Em 7 de julho o site religioso Pleno.News publicou matéria com o título “Mensalidade na federal: Governo pensa em cobrar alunos ricos”, na qual afirma que “a equipe econômica do governo Lula (PT) redirecionou as atenções a outras medidas para ajudar nas despesas da Educação; entre elas, cobrar mensalidade de alunos ricos que estudam em universidades públicas”.
Imagem: reprodução/Pleno.News
As informações foram tiradas de matéria da Folha de S.Paulo, que ainda afirmava que o governo buscaria alterar regras do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação ) para equilibrar as contas públicas.
Imagem: reprodução/Folha de S.Paulo
O título e a abertura da matéria de Pleno.News contradizem o que está no próprio texto: que o Ministério da Fazenda havia se manifestado dizendo que as propostas nunca estiveram nos planos da pasta. Além disso, no seu perfil no X, o Ministério ainda acrescentou “que não foi procurado pelo jornal, o que impediu uma manifestação oficial antes da publicação”.
Imagem: reprodução/X
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Bereia classifica as informações sobre cobrança de mensalidades do governo e de alteração nas regras do Fundeb, repercutida pelo Pleno.News a partir de matéria da Folha de S.Paulo, como falsas. As iniciativas não constam na proposta de reforma tributária enviada ao Congresso e o Ministério da Fazenda não foi ouvido pelo jornal sobre o assunto antes da publicação da matéria.
Bereia alerta leitores e leitoras a não aceitarem informação publicada, mesmo por grandes mídias, que tenham base em fontes anônimas, sem pesquisa e fundamentação sobre o que dizem tais fontes e sem ouvir a parte citada em declarações. São elementos básicos e fundamentais na construção de uma notícia.
*Matéria atualizada em 27/07/2023 para correção de informações
Nos primeiros dias de julho de 2023, o governo federal anunciou o encerramento do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim). Em ofício às secretarias estaduais, o Ministério da Educação (MEC) informou que o programa chegará ao fim e terá início um período de transição para que as escolas que anteriormente integravam o Pecim sejam reintegradas à redes regulares de ensino. Na sexta-feira, 21, o governo publicou um decreto revogando o Pecim.
O portal gospel Pleno News, em matéria crítica ao fato, veiculada em 16 de julho, afirma que escolas cívico-militares foram responsáveis pela queda das taxas de evasão e violência escolar, e que a decisão de extinguir o Pecim ignora os “bons resultados apresentados pelo Programa”. Bereia checou esta alegação.
Imagem: reprodução site Pleno.News
Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim)
Em setembro de 2019, o então presidente da República Jair Bolsonaro (PFL, depois PL) criou o Pecim via Decreto, ou seja, sem a necessidade de aprovação pelas casas legislativas. Instituído, então, pelo Decreto nº 10.004/19, o Pecim propunha-se a aplicar, a escolas do ensino regular, práticas pedagógicas ligadas ao ensino dos colégios militares, do Exército, das polícias militares ou dos corpos de bombeiros militares. Ao contrário do que ocorre nas tradicionais escolas militares, subordinadas ao Ministério da Defesa, as escolas cívico-militares permaneceram sob alçada das Secretarias de Educação.
A implementação do modelo cívico-militar, prevista no Decreto nº 10.004/19 é efetivada por meio da contratação de militares inativos para a execução de tarefas disciplinares nas escolas que aderirem ao programa. Tal contratação é feita pelas próprias Forças Armadas, sob coordenação do Ministério da Defesa, e o pagamento dos salários realizado com o orçamento do MEC.
Resultados do Pecim
A afirmativa apresentada pelo portal Pleno News não indica a referência dos bons resultados atribuídos ao programa, apontados no texto, porém o MEC divulgou algumas informações relativas ao Pecim no final de 2022. O Replanejamento Estratégico do Pecim, divulgado em dezembro do último ano, expôs, na seção de Análise dos Resultados, dados do programa colhidos ao longo de 2022, em 117 escolas do Pecim.
O documento aponta índices de avaliação subdivididos em quatro aspectos: Gestão Escolar (GE), Ambiente Escolar (AE), Práticas Pedagógicas (PP) e Aprendizado e Desempenho Escolar dos Alunos (ADEA). O indicador é medido entre 0 e 1, quanto mais próximo de 1 é a nota, mais perto está de atingir a meta avaliada.
No contexto deste levantamento a que teve acesso Bereia, o indicador de AE ‘Reduzir os índices de violência na escola’ é apontado com média 0,80 e o indicador de ADEA ‘Diminuir o índice de faltas e reduzir as taxas de abandono e evasão escolar’ com 0,79. Os valores coincidem com os apresentados pelo Portal Pleno News.
O relatório concluiu que o programa apresentava “necessidade de ações mais intensas dos gestores das Ecims” em estratégias que apresentaram “maiores déficits de atendimento”, entre estas: potencializar o trabalho do supervisor escolar (coordenador pedagógico), envidando esforços para que ele receba apoio de um psicopedagogo (GE) e possuir quantidade suficiente de professores, gestores e funcionários (GE). Além destas medidas também foram citadas como carentes de melhorias: atingir as metas do Ideb para a escola (PP) e definir e respeitar o efetivo máximo de alunos em todas as salas de aula da escola (ADEA), que foram indicadores com nota 0,4.
Reação dos governos estaduais à decisão do MEC
A decisão do encerramento do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) pelo MEC foi comunicada por meio do Ofício Circular nº4/2023, emitido em 10 de julho, aos secretários estaduais de educação. O documento informa que a medida foi tomada após avaliação do programa e que a partir deste fato inicia-se um processo de desmobilização do pessoal das Forças Armadas envolvido na implementação e lotado nas unidades educacionais do Pecim.
O ministro da Educação Camilo Santana garantiu, em entrevista à CNN, em 18 de julho, que nenhuma das escolas cívico-militares será fechada e afirmou que o programa existirá até o fim de 2023, e dentro deste prazo, o MEC irá dialogar com as gestões de educação estadual e municipal a transição para o sistema regular de ensino. Santana frisou ainda que caso haja interesse dos prefeitos e governadores em manter as escolas no formato cívico-militar será uma decisão própria desvinculada do MEC.
Em reação à medida tomada pelo governo federal, alguns governadores ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro manifestaram a intenção de manter o programa com recursos estaduais. Um deles foi Tarcisio de Freitas (Republicanos), à frente do estado de São Paulo, que informou pretender não só continuar, mas ampliar as unidades cívico-militares de ensino. O governador de Santa Catarina Jorginho Mello (PL) também divulgou que irá expandir o programa e afirmou ter pedido à Secretaria de Educação um estudo para determinar quais regiões do estado poderão receber escolas desta modalidade. Líderes dos estados do Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Bahia, Goiás, Rondônia e Distrito Federal também se manifestaram com intenção de dar continuidade ao programa.
Críticas ao Pecim
O diretor da Secretaria-Executiva do Ministério da Educação Gregório Grisa comentou o tema, em seu perfil no Twitter. Grisa afirma que o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares não tem respaldo legal. “Não há base legal na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e no Plano Nacional de Educação (PNE) que ampare o pagamento de militares para exercer funções em escolas, mesmo que administrativas”.
Imagem: reprodução do site UOL
As verbas de manutenção dos colégios militares são provenientes do orçamento do Ministério da Defesa. No modelo cívico-militar, o orçamento vem do Ministério da Educação e remunera militares inativos. Em alguns casos, como nos bônus destinados aos coronéis, o valor chega a R$ 9,1 mil – maior que o piso salarial dos professores, de R$ 4,4 mil.
Para o cientista social e diretor do Instituto Cultiva, ONG dedicada à educação para a cidadania e participação social, Rudá Ricci, o Programa de escolas cívico-militares é “ilegal, equivocado e inócuo”. Em entrevista ao Bereia, Ricci destaca que o Pecim ofende a lei de diretrizes e bases da educação nacional (LDB) e o Programa Nacional da Educação (PNE), instrumentos nacionais que garantem a gestão democrática das escolas brasileiras.
Foi baseado neste entendimento que a 25ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul suspendeu a implementação de novas escolas cívico-militares no estado, em novembro de 2022. A decisão foi tomada depois do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul e do Sindicato dos Trabalhadores em Educação ajuizarem uma ação civil pública contra o decreto que criou o programa em setembro de 2019.
Em junho de 2022 o Tribunal de Justiça de São Paulo também suspendeu a implantação do Pecim em uma escola de São José do Rio Preto, a decisão atendeu a um pedido de liminar do Sindicato dos Professores da Rede Estadual de Ensino de São Paulo (Apeoesp).
Ricci afirma, ainda, que “educação é socialização – saber viver em sociedade – e desenvolver a autonomia – autocontrole e definição do papel individual na sociedade. (…) a militarização das escolas não debela a violência e gera instabilidade entre adolescentes. Um erro grosseiro que levará ao desastre as gerações expostas a este modelo”.
Questionado sobre a disposição de governos estaduais darem continuidade ao modelo, o cientista social identifica três blocos distintos. “O primeiro bloco é composto por bolsonaristas. Aqui se trata de um confronto claro com o governo federal, não exatamente de um projeto educacional nítido. O segundo bloco é composto por governos progressistas que perderam uma noção clara de estratégia educacional, abraçando toda sorte de propostas que prometem responder às mazelas de momento. O terceiro bloco – que inclui parte do segundo – é composto por governos cujo foco é atender a demanda imediata do eleitor, descartando projetos de mais longo prazo”.
Ricci correlaciona o que entende ser uma tendência imediatista aos ciclos eleitorais que ocorrem no Brasil a cada dois anos. “Este calendário eleitoral força a obtenção de ações espetaculares ou que parecem atender imediatamente às demandas mais agudas do eleitor, tratando a gestão pública como balcão de atendimento de uma clientela ansiosa”.
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Bereia conclui que o conteúdo checado é impreciso, pois apresenta dados verdadeiros, mas sem amplitude suficiente para serem considerados informação. A maneira seletiva de expor os dados e a condução do conteúdo como uma resposta defensiva a uma medida política revogada, aponta para o uso do produto jornalístico como meio de defesa de interesses e pode levar o público a julgamentos errôneos.
O relatório do fechamento do ano de 2022 do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares apontou problemas a serem resolvidos em áreas pedagógicas e de aprendizado, o que deu base para a decisão de encerramento do programa pelo Ministério da Educação. Também foram apresentados, como justificativa pela pasta, os altos gastos retirados indiretamente da educação para a remuneração de militares da reserva.
O texto em questão não contextualiza todos os aspectos desta situação, e com base em dados parciais defende a manutenção do programa, atribuindo uma decisão prejudicial à educação nacional ao governo e não há referência ao documento usado como base para os dados apresentados. O programa não teve ampla adesão e nem elevou os níveis da educação nas escolas contempladas com a metodologia, portanto, não é possível afirmar que houveram “bons resultados” o suficiente para que o programa não fosse descontinuado a partir de uma ótica técnico-pedagógica.
Segundo conteúdo em circulação, o suposto dossiê contém capturas de telas, documentos oficiais e fotos que denunciam a ligação de Arilton Moura com o PT.
Junto com Gilmar Santos, pastor presidente do Ministério Cristo para Todos e da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil (CONIMADB), além de diretor do ITCT (Instituto Teológico Cristo para Todos), Moura foi levantado por jornalistas investigativos participou de 22 agendas das pastas ministeriais, como facilitador do diálogo entre ministro e prefeituras municipais. Suas reuniões eram acompanhadas por prefeitos de municípios que após os encontros eram agraciados pela liberação de verbas do MEC.
A investigação teve início após uma gravação divulgada pela Folha de São Paulo, em que o então Ministro da Educação disse que priorizava “amigos” dos pastores a pedido do próprio Presidente Jair Bolsonaro (PL).“Foi um pedido especial que o Presidente da República fez pra mim sobre a questão do pastor”, afirma Milton Ribeiro, “porque minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em seguida, atender a todos que são amigos do pastor Gilmar”. Arilton Moura e Gilmar Santos haviam assumido seus postos como facilitadores do diálogo entre MEC e prefeituras graças a seu desempenho junto à assessoria política prestada às Assembleias de Deus.
Diante da série de escândalos que envolvem o Ministro da Educação e os pastores, têm circulado nas mídias sociais de apoiadores do presidente da República e em notícia pela imprensa, tentativas de vincular o pastor Arilton Moura ao Partido dos Trabalhadores (PT), em provável tentativa de colocar o foco no pastor assembleiano e tirar o governo de Jair Bolsonaro do centro do caso de corrupção no MEC.
Além do suposto dossiê, uma das informações que estão sendo alarmadas é a de que o pastor Arilton Moura estaria ligado ao PT, pois já havia prestado serviços como assessor indireto da ex-governadora pelo PT no Pará Ana Júlia Carepa nos anos de 2007 a 2011, o que de fato ocorreu.
No Diário Oficial do Estado do Pará, Moura é citado em duas ocasiões. A primeira delas é de 13 anos atrás, em 2009, quando o pastor foi nomeado “Para representar o Governo do Estado do Pará, em reunião institucional com líderes das comunidades cristãs do Brasil”. Já a segunda ocasião foi em 2010, quando o pastor foi destinado “para coordenar a equipe de preparação e da infra-estrutura de atendimento às comunidades dos referidos municípios [Mojú, Tailândia e Goanésia].”
No período em questão, final da primeira década dos anos 2000 e início da segunda, lideranças evangélicas, incluindo as das Assembleia de Deus, e partidos políticos relacionados a elas, participavam da base do governo federal sob a liderança do PT, o que se refletia em governos estaduais e municipais em várias regiões do Brasil. Esta constatação aparece em pesquisas acadêmicas, como a do Prof. Ricardo Mariano.
No segundo mandato da presidente Dilma Rousseff (PT), de 2014 a 2016, este quadro foi alterado não só com a retirada do apoio como com a participação dessas lideranças religiosas e os partidos de sua vinculação na campanha pelo impeachment da governante. Seguiu-se a isto a significativa mudança de rumo na articulação destas forças políticas que não só passaram a fazer oposição e demonizar o PT, como compuseram a aliança pela eleição do candidato de extrema direita à Presidência da República, em 2018, Jair Bolsonaro. Esta constatação está também presente em pesquisas acadêmicas sobre o tema, mas resulta, especialmente, da observação da conjuntura com a composição do governo Bolsonaro, a partir de 2019, marcada pela ocupação de cargos por evangélicos, pela presença de lideranças das diferentes vertentes (ministérios e convenções) das Assembleias de Deus na base do governo no Congresso Nacional e em periódicas reuniões com o Presidente da República e pela concessão de benefícios fiscais e de outros apoios a atividades destas igrejas, o que se encontra em fartos registros na Câmara Federal e no Senado e no Diário Oficial da República.
Quanto à participação política de Arilton Moura junto ao PT, Bereia obteve informações com uma fonte vinculada ao segmento evangélico e ao PT do Pará. Ela informou que “[o pastor] nunca foi filiado no PT, e sempre foi um crente lobista da Assembleia de Deus que transitava em todos os gabinetes desde os governos anteriores ao [da ex- governadora] Ana Júlia Carepa.”
Quanto aos trabalhos prestados pelo pastor Arilton Moura à ex-governadora petista, esta fonte informou ao Bereia que, possivelmente, a nomeação para atuações especificas se deu para apaziguar as tensões entre a mandatária e evangélicos paraenses, e não por alguma indicação do Partido dos Trabalhadores.
Pr. Arilton sempre foi recebido com respeito, atenção e muita paciência por nós, mas nunca obteve nossa confiança. Muitas vezes reclamava para que ajudasse a resolver o problema da nomeação que ele queria no gabinete de Ana Júlia, então respondíamos que não era de nossa autoridade essa missão.
Sobre a presença do pastor na comunidade evangélica a liderança afirmou:
Pastor Arilton, pelo seu sonho de enriquecimento “abençoado”, acabou conseguindo chegar na mídia com a corrupção, por conta do que aprendeu a praticar a partir da orientação de seus líderes evangélicos. É um negociador de recursos públicos. Um lobista. Sua história é de um trânsito em todos os gabinetes conforme a ocasião favorece, mas sob orientação dos “chefes”. Ele não é um pastor de ensinamento religioso, ou pregador, a missão dele é captar recursos para a Igreja.
Até a publicação desta matéria, Bereia não conseguiu ter acesso ao dossiê em questão.
**** Bereia classifica como IMPRECISOS os boatos de que o pastor Arilton Moura, investigado por sua participação nos escândalos recentes do MEC, possua relações recorrentes com o Partido dos Trabalhadores (PT). Não há, de acordo com a liderança religiosa filiada ao partido, vínculos entre o pastor e o PT, para além do fato de ter prestado serviços ao governo estadual do Pará durante o mandato de Ana Júlia Carepas, há 13 anos. Ainda, as acusações feitas por apoiadores do governo de Jair Bolsonaro contra este pastor carecem de comprovação , configurando-se como especulação, provavelmente com vistas a retirar o foco da responsabilidade sobre as irregularidades na gestão do ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, sob a orientação do presidente Jair Bolsonaro.
O Ministro da Educação é pastor presbiteriano. Eu também sou, desde 1996. Em entrevista à TV Brasil, no dia 10/08/2021, Milton Ribeiro declarou que “universidade deveria, na verdade, ser para poucos”. A frase provocou questionamentos, por parte da comunidade acadêmica; gerou indignação entre estudantes e suas famílias e, também, incentivou reflexões sobre o papel da Universidade.
O contexto da frase acompanha a lógica de incentivo à educação técnica – voltada para o mercado de trabalho. No discurso e na prática – que se traduz em verbas cortadas ou reduzidas (veja o gráfico no final do texto) – o Brasil vive um momento de desindustrialização, de subordinação aos processos produtivos internacionais, condenando o país à mera posição de exportador de matérias-primas, minérios, alimentos e proteína animal. Todavia, a engenharia nacional, capaz de produzir no passado, jatos da EMBRAER, poderia também produzir tecnologia 5G.
Nesse texto, não vamos discutir os pontos acima, mas questionar qual seria a visão de um pastor presbiteriano acerca da universidade. Qual seria a visão da Igreja Evangélica acerca da educação? Optamos pelo modelo de educação e evangelização para as elites?
Para ajudar, há muitas pistas, livros e instituições. No livro “Protestantismo e Educação Brasileira”, o professor e pastor presbiteriano Osvaldo Henrique Hack, descreve como o impacto dos missionários protestantes (presbiterianos, congregacionais, metodistas e batistas) transformou a educação do Brasil e promoveu uma evangelização consistente, interiorizada.
Em 12 de agosto, dois dias depois da fala do ministro, presbiterianos recordaram que, em 1859, o primeiro casal de missionários chegou ao Brasil – Rev. Ashbel Green Simonton e Helen Murdoch Simonton. Helen morreria no parto de sua primeira filha (1864) e Ashbel faleceu de febre amarela (1867). Atualmente, seriam ambos salvos pelo SUS – com suas maternidades e vacinas.
O casal Simonton, além de organizar igrejas, também criou o primeiro seminário, o primeiro jornal e uma escola. Todos os quatro casais de missionários pioneiros (Simonton, Blackford, Schneider e Chamberlain) organizaram igrejas e escolas. Havia, inclusive um lema: “ao lado de cada igreja, uma escola”.
De fato, os missionários acreditavam que “outro meio indispensável para assegurar o futuro da igreja evangélica no Brasil é o estabelecimento de escolas… O Evangelho dá estímulo a todas as faculdades do homem e o leva a fazer os maiores esforços para avantajar-se na senda do progresso.” (Relatório Pastoral de Ashbel Green Simonton, em 1867, cujo original encontra-se no Arquivo Presbiteriano)
James Cooley Fletcher, missionário presbiteriano, filho do banqueiro Calvin Fletcher, graduado na Universidade Brown e Princeton (EUA) foi um dos mais ativos agentes na implantação dessa missão educacional. Entre 1851 e 1856 Fletcher atuou no Brasil, como agente da União Americana de Escolas Dominicais e representante da União Cristã Americana Estrangeira, quando viajou quase cinco mil quilômetros Brasil adentro – distribuindo Bíblias, incentivando escolas, patrocinando missionários e, principalmente, difundindo o sistema educacional norte-americano. Curiosamente, no Brasil, chamava-se à época o sistema estadunidense de “sistema escolar socialista de Horace Mann”. Em 1866. Fletcher escreveu ao imperador Pedro II, convidando o ministro Joaquim Maria Nascentes de Azambuja e uma delegação brasileira para visitar escolas e universidades nos EUA. Fletcher, Azambuja (que tornou-se Diretor de Instrução Pública nas Províncias do Espírito Santo e Pará) e principalmente o Deputado Aureliano Cândido Tavares Bastos iniciaram uma campanha pública de críticas ao sistema educacional brasileiro. Em 1869, falando no Senado, Francisco de Paula Silveira Lobo, irmão do jornalista e líder abolicionista Aristides Lobo lembrava que “na própria Côrte havia apenas 4.800 alunos primários para uma população estimada em 400 000 a meio milhão de almas”. Ou seja, segundo o Censo de 1872, a taxa de analfabetismo era de 77,2% (RJ) , 87,1% (PB) e 87,0% (CE). Havia grande disparidade, mas como se pode perceber, a educação era para poucos.
O analfabetismo era, desde a origem do movimento missionário, o grande problema. No Brasil, para fins de comparação, a alfabetização surge como questão nacional somente com a reforma eleitoral de 1882 (Lei Saraiva), a qual conjugava “censo pecuniário” (econômico) com o “censo literário”, proibindo o voto do analfabeto. A Constituição Republicana de 1891, acabou com o “censo econômico”, mas manteve o “censo literário” (vetando direitos políticos aos analfabetos).
Assim, não era raro que os missionários protestantes fossem acusados de “agitação política” e “socialismo” por conta de seus esforços alfabetizadores. Na tabela abaixo constatamos que, ainda agora, no Censo 2000, na capital da República, não erradicamos o analfabetismo. Portanto, junto com a Missão, a educação ainda é tarefa da Igreja. Pois como lerão as Sagradas Escrituras se não sabem ler? Que espécie de igreja pode ser gerada sem leitura?
Horace Mann defendia uma educação pública, universal e gratuita, para todos – como forma de alfabetizar, civilizar e gerar progresso e prosperidade. Todos os missionários pensavam da mesma forma. Os batistas chegaram registrar a necessidade de fundarem pelo menos um colégio em cada capital do país. Textualmente: “a superioridade das doutrinas batistas não será demonstrada ao povo brasileiro exclusivamente no campo da evangelização. É justamente no campo da educação que o Evangelho produz os seus frutos seletos e superiores, homens preparados para falar com poder à consciência nacional” (Cabtree, A. História dos Batistas, Casa Publicadora Batista, 1962, p. 125) William Buck Bagby (missionário pioneiro na implantação das missões batistas no Brasil) defendia a tese de que “colégios prepararão o caminho para a marcha das igrejas”.
De fato, os missionários implantavam, junto com os educandários, sistemas educacionais e práticas, consideradas avançadas para o século XIX. O Rev. George Whitehill Chamberlain (1839-1902), educador pioneiro, ordenado pastor pelo Presbitério Rio de Janeiro, em 8 de julho de 1866, fundou em 1870 São Paulo, junto com sua esposa Mary Chamberlain, a Escola Americana, o embrião daquilo que viria a se tornar a Universidade Mackenzie. Uma escola mista (para meninos e meninas, inter-racial, multicultural e com aulas de educação física) era um “escândalo” para uma sociedade escravagista, racista, machista – e a prática de esportes esbarrava no decoro público.
Em sua correspondência à Junta de Nova Iorque (EUA) para justificar o investimento de recursos para a nova tarefa, Chamberlain registra “o fato de as filhas e filhos de muitos pais brasileiros não evangélicos, pertencentes às correntes republicanas e abolicionistas (grifo nosso), também sofrerem perseguições” (Garcez, Benedito. Mackenzie, Casa Editora Presbiteriana, 1970. p. 32)
A Junta de Missões da Igreja Presbiteriana dos EUA não somente percebeu a oportunidade, como também determinou que a nova escola deveria “observar o sistema de ensino americano (EUA): escola mista para ambos os sexos; liberdade religiosa, política e racial (grifo nosso). Educação baseada nos princípios da moral cristã, segundo as normas das Santas Escrituras, atendendo ao conceito protestante que exclui da escola a campanha religiosa, limitando-se às questões de moralidade ética, contidas no ensino de Cristo”.
Em 1897, o “Protestant College” mudou o seu nome para “Mackenzie College at São Paulo”. A mudança foi uma homenagem a John Theron Mackenzie, (1818-1892), advogado e filantropo, o qual por meio de testamento, doou parte de sua herança, à então “Escola Americana” (hoje Universidade Presbiteriana Mackenzie). Morreu em 17 de setembro de 1892, aos 74 anos de idade e seu testamento dedicava um terço de seus bens à construção de uma escola de engenharia na então Escola Americana, que passou a chamar-se Universidade Presbiteriana Mackenzie.
É desnecessário dizer que não havia campo de trabalho para engenheiros no Brasil na segunda metade do século XIX – a base de nossa economia era, como ainda é, o agro.
Assim, vincular a oferta de vagas de ensino ao mercado, é um erro histórico – que penaliza as futuras gerações.
Para encerrarmos esse início de debate sobre a visão, missão e tarefa para a Igreja Evangélica no Brasil cabe perguntar: se os presbiterianos do século XIX tivessem uma visão estreita, de uma universidade para poucos ou de uma igreja seletiva (apenas para uma classe), nós estaríamos aqui hoje? Existiria uma Universidade Mackenzie? Existiria curso de engenharia na universidade plantada em um país exportador de café e açúcar?
O papel de uma Universidade é formar apenas gente para o mercado de trabalho?
O papel de uma Igreja é apenas influenciar algumas poucas pessoas e lugares exclusivos?
O que é uma Missão Cristã?
São perguntas que me surgem quando olho para o passado, quando me entristeço diante do presente e quando creio que o futuro há de levantar uma geração de pregadores e pregadoras que não seja formada apenas para agradar aos interesses da ocasião.
Lanço então, esta mensagem, como numa garrafa, a balançar nas ondas desse informar, como um pequeno fio nessa rede. Vamos debater o papel da Universidade e da Educação? Será possível que sou o único a imaginar que escolas e centros universitários devem ser lugares de inovação, transformação e progresso? Seria a Missão da Igreja um fermento para o Mundo?
Se quiser continuar essa conversa, mande um e-mail. Ficarei imensamente grato pela sua opinião e estou aberto para ampliar esse diálogo: revmello@gmail.com.
Gráfico – Investimento nas Universidades (MEC/Brasil)