Matéria da Agência Pública denuncia proselitismo evangélico em comunidades quilombolas

A Agência Pública veiculou em seu site e redes digitais, em 3 de julho de 2023, matéria denunciando o proselitismo abusivo dos evangélicos sobre os praticantes de religiões de matriz africana nas comunidades remanescentes dos quilombos de Pernambuco. De acordo com o texto, os habitantes das comunidades Sítio Bredos, Baixas, São Caetano e Teixeiras, situadas no município de Betânia, no sertão pernambucano, são pressionados a abandonarem suas práticas religiosas e se converterem ao Cristianismo Evangélico. 

Imagem: reprodução do site da Pública

O interesse na prática religiosa dos moradores da região do município de Betânia não começou nesta matéria da Pública. A mesma jornalista, Géssica Amorim,  já havia estado no quilombo Teixeira, em setembro de 2021 e, mais recentemente, em abril deste ano, para conversar com uma mulher que seria a última praticante da Umbanda a se converter ao evangelho na localidade. O The Intercept, usando dados da mesma matéria, também produziu reportagem sobre o tema

Imagem: reprodução do site Marco Zero

Imagem: reprodução do site The Intercept Brasil

De acordo com o texto da Pública, a região, onde vivem aproximadamente 900 famílias, foi tomada por intensa atividade missionária evangélica desde a construção da primeira igreja Assembleia de Deus, há aproximadamente 20 anos e, desde então, nove templos de denominações pentecostais e neopentecostais se instalaram nas comunidades, dentre as quais, Assembleia de Deus, Adventista do Sétimo Dia e a Mundial do Poder de Deus. Ainda, segundo a reportagem, os poucos praticantes da Umbanda que restaram, se sentem intimidados ao realizarem seus rituais e sofrem pressão para deixarem sua religião e se converterem ao Cristianismo Evangélico. 

O que diz a ciência?

A matéria da Pública ouviu a doutora em sociologia, historiadora, escritora e pesquisadora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Carolina Rocha, que estuda conflitos religiosos. Ela explica que o apagamento, a perseguição e a criminalização das tradições de matriz africana é histórica no Brasil de uma forma geral, não apenas em comunidades tradicionais. A pesquisadora ressalta ainda que existe uma série de atores nesse processo, não somente as igrejas cristãs. “Não são só as igrejas que estão despotencializando essas comunidades quilombolas. O Estado também é hostil e racista. O próprio sistema judiciário, que tira filhos de suas mães ou pais porque são levados a terreiros, é racista”, afirma Rocha à Pública. 

Diante da denúncia levantada pela publicação, Bereia ouviu outros pesquisadores que atuam especificamente com o tema das comunidades tradicionais. O sociólogo e antropólogo, doutorando em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), Alef Monteiro explica que, diferente do que supõe o senso comum, que imagina os quilombos como “pedacinhos perdidos da África nos interiores do Brasil”, a realidade não é desta forma. “Até onde nós – estudiosos de comunidades quilombolas sabemos – baseados em evidências arqueológicas, documentais e etnográficas, a religião praticada originalmente nos quilombos é o Catolicismo em sua modalidade popular”, afirma o professor, desfazendo a ideia de que religiões de matriz africanas são as “originais” nesses espaços.

O antropólogo e sociólogo da USP pesquisa movimentos evangélicos em quilombos da Amazônia e recentemente escreveu o artigo: “Dos seus pecados e iniquidades não me lembrarei mais”: intolerância religiosa, ressignificação e “esquecimento” das religiões de matriz afro-brasileira no Quilombo São Pedro, publicado no livro As tramas da intolerância e do racismo, organizado por Ana Paula Mendes de Miranda, Ilzver de Matos Oliveira e Lana Lage da Gama Lima. No estudo, Monteiro apresenta dados que comprovam que a conversão de mais da metade dos moradores da Comunidade Quilombola São Pedro, no município de Castanhal, no Pará, à fé pentecostal, tem apagado as tradições ligadas às religiões de matriz afro-brasileiras na comunidade em questão. “Em minha pesquisa, além de alguns outros efeitos, percebi que a conversão ao pentecostalismo engendra uma ressignificação depreciativa das práticas religiosas de matriz afro-brasileiras, bem como o não acesso das gerações mais jovens ao conhecimento das vivências religiosas de suas famílias no passado”, analisa na primeira página do capítulo supramencionado. 

Imagem: reprodução da capa do livro “As tramas da intolerância e do racismo”

Para o pesquisador da USP,  a reportagem de Géssica Amorim, publicada no site da Agência Pública, apesar de valiosa por trazer ao debate público o fenômeno do crescimento das igrejas evangélicas e decréscimo de religiões de matriz afro-brasileira nos quilombos brasileiros a partir de alguns casos no interior de Pernambuco, deixa lacuna por  desconsiderar fatores científicos já apurados por pesquisadores da área

“Considero algumas ideias exageradas, cientificamente pouco plausíveis e algumas equivocadas. Por exemplo, a ideia de que a chegada das igrejas citadas mudou a dinâmica religiosa local a tal ponto que o avanço evangélico passou a ‘ameaçar as religiões afro’ desconsidera todas as mudanças estruturais pelas quais os quilombos brasileiros, e os quilombos pernambucanos em questão, vêm passando nas últimas décadas”, declarou  ao Bereia o pesquisador Alef Monteiro.  

Monteiro ressalta também que as igrejas evangélicas são apenas uma parte dessa mudança estrutural. “Além de outros motivos corolários, os quilombolas se convertem às religiões evangélicas porque estas lhes parecem estruturalmente dotadas de maior plausibilidade, uma vez que realizam de modo mais eficiente a intermediação entre o imaginário mágico-religioso popular, a racionalidade capitalista moderna e a religiosidade cristã historicamente hegemônica”.  

O doutor em sociologia e professor da Universidade Federal do Maranhão (Ufma) Gamaliel da Silva Carreiro afirma no estudo “O crescimento do pentecostalismo entre quilombolas: por uma sociologia da presença pentecostal em comunidades quilombolas de Alcântara (MA)”, realizado com membros de 16 povoados desta região que, em alguns grupos, o número de evangélicos já supera outras tradições religiosas. “Detectou-se o desaparecimento de parte da cultura oral dos grupos, tais como: contos, lendas e mitos que povoam os mais diferentes lugares da região e o imaginário popular. E, finalmente, verificou-se o questionamento das regras de uso comum da terra. Conclui-se que o pentecostalismo é parte das causas internas que, em consonância com as externas, estão alterando os padrões culturais dos grupos”, aponta no resumo. 

No decorrer do estudo, o pesquisador avalia as causas que levaram os quilombolas de Alcântara à conversão ao pentecostalismo e suas consequências. Assim como o entrevistado pesquisador da USP Alef Monteiro, Carreiro atribui a mudança de crença a uma série de fatores, não apenas ao proselitismo praticado pelas igrejas evangélicas presentes nessas comunidades. “Os quilombos não estão mais isolados no meio da mata, mas encontram-se inseridos em relações capitalistas e elas se intensificam à medida que as distâncias entre os grupos e as grandes cidades diminuem. (…) O pentecostalismo é um pouco mais moderno do que o catolicismo popular, possuindo maiores afinidades eletivas com os valores da sociedade contemporânea. Funcionaria como uma atualização cognitiva que permite ao sujeito entrar e se adaptar no novo mundo”, destaca. 

A geógrafa e pesquisadora do Grupo de Pesquisa GeografAR (vinculado à Universidade Federal da Bahia – UFBA) Edite Luiz Diniz, também foi ouvida pelo Bereia. Mestre em Geografia pela UFBA, Diniz se dedica ao estudo das comunidades tradicionais no litoral norte da Bahia. Segundo a pesquisadora, a situação relatada por Géssica Amorim é um pequeno exemplo de uma realidade que acontece em outras comunidades remanescentes de quilombos no país. “Este caso em Pernambuco reflete justamente a realidade que não está somente em Pernambuco, mas nos diversos territórios onde estão as comunidades tradicionais. Isso é uma pena porque vamos perdendo a nossa cultura, a cultura de base, a cultura do povo, para grupos que têm uma mentalidade totalmente diferente, que usam a religião para que Deus resolva os problemas das comunidades”, afirma.

Ainda de acordo com a geógrafa, a ação de religiosos nos quilombos leva ao enfraquecimento de sua organização interna e de sua capacidade de enfrentamento em prol dos seus direitos básicos, como o acesso à terra, além de gerar o silenciamento. “Os membros das comunidades tradicionais enfrentam a discriminação racial, cultural e religiosa de diversas formas. Eles são desvalorizados, invisibilizados e têm suas fontes de sobrevivência, como a água, contaminados”.  Ela ressalta ainda o exemplo de duas comunidades baianas que estão sofrendo com ataques discriminatórios. “Os quilombos Rio dos Macacos e Porto de Dom João têm sofrido com o fechamento de escolas, não há professores que ensinem sobre a cultura e religiosidade afro-brasileiras. No momento que a religiosidade não é respeitada, contribui com o enfraquecimento da luta pelos direitos dessas comunidades, além de trazer uma outra visão de mundo”, reitera.

O que são povos e comunidades tradicionais? 

De acordo com a definição apresentada pelo Governo Federal, povos e comunidades tradicionais são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (inciso I, Art. 3°, Decreto 6.040/2007).

São considerados como povos e comunidades tradicionais no Brasil os povos indígenas, as comunidades remanescentes de quilombos, os pescadores artesanais, ribeirinhos, os povos ciganos, os povos de terreiro, os pantaneiros, os faxinalenses do Paraná (que consorciam o plantio da erva mate com a suinocultura e com o extrativismo do pinhão, as comunidades de fundo de pasto da Bahia, os geraizeiros, os apanhadores de flores sempre-vivas, entre outros que, somados, representam grande parcela da população brasileira.

Imagem: Reprodução do site do Governo Federal/Instituto Chico Mendes

Os quilombolas

Sobre as comunidades remanescentes de quilombos, a historiografia oficial afirma que os primeiros quilombos surgiram no Brasil ainda no século XVI, no início da colonização, quando grupos de africanos e afrodescendentes, fugindo do sistema escravista decidiram se reunir em comunidades para resistir à recaptura, ocupando terras de difícil acesso, longe das fazendas, mas também com o anseio de manterem suas tradições e culturas vivas.

De acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no dia 27 de julho de 2023, a população quilombola no Brasil é de 1.327.802 pessoas e  representa 0,65% do total dos habitantes do país. Essa é a primeira vez que o IBGE investiga os quilombos brasileiros, os dados fazem parte do Censo 2022. Ainda dentro das informações divulgadas, a região Nordeste continua sendo a maior concentração de quilombolas, com 68,19%. De todos os estados brasileiros, a Bahia possui a maior quantidade de quilombolas: 397.059 pessoas, um percentual de 29,90%. O estado ultrapassa o Maranhão (com 269.074 pessoas), Minas Gerais (135.310), Pará (135.033) e Pernambuco (78.827). Bahia e Maranhão concentram metade (50,16%) da população quilombola do país.

Imagem: reprodução do site do IBGE

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Bereia teve acesso às matérias da Agência Pública e do site Intercept Brasil publicadas em em 3 de julho de 2023 e 10 de maio de 2023, respectivamente, e, dada a relevância do tema, foi feita uma pesquisa mais abrangente sobre outras abordagens referentes à temática.

  • o pesquisador Alef Monteiro ouvido pela reportagem alerta para um conjunto de situações para além do proselitismo de igrejas evangélicas que afetam a sobrevivência de tradições de matriz africana em quilombos,  e entende que apontar a ação pentecostal como principal causa é exagerado, “cientificamente pouco plausíveis e equivocado”. Para ele, a conversão se dá, porque há um interesse maior nessa religião em detrimento da anterior por fazer uma ponte mais racional entre o espiritual e o capitalismo. 
  • Gamaliel Carneiro em suas pesquisas também fala dessa peculiaridade que torna o pentecostalismo tão atraente aos quilombolas. Ele aborda fatores externos e internos que causam tais mudanças nas comunidades objetos do estudo em questão. Sobre os internos, reconhece o papel das igrejas pentecostais, entre os externos está a proximidade com as cidades, centros urbanos, dando acesso ao “estilo de vida atraente” desses locais. De acordo com Carneiro, os quilombolas são atraídos para as igrejas evangélicas por estas terem “afinidades eletivas com os valores da sociedade contemporânea”. 
  • A pesquisadora da UFBA Edite Luiz Diniz, também ouvida pelo Bereia, reconhece o pentecostalismo como agente nocivo à manutenção das tradições quilombolas e aponta essas igrejas como responsáveis por prejuízos que vão além da religiosidade, questão também citada por Carneiro ao reconhecer a valorização do indivíduo em detrimento do coletivo como uma mudança cultural trazida pela igreja evangélica. 

Bereia considerou a matéria imprecisa pois, apesar de trazer dados verdadeiros e relevantes, não considera os amplos elementos contextuais que são responsáveis pelas mudanças ocorridas nos quilombos em Betânia (PE). O artigo não traz à baila a reflexão promovida por diversas pesquisas específicas da área. Com isso, pode-se levar leitores e leitoras a um julgamento equivocado de que as denominações evangélicas presentes na região são as únicas responsáveis pelo processo de extinção de expressões religiosas e culturais quilombolas que está em curso. Tal abordagem generalizante pode reforçar preconceitos e promover intolerância religiosa.

Bereia identificou que, ao final da matéria da Pública, foi buscado superar o risco da generalização e destacada a existência de atuação de evangélicos, em especial de um pastor de uma Igreja Batista na região, por meio do projeto Nós na Criação, em apoio aos quilombos, em diálogo e cooperação inter-religiosa. Como a abordagem foi muito resumida, Bereia buscou contato com as fontes citadas para ampliar, aqui nesta matéria, a informação sobre a atuação deste grupo de evangélicos. Os pastores até retornaram o contato mas estão em uma imersão e não puderam responder às questões enviadas. Tão logo enviem uma resposta, esta matéria será atualizada.

Referências de checagem:

Agência Pública:

https://apublica.org/2023/07/avanco-evangelico-ameaca-religioes-afro-em-quilombos-de-pernambuco/ Acesso em 25 de outubro de 2023

Brasil de Fato:

https://www.brasildefato.com.br/2023/07/04/avanco-evangelico-ameaca-religioes-afro-em-quilombos-de-pernambuco Acesso em 25 de outubro de 2023

Africas:

https://www.africas.com.br/noticia/avanco-evangelico-ameaca-religioes-afro-em-quilombos-de-pernambuco Acesso em 25 de outubro de 2023

Marco Zero: 

https://marcozero.org/a-conversao-da-ultima-umbandista-do-quilombo-teixeira/ Acesso em 25 de outubro de 2023

The intercept Brasil: 

https://www.intercept.com.br/2023/05/10/neopentecostais-intimidam-adeptos-de-religioes-afro-com-assedio/ Acesso 25 de outubro de 2023

Editora Telha: 

https://editoratelha.com.br/product/as-tramas-da-intolerancia-e-do-racismo/ Acesso 25 de outubro de 2023 

Instituto Chico Mendes:

https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/populacoes-tradicionais Acesso em 25 de outubro de 2023

Fundação Interamericana:

https://www.iaf.gov/pt/content/historia/making-their-own-way-brazils-quilombola-communities/  Acesso em 25 de outubro de 2023

IBGE: 

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/37464-brasil-tem-1-3-milhao-de-quilombolas-em-1-696-municipios Acesso em 25 de outubro de 2023

A voz do sangue clama

As notícias que inundaram nossas redes sociais nos últimos dias, acerca do extermínio do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips mostraram a face brutal que banha nosso território de sangue desde a colonização. Muitas coisas deveriam vir à tona nas nossas reflexões, especialmente se somos seguidores de Jesus Cristo. Para além da comoção midiática que fenece, que nossos corações encontrem razões para dar continuidade a relevante história que estava sendo escrita por estes e tantos outros. 

Primeiramente, precisamos erguer um memorial que não seja apagado pelo tempo e cumpra a função de nos lembrar da missão profética que eles exerciam, denunciando que as violências ao corpo da terra e aos corpos dos vulneráveis se tornaram insustentáveis. As palavras fortes destes homens, precedidas pelas de outros mártires como Chico Mendes e Dorothy Stang, precisam ter continuidade antes que vivamos a realidade de uma terra arrasada. 

Na verdade, já estamos experimentando os efeitos dos maus tratos a Casa Comum como a destruição de espécies inteiras da fauna e flora, o aumento da temperatura, a escassez de água potável e alimentação sem veneno e, acima de tudo, o apagamento da herança indigena, fundamental a nossa formação como povo brasileiro. O direito à memória destes homens precisa ser respeitado pois evoca a vida e esta é uma questão justa conforme o Evangelho ensina.

Em segundo lugar, em tempos brutos como estes que vivemos, recusar-se ao silêncio e prosseguir na luta pela verdade e pela justiça é algo admirável mas que não deveria ser extraordinário: pelo contrário, deveria ser nossa forma de ser no mundo. O amor que Bruno e Dom tinham pela criação, pelos povos do Brasil e o empenho na defesa do direito à vida digna deve nos incitar a fazer a diferença onde vivemos.

Nossas comunidades de fé precisam ser estabelecidas a partir do desejo visceral de modificar a vida das pessoas para melhor, não por proselitismo mas pelo fato de que carregamos em nós a vida de Cristo. Esta precisa ser a nossa práxis de todo dia a fim de que a história da igreja evangélica no Brasil seja pintada com as tintas da solidariedade e não mais a partir do terrível apoio a políticas de morte que em absolutamente nada glorificam o nome de Deus.

Por fim, urge desejar que a justiça corra como um rio (Amós 5.24) mais do que nunca. Até quando suportaremos ambientalistas sendo violentamente dizimados por defenderem a harmonia com a criação de Deus em suas diversas redes de conexão? Permaneceremos silentes diante da morte de homens e mulheres que dedicaram os melhores anos de suas vidas à defesa dos povos historicamente invisibilizados como são os indígenas, os quilombolas, os ribeirinhos e tantas outras comunidades tradicionais? Não podemos banalizar isto, irmãos e irmãs!

O testemunho de vida e amor de Bruno e Dom nos confronta com a necessidade de ter coragem de estar ao lado dos que estão sendo vítimas de múltiplos silenciamentos e violências. Quem tem familiaridade com o texto sagrado não pode fechar os olhos e lidar com este tema como se não houvesse ligação com a fé que professamos. Recebemos a divina ordem para ”soltar as ligaduras da impiedade, desfazer as ataduras do jugo, deixar livres os oprimidos e despedaçar todo o jugo” (Isaías 58.6). O que ainda esperamos?

A ressurreição de Cristo nos ensina a potente lição de que a vida vence no final e que precisamos estar ao lado dela e dos vulneráveis sempre. A voz do sangue destes homens clama desde a terra e enquanto a igreja permanecer adormecida, infelizmente não seremos testemunhas dignas do Cristo.

Discurso de Damares à ONU engana a respeito de ações do Governo na pandemia

Por meio de um pronunciamento gravado, a Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves participou da reunião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) em 22 de fevereiro. O portal gospel Pleno News noticiou o evento e destacou a afirmação da ministra em defesa da família. No entanto, a matéria não aponta a desinformação contida no discurso de Damares Alves, que abordou desde o combate à pandemia até o orçamento para os direitos das mulheres.

O governo não apresentou planos estruturados contra da covid-19

Logo na abertura de seu discurso, a ministra afirmou: “A Covid-19 impôs ao mundo inteiro grandes desafios na área dos direitos humanos, especialmente entre os grupos mais vulneráveis. Para enfrentar essa realidade, o governo brasileiro apresentou planos de contingência estruturados nos eixos saúde, proteção social e proteção econômica.”

De fato, a pandemia atinge com maior gravidade grupos mais vulneráveis. Uma nota técnica publicada em maio de 2020 pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS), que reúne acadêmicos da PUC-Rio, FioCruz, USP e IDOR,  concluiu que a taxa de letalidade da covid-19 é maior entre pretos e pardos em relação aos brancos. O estudo levou em conta cerca de 30 mil casos encerrados, ou seja, que já tiveram desfecho: óbito ou recuperação (alta). Destes, 37,9% dos brancos faleceram. Essa taxa sobe para 54,7% entre pretos e pardos. Essa taxa também é maior conforme o grau de escolaridade das pessoas diminui. Cerca de sete em cada dez dos casos daqueles sem escolaridade terminaram em óbitos. Entre aqueles com Ensino Superior, o índice cai para 22,5%. .

No entanto, apesar do Governo Federal ter custeado até dezembro de 2020 o Auxílio Emergencial, promovido o Programa de Manutenção do Emprego e Renda, não houve um plano estruturado para o combate à pandemia. Pelo contrário, o presidente Jair Bolsonaro minimizou diversas vezes a gravidade da doença em prol da prioridade às  atividades econômicas. Além disso, o presidente também agiu contra a vacinação no país.. 

Bereia já havia verificado como falsa a afirmação – repetida pelo próprio presidente – de que o Supremo Tribunal Federal teria impedido o Governo Federal de agir contra a pandemia. O STF determinou que União, Estados e Municípios têm responsabilidade concorrente diante da crise sanitária.

Cestas básicas citadas pela ministra são cumprimento de obrigação (e não iniciativa) do Governo

No pronunciamento à reunião da ONU, Damares Alves citou que mais de 700 mil cestas básicas foram distribuídas para indígenas e quilombolas. Entretanto, em setembro de 2020, a Justiça Federal exigiu do Governo a distribuição de cestas básicas e kits de higene para indígenas do médio do Xingu, no Pará, por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai) e Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) enquanto durar a pandemia. 

À reportagem da Rádio Agência, a Funai esclareceu que cumpriria a decisão depois da apresentação de alguns critérios de identificação pelo juiz federal. A Fundação afirmou que já faz ações do tipo. De fato, entregas de cestas básicas e kits de higiene fazem parte do Plano de Enfrentamento e Monitoramento da Covid-19. O plano revisado foi entregue em setembro ao STF por determinação do ministro Luís Roberto Barroso. A versão, no entanto, não foi homologada por Barroso, que demandou um novo plano. Entre os argumentos da negativa está a consideração, por parte do ministro, que a redação foi genérica e vaga. 

Apenas 2,7% do valor empenhado às políticas para mulheres foi gasto

Damares Alves também disse à ONU que o orçamento de 2020 para os direitos das mulheres foi o maior dos últimos cinco anos. É o que divulga o site do Governo Federal sobre o trabalho da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM). No entanto, um levantamento da agência Gênero e Número aponta que apenas 2,7% do valor empenhado para o Direitos das Mulheres foram gastos pelo governo.

Nesse sentido, destaca-se o baixo investimento na Casa da Mulher Brasileira. O levantamento da Gênero e Número mostra que de R$ 61 milhões de reais empenhados foram gastos apenas R$ 66 mil, pouco mais de 0,1% Em junho de 2020, um pronunciamento do Governo Federal explicou que a execução de verba só tinha sido autorizada em maio daquele ano por conta da pandemia.

Um estudo da consultoria da Câmara dos Deputados, divulgado em junho, apontou que o Governo tinha gastado, até aquele momento, apenas R$ 5,6 milhões dos R$ 126,4 milhões previstos para políticas direcionadas aos direitos das mulheres, menos de 5%. A situação estava no contexto de um aumento de denúncias de violência contra mulher. Abril de 2020 apresentou um aumento de 35% dessas denúncias em relação ao mesmo mês do ano anterior.

Defesa dos idosos e vacinação

A matéria do site gospel Pleno News ainda relata que a ministra destacou ações pelos idosos, como combate à violência e prioridade na vacinação no contra covid-19. É verdade que os números de denúncias de violência a idosos aumentaram. Dados obtidos via Lei de Acesso à Informação demonstram que foram feitas 25.533 denúncias ao Disque 100 entre março e junho de 2020. Esse número representa um aumento de 59% em relação ao mesmo período do ano passado. 

Além disso, é também verdadeiro que o Governo Federal agiu para investigar e punir a violência contra idosos. A fala da ministra se refere à Operação Vetus, uma cooperação do Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos e do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A ação aconteceu no DF e nos 26 estados e desde o início, em 1 de outubro, até 4 de dezembro, 567 pessoas foram detidas.

Já sobre a prioridade na vacinação contra a covid-19, idosos, de fato, fazem parte dos grupos prioritários, como divulgou o Ministério da Saúde, seguindo as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS). A ordem pela qual os diferentes perfis de idosos (por idade, por exemplo) serão imunizados fica a cargo de estados e municípios. 

A prioridade aos idosos tem sido padrão em outros países que já iniciaram a vacinação. No Reino Unido, profissionais de casas de cuidados com este grupo de pessoas são a primeira prioridade, seguidos daqueles com 80 anos ou mais e os profissionais de saúde e assistência social. Os próximos da fila são outros grupos de idosos. Israel também priorizou idosos, como mostram os dados coletados pelo Our World In Data.

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos recomenda que profissionais de saúde e de asilos sejam a primeira prioridade, seguidos de profissionais de atividades essenciais e pessoas com 75 anos ou mais. Nos EUA, cada estados define seu próprio plano de vacinação. Fica não-dito no pronunciamento da ministra, a não priorização da compra de vacinas por parte do governo do Brasil, que centralizou o processo e não tem um plano efetivo, diferentemente de outros países

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Bereia conclui que a matéria do site Pleno News é enganosa ao tratar do discurso da ministra Damares Alves. O texto apenas reproduz o que disse a ministra sem verificar se o pronunciamento condiz com as ações do governo federal. É verdadeiro que tem havido combate à violência contra idosos e que há prioridade a essa parcela da população na campanha de vacinação, o que significa seguir as orientações da Organização Mundial de Saúde, o que tem já sido feito por muitos países.

Por outro lado, é impreciso afirmar que o governo federal foi responsável pela distribuição de kits de higiene e cestas básicas para indígenas, sem considerar que uma parcela dessas ações estiveram negligenciadas e, por isso, foram determinadas pela Justiça. Além disso, o plano da Funai para combate à covid foi mal elaborado e não foi homologado pelo STF.

De igual forma, as afirmações de Damares Alves quanto ao investimento pelos direitos das mulheres e sobre a iniciativa estruturada do Governo Federal contra a pandemia não se sustentam – a primeira pode ser confrontada com dados oficiais do próprio Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos  e a segunda, pela postura do presidente Jair Bolsonaro, que minimiza permanentemente a gravidade da situação e tem agido contra a vacinação.

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Foto de Capa: Print do vídeo/Reprodução

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Referências

Carla Zambelli (Youtube), https://www.youtube.com/watch?v=DQAeheOMDFA&feature=emb_logo. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS), https://drive.google.com/file/d/1tSU7mV4OPnLRFMMY47JIXZgzkklvkydO/view. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Caixa Econômica Federal, https://www.caixa.gov.br/auxilio/PAGINAS/DEFAULT2.ASPX. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Ministério da Economia, https://servicos.mte.gov.br/bem/. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

O Estado de São Paulo, https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,maricas-histeria-nao-sou-coveiro-relembre-frases-de-bolsonaro-sobre-a-covid-19,70003509925. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Revista Piauí, https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-sabotador/. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Bereia, https://coletivobereia.com.br/site-gospel-desinforma-ao-noticiar-que-cidades-ignoram-decreto-presidencial-sobre-abertura-de-igrejas/. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Agência Brasil, https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/geral/audio/2020-09/justica-determina-distribuicao-de-cestas-basicas-indigenas-no-para. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Governo Federal, https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/setembro/PlanoREVISADO1.pdf. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

STF, http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=453860. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Governo Federal, https://www.gov.br/pt-br/noticias/assistencia-social/2021/01/atual-gestao-investe-em-politicas-para-as-mulheres-mais-do-que-os-cinco-anos-anteriores. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Gênero e Número, http://www.generonumero.media/orcamento-damares-2020-mulheres-lgbt/. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Governo Federal, https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/junho/orcamento-destinado-a-casa-da-mulher-brasileira-cresce-mais-de-200-em-2020. Acesso em 25 de fevereiro de 2021.

Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira, https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/estudos/2020/ET16_Violncia_MUlher.pdf. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

G1, https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/10/29/cresce-59percent-o-numero-de-denuncias-de-violencia-contra-o-idoso-no-brasil-durante-a-pandemia-da-covid-19.ghtml. Acesso em: 01 de março de 2021.

G1, https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/12/04/operacao-combate-crimes-de-violencia-contra-idosos-em-todo-pais.ghtml. Acesso em: 01 de março de 2021.

Governo Federal, https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/entenda-a-ordem-de-vacinacao-contra-a-covid-19-entre-os-grupos-prioritarios. Acesso em: 01 de março de 2021.

Nações Unidas, https://news.un.org/pt/story/2020/12/1735372. Aceso em: 02 de março de 2021.

Gov. UK, https://www.gov.uk/government/publications/covid-19-vaccination-care-home-and-healthcare-settings-posters/covid-19-vaccination-first-phase-priority-groups. Acesso em: 01 de março de 2021.

Our World In Data, https://ourworldindata.org/vaccination-israel-impact. Acesso em: 01 de março de 2021.

CDC, https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/vaccines/recommendations.html. 01 de março de 2021.

Superar a desinformação sobre a defesa da população quilombola é desafio no Dia do Meio Ambiente

Publicado originalmente no Instituto Socioambiental (ISA), Milene Maia Oberlaender*

Hoje é Dia Mundial do Meio Ambiente e, nesse dia, compartilho com você a história de uma parceria que nasce no seio da nossa atuação em defesa dos povos da floresta – os povos com quem trabalhamos há bastante tempo e que vivem da floresta e pela floresta, cuidando do meio ambiente e garantindo floresta em pé. Dessa vez, nossa parceria é com os quilombolas.

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e o Instituto Socioambiental (ISA) lançaram, no dia 28/5, o Observatório da Covid-19 nos Quilombos. A plataforma online, com dados atualizados sobre casos da doença nos territórios quilombolas de todo o Brasil, apresenta casos monitorados, confirmados e óbitos decorrentes da Covid-19 entre quilombolas.

Essa iniciativa única só é possível porque Conaq e ISA trabalharam juntos para monitorar e divulgar os casos, uma informação pública de extrema importância.

Ao fazer esse monitoramento, queremos evitar subnotificações de casos, o não cumprimento dos direitos constitucionais e a não efetivação da titulação definitiva dos territórios.

Os quilombolas estão em uma situação de extrema vulnerabilidade. Desde que a Covid-19 causou seu primeiro óbito em quilombolas, tem morrido um quilombola por dia. A plataforma de monitoramento nasceu para apoiá-los com informações e para pressionar o governo para implementar políticas públicas emergenciais para estas populações. Além disso dar transparência à sociedade civil sobre a situação do Covid-19 nos quilombos, porque o racismo estrutural e institucionalizado não evidencia a real situação. Saiba mais aqui.

Sandra Maria Andrade, coordenadora da Conaq, conta que “a maioria dos territórios está distante de hospitais estruturados e próxima a municípios onde a saúde é sucateada e onde não chegam nem mesmo os testes rápidos.”

“Mais uma vez, deliberadamente, a população quilombola desse país é colocada no esquecimento, na invisibilidade e é excluída do processo de distribuição das políticas públicas. Neste sentido, a plataforma tem o objetivo de concentrar as informações em um espaço com frequentes atualizações”, afirma

Além de visitar a plataforma, assista à live de lançamento dessa iniciativa, que contou com a participação da Sandra Maria Andrade, da Conaq, da Jurema Werneck, da Anistia Internacional e do ISA.


Ana Mendes / Imagens Humanas

Dentre as várias formas de lutarmos pelo Meio Ambiente, estarmos juntos na luta pela sobrevivência dos quilombolas – “As vidas quilombolas importam!” – é uma das mais poderosas! Confira a plataforma https://quilombosemcovid19.org/

Nota do CONAQ sobre desinformação e descaso quanto à população quilombola

Nós, Quilombolas do município de Moju, em razão da resposta apresentada pelo Sr. GABRIEL PEREIRA LIRA, Procurador Geral do Município de Moju – PA, ao Dr. BRUNO BECKEMBAUER SANCHES DAMASCENO, Promotor de Justiça. Vimos apresentar nossas devidas considerações.


A resposta do Sr. Lira apresenta um conjunto de justificativas bonitas, porém em desacordo com a realidade de nossas comunidades. De acordo com o Sr. Lira, a prefeitura de Moju, criou um Plano de Contingência consistente para o enfrentamento ao Coronavírus (COVID -19), e conforme consta no referido plano, (Esqueceu dos Quilombolas). “Os pacientes com sintomas não graves estão sendo atendidos e recebendo as medicações receitadas nas Unidades de Saúde (UBS’s) e no ambulatório municipal. Os pacientes com febre, tosse, falta de ar, estão sendo atendidos e recebendo todas as medicações necessárias na Unidade Mista de Saúde” (Esqueceu dos Quilombolas). Complementa que essas medidas têm evitado o agravamento da doença, descentralizado o atendimento, evitado o deslocamento da zona rural para o centro da cidade e, principalmente, o estrangulamento das unidades de saúde municipal. (Menos os quilombolas)


Quando o Sr. Lira afirma que as medidas da gestão municipal: “têm evitado o agravamento da doença, descentralizado o atendimento, evitado o deslocamento da zona rural para o centro da cidade”, aqui demonstra claramente que no seu entendimento, e porventura o da prefeitura, preconceituoso, o município só é composto pela parte urbana da cidade, pois busca “evitar o deslocamento da zona rural para o centro da cidade”, criando mecanismos de contenção para promover o isolamento social, mas desconsidera o contrário, criar mecanismos de contenção para também evitar o deslocamento do centro da cidade para a zona rural, visto que em nossas comunidades há um enorme trânsito de moradores da cidade, vindo utilizar nossos balneários e outros recursos e, por sua vez, trazer o vírus as nossas comunidades.

Não há um sistema de monitoramento e controle de trânsito em sentido contrário, o que nos indigna em saber que nossas vidas são desconsideradas como mojuenses, visto que é concebida como se fossemos invisíveis, o resto, os sub-cidadãos.


Ao apresentar medidas que estão sendo tomadas pela prefeitura, por meio de sua Secretaria Municipal de Saúde, afirma que a prefeitura iniciou diversas campanhas de conscientização, distribuição de mascaras e materiais de higiene e limpeza em todas as regiões do município, (Esqueceu-se dos Quilombolas) “os quais impuseram medidas de restrições ao deslocamento de pessoas, ao comércio local, visando evitar aglomerações e promovendo o chamado isolamento social, sendo está a única medida eficaz de – combate ao – contágio no território municipal e como justificativa a realidade questionada pelas comunidades quilombolas”, dá exemplo das comunidades abrangidas pelas Unidades Básicas de Saúde – “Nossa Senhora das Graças” e São Manoel”, localizadas em nossos territórios quilombolas. Afirmando que nessas UBS são realizadas consultas médicas, testagem, distribuição de medicamentos, mascaras, kits de prevenção à COVID 19, entre outros.

Falta lâmpadas para iluminar o postto de Saúde São Manoel | Foto: divulgação

Essas afirmações de medidas apresentadas em nossas comunidades são completamente fora da realidade e descabidas, aumentando nossa indignação. Primeiro porque nossos postos de saúde estão em decadência e sem estruturas adequadas há anos, não tendo condições de responder por situações contingentes de pandemias, visto que nem do trabalho usual conseguem dar conta da demanda de assistência à saúde.

O que demonstra que o sistema de saúde municipal é deficiente em relação aos postos localizados nas comunidades quilombolas a ponto de comprometer até a atenção básica à saúde, verdadeiro motivo de suas existências. Parece que os gestores nem sabem da real situação de nossos postos para virem afirmar que “são realizadas consultas médicas, testagem, distribuição de medicamentos, mascaras, kits de prevenção à COVID 19”.

Faltam vidros nas janelas e até atendimento médico no Posto de Saúde São Manoel. | Foto: Divulgação

Não podemos aceitar que afirmações como: testagem, distribuição de medicamentos, mascaras, kits de prevenção à COVID 19 possa ser apresentada como uma realidade em nosso território. Vamos aos fatos apresentando a realidade de dois exemplos citados pelo Sr. Lira:

  • 1. UBS São Manoel – O posto está em condições de inadequação para uso (veja fotos em anexo), não há médicos e nem enfermeiros, sendo cuidado apenas por um Agente de Saúde. Quando houveram casos de sintomas parecidos aos da COVID-19, os comunitários tiveram que deslocar-se para a UBS Nossa Senhora das Graças para receber atendimento mínimo. Houve, de março para cá dezenas de pessoas acometidas por doença, cujos sintomas, os colocam como suspeitos de COVID-19, nas comunidades da região de São Manoel e que não sabemos a real situação, visto que não foram testados, por não houver testes disponíveis em nossos postos de saúde.
  • 2. UBS Nossa Senhora das Graças Se houve entrega de material, testagem, mascaras, par a prevenção à COVID-19, as comunidades não foram informadas, pois há falta desses materiais nessa UBS. Faltam inclusive produtos e medicamentos básicos como hipoclorito e paracetamol. A ambulância que devia estar fazendo o trabalho de transportar pacientes em situação de risco, em diversos casos, não se encontra na comunidade. O médico e a enfermeira da UBS Nossa Senhora das Graças adquiriram sintoma que se assemelharam a Covid-19, deixando o posto sem profissionais e sem atendimento por um período, e não foram encaminhados outros profissionais para os substituírem no posto e poder permitir o funcionamento normal e efetivo diante dessa situação de emergência que vivemos.
  • 3. UBS da Ribeira – O posto foi pintado em novembro/dezembro de 2019 e desde esse período está fechada, servindo como abrigo a morcegos. Na comunidade da Ribeira muitos ficaram doentes com sintomas da COVID-19 e pelas dificuldades de transporte, não conseguiram se consultar na Unidade Mista de Saúde de Moju, os casos graves foram deslocados para Belém por conta própria, pois, sabemos da realidade que infelizmente nosso município nos oferece: sem respiradores e sem UTI, deixando nossas comunidades sem nenhum suporte por parte da Prefeitura.

De acordo com o plano de contingência apresentado, o Núcleo de Vigilância em Saúde (NUVS), através da Atenção Básica, se deveria: Orientar os profissionais de saúde dos estabelecimentos de atenção básica, Unidades Básicas de Saúde, quanto aos protocolos e fluxos estabelecidos para o atendimento, manejo e vigilância epidemiológica do 2019-nCoV estabelecidos nacionalmente, para: Garantir a detecção oportuna de casos de síndrome gripal; Avaliar todo caso de síndrome gripal quanto ao histórico de viagem e contatos, conforme definição de caso; Notificar imediatamente a vigilância epidemiológica municipal; Garantir o manejo do paciente, conforme protocolo de manejo e tratamento de síndrome gripal e respiratória aguda grave.

Vale lembrar que até mesmo os ACS, por exemplo, relatam que para atuarem corretamente na condição dessa pandemia, tiveram que aprender por conta própria. Assim, faltou e ainda falta orientação aos agentes de saúde para procedimentos adequados diante da situação. Os Agentes Comunitários de Saúde de nossas comunidades tiveram de buscar informações na internet e nas mídias para poder orientar aos comunitários, eles receberam duas máscaras e um vidro de álcool em gel para trabalhar o mês todo.

Não receberam nenhum material impresso de orientação ou divulgação sobre as formas de prevenção para distribuir às famílias. Esses Agentes tiveram  que ser criativos de sua forma para poder dar as orientações adequadas às pessoas deixando esses técnicos e profissionais sem saber o que fazer diante dessa pandemia e vendo as condições de saúde de nossos comunitários em desolação.

No início de março os quilombolas da comunidade de Jacunday acionaram o Secretário de Saúde do Município, o Sr. Michel Garcia, para tomar providências na comunidade diante de uma situação de 21 pessoas com sintomas parecidos aos da COVID-19, o Sr. Secretário ficou de enviar uma equipe para fazer testagem desde março e até hoje nenhuma equipe apareceu na comunidade.
As demais comunidades: Juquiri, Bosque, Mou-miri, Laranjituba, África, Samaúma, Cacoal, Espirito Santo e Castelo, são comunidades que não tem postos de saúde e não houve atendimentos de algumas espécie para os casos vinculados a pandemia. Assim como o Jacunday, África e Moju Miri,também acionaram o secretário de saúde e mais uma vez não tiveram seus pedido atendidos.

Vacinas básicas com as da gripe que deveria ter chegado junto com a campanha que foi realizada a nível nacional, por exemplo, ainda não chegou aos territórios de Jambuaçu e demais. Temos idosos, pessoas em situações de risco, crianças, todos desassistidos nesse momento especial.

Essa é a realidade de nossos territórios, que diverge das informações apresentadas pelo Sr. Lira e nos deixa indignados com a desinformação que nos é apresentada, mas também com o descaso com que somos tratados. Não temos dados concretos da realidade de nossos territórios, não sabemos quantos casos reais temos, nem a situação que estamos, se nossa realidade está no nível de Alerta, Perigo Iminente ou Emergência em Saúde Pública. Pois, não temos diagnóstico de nossas áreas para afirmar nossa real situação.

Por esses motivos, apresentamos nosso repúdio aos esclarecimentos dados pelo Sr. Lira, visto que desconhece nossa realidade, busca fazer propaganda de fatos inverídicos e tem viés discriminatórios às comunidades quilombolas, apresentando um despreparo e descuido com as informações apresentadas, o que leva a nós quilombolas a nos sentir ofendidos diante dessa resposta mal formulada.

Por fim, queremos dizer que existem comunidades quilombolas para além do Jambuaçu que o plano de ação em nenhum momento se refere a nenhum quilombola, comprovando o descaso com essa população que, por lei tem direito à políticas com recorte racial. Aproveitamos para convocar os gestores municipais para uma visita as nossas comunidades para conhecer a realidade.

Foto do posto São Manoel: Divulgação

Atenciosamente, assinam a nota as Comunidades Quilombolas de Moju:


1- Comunidade Quilombola São Sebastião – Jambuaçu
2- Comunidade Quilombola Laranjituba;
3- Comunidade Quilombola Cacoal ;
4- Comunidade Quilombola Espirito Santo;
5- Comunidade Quilombola Moju Miri;
6- Comunidade Quilombola África;
7- Comunidade Quilombola São Jorge;
8- Comunidade Quilombola Sitio Bosque;
9- Comunidade Quilombola Juquiri;
10- Comunidade Quilombola Santa Maria – Jambuaçu;
11- Comunidade Quilombola Jacunday;
12- Comunidade Quilombola São Manoel – Jambuaçu;
13- Coordenação Estadual das Associações Quilombolas do Pará;
14- Bambaê Quilombola – Coordenação das Associações Quilombolas de Jambuaçú – Moju – Pará.

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