios e União nas ações de combate ao coronavírus.
Em 11 de agosto, a MP editada pelo governo passou a ser a Lei 14.035. No entanto, o artigo que diz respeito às atividades essenciais reconhece a responsabilidade de cada ente federativo: “A adoção das medidas previstas neste artigo deverá resguardar o abastecimento de produtos e o exercício e o funcionamento de serviços públicos e de atividades essenciais, assim definidos em decreto da respectiva autoridade federativa” (Art 9º, § 9º). O presidente Jair Bolsonaro em seu Twitter destaca que a responsabilidade de fechamento do comércio, por exemplo, seria de governadores e prefeitos:
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O Coletivo Bereia classifica a matéria publicada pelo site Gospel Prime como falsa. O site evangélico esconde dos leitores e leitoras a decisão o Supremo Tribunal Federal (STF), do dia 15 de abril deste ano, pela competência concorrente dos estados e municípios para determinar o funcionamento dos serviços essenciais. A matéria do Gospel Prime manipula informações para colocar fiéis das igrejas em oposição a governadores e prefeitos, a quem foi garantido o poder de determinar o funcionamento de serviços essenciais definidos por lei para segurança da população. Portanto, é falso que cidades ignorem decreto presidencial, uma vez que o exercício desta competência deve sempre resguardar a autonomia dos estados e municípios, segundo a decisão do STF de abril.
No início de julho, um fiscal da Vigilância Sanitária exigiu que um casal do Rio seguisse os protocolos de prevenção à Covid-19. Disse “Cidadão…”. A mulher reagiu: “Cidadão não, engenheiro civil, melhor do que você!” E se recusaram a adotar os procedimentos exigidos.
A arrogante senhora foi demitida, no dia seguinte, da empresa na qual trabalhava. Se o fiscal Flávio Graça, que ali cumpria o seu dever, retrucasse no mesmo tom, diria com autoridade que é formado em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Fluminense, doutorado pela Universidade Federal Rural do RJ, coordenador de cursos de pós-graduação e superintendente de Inovação, Pesquisa e Educação em Vigilância Sanitária, Fiscalização e Controle de Zoonoses da Prefeitura do Rio.
Poucos dias depois, em Santos (SP), o desembargador Eduardo Almeida Prado Siqueira foi multado por caminhar na praia sem máscara, contrariando decreto da prefeitura. Chamou o guarda municipal de “analfabeto”, ligou para o secretário de segurança do município para intimidar o responsável pela multa, rasgou-a e jogou-a no chão.
Em Catalão (GO), no final de junho, um comerciante de 76 anos foi agredido ao alertar um cliente da exigência de usar máscara na loja. Fraturou o fêmur e ficará seis meses em cadeira de rodas.
Em abril, em Araucária (PR), um homem foi impedido pelo segurança de entrar sem máscara no supermercado. Discutiram e houve o disparo de um tiro, que matou uma funcionária do estabelecimento.
Essa arrogância entranhada em muitos brasileiros tem raízes históricas. Foram 380 anos de escravatura em nosso país, durante os quais os brancos tratavam os negros com um desrespeito que jamais repetem ao lidar com seus animais de estimação. E, hoje, temos um presidente da República que viola todos os protocolos de prevenção sanitária, dando péssimo exemplo à nação.
Entre os vários sintomas do complexo de superioridade, segundo o psicólogo Alfred Adler, criador da Psicologia do Desenvolvimento Individual, manifestam-se o autoconvencimento, a atitude de considerar os outros inferiores e apontar defeitos, a inveja, a busca de reconhecimento, a excessiva preocupação com a opinião alheia, a falsa autossegurança.
“Educação vem do berço”, dizia minha avó. Uma criança que dá ordens à faxineira, humilha a cozinheira por não gostar de uma comida, desrespeita a professora, está fadada a ser infeliz e fazer os outros infelizes. Porque todo prepotente é amargo, irascível, preconceituoso.
Uma senhora branca saía do supermercado em Brasília (DF) e, ao avistar um negro, pediu que ele empurrasse o carrinho de compras até o estacionamento. Ele aquiesceu. Colocado tudo no porta-malas, ela lhe estendeu uma gorjeta. Ele rejeitou com um sorriso: “Agradeço, senhora. Fiz por gentileza.” Aconteceu com Vicentinho, deputado federal (PT-SP).
Quando eu me encontrava na Inglaterra, em 1987, um sobrinho da rainha Elizabeth II foi parado pela polícia rodoviária ao dirigir em alta velocidade. “Sabe com quem você está falando?”, disse ao guarda. “Quem você pensa que é?”, retrucou o policial. Por não trazer carteira de habilitação, foi multado, e o carro, apreendido. Mais tarde, o juiz exigiu que ele pedisse desculpas ao guarda.
Para Jesus, poder é servir: “O maior seja como o mais novo, e quem governa, como aquele que serve” (Lucas 22,24). Mas estamos longe de nos impregnar dessa cultura. Em um país com abissais desigualdades sociais, os privilegiados tendem a se considerar muito superiores aos marginalizados. As pessoas não importam. Importam os bens materiais que as emolduram.
Em 2007, o violinista Joshua Bell deu um concerto no Teatro de Boston, lotado de apreciadores que pagaram, no mínimo, 100 dólares por ingresso. Dias depois, o jornal Washington Post decidiu testar a cultura artística do público. Levou o violinista para a estação de metrô da capital americana. Durante 45 minutos, ele tocou Bach, Schubert, Ponce e Massenet.
Eram oito horas de uma manhã fria. Milhares de pessoas circulavam pelo metrô. Quatro minutos após iniciar o concerto subterrâneo, o músico viu cair a seus pés seu primeiro dólar, atirado por uma mulher que não parou. Quem mais lhe deu atenção foi um menino. Porém, a mãe o arrastou, embora ele mantivesse o rosto virado para o violinista enquanto se distanciava.
Durante todo o tempo do concerto, apenas sete pessoas pararam um instante para escutar. Cerca de vinte jogaram dinheiro sem deter o passo. Ao todo, 32 dólares e 17 centavos a seus pés. Quando cessou a música, ninguém aplaudiu.
Bell é considerado um dos melhores violinistas do mundo. Mas nessa sociedade neoliberal hegemonizada pelo paradigma do mercado, ele ali era um “produto” colocado na prateleira errada. Como se o fato de estar em local público tornasse sua música de menos qualidade. Estivesse um músico medíocre no palco do Teatro de Boston com certeza teria sido ovacionado.
Como disse Molière, “devemos olhar demoradamente para nós próprios antes de pensar em julgar os outros.”
Em 13 de julho, o presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Roberto Jefferson, publicou, em seu perfil no Twitter, um vídeo ao lado do pastor da igreja pentecostal Assembleia de Deus e deputado federal pelo Rio de Janeiro, Otoni de Paula (PSC/RJ). Na legenda, ele inseriu: “Deputado Federal Otoni de Paula. Grande guerreiro de Cristo. Tenho orgulho de ser seu amigo. Pensando o Rio de Janeiro e o Brasil”.
Com mais de 24 mil visualizações até a redação desta matéria, o vídeo apresenta Otoni de Paula enaltecendo Roberto Jefferson:
Sempre foi sinônimo de austeridade e acima de tudo sempre foi sinônimo de responsabilidade. Roberto Jefferson sempre assumiu no peito os seus acertos e erros e hoje tem moral para ensinar a minha geração qual o caminho que nós temos que trilhar, porque já passou por lá e pode hoje dizer: esse é o caminho correto. Por isso, como eu faço parte dessa nova geração de políticos no Brasil, nada melhor do que estar diante do nosso mestre
Otoni de Paula, na gravação de 46 segundos publicada.
No último dia 14 de julho, Otoni de Paula foi denunciado pela Procuradoria Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal pelos supostos crimes de difamação, injúria e coação de vídeos com ataques e ofensas ao ministro Alexandre Moraes, do STF. Na denúncia, a PGR afirma que o deputado fez duas transmissões ao vivo pela internet, nos dias 16 de junho e 5 de julho, nas quais “imputou fatos afrontosos à reputação do ministro [do STF] Alexandre de Moraes”, além de ofender a dignidade do ministro. No vídeo, o deputado chama o ministro de “lixo”, “tirano” e “canalha”, entre outras ofensas. Na ocasião, o deputado era um dos vice-líderes do governo Bolsonaro. Os fatos são investigados no inquérito que apura ataques às instituições.
A denúncia será analisada pelo tribunal e, se aceita, o deputado se tornará réu em uma ação penal. Em mensagem publicada em mídias sociais, no mesmo dia 14 de julho, o parlamentar afirmou que ainda não tinha conhecimento sobre a denúncia feita pela PGR. “Ainda não conheço o teor das denúncias da PGR contra mim, mas uma coisa prometo, lutarei até o fim contra a tirania da toga”. Nas gravações, o deputado criticou Moraes por ter libertado o blogueiro Oswaldo Eustáquio, mas proibindo-o de usar as redes sociais digitais.
Segundo a matéria do Bereia, entre as alianças religiosas de Jefferson está o ex-deputado Carlos Rodrigues, ex-bispo da Igreja Universal, um dos operadores do “Mensalão”, acusado de comandar a cobrança de uma mesada de R$10 mil a R$15 mil de todos os deputados federais e estaduais do país ligados à Igreja Universal do Reino de Deus, através do esquema chamado “Dízimo do Legislativo”.
Jefferson: de volta à cena via bolsonarismo
Desaparecido da cena política desde sua prisão, em 2005, Roberto Jefferson voltou a ganhar destaque na mídia quando o presidente Jair Bolsonaro, neste 2020, em crise na relação com o Congresso Nacional, e na iminência de sofrer um processo de impeachment, recorreu ao apoio do Centrão, que tem o presidente do PTB como um dos líderes. Apoiador de Bolsonaro, Jefferson já havia atuado em 1992 como líder da “tropa de choque” que tentou impedir o impeachment do então presidente Fernando Collor.
No final de abril de 2020, Jefferson reapareceu como aliado do governo Bolsonaro com críticas ao STF. Em postagem no Twitter, em 9 de maio, ele pedia ao presidente “para atender o povo e tomar as rédeas do governo”.
Na decisão que determinou a busca e apreensão nas casas do ex-deputado, o ministro Alexandre de Moraes determinou a apreensão de armas e também mandou bloquear as mídias sociais do ex-parlamentar e afirmou que há indícios da prática de sete crimes. Os agentes da PF realizaram buscas em dois endereços do ex-deputado federal, um na cidade de Comendador Levy Gasparian e outro em Petrópolis, ambas no Rio de Janeiro.
Ainda segundo conteúdo do Bereia, após a Operação, o partido de Jefferson, o PTB, que declarou apoio a Bolsonaro em 2018, em nota, se pronunciou à Nação brasileira: “Não vamos permitir que ministros do STF calem o Presidente”, fazendo menção a Roberto Jefferson.
Em apoio ao pai, a deputada Cristiane Brasil (PTB/RJ), que não conseguiu se reeleger depois de ser investigada, em 2018, por envolvimento em fraudes no Ministério do Trabalho, participou das manifestações pró-Jair Bolsonaro no dia 31 de maio.
Em matéria publicada pela Folha de S. Paulo, em 21 de abril, o jornalista Fábio Zanini apresentou a nova “roupagem bolsonarista” de Jefferson, salientada a partir de 19 de abril, em uma transmissão pela internet em que o ex-deputado federal criticou o congresso, tendo como alvo principal o presidente da Câmara Rodrigo Maia, por supostamente articular o esvaziamento dos poderes presidenciais.
A live, conduzida pelo jornalista Oswaldo Eustáquio, preso pelo mesmo inquérito das fake news contra o STF, até o momento da redação desta matéria contabilizava mais de 2,1 milhões de visualizações, tendo sido compartilhada pelo presidente Jair Bolsonaro e diversos integrantes de sua base de ativistas digitais.
Na transmissão, Jefferson denunciou um suposto golpe que estaria sendo arquitetado com a participação de governadores e líderes para aprovar o impeachment de Bolsonaro ou instituir um parlamentarismo branco. O mesmo tom seguiu se repetindo nas redes sociais e demais entrevistas.
À Folha, ele afirmou que uma tentativa de tirar Bolsonaro da Presidência poderia gerar violência. “Está chegando um momento de radicalização. A pressão é tão grande que se tentarem, num movimento de rua, sustentar um pedido de impeachment, vão ter que enfrentar a turma do Bolsonaro. E aí o pau vai cantar. Quando você enfrenta a força, você tem que opor a força a ela. Não tem saída”, declarou. Ainda segundo a publicação, desde o agravamento da pandemia do novo coronavírus, o presidente nacional do PTB tem demonstrado apoio a Jair Bolsonaro. Seria, de acordo com Jefferson, em razão de ambos partilharem dos mesmos valores. “Eu não tenho proximidade pessoal com o Bolsonaro. Eu tenho as mesmas convicções. Ele empunha a bandeira dos ideais que eu sustento”, disse à Folha de S. Paulo, que afirma que a aliança, para além do cenário nacional, ainda coincide com o da política carioca.
Neste 21 de julho, Roberto Jefferson voltou à cena nas mídias sociais. Em uma live, transmitida pelo canal do Youtube “Questione-se”, o apoiador do governo Bolsonaro, quando entrevistado por um blogueiro, o presidente nacional do PTB fez comentários homofóbicos contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Nas declarações, o político diz que dois magistrados “são sodomitas” e que “usam saia pela opção sexual”.
“Tem dois ministros lá que tem esses gostos (…) tem dois ministros que são meninas. Tem ministros de rabo preso e dois de rabo solto, conhecidos. Um é o (sic) Carmen Miranda, e o outro é Lulu boca de veludo (…) e eles querem fazer pauta de gênero, porque eles ainda não encontraram o deles (…) tem dois sodomitas ministros”, afirmou Roberto Jefferson. Em um determinado momento da live, o ex-deputado afirma que seria vergonhoso que dois ministros assumissem que “são enrab… por um negão”.
O jurista Marco Aurélio de Carvalho, do grupo Prerrogativas, manifestou-se sobre a live de Roberto Jefferson. “O desrespeito, a agressão e a calúnia aos ministros do Supremo Tribunal Federal, no contexto em que foram proferidos e veiculados, são claras tentativas de desgaste do próprio Tribunal que integram, e, assim, de 1 dos mais importantes pilares do Estado de Direito. A reação tem que ser firme, rápida, contundente e pedagógica”, afirmou.
Otoni de Paula: fidelidade ao bolsonarismo
O vídeo em que Otoni de Paula exalta Roberto Jefferson foi produzido por conta do contexto eleitoral em que o país está se inserindo. Definido o calendário da realização das eleições municipais para o final do ano, partidos e candidatos começam a se manifestar publicamente com articulações para candidaturas.
O deputado federal Otoni de Paula, filho do famoso e histórico cantor evangélico, da Assembleia de Deus, Ozeias de Paula, estreou na política institucional como vereador pelo PSC do Rio de Janeiro, de 2017 a 2018. Em 2018 foi eleito deputado federal pelo mesmo partido, na aliança com o PSL de Jair Bolsonaro, que elegeu o governador Wilson Witzel. Otoni de Paula logo se tornou um dos vice-líderes do governo federal na Câmara.
O pastor evangélico e deputado federal produziu o vídeo exaltando o presidente do PTB, Roberto Jefferson, neste mês de julho, no contexto em que foi convidado a se filiar ao partido. No acordo, ele apoiará a candidatura da ex-deputada federal Cristiane Brasil, filha de Jefferson, à prefeitura. Por outro lado, ele terá o apoio do PTB para disputar o governo do Rio de Janeiro em 2022.
Saiu uma matéria no site O Antagonista e em alguns veículos de comunicação dando conta da minha filiação ao PTB, de Roberto Jefferson, o grande guerreiro Roberto Jefferson. Bem, queria esclarecer algo muito importante. Eu tive a honra de sentar com o deputado Roberto Jefferson, tive a honra de ter uma longa conversa com esse grande patriota, antes desse dia, na semana passada, eu não tinha tido nenhum contato pessoal com o Roberto Jefferson. Nunca tinha tido antes. Mas, resolvi me aproximar de Roberto Jefferson por conta da sua brilhante defesa à pátria brasileira e sua brilhante defesa ao presidente Bolsonaro. E eu disse que quem defende o meu amigo, meu amigo passa a ser. Realmente nós estamos construindo uma boa amizade que queremos que transcenda as questões políticas. Roberto Jefferson sempre foi um sujeito homem, e eu gosto de sujeitos corajosos, que assumem os seus acertos e assumem os seus erros também. Por isso é que eu não tenho vergonha nenhuma, nenhuma, nenhuma de estar ao lado de Roberto Jefferson, porque tem se demonstrado um grande patriota. E os erros que ele cometeu lá atrás ele pagou por todos eles e, graças a ele, nós começamos a quebrar o império do PT no Brasil. Bem, portanto, nós conversamos sim, conversamos sobre uma possível ida nossa para o PTB. Recebi esse convite do próprio Roberto Jefferson, que disse que o PTB está aberto para que eu me candidate para 2022 ao governo do estado do Rio de Janeiro ou ao senado federal, já que estamos em uma batalha imensa lá em Brasília e também outra aqui no estado do Rio de Janeiro. Contudo, é bom que fique claro que eu ainda estou no PSC, eu ainda estou filiado no PSC e eu só poderia sair hoje do PSC através de um acordo que dificilmente haverá ou através do TSE, me liberando, liberando a minha saída do PSC. Do contrário eu corro o risco de perder o meu mandato e, ao perder o mandato, eu perco o meu maior patrimônio, a minha voz, em poder estar cerrando fileiras ao lado do Brasil, pela nossa pátria amada Brasil. Portanto, me senti muito honrado, mas muito honrado mesmo por esse convite do Roberto Jefferson, da sua filha Cristiane Brasil. Porém, ainda continuo filiado no PSC, ok? Só para colocar claro tudo isso para todos vocês. O convite para vir para o governo do Rio de Janeiro pelo PTB, o convite de poder decidir se em 2022 vamos vir governador ou senador pelo PTB muito nos honrou. Agora, quem vai decidir isso, se eu serei candidato a governador do Rio de Janeiro ou se eu serei candidato ao Senado Federal é o povo da minha terra, é o povo do meu Rio de Janeiro. São eles. Caso eu perceba que não há essa vontade do povo que a gente venha ao governo do estado ou ao Senado Federal , que a única casa que pode mudar isso que está acontecendo o STF , então nós vamos colocar o nosso nome novamente à disposição da população do Rio de Janeiro para uma reeleição a deputado federal se essa for a vontade do papai do céu. Porque o dia do amanhã só pertence a Deus. Estamos vivos agora, hoje, nesse momento, não sabemos se estaremos vivos amanhã. Mas, se estivermos, e se estivermos com saúde, não vamos recuar da batalha porque não nos faltará a coragem de continuar lutando pelo nosso Brasil. Um abraço ao presidente Roberto Jefferson, à Cristiane Brasil. Obrigado pelo convite que muito me honrou. Estar no PTB, quem sabe, de acordo com a vontade de Deus, será uma honra muito grande. Mas isso está na vontade de Deus porque eu ainda estou filiado ao PSC. Um abraço a todos. Esclarecido? É sempre assim, é olho no olho. Eu falando com você e você falando comigo. Quem puder compartilhar, compartilha. Beijo no coração. Deus abençoe. Cheguei no Rio agora. Estou indo agora para Iguaba visitar minha querida Iguaba, a cidade praiana aqui no Rio de Janeiro. Mas não é para tomar banho de praia não, é para levantar a bandeira da direita conservadora lá na cidade de Iguaba, ao lado do meu amigo Juninho Negão. Júnior Negão, um abraço. Deus abençoe o Júnior Negão e Deus abençoe sua esposa Jéssica e toda a sua família. Estamos chegando aí na querida Iguaba. Um abraço, pessoal. Deus abençoe!”.
Deputado Otoni de Paula
O deputado, que rompeu com o PSC por conta de críticas ao governador Wilson Witzel, confirmou o convite e comentou a denúncia do MPF: “Aceitei o convite do PTB com a convicção de que essa ação é feita para me intimidar e intimidar protestos e manifestações populares. A mensagem é: ‘Se a gente faz isso com um deputado, que tem imunidade (parlamentar), imagina o que não podemos fazer com vocês’”.
O fracasso na criação do partido do presidente Jair Bolsonaro Aliança Pelo Brasil, com previsão atualizada para sair do papel apenas no fim de 2021, quase dois anos após o planejamento, fez com que muitos deputados bolsonaristas desistissem do projeto. Além de Otoni de Paula, festejado pela militância bolsonarista no evento de lançamento do Aliança, que irá para o PTB, os deputados Luiz Lima (RJ) e Coronel Chrisóstomo (RO) decidiram permanecer no PSL, enquanto Flávio e Carlos Bolsonaro foram para o Republicanos.
A debandada pode ser ainda maior: o PSL, partido que saiu do anonimato com o bolsonarismo, planeja uma reunião com todos os deputados e, diante da reaproximação com o Palácio do Planalto, tentará convencer mais bolsonaristas a não se desfiliarem. No grupo de WhatsApp do Aliança, 90% dos políticos que atuam para fundar a legenda estão, hoje, no PSL.
No Twitter, Otoni reclamou recentemente da postura moderada de Bolsonaro, que reatou pontes com Judiciário e Legislativo: “Estou tendo a sensação de que combinaram algo e não me avisaram. Fui chamado para uma guerra pela minha pátria, mas tô tendo a sensação de que há um acordo de paz com o inimigo, que eu não participei e não participaria”.
Estou tendo a sensação que combinaram algo e não me avisaram. Fui chamado pra uma guerra pela minha pátria, mas tô tendo a sensação que há um acordo de paz com o inimigo, que eu não participei e não participaria. Vou aguardar pra entender o que tá mudando, por que eu não mudei 🇧🇷
Já no dia 20 de julho de 2020, Otoni de Paula criticou o Ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, General Luiz Ramos, também evangélico (batista), dizendo que ele será o responsável por tornar Jair Bolsonaro refém do Centrão, liderado por Roberto Jefferson.
O inquérito do STF não é o primeiro envolvimento do deputado federal evangélico em investigações pela justiça. Em julho de 2018, três meses antes das eleições, Otoni de Paula publicou um vídeo convidando fiéis de sua igreja para comparecerem ao lançamento de sua pré-candidatura e passou a ser investigado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Estado. No vídeo, o pastor e candidato agradece a disposição de “alguns irmãos em alugar um ônibus” para levar fiéis ao evento. Na sequência do vídeo, Otoni pede “palmas para Jesus” e diz que “vivemos um momento de guerra por conta do golpe do impeachment contra o prefeito do Rio, Marcelo Crivella. O pedido de impeachment de Crivella, também evangélico, havia sido processado por alguns vereadores por ter o prefeito oferecido vantagens a fiéis de sua igreja em um evento reservado a pastores na sede da prefeitura. Em outros vídeos, Otoni critica a atuação do juíz que mandou Crivella “parar de usar a prefeitura para favorecer seu grupo religioso”
Bereia classifica o conteúdo do vídeo do deputado federal pastor Otoni de Paula (PSC/RJ), publicado pelo presidente do PTB Roberto Jefferson, como material de campanha, com divulgação imprecisa da figura pública de Jefferson. Atributos como “sempre sinônimo de responsabilidade” e “moral para ensinar esta geração” não correspondem ao histórico do envolvimento do ex-deputado federal, que preside o PTB, com ilegalidades, culminando na atual investigação do seu papel como disseminador de fake news e de discurso de ódio, que é omitido na divulgação do deputado Otoni de Paula.
Em julho, a Prefeitura de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, investiu recursos financeiros em um comercial para a TV aberta, contando com a presença e a narração do destacado pastor evangélico Claúdio Duarte, líder da Igreja Recomeçar, localizada na cidade. O comercial expôs uma série de medidas tomadas pela prefeitura no enfrentamento ao coronavírus. Veja abaixo:
Desde o início da pandemia, diversas polêmicas envolveram as medidas tomadas pelo prefeito Washington Reis (MDB) em relação às ações de prevenção ao coronavírus no município. A cidade de Duque de Caxias foi uma das últimas no Estado do Rio de Janeiro a aderir ao isolamento social e, por vezes, já durante a quarentena, o comércio e a população descumpriram as medidas de segurança estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pela legislação territorial vigente e, até mesmo, sentenças judiciais que proibiam a reabertura do comércio.
Em virtude das Eleições 2020, o Coletivo Bereia checou a veracidade dos serviços apresentados pelo Pastor Claúdio Duarte, divulgados na publicidade oficial do município. Confira abaixo a apuração completa:
Ações em Duque de Caxias durante a quarentena da COVID-19
Inicialmente, Bereia fez o levantamento das atitudes tomadas pelo munícipio frente ao contexto do coronavírus. O Município de Duque de Caxias, ou a cidade de Caxias, como é popularmente conhecida, localiza-se na Baixada Fluminense, Região Metropolitana no Estado do Rio de Janeiro, a 15 km da Capital. Atualmente tem uma população de cerca de 1 milhão de habitantes.
Cumprindo o segundo mandato como Prefeito, Washington Reis (MDB) é evangélico e fiel da igreja Assembleia de Deus. Sua identidade religiosa garantiu participação na Frente Parlamentar Evangélica, quando atuou como deputado federal pelo Rio de Janeiro.
O prefeito de Duque de Caxias, Washington Reis, o presidente Jair Bolsonaro e o governador Wilson Witzel (Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo). Acima, Washington Reis na Câmara (Reprodução/ EBC)
Desde os primeiros casos de conoravírus no Brasil e o início das ações de prevenção e combate à pandemia, diversas polêmicas envolveram as ações tomadas pelo município. Era comum ver as ruas da cidade cheia de pessoas, com grandes movimentações no comércio, considerado um dos maiores da Baixada Fluminense.
Segundo matéria do G1, publicada em 24 de abril, Caxias foi o último município da Baixada Fluminense a decretar o fechamento do comércio, em 3 de abril. O portal também informou que, naquele momento, a taxa de mortalidade de Caxias era superior à capital Rio de Janeiro, sendo 6,85 para cada 100 mil habitantes no município da Baixada e 5,69 na capital.
Em abril, o próprio Prefeito Washington Reis foi contaminado pelo coronavírus e passou 13 dias internado em tratamento.
No entanto, um mês depois, em 25 de maio, a Prefeitura determinou que todos os estabelecimentos comerciais poderiam funcionar, sendo essenciais ou não. No mesmo dia, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro suspendeu o decreto, atendendo pedidos da Defensoria Pública Estadual. O não cumprimento da medida, geraria multa diária de R$ 10 mil reais ao prefeito. Mesmo assim, a determinação da justiça não foi respeitada. Em matéria publicada no O Globo, em 8 de junho, há relatos da abertura de todo o comércio com amplas aglomerações de pessoas, comparadas à que ocorre no período natalino.
As polêmicas sobre as ações da Prefeitura de Caxias e as medidas de prevenção ao coronavírus não pararam por aí. Em 3 de julho de 2020, a Prefeitura publicou um decreto autorizando a reabertura das instituições de ensino privado. Porém, em 7 de julho, a justiça suspendeu o decreto, impedindo legalmente a volta às aulas nas escolas particulares.
Segundo dados disponibilizados pela Secretaria Estadual de Saúde, o município ocupa a terceira posição em número de óbitos por covid-19 no estado, alcançando um total de 491 vítimas, de acordo com dados coletados no Boletim Coronavírus de 15 de julho de 2020.
Dado o contexto retratado acima, Bereia verificou as afirmações da Prefeitura na publicidade para a TV aberta, pontuando cada uma das ações expostas e verificando-as conforme demostrado a seguir:
Os fatos diante da publicidade oficial
Bereia identificou em matéria publicada pelo Jornal Extra e em outros veículos de comunicação regionais que, em 04 de maio de 2020, em parceria com o Governo do Estado, foi inaugurado o Hospital São José, com 128 leitos de CTI, equipados com respiradores, para uso exclusivo de pacientes com Covid-19
Em 42 dias, o Hospital São José foi inaugurado. Portanto, esta afirmação é VERDADEIRA.
No entanto, há denúncias quanto a problemas em equipamentos e falta de medicamentos relatados por funcionários do hospital. As denúncias foram negadas pela Secretaria de Saúde da cidade.
80 mil testes rápidos em todos os bairros
Reprodução/ Prefeitura de Duque de Caxias.
Durante a apuração, percebemos que esta ação tem merecido grande atenção da administração municipal e que a realização de testes para detecção de Covid-19 na população tem sido recorrente.
Para atingir um número maior de pessoas, a Prefeitura diz estar organizando mutirões em vários bairros da cidade e realizando testes em profissionais considerados mais vulneráveis ao risco de contágio pelo novo vírus, como profissionais da área de saúde.
Vários sites e blogs de notícia destacaram a medida, a exemplo do portal O Dia, que publicou uma matéria no dia 8 de junho de 2020, informando que haviam sido realizados até então, 8.953 testes no município.
Na página oficial da Prefeitura no Facebook, já é indicado que o número de testagens ultrapassou a marca dos 100 mil.
No entanto, a pesquisa do Coletivo Bereia não localizou fonte oficial que aponte a confirmação desses números. Sendo assim, a classificação desta afirmação é IMPRECISA.
A Prefeitura que mais investe em saúde no Brasil
Em levantamento feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) afirma que durante o ano de 2017, cerca de 2.800 municípios brasileiros gastaram menos de R$ 403,37 na saúde de cada habitante. A análise apurou que esse foi o valor médio aplicado pelos gestores municipais com recursos próprios em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS), declarados no Sistema de Informações sobre os Orçamentos Públicos em Saúde (Siops) do Ministério da Saúde.
Os dados mostram que municípios menores (em termos populacionais) contam com uma despesa per capita maior. Em cidades com menos de cinco mil habitantes, as prefeituras investiram em 2017 cerca de R$ 779,21 na saúde de cada cidadão, quase o dobro da média nacional.
Embora a Região Sudeste apresente maior participação no financiamento do gasto público em saúde, em consequência, principalmente, da maior capacidade de arrecadação, há algumas exceções, que vale destacar. No ranking elaborado pelo CFM, três municípios da Baixada Fluminense aparecem na lista dos municípios com menor gasto per capita em saúde no ano de 2017: São Gonçalo, totalizando R$ 82,46; Belford Roxo, com R$ 88,73 e por último, São João do Meriti, contabilizando R$ 90,34. Naquele ano, Duque de Caxias, que tinha Washington Reis no segundo mandato, ficou abaixo do valor médio de R$ 403,37 do Ministério da Saúde com R$ 315,85 por habitante.
De acordo com o Ranking de Eficiência dos Municípios elaborado pelo Jornal Folha de S. Paulo, o município de Duque de Caxias ocupa hoje a 3.661° posição, com investimento baixo em saúde (0,263 bem abaixo da média nacional, que é 0,500).
Portanto, a informação da propaganda de que a “Prefeitura de Duque de Caxias é a que mais investe em saúde no Brasil” é FALSA.
Ampliação do hospital Moacyr do Carmo e do hospital infantil
Em janeiro de 2020, o Prefeito de Duque de Caxias, Washington Reis firmou um contrato de cooperação técnica com a secretaria de saúde do Estado do Rio de Janeiro para melhorias estruturais no Hospital Municipal Moacyr Rodrigues do Carmo (HMMRC) e para a Unidade Pré-Hospitalar de Saracuruna (UPH). Este acordo fixou um investimento de R$ 21,1 milhões de reais, dos quais R$ 17,9 milhões foram para o HMMRC e R$ 3,2 milhões para a UPH.
Um dos itens foi a inauguração de um Centro Auditivo no hospital, em 2018 (a ser detalhado a seguir por ser item destacado na publicidade). Conclui-se que, houve uma ampliação, mas esta não está ligada ao acordo firmado no início deste ano e por falta de especificação, não é possível afirmar a ampliação narrada no comercial.
Em relação ao hospital infantil, a publicidade não menciona o local e o nome do estabelecimento. No entanto, em verificação aos canais de comunicação da Prefeitura, identificamos que foi inaugurado em 4 de julho, o Hospital Municipal Infantil Ismélia da Silveira, considerado o primeiro CTI pediátrico do município. Se a ampliação do Hospital Moacyr do Carmo (estiver relacionada ao Centro Auditivo), é possível classificar esta informação como VERDADEIRA. E como o hospital infantil citado não foi especificado, classificamos a informação como IMPRECISA.
Construção do Centro de Saúde Auditiva Eurico Miranda
O Centro de Saúde Auditiva Eurico Miranda é uma unidade no Hospital Municipal Dr. Moacyr Rodrigues do Carmo e está em funcionamento. As fontesverificadas mostram que a unidade conta com 40 profissionais, entre fonoaudiólogos, otorrinolaringologistas, neurologistas, pediatras, assistentes sociais e psicólogos.
Em 7 de junho de 2019 houve uma cerimônia de apadrinhamento do centro em nome de Eurico Ângelo de Oliveira Miranda, conhecido pela sua atuação como presidente do Clube Vasco da Gama.
Portanto, a informação é classificada como VERDADEIRA.
Construção do Hospital Júlio Cândido de Brito (Hospital do Olho)
Publicações nas mídias comprovam a abertura do Hospital do Olho, realizada em 28 de dezembro de 2017. Em matéria do Jornal Extra, a unidade é apontada como uma das mais modernas do país, sendo munida de aparelhos de última geração, importados da Alemanha.
Além de pacientes de Caxias, o hospital também atende moradores de outras cidades da Baixada Fluminense e de outras partes do estado. Este empreendimento tem capacidade para realização de 3.700 consultas, 3.100 exames e 990 cirurgias por mês, segundo o Jornal Extra.
A construção do hospital se realizou, fruto das parcerias entre a Prefeitura Municipal de Duque de Caxias (custeou 25% do projeto), o Governo Estadual do Rio de Janeiro (custeou 25% do projeto) e o Governo Federal (custeou 50% do projeto). Ao todo, o investimento total do projeto foi de R$ 15 milhões de reais. (O Globo)
Portanto, esta informação é classificada como VERDADEIRA.
A unidade recebe, em sua maioria, pacientes portadores de paralisia cerebral e autistas. Entre as especialidades médicas estão: Fonoaudiologia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Psicologia, Nutrição e entre outras.
Portanto, esta informação é classificada como VERDADEIRA.
Construção do Centro de Referência e Atenção Especializada à Saúde da Mulher
O Centro de Referência e Atenção Especializada à Saúde da Mulher (CRAESM) foi inaugurado em março de 2017 pela Prefeitura de Duque de Caxias. De acordo com o Portal O Dia, a unidade realiza cerca de 2 mil atendimentos e mais de 30 mil procedimentos por mês, oferecendo serviços em ginecologia, endocrinologia, odontologia, pediatria convencional e homeopática, dentre outros.
O Centro ainda realiza exames como mamografia, densitometria óssea, preventivo, ultrassonografia, histeroscopia com ou sem biópsia, eletrocardiograma e exames de sangue.
Portanto, esta informação é classificada como VERDADEIRA.
Inauguração da Maternidade de Santa Cruz da Serra
Em junho de 2020,foi inaugurada a Maternidade de Santa Cruz da Serrapela Prefeitura de Caxias. Construída em uma área de 4.714 metros quadrados, a unidade de saúde atende mulheres com gravidez de baixo e alto risco, com capacidade para a realização de 1200 partos por mês.
Contando com valor orçado em torno de R$ 11 milhões, a maternidade tem equipamentos modernos e profissionais da área de saúde especializados em atendimento às gestantes.
Segundo informações fornecidas pela Prefeitura, a nova unidade conta com centro cirúrgico, ambientes de recuperação pós anestésica (RPA), Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), além de 20 leitos de neonatal e dez de UTI materna. Há ainda 12 enfermarias com seis leitos cada, uma enfermaria com cinco leitos e mais três de isolamento.
Informação classificada como VERDADEIRA.
Incorporação do centro de imagens “mais moderno do país’ ao Hospital Municipal Duque, que conta com atendimento de emergência 24 horas.
Em 27 de junho de 2020, foi inaugurado o Hospital Municipal Duque, que passou a contar com um moderno centro de imagens, com equipamentos novos que permitirão a realização de exames como ressonância magnética, tomografia, ultrassom 4D, densitometria óssea e mamografia.
De fato, um hospital dessa esfera será um importante instrumento para a saúde pública da população. No entanto, a afirmação que o coloca como o hospital mais moderno do país, sem sequer distingui-lo dos presentes na rede privada, revela tratar-se de uma hipérbole, que pode apresentar uma informação incorreta ao espectador. Ademais, não há dados objetivos disponíveis no Brasil para a verificação deste tipo de abordagem.
Portanto, a informação é classificada como IMPRECISA.
Reprodução /Divulgação
Verificamosque houve investimentos significativos em empreendimentos de saúde do município de Duque de Caxias.
No entanto, vale a indicação aos leitores e leitoras sobre dois elementos que devem ser levados em conta na avaliação deste caso:
1) A publicidade oficial se dá em ano de eleições municipais e, de acordo com a cultura política do Brasil (apesar das leis que buscam regular este abuso), governantes reservam verbas para serviços básicos e inaugurações a fim de alavancar a campanha eleitoral para benefício próprio, buscando como resultado pleitear a reeleição ou galgar a de seus pretensos sucessores;
2) Muitas das ações tomadas pela Prefeitura no contexto da pandemia não são prudentes como as de quem estaria, de fato, investindo na saúde e na vida da população local.
Portanto, o Coletivo Bereia alerta os seus leitores e leitoras a estarem atentos não só aos lançamentos de empreendimentos de saúde, muitas vezes voltados a interesses acima do bem-estar da população, mas, especificamente, à forma como a qualidade de vida e a saúde dos cidadãos e cidadãs estão sendo garantidos.