ELEIÇÕES 2024 – Pânico sobre Plano Nacional de Educação e ideia de perseguição a cristãos preparam terreno para eleições

A cinco meses das eleições municipais de 2024, temas que aparecem com frequência em espaços religiosos ganharam destaque nas últimas semanas: a imposição do medo de doutrinação ideológica em escolas e a já conhecida suposta perseguição  contra cristãos e seus símbolos de fé. 

Em 7 de junho, a vereadora de Campinas (SP) Débora Palermo (PL),  membro da Igreja do Nazareno, convocou seus seguidores para uma reunião da Frente Parlamentar de Políticas Públicas para Crianças e Adolescentes em Campinas, que discutiu os “riscos” do Plano Nacional de Educação (PNE) e do Sistema Nacional de Educação (SNE). 

Em vídeo publicado em seu perfil do Instagram, a vereadora evangélica diz que “coisas terríveis” são propostas pelo Plano: “Você sabe quantas vezes é usado o termo ‘LGBTQIA+’ e ‘gênero’ nessa proposta? E você sabe quantas vezes é usado o termo ‘língua portuguesa’ e ‘matemática’? (…) É um plano que é contra as escolas cívico-militares, é contra as escolas cristãs, é uma ideologia, uma manipulação de nossas crianças e isso não pode ocorrer. Você tem que conhecer, tem que discutir junto conosco esse plano aqui na segunda-feira”.

Imagem: Reprodução do Instagram

Esta é uma das muitas menções críticas alarmistas, desde a realização da Conferência Nacional de Educação (Conae), em janeiro passado. Na época, por exemplo, o deputado federal Mario Frias (PL-SP)  compartilhou um vídeo no Instagram com a frase “Esquerda projeta ditadura psicopedagógica para os próximos 10 anos” e a chamada que propaga pânico “Projetam seus filhos!!!”.

Imagem: Reprodução do Instagram

Estes discursos se assemelham ao proferido pela vereadora Débora Palermo e pelos palestrantes da 3ª reunião da Frente Parlamentar de Políticas Públicas para Crianças e Adolescentes de Campinas.

A recorrência desses temas tem levado  o Bereia a verificar informações e conteúdos que se relacionam direta ou indiretamente com os fatos que ganharam repercussão neste mês de junho. Veja, a seguir, a checagem das afirmações de políticos influentes em grupos religiosos sobre o Plano Nacional de Educação e a Conferência Nacional de Educação, que fez recomendações para o texto final.

A repetição de falsidades e pânico moral no evento organizado pela vereadora de Campinas 

O conteúdo do vídeo divulgado pela vereadora Débora Palermo é apenas um extrato do conteúdo que permeou a reunião que a Câmara de Vereadores de Campinas realizou. Uma das palestrantes do evento é a advogada Adriana Marra, que foi candidata não eleita deputada federal pelo PROS de Minas Gerais em 2022, tendo recebido 1.230 votos. Durante a fala de Marra na reunião,  ela afirma que o PNE é parte de um projeto de poder cujas estratégias podem envolver orgias com crianças de tenra idade.

“Essas estratégias que são usadas hoje aqui no Brasil elas já foram usadas, já estão descritas, conhecidas há mais de um século. A começar na caída do Império Russo, quando quando o comunismo ascendeu lá as estratégias eram alienar as famílias, embebedar os pais, trabalhar com pornografia e orgias com crianças de tenra idade, a afastar essa população das igrejas”, disse a advogada. 

Bereia verificou que, além de não haver há qualquer registro histórico que comprove a alegação de Adriana Marra, a advogada recorre ao imaginário do “perigo comunista”, abordagem frequente entre partidários do extremismo de direita no Brasil. 

Imagem: Reprodução do Youtube

Outra palestrante da reunião promovida pela vereadora Débora Palermo, foi a professora e proprietária do Centro Educacional CONSER (Rio Verde – GO) Osvaldina Paula de Oliveira. Ao buscar mais referências sobre a escola, Bereia identificou um perfil no Instagram que tem nos destaques uma aba “Igreja” entre outras que também incluem “CONAE”. 

Imagem: Reprodução Instagram da Escola Conser

No destaque “CONAE” há muitas imagens e vídeos críticos à conferência, classificados como “absurdos”,  entre eles um vídeo, no qual uma participante associa a professora e escritora bell hooks à pedofilia. 

Imagem: Reprodução do Instagram da Escola Conser

A mulher relata no vídeo:

“Me chamou muito a atenção um colóquio com o título ‘Desconstruindo paradigmas na educação’, na perspectiva dessa senhora aqui [o nome bell hooks aparece na tela] Quem foi ela? Ela era uma feminista americana que escreveu mais de 30 livros e em um dos livros dela, o livro ‘Ensinando a transgredir – Educação Como Prática da Liberdade’,No capítulo onde trabalha ‘Eros, erotismo e o processo pedagógico’ ela conta que, em certo momento, ela sentiu atração erótica por um aluno e ela tinha aprendido a se reprimir, a se retrair, a negar esses sentimentos, porém ela decide encarar todas as paixões despertadas na sala de aula e a lidar com elas. Pois bem, era uma das salas, eu não podia participar de todas, alguns colegas participaram de outros colóquios e mostraram as suas perspectivas, essa é a minha experiência, e fica para que possamos pensar quais são esses paradigmas que se pretende desconstruir, erotismo? Sexualidade? Pedofilia? Eis a questão”.

Bereia verificou o capítulo do livro de bel hooks citado no vídeo e constatou que a fala oculta a informação de que o caso mencionado pela escritora se passa em uma universidade, o que não permite qualquer relação do caso refletido pela professora escritora com pedofilia.

Confira o trecho extraído das páginas 254 e 255 de “Ensinando a transgredir: A educação como prática da liberdade”, de bel hooks:

“No primeiro semestre como professora de faculdade, havia na minha classe um aluno do sexo masculino que eu sempre parecia ver e não ver ao mesmo tempo. A certa altura, no meio do semestre, recebi um telefone de um terapeuta da faculdade que queria falar comigo sobre o modo como eu tratava esse aluno durante as aulas. O terapeuta me disse que os alunos haviam lhe contado que eu era anormalmente áspera, rude e simplesmente má quando me relacionava com aquele aluno. Eu não sabia exatamente de quem se tratava, não conseguia relacionar o nome dele com o rosto ou um corpo, mas depois, quando ele se identificou na sala de aula, percebi que eu sentia uma atração erótica por ele. E que meu jeito ingênuo de lidar com sentimentos que eu havia aprendido a nunca ter na sala de aula consistia em me esquivar (e por isso o tratava mal), reprimir e negar. Ultraconsciente, na época, de como a repressão e a negação podiam ‘ferir’ os alunos, eu estava determinada a encarar todas as paixões despertadas na sala de aula e a lidar com elas”.

Esta associação de pedofilia a movimentos de esquerda e grupos LGBTQIA+ é uma prática comum em conteúdos disseminados pela extrema direita, e explorada em espaços religiosos, como Bereia já checou. De forma semelhante, a noção inventada de “ideologia de gênero” é um dos temas mais usados por quem produz desinformação em espaços religiosos. Estes temas emergem com mais intensidade em períodos eleitorais, como estratégia de campanha e tem relação com a fala da vereadora Débora Palermo, gravada no vídeo checado pelo Bereia.

O que é o Plano Nacional de Educação (PNE)

A Constituição Federal estabelece, no artigo nº 214, a criação do Plano Nacional de Educação (PNE), um documento que deve reunir diretrizes, estratégias, objetivos e metas para o desenvolvimento da educação no país. Desse modo, a norma prevê, ainda, que todas as esferas federativas devem trabalhar juntas para alcançar os seguintes objetivos:

I – erradicação do analfabetismo;

II – universalização do atendimento escolar;

III – melhoria da qualidade do ensino;

IV – formação para o trabalho;

V – promoção humanística, científica e tecnológica do País.

VI – estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto.

Nestas bases, o PNE define as metas da educação brasileira para os próximos dez anos, sendo revisto e discutido ao fim do período – quando uma nova versão deve ser aprovada pelo Congresso. O plano atual foi sancionado em 2014 e estabeleceu as seguintes diretrizes:

  1. Erradicação do analfabetismo;
  2. Universalização do atendimento escolar;
  3. Superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da justiça social, da equidade e da não discriminação;
  4. Melhoria da qualidade da educação;
  5. Formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade; 
  6. Promoção do princípio da gestão democrática da educação pública;
  7. Promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do país; 
  8. Estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto, que assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade;
  9. Valorização dos profissionais da educação;
  10. Promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental. 

O documento com as propostas para a próxima edição do PNE, vigente de 2024 a 2034, foi aprovado em 30 de janeiro deste ano na Conferência Nacional de Educação (Conae), que foi alvo de uma intensa campanha de desinformação, como verificado por Bereia. De acordo com as checagens, influenciadores, associações de educação, parlamentares e perfis nas mídias sociais retrataram o evento como um avanço da esquerda “na doutrinação de crianças e adolescentes”.

No que diz respeito à fala da vereadora de Campinas Débora Palermo (PL), no vídeo divulgado, Bereia verificou que, de fato, o documento final da Conae propõe que o Sistema Nacional promova o “encerramento do processo de militarização das escolas públicas do país, ampliando os programas de combate à violência e ao uso de drogas”, com o devido embasamento de tal indicação. Porém, é falso afirmar que a Conferência se pronunciou contra a  existência de escolas cristãs ou confessionais.

Além do documento final do evento público reafirmar a existência e o respeito aos direitos fundamentais das instituições confessionais, estas estiveram representadas no Fórum Nacional de Educação, que articula a Conae, pela Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (Anec) e pela Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas (Abiee). 

Reprodução: Reprodução Documento Final Conae 2024

Bereia verifica que, além de propagar conteúdo falso sobre suposta campanha contra escolas cristãs pelos participantes da Conae 2024, a vereadora Débora Palermo estimula a ideia da suposta perseguição a cristãos no Brasil, para alimentar seu discurso.

Discurso de perseguição a cristãos ganha espaço em mídia não-religiosa

Outro tema explorado em espaços digitais religiosos neste mês de junho foi, mais uma vez,  o da perseguição a cristãos. O site O Antagonista publicou, no dia 9, a matéria intitulada “MP abre guerra contra a Bíblia”. No texto que aparenta ser informativo, mas tem redação opinativa, são criticadas decisões do Ministério Público de São Paulo sobre a obrigatoriedade da presença de Bíblias em bibliotecas públicas de São José do Rio Preto (SP) e o uso da frase “sob a proteção de Deus iniciamos nossos trabalhos” no início de sessões legislativas da cidade. 

Bereia verificou que, o MP-SP, tais práticas criam preferências e um tratamento privilegiado parauma religião, o que não cabe ao Legislativo Municipal e vai contra o princípio da laicidade do Estado brasileiro. A matéria opinativa do site O Antagonista para reforçar a falsa ideia de perseguição a cristãos no Brasil, afirma que as decisões judiciais tentam igualar o Cristianismo, fé da maioria dos brasileiros, a outras religiões, e essa ideia seria uma forma de discriminação.

Imagem: Reprodução O Antagonista

A imagem que ilustra a suposta matéria informativa exibe um livro em chamas e reforça o tom alarmista usado no título: remete à ideia de que questionar a inconstitucionalidade de leis municipais significa declarar guerra ao símbolo da fé cristã, o que pode ser equivalente a lançá-lo ao fogo – ainda que as ações do MP não tratem sobre a circulação ou comercialização de Bíblias.

Um caso semelhante foi verificado pelo Bereia neste ano: em março, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) declarou como inconstitucional a Lei Municipal 7.205/04, de Sorocaba (SP), que torna obrigatória a inclusão de Bíblias entre as obras de Bibliotecas Municipais. Por conta da decisão, o prefeito da cidade Rodrigo Manga (Republicanos), missionário da Igreja Mundial do Poder de Deus, produziu vídeos com o discurso de que cristãos e a “obra de Deus” estavam sendo perseguidos.

Imagem: Reprodução Instagram

De acordo com a apuração, a decisão do TJ-SP não proíbe que bibliotecas públicas disponham de Bíblias, mas considera que a obrigatoriedade da inclusão do livro cristão, nesses espaços públicos, viola a laicidade do Estado. Este argumento também embasou o entendimento do STF, em 2021, sobre uma norma do Estado do Amazonas que estabelecida obrigatoriedade de Bíblias em escolas e bibliotecas públicas: foi declarada a inconstitucionalidade por conta de tal lei estimular e promover um conjunto de crenças e dogmas em prejuízo de outros.

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Bereia classifica como falsas as afirmações da vereadora de Campinas (SP) Débora Palermo (PL) e do site de notícias O Antagonista, que propagam, respectivamente, pânico relacionado à regulação da educação no País e à suposta perseguição a cristãos no país.

Em vídeo gravado, sobre as propostas encaminhadas pela Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada em janeiro passado, à redação do Plano Nacional de Educação (PNE), serem contrárias à existência de escolas cristãs no País. Como a checagem demonstra, o documento final da Conae recomenda o encerramento do sistema de escolas cívico- militares que não correspondem às necessidades educacionais do país, na avaliação dos docentes participantes da conferência. Porém, sobre escolas confessionais, o texto recomenda o respeito aos direitos constitucionais destas instituições.  Além de propagar mentiras sobre a educação no país, a vereadora ainda contribui para a disseminação de pânico sobre a falsa perseguição a cristãos no Brasil.

A fala da parlamentar também é marcada pela associação do termo LGBTQIAP+ a um perigo para crianças, o que foi corroborado por outras falas na reunião que ela convocou por meio da Câmara de Vereadores de Campinas. Tal abordagem gera um clima de pânico que leva o público a ter julgamentos errôneos e sentimentos hostis por uma população que tem o direito de existir, de acordo com as leis do país mas é alvo de crimes de ódio: o Brasil ainda é o país com mais assassinatos de pessoas LGBTQIAP+. 

Desse modo, informações disseminadas por outras opositoras ao documento elaborado pela Conae, convidadas para a reunião, geram o mesmo efeito, que colocam grupos progressista como alvo: primeiro com a afirmação falsa de que orgias com crianças eram promovidas na Rússia pós-revolução, e depois com o vídeo enganoso que distorce a obra da escritora bell hooks para associá-la à pedofilia.

No mesmo período, se soma a publicação de matéria do site O Antagonista que oferece conteúdo falso sobre suposta guerra da Justiça contra as Bíblias. Como Bereia verificou, esta afirmação não procede, pois o veículo, com texto opinativo com aparência de informação, acaba por servir como meio para propagação da falsa ideia de uma perseguição a cristãos no Brasil, como já checado em outras várias matérias.

Bereia chama a atenção de leitores e leitoras para o uso do pânico relacionado à educação no país e à falsa perseguição a cristãos no Brasil que são temas recorrentemente utilizados em campanhas digitais para captar apoios, em ambientes digitais religiosos, com uso do alarmismo e do medo. Tal prática, identificada em grupos extremistas da direita política, busca suporte a determinadas pautas e votos em processos eleitorais, como o municipal que será realizado no segundo semestre deste ano.

Referências de checagem:

Canal TV Câmara Campinas no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=8EjFeWsSJBc. Acesso em 13 de junho de 2024

Instagram:

https://www.instagram.com/reel/C77TPR-RDDD/?igsh=ZHZydjF2NzNyMWx5 Acesso em 11 de junho de 2024

https://www.instagram.com/reel/C7ws_RxRB62/?igsh=MTllcjBiMzNzc2R0ag%3D%3D Acesso em 11 de junho de 2024

https://www.instagram.com/p/C8FVX-pRJEi/ Acesso em 12 de junho de 2024

https://www.instagram.com/osvaldinapauladeoliveira/ Acesso em 13 de junho de 2024

https://www.instagram.com/stories/highlights/18438058342026569/?locale=de&hl=am-et Acesso em 13 de junho de 2024

https://www.instagram.com/p/C3QRduzrMtV/?locale=de&hl=am-et Acesso em 13 de junho de 2024

Site de Débora Palermo: https://deborapalermo.com.br/quem-sou-eu/ . Acesso em 14 de junho de 2024

HOOKS, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade; tradução de Marcelo Brandão Cipolla. – 2. ed. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2017.

Bereia:

https://coletivobereia.com.br/ideologia-de-genero-estrategia-discursiva-e-arma-politica/ Acesso em 12 de junho de 2024

https://coletivobereia.com.br/conferencia-nacional-de-educacao-e-alvo-de-intensa-campanha-de-desinformacao-em-ambientes-digitais-religiosos/ Acesso em 12 de junho de 2024

https://coletivobereia.com.br/associacao-crista-desinforma-com-discurso-alarmista-sobre-conferencia-nacional-de-educacao/ Acesso em 12 de junho de 2024

https://coletivobereia.com.br/prefeito-de-sorocaba-produz-videos-enganosos-ao-afirmar-perseguicao-aos-cristaos/ Acesso em 12 de junho de 2024

https://coletivobereia.com.br/panico-moral-sobre-ideologia-de-genero-aborto-erotizacao-de-criancas-e-defesa-da-familia-e-usado-para-disputa-eleitoral-com-base-em-desinformacao/ Acesso em 25 de junho de 2024

O Antagonista: https://oantagonista.com.br/cultura/perseguicao-a-cristaos-atinge-niveis-alarmantes-em-2024/ 

Publicação no X: https://x.com/vinicios_betiol/status/1799907008696471929?t=EJVFZvPcSBVsO1-ungZFfw&s=19 Acesso em 12 de junho de 2024

CNN: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/lgbtfobia-brasil-e-o-pais-que-mais-mata-quem-apenas-quer-ter-o-direito-de-ser-quem-e/ Acesso em 25 de junho de 2024

Uol: https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2020/11/29/rodrigo-manga-republicanos-e-eleito-prefeito-de-sorocaba.htm Acesso em 25 de junho de 2024

“Ideologia de gênero”: estratégia discursiva e arma política

Parceria com Laboratório de Antropologia da Religião da Unicamp – Por: Teresinha Ferreira Leite Matos

A “ideologia de gênero” é um inimigo criado pelo Vaticano? A “ideologia de gênero” é uma invenção? Ela deve ser objeto de análise mais aprofundada? A partir da pergunta “Qual o lugar da “ideologia de gênero” no cenário (neo) conservador?” foram suscitadas, durante o Seminário Internacional Catolicismos, direitas cristãs e ideologia de gênero na América Latina, essas e outras perguntas. O objetivo deste texto é localizar onde e quando o termo surgiu e que trajetórias foram traçadas em seu processo de disseminação.

“Ideologia de gênero” é uma “invenção” da Igreja Católica e faz parte da estratégia de negar os avanços dos movimentos feministas e LGBTQ+, explicitados no reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos e casamento igualitário. Parece que a “ideologia de gênero” se tornou um fenômeno em si e carece ser estudada mais profundamente. O constructo se traduz em estratégia discursiva considerada precária epistemologicamente, mas eficaz na formação da opinião pública (Lionço, 2020), e também com eficácia política, vide o presidente Jair Bolsonaro que foi eleito em 2018 usando, dentre outras bandeiras ultraconservadoras, o combate à “ideologia de gênero”.

A “ideologia de gênero” é vista como categoria conservadora produzida nos muros do Vaticano, durante os papados de João Paulo II e Bento XVI. Inventaram um “inimigo” com o propósito de restaurar a ordem moral calcada nos valores tradicionais, que imaginam ameaçada. Embora os conceitos por trás da ideia de “ideologia de gênero” sigam importantes no papado de Francisco, a maneira como suas falas reverberam na opinião pública traz complexidades para a análise.

Reprodução, Folha PE. Foto: Jarbas Araújo/Alesp

O Padre Paulo Ricardo, considerado, segundo as pesquisas do GREPO, um mediador cultural para o tema que ajuda a disseminar o termo no Brasil, quando analisa a questão nunca cita o Papa Francisco, reforçando a personalidade ambígua do papa atual que se nega a abençoar os casais homossexuais, mas é reconhecido como progressista por boa parte da sociedade brasileira.

Os documentos da Igreja Católica do papado de Francisco não utilizam o termo “ideologia de gênero” em português, como aponta levantamento feito na pesquisa “Feminismo e religião: uma análise do pensamento do Papa Francisco sobre a “ideologia de gênero”, objeto do seminário. Curiosamente são referenciados apenas no inglês termos gender ou gender theory. Mas nas redes sociais e blogs, católicos conservadores e padres – além dos políticos e a mídia em geral – falam amplamente dessa “ideologia de gênero”. Nos 25 vídeos produzidos pelo canal do YouTube do Padre Paulo Ricardo (Christo Nihil Praeponere), analisados na pesquisa, entre 2012 e 2020, 15 registram o descritor “ideologia de gênero”.

Desde a década de 1990, a Igreja Católica começou a atuar fortemente por meio das suas lideranças leigas conservadoras em conferências internacionais para que o termo gênero fosse retirado dos documentos oficiais da ONU. Dale O´Leary, ativista católica norte-americana, iniciou essa “guerra” semântica com sua obra “Gender Agenda”, lida e reproduzida por ativistas antigênero no mundo todo. Essa atuação antigênero, também abraçada pelos evangélicos neopentecostais, foi tomando corpo nos países do Norte e nas primeiras décadas do século XXI em países do Sul Global, especialmente na América Latina. Ela chega ao grande público por meio das redes sociais pelas palavras e vozes de padres, pastores e políticos ultraconservadores. Os pastores a “emprestaram” dos católicos e hoje estão entre os principais articuladores do termo na arena pública.

No Brasil, a campanha antigênero ganhou relevância em 2014 e foi impulsionada pelas discussões do Plano Nacional de Educação. Ele foi debatido na Câmara Federal e, depois, em estados e municípios brasileiros. Essa “cruzada santa” continua hoje nos legislativos municipais. Vereadores eleitos em 2020 com a bandeira das campanhas antigênero ameaçam fechar escolas que usem o pronome neutro com pessoas não-binárias. Onze dos 63 vereadores apoiados por Bolsonaro fizeram propostas contra a linguagem inclusiva (0 Globo, março de 2021).

Dessa forma, podemos começar a responder a algumas das perguntas colocadas no início do texto. Sim, a “ideologia de gênero” é uma invenção do Vaticano, um conceito elaborado para taxar de “ideológico” as teorias de gênero e a defesa de direitos. É um conceito também eficaz, que passou a fazer parte do vocabulário e das estratégias de diferentes setores conservadores, como padres e leigos católicos, evangélicos e políticos. O aprofundamento da análise do termo, assim, pode ajudar a entender as estratégias do campo conservador nos países da América Latina.

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Referências

Caetano, Guilherme. “Vereadores eleitos alinhados ao presidente priorizam ‘ideologia de gênero’ nas câmaras municipais. Com foco no combate à pandemia, projetos não avançam”. O Globo, 28/03/2021. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/vereadores-eleitos-alinhados-ao-presidente-priorizamideologia-de-genero-nas-camaras-municipais-24944513

Lionço, Tatiana (2020). “’Ideologia de Gênero’ como elemento da retórica conspiratória do ‘globalismo’”. Em: Direitos em disputa: LGBTI+, poder e diferença no Brasil contemporâneo. Campinas: Editora Unicamp, pp. 373-392.

Seminário Internacional “Catolicismos, direitas cristas e “ideologia de gênero”, março/abril de 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=m0fG3Wbh1Dk&t=2831shttps://www.youtube.com/watch?v=FSz17pFHgik&t=2495s

 Vaggione, Juan Marco; Machado, Maria das Dores. “Religious Patterns of Neoconservatism in Latin America”. POLITICS & GENDER 16(1) 2020.

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Teresinha Ferreira Leite Matos, jornalista, mestra em Ciência da Religião pela PUC/SP e integrante do Grepo.

O GREPO – Grupo de Estudos de Gênero, Religião e Política da PUC-SP realizou, nos dias 31/03 e 01/04/2021, o Seminário Internacional Catolicismos, direitas cristãs e ideologia de gênero na América Latina. Esta crônica é a terceira de uma série que apresenta livres reflexões de suas autoras sobre os debates que reuniram pesquisadores de diferentes países da América Latina no seminário: Brenda Carranza (LARUNICAMP, Brasil), Flávia Biroli (UnB, Brasil), Juan Marco Vaggione (Universidade de Córdoba, Argentina), Lucas Bulgarelli (Comissão da Diversidade OAB/SP, Brasil), Maria das Dores Campos Machado (UFRJ, Brasil), Maria Eugenia Patiño (Universidade Aguas Calientes, México), Maria José Rosado Nunes (PUC-SP, Brasil), Olívia Bandeira (GREPO, Brasil) e Sandra Mazo (Católicas pelo Direito de Decidir, Colômbia).

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Foto de Capa: Folha PE. Foto: Jarbas Araújo/Alesp (Reprodução)

Neoconservadorismo, o filho pródigo que retorna com novas roupas

Parceria com Laboratório de Antropologia da Religião da Unicamp – Por: Gisele Cristina Pereira

O neoconservadorismo, que podemos desde já assumir como uma terminologia que guarda extensa pluralidade, se tornou elemento central para a compreensão da política no Brasil, assim como em muitos países da América Latina, nas últimas décadas. Não é possível entender a política, os processos democráticos, assim como o que vem sendo chamado de desdemocratização – processo de enfraquecimento da democracia “[…]não como rupturas drásticas (golpe), mas instituições que são minadas interiormente ora com a retirada de dispositivos jurídicos ora com práticas caluniosas travestidas de argumento” (Teixeira e Carranza, 2021) – sem considerar o papel desempenhado pelos conservadorismos na arena política. Dentro desse espectro multifacetado jogam especial papel as direitas cristãs, objeto de análise do seminário do qual partem as reflexões desta crônica.

Diferentes ciências sociais e humanas têm se debruçado na investigação deste fenômeno compreendido por alguns como neoconservadorismo, assumindo-se pelo prefixo neo a existência de uma certa particularidade em seu conteúdo e forma, ainda que se reconheça que não se trate de uma novidade completa. Se, por um lado, há muitas características e estruturas de movimentos conservadores precedentes, há, por outro, características e formas novas que permitem falar de um conservadorismo de tipo novo (Biroli, Machado, Vaggione, 2020).

Durante o Seminário, um dos principais pontos levantados pelas/os interlocutoras/es foi o questionamento sobre o termo ascensão ao se referir às direitas religiosas e cristãs, suscitado pela primeira pergunta-guia: 1. Que fatores, em geral, considera relevantes para explicar a ascensão das direitas religiosas e cristãs na América Latina?

Questionado no primeiro dia por Juan Marco Vaggione e recuperado por Flávia Biroli no segundo, o termo ascensão suscitou interrogações sobre sua pertinência para se referir aos contextos da América Latina, marcados por ditaduras civis-militares que tiveram, dentre os segmentos da sociedade civil, o apoio das direitas cristãs. No Brasil, a Marcha com Deus pela Família é prova contundente disso.

Mulheres com um rosário nas mãos na Marcha da Família com Deus pela Liberdade no Rio de Janeiro, em 1964. Fonte: Memorial da Democracia

As falas conduzem a um entendimento comum de que o conservadorismo não seria um estranho que bate à porta de repente surpreendendo os “moradores” que ali vivem. Antes, se apresenta como integrante familiar, um elemento atávico que, ainda que cause desconforto em alguns, é recepcionado com regozijo pelo pai. Como um filho que retorna ao seu lar, o conservadorismo não deixou de existir, sempre preservado como viva memória no cotidiano social e político.

Biroli afirma justamente que esses atores conservadores não são estranhos, mas parte do sistema político. Eles se movem por diferentes plataformas, numa relação que caracteriza como de incentivos e constrangimentos. Na mesma direção, Maria Eugênia Patiño pontua que também não visualiza no México uma ascensão no sentido estrito. Identifica no combate, promovido desde a teologia e a doutrina católicas, entre a “cultura da vida” e a “cultura da morte”, raízes do que mais adiante se denominará como “ideologia de gênero”.

Há, portanto, uma coincidência na compreensão de que não há propriamente uma ascensão de algo absolutamente novo, mas uma nova “aparição” que guarda semelhanças e por vezes recupera os “fantasmas” criados e alimentados anteriormente, como o do perigo comunista que assombrava a ordem social e moral e cuja ameaça justificava a necessidade de uma ditadura para contê-lo.

Mas, como já afirmava Heráclito, não é possível se banhar duas vezes no mesmo rio, isso porque tanto o rio quanto quem nele se banha está em constante transformação. A metáfora de Heráclito pode ser relacionada com a parábola do filho pródigo e sua alusão ao fenômeno analisado aqui. Mesmo podendo reconhecer o filho em seu retorno, este não é inteiramente o mesmo, tampouco a casa que o recebe permaneceu incólume. O mesmo podemos dizer do conservadorismo que retoma sua proximidade ao poder em muitos países hoje e que mantém estruturalmente muitas expressões anteriores, mas vem trajado com uma nova “roupagem” caracterizada por novas formas de se apresentar e se relacionar no espaço público, novas estratégias em um contexto também distinto do anterior.

Mas o que exatamente de novo traz este neoconservadorismo? Ainda, o que há de semelhante e de particular nos diferentes contextos em que ele se desenvolve?

Flávia Biroli identifica, sobretudo no caso brasileiro, mudanças nos padrões de atuação e de composição das alianças. Uma das características deste neoconservadorismo seria sua atuação em contextos democráticos, nos quais são estabelecidas alianças improváveis dentro e fora do espectro religioso e em campos divergentes. Caso das coalizões que conformaram os governos petistas e da qual fizeram parte atores que hoje se assumem como conservadores e de direita. A Bancada religiosa do Congresso brasileiro se desenvolveu justamente durante a vigência do Projeto Democrático Popular petista, contribuindo posteriormente para sua ruína.

Outra particularidade da atual manifestação do conservadorismo – apresentada por Olívia Bandeira a partir das reflexões acumuladas pela pesquisa do GREPO – é o papel desempenhado pelas mídias como estratégia e como arena das disputas políticas. Um elemento importante a ser considerado a esse respeito são as mudanças nas últimas décadas no sistema de mídias a partir da disseminação da internet e extensão das grandes plataformas digitais. No atual modelo, lembra Olívia, a economia é movimentada a partir dos dados pessoais pelos algoritmos das plataformas digitais, favorecendo a circulação de discursos de ódio e grandes performances sensacionalistas.

Também no caso mexicano, as marchas da família fazem uso dessas grandes plataformas digitais possibilitando um alcance que a incidência no espaço público físico, e mesmo sua divulgação pelos meios de comunicação tradicionais, não permitiria.

Outra convergência entre as análises é a compreensão do neoconservadorismo enquanto forma de reação de atores coletivos políticos e religiosos frente as conquistas de direitos sexuais e reprodutivos nas últimas décadas. A reflexão também converge em torno da não exclusividade enquanto dispositivo das direitas, menos ainda das direitas religiosas.

Maria Eugênia frisa o quanto nossas realidades na América Latina se cruzam nesse sentido, provando o evidente caráter transnacional do neoconservadorismo. A partir da investigação dos movimentos da sociedade civil do México que se articulam contra o matrimônio igualitário, observa uma coincidência temporal no surgimento de movimentos conservadores na região. Apesar de razões diferentes que os motivaram, alguns elementos os vinculam.

A Frente Nacional pela Família do México surge como uma reação à proposta de matrimônio igualitário apresentada pelo presidente Enrique Peña Nieto, em 2016. Neste mesmo ano ganha força a articulação Con mis hijos no te metas iniciada no Peru e cujo cerne é a oposição à chamada “ideologia de gênero” nos conteúdos das escolas de educação básica. Também neste ano se deu a Ola celeste na Argentina, grupos que se articulavam em reação à Ola verde, como é caracterizada a mobilização da Campanha Nacional pela Legalização do Aborto. Podemos acrescentar ainda o caso da Colômbia, também em 2016, onde o tema da ideologia de gênero foi mobilizado por grupos que se opunham ao acordo de paz com as FARCs (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), caso tratado no primeiro dia por Sandra Mazo.

Manifestantes contra a legalização do aborto protestam na Argentina em 2020. Foto: Reuters

Naquele momento o Brasil vivia o impeachment de Dilma Rousseff, para o qual foi mobilizado o capital moral acumulado anteriormente com as discussões em torno da meta de igualdade de gênero no PNE (Plano Nacional de Educação) em 2014. Lembremos que a “família” foi um dos termos mais evocados nas justificativas daqueles que votaram pelo impedimento da então presidenta. Assim como teve forte presença nas eleições de 2018 que levaram Bolsonaro e sua agenda moral ao cargo de presidente da República.

Patiño interroga por que esses grupos opositores aos avanços dos movimentos feministas e LGBTI+ aparecem no espaço público de forma tão rápida? Essa rapidez teria a ver, segundo ela, justamente com essas estruturas preexistentes e que são acionadas prontamente em reação a direitos percebidos como ameaças. A categoria família, por exemplo, tem sido um núcleo fundamental de mobilização desses atores.

Se, como se demonstrou e tenho acordo, se trata antes de uma retomada do que a ascensão de algo absolutamente novo, de todo modo a pergunta inicial segue sendo vigente, ainda que reformulada: quais fatores são relevantes para explicar este ressurgimento do conservadorismo enquanto expressão política hegemônica quase simultaneamente em diferentes países da América Latina e no qual as direitas cristãs têm papel central?

Sem dúvida encontraremos na história compartilhada de colonização, na qual a Igreja católica, atrelada às respectivas coroas ibéricas, foi corresponsável pelo ordenamento jurídico, político e social, elementos que ajudam nessa compreensão. Também os contextos particulares apresentados nos fornecem valiosas pistas sobre a atuação e formas singulares ou similares que assumem em cada um dos países latino-americanos. Mas, parece que apenas os processos políticos olhados em si mesmos em sua articulação com o religioso não explicam essas coincidências que extrapolam a América Latina e se fazem perceber também no caso dos Estados Unidos e de alguns países europeus.

Se, como aparenta, os neoconservadorismos, em suas diferentes nuances, é ao mesmo tempo causa e efeito de processos de desdemocratização na região, o que explica essa dialética se manifestar de tal maneira em diferentes países, contextos sociais e políticos? O que os unifica para além da forma aparente com a qual se apresentam, mas das causas mesmas que os favorecem ou produzem? Retomando a analogia do título, podemos perguntar a este neoconservadorismo quais foram as razões que o trouxeram de volta ao centro, neste exato momento e com esta roupagem particular.

À guisa de respostas, novas interrogações são fomentadas para a compreensão deste fenômeno, seus antecedentes, causas estruturais, estratégias, modos de operar e relações que estabelece entre as diferentes esferas da arena pública.

Referências:

BIROLI, Flávia; MACHADO, Maria das Dores Campos; VAGGIONE, Juan Marco. Gênero, Neoconservadorismo e Democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo. Boitempo, 2020.

CARRANZA, Brenda; Teixeira, Ana Claudia Ultraconservadores e a Campanha da Fraternidade: lógica de confronto. In: Le Monde Diplomatique Brasil, 04 de março, 2021. https://diplomatique.org.br/ultraconservadores-e-campanha-da-fraternidade-logica-do-confronto/ Consultado 31.05. 2021.

GREPO, Grupo de Estudos de Gênero, Religião e Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Seminário Internacional: Catolicismos, direitas cristãs e ideologia de gênero na América Latina. 31 de março de 2021 e 01 de maio de 2021. 2º dia. Youtube. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=FSz17pFHgik&t=5602s. Acesso em 11 maio de 2021.

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Gisele Cristina Pereira é mestranda em Ciência da Religião pela PUC-SP, onde também integra o grupo de pesquisa GREPO – Gênero Religião e Política; possui especialização em Ciência da Religião pela mesma universidade. É bacharel e licenciada em História pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). É coordenadora da ONG Católicas pelo Direito de Decidir e professora de História da Educação Básica.

O GREPO – Grupo de Estudos de Gênero, Religião e Política da PUC-SP realizou, nos dias 31/03/21 e 01/04/21, o Seminário Internacional Catolicismos, direitas cristãs e ideologia de gênero na América Latina. Esta crônica é a primeira de uma série que apresenta livres reflexões de suas autoras sobre os debates que reuniram pesquisadores de diferentes países da América Latina no seminário: Brenda Carranza (LAR-UNICAMP, Brasil), Flávia Biroli (UnB, Brasil), Juan Marco Vaggione (Universidade de Córdoba, Argentina), Lucas Bulgarelli (Comissão da Diversidade OAB/SP, Brasil), Maria das Dores Campos Machado (UFRJ, Brasil), Maria Eugenia Patiño (Universidade Aguas Calientes, México), Maria José Rosado Nunes (PUC-SP, Brasil), Olívia Bandeira (GREPO/PUC-SP e LAR/Unicamp, Brasil) e Sandra Mazo (Católicas pelo Direito de Decidir, Colômbia).

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Foto de Capa: Memorial da Democracia

Ação proposta pelo PSOL não exige que “ideologia de gênero” seja obrigatória nas escolas

* Matéria atualizada em 05 de novembro de 2020 às 23h03 para acréscimo de informações.

Circulam nos últimos dias em portais gospel e em mídias sociais conteúdos em forma de notícia, vídeo e memes que afirmam que a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5668 obrigará o ensino de “ideologia de gênero” nas escolas públicas e privadas do Brasil.

Por exemplo, no dia 28 de outubro, o portal evangélico CPAD News publicou a matéria “Obrigatoriedade da ideologia de gênero nas escolas deve ser julgada em novembro pelo STF”. De acordo com a matéria, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5668, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em 2017, levaria à entrada obrigatória da “ideologia de gênero” nas escolas públicas e privadas, tornando-se uma ameaça a crianças e famílias.

Mobilização contra a ADI 5668

As publicações contrárias à ADI 5668 começaram a aparecer no dia 23 de outubro, com a postagem do vídeo “EDUCAÇÃO E TEORIA DE GÊNERO – ADI 5668” do Canal Terça Livre TV, do blogueiro bolsonarista católico Alan dos Santos, sob investigações de propagação de desinformação. Ali, o apresentador afirma que o pedido da ADI iria inaugurar o ensino da teoria de gênero nas escolas e pede apoio ao Projeto de Lei (PL) 4754/2016, que tipifica crime de responsabilidade dos ministros do STF a usurpação de competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo.

Segundo os parlamentares que são adeptos à proposta, liderados pelo deputado autor do projeto Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), o objetivo é evitar que decisões do STF esvaziem as atribuições do Congresso Nacional.

Três dias depois, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) republicou o vídeo do Terça Livre no Twitter, afirmando que, se a ADI for aprovada pelo STF, todas as escolas brasileiras serão obrigadas a ensinar “ideologia de gênero”. Já no dia 28, o deputado católico Eros Biondini (PROS-MG) manifestou-se contrário à Ação.

Em 4 de novembro, as Frentes Parlamentares Evangélica (FPE), Católica (FPC) e a Frente Parlamentar pela Juventude reuniram-se com o Presidente do STF Ministro Luiz Fux pedindo o adiamento da votação da ADI 5668 para 2021. De acordo com a FPE, a Ação esconde uma intenção de desconstrução da heteronormatividade, o que seria uma “terrível afronta aos valores da sociedade”. Em vídeo publicado no Facebook da Frente Parlamentar Evangélica, os parlamentares também argumentaram que o Congresso já havia rejeitado a “ideologia de gênero” durante a elaboração do Plano Nacional de Educação. Em seguida, o Presidente do Supremo retirou de pauta a ADI 5668. Além dessa movimentação parlamentar, houve também mobilização por um dia de oração contrária à Ação movida pelo PSOL na véspera da votação.

O que pede a ADI 5668

Ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2017, a ADI 5668 pede que o STF dê interpretação do PNE (Lei 13.005/2014) conforme a Constituição Federal para que seja considerada ilegítima qualquer interpretação do Plano que não imponha proteção às crianças LGBTI e meninas (cis e trans) nas instituições de ensino do país. Assim, a Ação pleiteia “o reconhecimento do dever constitucional das escolas de prevenir e coibir o bullying homofóbico, transfóbico e machista” (p. 5). Segundo a ADI, o texto da lei que dá a indicação genérica de erradicação de “todas as formas de discriminação” não é suficiente para proteger alunos LGBTI e mulheres contra atos discriminatórios (p. 5).

O PNE é uma lei, aprovada  em 2014, que tem validade até 2024, e determina metas que vão da etapa infantil à pós-graduação, passando pela alfabetização até o financiamento da educação. “Superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação” é terceiro item das diretrizes do Plano. Além disso, tratar de questões ligadas à “discriminação, preconceitos e violências” faz parte de estratégias ligadas ao Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação Especial (voltada para pessoas com deficiências, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades). O Ensino Médio contempla ainda outra, que diz respeito a políticas de prevenção à evasão motivadas por preconceito ou discriminação.

A criação de uma base comum para a Educação Básica está prevista desde 1988, a partir da promulgação da Constituição Cidadã. Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) reforçou a sua necessidade, mas somente em 2014 a criação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi definida como meta pelo PNE.

A BNCC tem o objetivo de garantir aos estudantes o aprendizado de conhecimentos e habilidades comuns em escolas privadas e públicas, urbanas e rurais de todo o país, a fim de reduzir as desigualdades educacionais e elevar a qualidade do ensino.

Nos últimos três anos, a BNCC esteve na pauta dos mais importantes debates sobre educação no país. Em portaria de 20 de dezembro de 2017, o então ministro da Educação Mendonça Filho, a homologou e dois dias depois o Conselho Nacional de Educação (CNE) apresentou a Resolução CNE/CP N° 2, instituindo e orientando a implantação dela.

Após essas publicações, sucederam-se debates em torno da implementação das medidas e seus impactos na Educação Básica brasileira. Para esse fim, o CNE organizou audiências públicas para discussões sobre o tema e foi instituído o Programa de Apoio à Implementação da Base Nacional Comum Curricular (ProBNCC).

De acordo com o Portal Guia Escolas, “a BNCC estabelece competências e habilidades que todo estudante deve ser capaz de cumprir ao final da formação escolar básica. Essas competências pressupõem que os alunos devem aprender a resolver problemas e a trabalhar em equipe, entre tantos outros”. Isso significa, segundo o portal, que o trabalho deverá ser feito observando a diversidade em suas diversas manifestações.

Entretanto, de acordo com o Portal UOL, a base nacional curricular de professores apresenta dez competências que os futuros docentes precisarão desenvolver para formar alunos conforme princípios estabelecidos pela BNCC. Segundo UOL, o nono item, embora não mencione “identidade de gênero” ou “sexualidade”, afirma que  professores/as precisam “exercitar a empatia, o diálogo, a resolução dos conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceito de qualquer natureza”.

Educação e “ideologia de gênero”

No artigo “‘Não à ideologia de gênero!’ A produção religiosa da violência de gênero na política brasileira”, a professora de Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo e coordenadora do Grupo de Estudos de Gênero e Religião Mandrágora/Netmal, Sandra Duarte, afirma que na política brasileira existe uma relação de forças entre dois segmentos distintos. O primeiro, de conservadores apoiados por importantes grupos religiosos do Brasil e do exterior, a partir de uma agenda moralista e, do outro lado, há o segmento que luta pelos direitos reprodutivos das mulheres e pelos direitos da população LGBT. Assim, segundo a pesquisadora, há complexas composições na arena político-religiosa do país em torno do debate sobre gênero e laicidade.

Para Duarte, o moralismo sexual na política atrai e é reivindicado por diversos segmentos religiosos, principalmente católicos e evangélicos, e sobre essa pauta que se organiza parcela significativa de sua ação na mídia. A ação desse segmento consiste em obstaculizar a luta pela ampliação de direitos das mulheres e da população LGBT ou lutar contra direitos conquistados pelos dois grupos. Enquanto os setores mencionados anteriormente mobilizaram-se para o comprometimento do PNE com a superação das desigualdades, por outro, movimentos conservadores católicos e evangélicos envolveram-se na luta contra a denominada “ideologia de gênero” que perpassaria o PNE. 

De acordo com a jornalista, doutora em Ciências da Comunicação e editora-geral do Coletivo Bereia Magali Cunha, o termo “ideologia de gênero” surgiu no contexto da Igreja Católica Romana, sob o pontificado de João Paulo II, em especial com a elaboração do “Lexicon- Termini ambigui e discussi su famiglia, vita e questioni etiche” (Lexicón- Termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas), em 2003, pelo Pontifício Conselho pela Família, assinalando a compreensão da Igreja sobre sexo, gênero e sexualidade. 

Ainda segundo a pesquisadora, a ofensiva católica se tornou explícita a partir de 2008, com o Papa Bento XVI, quando em pronunciamento no ano de 2012, afirmou: “salvar a humanidade do comportamento homossexual ou transexual é tão importante quanto salvar as florestas do desmatamento”. A partir deste discurso, lideranças católicas passaram a disseminar o termo “ideologia de gênero”, assumindo o significado pejorativo do termo “ideologia”, como pensamento enganoso, falso. 

Esta concepção defende que a “ideologia de gênero” seria concretizada no ensino através das escolas e das mídias, voltada principalmente para crianças e adolescentes. Para Magali Cunha, considerar a parceria entre educadores de ensino fundamental e médio é relevante, dentro do contexto atual em que as escolas tem sido alvo de fundamentalistas e do pânico moral que atinge o papel dos profissionais de educação.

A Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) divulgou nota acerca da ADI 5668, ajuizada pelo PSOL, em que afirma a condenação de todo tipo de bullying, mas entende que o PNE já trata de todas as discriminações. Por fim, pede que o STF faça “discernimento coerente com a Constituição” que não seja mais discriminatório, “que privilegie a proteção de alguns segmentos em detrimento de outros”.

Por outro lado, a ADI 5688 expressa discordância ao argumento de que a menção a “todas as formas de discriminação” seja suficiente. De acordo com o texto, há temor de que “a retirada da menção a gênero, identidade de gênero e orientação sexual dos planos de educação resulte na proibição de debates sobre o assunto nas escolas” (p. 5). A Ação também diz que houve intuito de proibir o tema no Congresso Nacional, o que tem sido interpretado como efetiva proibição (p. 6). Diante disso, pede que haja interpretação que obrigue as escolas a coibirem a discriminação e a respeitarem as identidades das crianças e adolescentes LGBTI (p. 6).

Governo Federal alimenta o tema

Decisões tomadas pelo STF ajudaram a consolidar o entendimento de que é inconstitucional o veto à proibição de abordagens sobre identidade de gênero nas escolas.

Elas se referem à desaprovação de iniciativas que proibiam a abordagem do tema “gênero” nas escolas. A decisão unânime ocorreu em ações referentes às legislações de Cascavel (PR), Novo Gama (GO), Foz do Iguaçu (PR) e Ipatinga (MG), consideradas inconstitucionais.

Os posicionamentos da corte ajudaram a enfraquecer uma pauta do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que ataca o tema desde a campanha eleitoral de 2018 e relaciona-o a uma suposta “sexualização precoce” nas escolas. O assunto é alvo de discussões entre políticos e lideranças evangélicas. Bereia já tratou de desinformações relacionadas às questões de gênero em outra reportagem.

Foto: TV Globo/Reprodução

Atuando desde 2004, o movimento Escola Sem Partido (ESP) foi criado para combater uma suposta doutrinação de esquerda nas instituições de ensino e ganhou fôlego ao abraçar a chamada “ideologia de gênero”. De acordo com informações do site da organização, Escola sem Partido é “uma iniciativa conjunta de estudantes e pais preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino básico ao superior”.

De 2014 a 2019, o Movimento Professores Contra o Escola sem Partido identificou 245 projetos de lei pelo Brasil com conteúdo visando à limitação do que o professor pode falar em sala de aula. Apesar disso, o ESP chegou a suspender suas atividades em 2019 e, em agosto de 2020, o fundador Miguel Nagib deixou o movimento. O anúncio veio um dia após o STF considerar inconstitucional uma lei estadual de Alagoas inspirada no Escola sem Partido. Até o momento de publicação desta reportagem, o perfil do movimento não tem mais atividades no Twitter desde o anúncio de Nagib.  

De acordo com Andréa de Souza, pesquisadora do REDUGE – Grupo de Pesquisas em Religião, Educação e Gênero – PPCIR/Universidade Federal de Juiz de Fora, o argumento central do ESP é de que “os pais têm o direito de que seus filhos ‘não sejam obrigados’ a receber na escola ensinamentos que não estejam de acordo com as convicções religiosas e morais de suas famílias ”.  Ela destaca que, a despeito da saída de Nagib, a continuidade do movimento se faz presente em posições do atual ministro da Educação e pastor presbiteriano Milton Ribeiro e da também pastora e ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. “Isso porque, a despeito da dita ‘ideologia de gênero’ se constituir uma agenda notadamente no campo da educação e nas escolas, ela é também uma importante agenda moral do atual governo para políticas públicas em outras áreas relevantes como saúde pública, economia, e emprego e renda, por exemplo.”

Além dessa questão envolvendo o conteúdo divulgado pelo profissional de educação em sala de aula, nas últimas semanas, ganharam destaque nas mídias sociais várias postagens que afirmam que o PSOL teria solicitado ao STF a implementação de banheiros unissex em todas as escolas e que também teria exigido a obrigatoriedade de “ideologia de gênero” no ambiente educacional. A informação foi verificada pelo Portal Boatos.org, que, ao observar itens nas mensagens divulgadas – como conteúdo vago, tom alarmista, erros ortográficos e ausência de fontes dos dados apresentados –, classificou a informação como falsa.

Durante a produção desta matéria, foi encontrada uma nova informação a respeito do caso. A Agência Lupa  verificou o vídeo no qual Sikêra Júnior, apresentador do programa Alerta Nacional (Rede TV), declara que o PSOL supostamente provoca o STF para votar a obrigatoriedade do ensino de “ideologia de gênero” nas escolas, além de dizer que lojas são obrigadas a implantarem banheiros unissex. 

De acordo com a Agência, a ação ajuizada pelo PSOL deve ser votada nas próximas semanas e não pede que a “ideologia de gênero” seja obrigatória nas instituições de ensino, mas somente que o Supremo reconheça o papel das escolas em “prevenir e coibir o bullying homofóbico”, respeitar a “identidade de crianças e adolescentes LGBT no ambiente escolar” e “combater o machismo”. 

Sobre a implantação de banheiros unissex, Lupa concluiu que a informação é falsa, pois não existe obrigatoriedade na implementação de banheiros unissex para nenhum ramo do comércio e cita a Portaria n° 1.066, publicada no Diário Oficial da União em 23 de setembro de 2019. Portanto, essa decisão não tem nenhuma relação com a ADI apresentada pelo PSOL, que não fala na obrigatoriedade de criar banheiros unissex.

Mediante a repercussão das notícias, o partido divulgou nota na qual afirma que entrou com ação criminal por difamação contra Sikêra Júnior e que também protocolou uma ação civil por reparação por danos morais contra o apresentador, a emissora e o Jornal da Cidade On-line, que repercutiu o conteúdo, e o Google para que o conteúdo deixe de ser veiculado na internet e nas mídias sociais.

A desinformação sobre a ADI do PSOL

Um dos quadros do PSOL no Rio de Janeiro,  candidata a vereadora Mônica Benicio, declarou ao Coletivo Bereia que:

“essa movimentação de fake news e desinformação, sobre o PSOL e seu projeto por uma sociedade mais inclusiva, não é à toa. É reflexo do período eleitoral e o medo que certos setores, conservadores, sentem pelo possível crescimento político de um partido socialista, feminista e antirracista. Esses conservadores e fundamentalistas não podem defender explicitamente uma sociedade desigual, então criam mentiras para justificar seus preconceitos”. 

Monica Benicio (PSOL-RJ)

Monica Benicio avalia que:

“essa provocação do PSOL ao STF é fundamental para que todas as crianças e adolescentes possam viver o período escolar como uma experiência positiva, e não como algo traumático. A escola não pode ser o lugar onde pessoas são excluídas ou aprendam a discriminar outras. Defender um ensino com perspectiva de gênero não é fazer propaganda da ‘ideologia de gênero’, que nem existe. É ensinar que meninos precisam respeitar meninas, é ajudar na prevenção de futuras ISTs e gravidez na adolescência, é alertar sobre pedofilia e violência sexual e é mostrar que todas as pessoas, independente de quaisquer características, são importantes e precisam ser cuidadas”.

Monica Benicio (PSOL-RJ)

Em entrevista ao Bereia, a professora Sandra Duarte também analisa a desinformação sobre a ADI 5668. Para ela, segmentos conservadores (religiosos ou não) repetem a estratégia de pânico moral usada em 2014 sobre a “ideologia de gênero” no PNE. “A ADI 5668 simplesmente reivindica que a escola seja um espaço seguro para todas as crianças e adolescentes.” Duarte afirma que o PNE invisibiliza as desigualdades históricas ao não explicitá-las em sua redação. “As desigualdades educacionais têm sexo, orientação sexual, raça-etnia, classe, idade e o não reconhecimento dessas desigualdades e de sua interseccionalidade as perpetuam”.

“Pânico moral é uma ferramenta narrativa que se vale da desinformação, do desconhecimento de temáticas por parte da população explorando ‘meias verdades’ e preconceitos confundindo as pessoas que a estas informações têm acesso”, afirma Christina Vital, professora de Sociologia na Universidade Federal Fluminense (UFF) e colabora do Instituto de Estudos da Religião (ISER). Ela exemplifica casos anteriores de pânico moral por associação de candidatos ao comunismo, dado que o comunismo era tratado como ameaça à família e à religião. Para ela, políticos conservadores cristãos se usam os pânicos como estratégia eleitoral em contexto de acentuação dos temas da sexualidade, gênero e reprodução.

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Bereia conclui que são enganosas as publicações a respeito da ADI 5668 prejudicar famílias brasileiras, veiculados em mídias digitais, na forma de notícias, vídeos  e memes. No mesmo sentido, conteúdos que divulgam a imposição banheiros unissex. Estas postagens constroem uma narrativa acerca da decisão que ainda está para acontecer no STF, de forma a conduzir leitores/as por um ponto de vista que nega a educação para a diversidade e os desafios que compõem a sociedade e que falam das complexidades dessa realidade. Estes conteúdos têm ganho muita proporção diante do contexto das eleições municipais, sendo usados como objeto de campanha. 

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Foto: Pixabay/Reprodução

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Referências de checagem

Notícias STF, http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=338927 Acesso em: 29 out 2020.

Canal Terça Livre TV, https://youtu.be/3K1xosQhSSI Acesso em: 29 out 2020.

Portal da Câmara do Deputados, https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=558AB970EC10589728FD63FB7324E403.proposicoesWebExterno1?codteor=1443910&filename=Tramitacao-PL+4754/2016 Acesso em: 29 out 2020.

Eduardo Bolsonaro, https://twitter.com/BolsonaroSP/status/1320786792317149188 Acesso em: 29 out 2020.

PROS na Câmara, http://prosnacamara.org.br/noticia/2562/contra-a-ideologia-de-genero-deputado-eros-biondini-se-manifesta-contra-adi-que-sera-analisada-pelo-stf/ Acesso em: 29 de out 2020.

Jornal Opção, https://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/frente-parlamentar-catolica-do-congresso-se-posiciona-contra-julgamento-de-adi-5668-no-stf-292905/. Acesso em: 05 nov 2020.

Chris Tonietto, https://twitter.com/ToniettoChris/status/1324166885370400769. Acesso em: 05 nov 2020.

Frente Parlamentar Evangélica, https://www.facebook.com/408002206425124/posts/779244072634267/. Acesso em: 05 nov 2020.

Portal STF, http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5148159. Acesso em: 05 nov 2020.

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Portal Base Nacional Comum Curricular, http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/historico/PORTARIA1570DE22DEDEZEMBRODE2017.pdf Acesso em: 31 out 2020.

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Portal UOL, https://educacao.uol.com.br/noticias/2018/12/13/mec-inclui-respeito-a-direitos-humanos-e-diversidade-na-formacao-de-docente.htm Acesso em: 31 out 2020.

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Artigo “‘ Não à ideologia de gênero!’ A produção religiosa da violência de gênero na política brasileira”: https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/ER/article/view/5454/4485. Acesso em: 03 nov. 2020

Portal STF, http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=433523&ori=1. Acesso em: 03 nov 2020.

Portal STF, http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=450392&caixaBusca=N. Acesso em: 03 nov 2020.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/o-presidente-do-brasil-e-a-falaciosa-ideologia-de-genero/. Acesso em: 03 nov 2020.

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, https://www.cnbb.org.br/cnbb-emite-nota-sobre-a-acao-direta-de-inconstitucionalidade-no-5668-a-ser-votada-pelo-stf/ Acesso em: 29 out 2020.

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GauchZH, https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2020/07/pauta-ideologica-de-bolsonaro-ideologia-de-genero-sofre-derrotas-em-serie-no-stf-ckclp3mb1000501hlje3812ng.html. Acesso em: 03 nov 2020.

Jornal O Globo, https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/escola-sem-partido-anuncia-suspensao-de-atividades-criador-do-movimento-desabafa-esperavamos-apoio-de-bolsonaro-23817368. Acesso em: 03 nov 2020.

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Portal UOL, https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2020/10/07/toffoli-manda-milton-ribeiro-se-explicar-antes-de-avaliar-abertura-de-inquerito.htm. Acesso em: 05 nov 2020.

Revista Veja, https://veja.abril.com.br/educacao/damares-anuncia-canal-para-denunciar-professores-por-atos-contra-a-familia/. Acesso em: 05 nov 2020.

Portal Boatos.org, https://www.boatos.org/politica/psol-pede-stf-banheiros-unissex-escolas-obrigatoriedade-ideologia-genero.html Acesso em: 29 out 2020.

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Diário Oficial da União, https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-1.066-de-23-de-setembro-de-2019-217773245 Acesso em: 01 nov 2020.

Portal PSOL, https://psol50.org.br/psol-processa-criminalmente-sikera-junior-da-rede-tv-por-difamacao/ Acesso em: 01 nov 2020.

Fundamentalismos, crise da democracia e ameaça aos direitos humanos na América do Sul: tendências e desafios para a ação: https://koinonia.org.br/publicacoes/fundamentalismos-crise-da-democracia-e-ameaca-aos-direitos-humanos-na-america-do-sul-tendencias-e-desafios-para-a-acao/7773. Acesso em: 03 nov. 2020

Frente Parlamentar Evangélica (Facebook): https://www.facebook.com/408002206425124/posts/779244072634267/. Acesso em: 05 nov. 2020