Associação cristã desinforma com discurso alarmista sobre Conferência Nacional de Educação

A Associação Internacional de Escolas Cristãs (ACSI) publicou, em sua página oficial no Instagram, um vídeo em que o diretor-executivo da instituição no Brasil Mauro Meister alerta profissionais de educação, pais e pastores sobre a convocação, em caráter extraordinário, para a Conferência Nacional de Educação (Conae). Na chamada, ele coloca suspeita no curto prazo para a realização das conferências estaduais e municipais que devem anteceder a Conae. 

No vídeo, Meister afirma que, nas comunicações para convocação, “certamente foram deixadas de fora as escolas particulares, escolas confessionais e assim por diante”. Além disso, o diretor classifica o processo de convocação como “açodado” e alega que as “resoluções do documento-base desta conferência são altamente prejudiciais à educação”. Bereia checou o discurso. 

Imagem: reprodução do Instagram

O que é a Conferência Nacional de Educação (Conae)

A Lei nº 13.0005/14, que aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE), previu a realização de duas Conferências Nacionais de Educação (Conae) durante o decênio 2014-2024. Em seu artigo 6º, o dispositivo prevê que tais conferências sejam precedidas de versões distritais, municipais e estaduais, sendo articuladas e coordenadas pelo Fórum Nacional de Educação.

Segundo a referida lei, as Conferências Nacionais de Educação, a serem realizadas a cada quatro anos, têm o objetivo de avaliar a execução do PNE estabelecido e subsidiar a elaboração do plano para o decênio subsequente.

Em setembro de 2023, o Decreto 11.697/23, assinado pelo vice-presidente da República Geraldo Alckmin e pelo ministro da Educação Camilo Santana, convocou a Conae 2024, que estabelecerá os parâmetros do decênio 2024-2034.

A Conae 2024

O Decreto que convoca a conferência de 2024 define o local da realização como Brasília e o tema da edição como ‘Plano Nacional de Educação – PNE, decênio 2024-2034 – política de Estado para a garantia da educação como direito humano, com justiça social e desenvolvimento socioambiental sustentável’, que será abordado em sete eixos temáticos. 

São eles, Eixo 1 – O PNE como articulador do Sistema Nacional de Educação, sua vinculação aos planos decenais estaduais, distrital e municipais de educação, em prol das ações integradas e intersetoriais, em regime de colaboração interfederativa; Eixo 2 – A garantia do direito de todas as pessoas à educação de qualidade, com acesso, permanência e conclusão, em todos os níveis, etapas e modalidades, nos diferentes contextos e territórios;

Eixo 3 – Educação, Direitos Humanos, Inclusão e Diversidade – equidade e justiça social na garantia do direito à educação para todas as pessoas e o combate às diferentes e novas formas de desigualdade, de discriminação e de violência; Eixo 4 – Gestão democrática e educação de qualidade – regulamentação, monitoramento, avaliação, órgãos e mecanismos de controle e participação social nos processos e espaços de decisão;

Eixo 5 – Valorização de profissionais da educação – garantia do direito à formação inicial e continuada de qualidade, ao piso salarial e carreira e às condições para o exercício da profissão de forma segura e saudável; Eixo 6 – Financiamento público da educação pública, com controle social e garantia das condições adequadas para a qualidade social da educação, com vistas à democratização do acesso e da permanência;

E por fim, Eixo 7 – Educação comprometida com a justiça social, a proteção da biodiversidade, o desenvolvimento socioambiental sustentável para a garantia de uma vida com qualidade e o enfrentamento das desigualdades e da pobreza.

Segundo o documento, a finalidade da conferência é desenvolver a educação nacional, com gestão democrática, inclusão, equidade, diversidade e qualidade social. Entre os objetivos do encontro também estão a viabilização da participação representativa dos segmentos educacionais e setores da sociedade civil na elaboração do PNE, decênio 2024-2034.

Em seu artigo terceiro, o Decreto 11.697/23 enumera, como objetivos específicos, avaliar a execução do PNE vigente, assistir à elaboração do PNE, decênio 2024-2034, contribuir com a identificação dos problemas e das necessidades educacionais e produzir referências para orientar a formulação e a implementação dos planos de educação estaduais, distrital e municipais, articulados ao PNE, decênio 2024-2034.

Após a publicação do Decreto para convocação, em setembro, o Ministério da Educação (MEC) disponibilizou, em outubro, o Regimento Geral Conae 2024 e o documento Orientações para a Organização das Etapas Preparatórias da Conae 2024 , que orienta os estados, o Distrito Federal e os municípios quanto à organização de suas conferências, preparatórias para a etapa nacional.

O que é a Associação Internacional de Escolas Cristãs (ACSI) e quem ela representa

A Associação Internacional de Escolas Cristãs (ACSI) define-se como uma organização internacional sem fins lucrativos que conta com mais de 25 mil escolas cristãs associadas. Fundada em 1978, tem sede em Colorado Springs, nos Estados Unidos da América, e está presente em mais de 115 países, com 16 escritórios regionais ao redor do mundo. As informações são do site da ACSI no Brasil.

O site afirma que busca promover uma educação escolar cristã que seja “biblicamente sólida, academicamente rigorosa, socialmente engajada e culturalmente relevante” e menciona, também, o papel de “educadores que incorporam uma cosmovisão bíblica”. A página internacional da ACSI, no entanto, à qual a ACSI Brasil responde, explicita sua “missão” com mais detalhes: fortalecer escolas e educadores cristãos e preparar alunos para que se tornem seguidores devotos de Jesus Cristo. A página destaca, ainda, os pilares da instituição: avançar e ampliar o acesso da educação centrada na figura de Jesus Cristo e desenvolver “relacionamentos estratégicos” na esfera pública.

No que concerne à atuação da ACSI na esfera pública, a organização realiza, periodicamente, cúpulas para promover políticas públicas e a defesa dos direitos cristãos. Diversos nomes religiosos já passaram nas cúpulas da ACSI, entre eles, o senador conservador estadunidense Ted Cruz, notório defensor da indústria armamentista norte-americana.

No Brasil a ASCI tem 85 colégios confessionais evangélicos associados, segundo os registros do site: 15 no Nordeste, quatro no Norte, seis no Centro-Oeste, 45 no Sudeste e 15 no Sul. 

O diretor-executivo da ACSI no Brasil Mauro Meister, que aparece no vídeo-alerta publicado pela associação em perfil no Instagram, é pastor da Igreja Presbiteriana Barra Funda, em São Paulo, e professor no Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, onde leciona sobre Antigo Testamento, Teologia Bíblica e Pregação.

Esta organização, de identidade estadunidense, se estabeleceu oficialmente no Brasil em 2003. No entanto, existem outras associações brasileiras de instituições confessionais de ensino que dialogam e têm assento em fóruns do Ministério da Educação e outros espaços de discussão das políticas de educação no país.

Criada em 2001, a Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas (Abiee) congrega instituições que tenham por objetivos a promoção da educação, da pesquisa, do ensino, da cultura e de conhecimentos que contribuam para a melhoria das condições sociais do país. A Abiee conta, segundo os registros de seu website, um universo de 911 instituições, entre colégios, faculdades e universidades, 30 mil professores e funcionários e 630 mil estudantes, no Distrito Federal e em todos os estados brasileiros. Além disso, conta com dez redes de associadas das principais denominações evangélicas históricas. 

Já a Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (Anec), criada em 2007, promove a educação cristã que visa à formação integral da pessoa humana, sujeito e agente de construção de uma sociedade justa, fraterna, solidária e pacífica, segundo o Evangelho e a Doutrina da Igreja Católica. São associadas da Anec, segundo os registros do seu website, 901 escolas e 117 instituições de nível superior, também 13 hospitais, 172 obras sociais, 356 mantenedoras, 1.230 mantidas, com 110 mil profissionais e 1.500 milhão de estudantes, em 900 municípios brasileiros.

Inconsistências no discurso da ACSI

Meister afirma que o processo em curso – realização das etapas que antecedem a Conae 2024 – vem sendo feito de maneira açodada, “como uma avalanche, por debaixo dos panos”, sem mencionar os documentos e processos estabelecidos a partir da legislação.

Ao criticar propostas de fiscalização e normatização do ensino privado brasileiro, o diretor-executivo da ACSI no Brasil, o pastor alega que o documento-referência da Conae 2024 é uma ameaça à liberdade educacional, sem apresentar dados ou citar elementos concretos que justifiquem a acusação. “Na verdade, o que está acontecendo, é uma algema, é uma prisão para as instituições educacionais, para que cumpram uma determinada agenda e uma outra ideologia que não é para orientar os nossos filhos”, alega o Meister.

Bereia verificou que o Ministério da Educação (MEC) apresentou, em 18 de outubro passado, o documento-referência que orienta as etapas estaduais e municipais da Conferência, realizadas entre outubro e dezembro de 2023. O documento, que apresenta um conjunto de eixos temáticos a serem discutidos pelos diversos atores que compõem as diversas etapas da Conferência, destaca a participação de, ao menos, três instituições cristãs ou ligadas ao ensino privado na elaboração do documento.

Estão mencionadas no documento-referência a Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), representada por Elizabeth Regina Nunes Guedes, a Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (Anec), representada por Roberta Valéria Guedes, e a Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas (Abiee), é representada por Mac Amaral Cartaxo.

Bereia procurou a ACSI no Brasil, por meio de seus canais institucionais para ouvi-la sobre o caso e buscar mais elementos concretos para a checagem. Até o fechamento desta matéria, a associação não retornou o contato. Caso ocorra, esta apuração será atualizada. 

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Bereia avalia o discurso do diretor-executivo da Associação Internacional de Escolas Cristãs (ACSI) Mauro Meister divulgado em mídia social como enganoso. A fala de Mauro Meister é composta por alguma substância verdadeira (a realização da Conae 2024) mas contém, também, elementos dispostos estrategicamente para confundir e causar pânico moral.

Como elementos do discurso enganoso estão a ausência de contextualização e a omissão de detalhes. As acusações feitas pelo diretor-executivo acerca de supostos açodamento do processo e cerceamento imposto são vagas, sem qualquer menção concreta que possa ser verificada. Portanto, os apontamentos feitos por Meister não deixam claro que, de fato, ocorre o que o diretor alega.  

A estratégia de pânico moral, presente na fala de Meister, se apresenta na defesa de uma pauta política erguida por políticos ultraconservadores, que envolvem a educação infantil. Como este nível educacional, consequentemente se liga à formação familiar, exigem que a educação seja pautada por valores cristãos, sem considerar a diversidade cultural, sexual, de gênero e a liberdade de credo da sociedade brasileira. Trata-se de mais um elemento de discurso enganoso quando não sustentado por fatos, mas por alegações fortalecidas por ideologias apoiadas em valores cristão-conservadores.

Referências de checagem:

Lei 13.005/14. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm#art12 Acesso em: 6 dez 2023

Decreto 11.697/23. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/D11697.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%2011.697%2C%20DE%2011,cidade%20de%20Bras%C3%ADlia%2C%20Distrito%20Federal. Acesso em: 6 dez 2023

Ministério da Educação.

https://www.gov.br/mec/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conferencias/conae-2024 Acesso em: 7 dez 2023

https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/2023/setembro/convocada-conferencia-nacional-de-educacao Acesso em: 7 dez 2023

https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/2023/outubro/publicado-documento-referencia-da-conae-2024 Acesso em: 7 dez 2023

http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/conferencia-nacional-de-educacao Acesso em: 7 dez 2023

https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/2023/outubro/regimento-geral-define-regras-para-a-conae-2024

Acesso em: 7 dez 2023

https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/2023/outubro/documento-orienta-estados-e-municipios-para-conferencias

Acesso em: 7 dez 2023

Fórum Nacional de Educação. https://fne.mec.gov.br/noticias-fne/200-conferencia-nacional-de-educacao-2024 Acesso em: 6 dez 2023

Associação Internacional de Escolas Cristãs. https://www.acsi.com.br/ Acesso em: 7 dez 2023

Mackenzie. https://cpaj.mackenzie.br/quem-somos/professores/mauro-fernando-meister Acesso em: 7 dez 2023

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Foto de capa: Pixabay

A sabatina de André Mendonça pelo Senado – Parte 2: evangélicos no STF

Bereia prossegue com a parte 2 da checagem da sabatina de André Mendonça, agora sobre o “salto” da chegada de um evangélico ao STF (veja aqui a parte 1).

O Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Luiz de Almeida Mendonça é um advogado e pastor presbiteriano. Durante a sabatina perante a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Mendonça reiterou sua postura garantista, bem como declarou compromisso com o Estado laico e o respeito aos direitos de minorias. Foi aprovado na comissão com 18 votos favoráveis e 9 contrários e no plenário com 47 votos favoráveis e 32 contrários.  

Em sua primeira entrevista após a aprovação de seu nome para a condição de ministro, parafraseando a chegada do homem à Lua, na década de 60, quando o astronauta norte-americano Neil Armstrong classificou o feito como “um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade”, Mendonça declarou: “É um passo para um homem, mas na história dos evangélicos do Brasil é um salto. Um passo para um homem e um salto para os evangélicos”

Não foi salto

Em Brasília, os evangélicos sabem que Mendonça não foi o primeiro evangélico a ocupar um cargo elevado na elite do judiciário. Este “salto” foi noticiado pelo Jornal Batista, em 21 de fevereiro de 1957.  Na capa do periódico religioso há um destaque para o diácono Antônio Martins Villas Boas, a quem o Jornal Batista felicitou por ter sido escolhido por unanimidade (33 votos, na época), destaca que é um crente fiel. Há uma grande comunidade batista em Brasília que é testemunho de sua dedicação. Fundada em 1967 pelo então ministro do STF Antonio Martins Villas Boas, a Igreja Batista Central de Brasília reúne, semanalmente, 4,5 mil fiéis nos cultos. A atuação do ministro foi discreta, mas operosa na fundação de congregações e na assessoria de instituições evangélicas por toda a região. O ministro Antônio Villas Boas exerceu a presidência da Corte de 9 de março de 1965 até 15 de novembro de 1966. Possivelmente o silêncio sobre sua figura remonta aos anos de chumbo.

Imagem: reprodução d’O Jornal Batista

O verbete sobre o ministro Villas Boas, no CPDOC (da FGV), acentua sua atividade incômoda ao regime de arbítrio: “Como ministro do STF, Vilas Boas votou favoravelmente à transferência desse órgão para Brasília, o que de fato se consumou a partir de abril de 1960. Participou de diversos julgamentos de importância política, como ocorreu em 18 de setembro de 1957, quando votou a favor das representações dos diretórios regionais do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e do Partido Republicano (PR), bem como da deputada Almerinda Magalhães Arantes, contra o Ato Constitucional nº 1, promulgado em maio de 1957 pela Assembleia Legislativa de Goiás, prorrogando por mais um ano os mandatos do governador, do vice-governador e dos prefeitos desse estado. A votação do STF processou-se por unanimidade”.

Todavia, não são apenas ministros cassados que escreveram a história da presença evangélica nas cortes superiores. A família Gueiros (com vários líderes presbiterianos e um ramo batista), também forneceu vários de seus filhos para as cortes durante a ditadura militar. O Rev. Jerônimo de Carvalho Silva Gueiros (1880-1953) pastor, professor, jornalista teve doze filhos. Entre eles, Neemias Gueiros foi o redator do Ato Institucional nº 2 e Evandro Gueiros foi o primeiro presidente do Supremo Tribunal de Justiça.  Eraldo Gueiros Leite (1912 1983) ocupou o centro do poder, durante o regime de exceção, como ministro do Supremo Tribunal Militar (STM). Como presidentes do STJ e do STM, evangélicos já ocuparam, portanto, o centro do poder judiciário brasileiro, em época recente.

O Salto Supremo: A Presidência da República

Além das cortes superiores, topo da carreira do Judiciário, evangélicos já ocuparam também a Presidência da República, duas vezes. Com Café Filho, presbiteriano, e Ernesto Geisel, luterano.

Café Filho

João Fernandes Campos Café Filho  (1899-1970) foi um advogado e político brasileiro, tendo sido o 18.º presidente do Brasil, entre 24 de agosto de 1954 e 8 de novembro de 1955. Também foi o 13.º vice-presidente do país, entre 1951 e 1954, função que assumira paralelamente com a de presidente do Senado Federal. Era filho de um líder da Igreja Presbiteriana,  frequentou o Colégio Americano, o Grupo Escolar Augusto Severo, a Escola Normal e o Ateneu Norte-Rio-Grandense, todos localizados em Natal. Foi o único potiguar e o primeiro protestante a ocupar a Presidência da República do Brasil. 

Ernesto Geisel

Ernesto Beckmann Geisel (1907-1996) general do Exército brasileiro, que, entre 1974 e 1979, foi o 29º Presidente do Brasil, tendo sido o quarto na ditadura militar. Filho de imigrantes luteranos alemães, estudou no Colégio Martinho Lutero de Estrela (RS) e no Colégio Militar de Porto Alegre, formando-se aspirante a oficial na Escola Militar de Realengo, atual Academia Militar das Agulhas Negras, na arma de artilharia. Depois de alcançar o topo da carreira militar, como general, participou do grupo que depôs o presidente João Goulart, atuou no governo de Castelo Branco e, no período de Costa e Silva, foi nomeado ministro do Superior Tribunal Militar (STM), onde participou do julgamento de inúmeros processos referentes a crimes políticos enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Com fama de “disciplinador”, Geisel foi ativo e influente das Forças Armadas. Como o fim da ditadura,envolveu-se na eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral, em 1985. Geisel apoiou o presidente José Sarney (1985-1989) e defendeu a realização de eleições diretas para a Presidência da República, com a retirada dos militares para os quartéis.

Educação, a melhor política

Nos perfis biográficos de Villas Boas, dos Gueiros, de Café Filho e de Geisel há uma constante – o acesso à educação de qualidade, por meio de diversos colégios evangélicos, de educação básica, fundamental e do ensino médio. O professor e historiador ex- Chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie Osvaldo Henrique Hack, em seu livro “Protestantismo e Educação Brasileira” (Editora Cultura Cristã, 2000), acentua que a educação “foi o motor para a formação de uma elite acadêmica, jurídica e econômica” entre os evangélicos, que mesmo minoritários diante da população brasileira, puderam ocupar, pela formação, diversos cargos. Ou seja, as personagens citadas nesta matéria são fruto de uma visão de educação popular, básica e fundamental, que, espalhando-se por todo o Brasil ,resgatou crianças e adolescentes da pobreza e da invisibilidade social. 

Na biografia de Jerônimo Gueiros registra-se: “Fundou com o Rev. Calvin Porter uma escola para rapazes chamada Externato Natalense, na qual estudou João Café Filho (1899-1970), futuro Presidente da República. Também fundou a Escola Eliza Reed e reorganizou o Instituto Pestalozzi, onde lecionou português por vários anos. Foi professor da Escola Normal do Rio Grande do Norte, primeiro interinamente e depois como titular, tendo feito concurso para a cadeira de português em fevereiro de 1919. Rev. Jerônimo foi secretário geral da Associação Cristã de Moços (ACM), que oferecia cursos profissionalizantes, entre os quais datilografia, algo muito valorizado na época. Lecionou no Colégio Americano Batista e fundou o Instituto de Assistência e Educação, que mais tarde recebeu o seu nome”  (Instituto Presbiteriano Mackenzie “Os Consolidadores da Obra Presbiteriana no Brasil”, 2014)

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Bereia verifica, portanto, que não houve um “salto” de evangélicos a um alto espaço de poder público com a aprovação da indicação de André Mendonça ao STF, Já houve outros nomes na história recente do Brasil, ligados a igrejas evangélicas, ocupando cargos relacionados ao Poder Judiciário  e ao cargo maior, a Presidência da República. A pesquisa mostra, também, que a chegada a estes cargos, além de estar relacionada a uma aproximação do poder, tem relação com a formação educacional. As  escolas básicas e fundamentais e as universidades evangélicas são uma rede de inclusão que abriu portas das cortes e escolas para os filhos de imigrantes, migrantes e para a minoria religiosa  evangélica.

Um Ministério da Educação religiosa?

Educação religiosa não é educação.

( Osvaldo Luiz Ribeiro )

O novo ministro da educação do governo Bolsonaro tem título de doutorado em educação pela USP. Milton Ribeiro também é formado em teologia e direito. Segundo sua apresentação no lattes, currículo atualizado pela última vez em 15/04/2019, é relator da Comissão de Assuntos Educacionais do Mackenzie e Diretor Administrativo da Luz para o Caminho, instituição que cuida da área de mídias da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB). Também foi responsável por 38 cursos de especialização e 5 cursos de extensão no Mackenzie, além de dar aulas sobre “Ética e Disciplina”. Fez duas especializações no “Velho Testamento”, sendo a primeira no próprio Mackenzie; a segunda, no Centro Teológico Andrew Jumper, que é destinada à formação de docentes de seminários, institutos bíblicos, dentre outras ligadas à IPB. Sendo bolsista CNPq durante seu doutorado, produziu a tese “Calvinismo no Brasil e organização: o poder estruturador da educação”. Na parte de produção bibliográfica, apenas um produto. Trata-se de um livro publicado pela Editora Mackenzie, provavelmente fruto de sua dissertação de mestrado: “Liberdade Religiosa: uma proposta de debate”. 

É importante recordarmos a declaração de Bolsonaro em 2018 acerca da escolha dos ministros e de todo o primeiro escalão do governo: “Tem que ser alguém que entenda daquele assunto. […] A gente está escolhendo por critérios técnicos, né? Competência, autoridade, patriotismo e iniciativa”. Já passaram por lá: Ricardo Vélez Rodríguez, Abraham Weintraub, Carlos Decotelli e, agora, Milton Ribeiro. Qual é o critério da escolha deste último?

Várias igrejas presbiterianas, dentre outras denominações evangélicas, se envolveram em campanhas de oração contra corrupção – uma tônica do governo Bolsonaro que assim classifica o que ele chama de partidos comunistas e afins.

Por isso, não se trata apenas de observar o lattes do candidato – embora sua produção científica na área seja um importante norte para se pensar e pesar suas características teóricas e contribuições para a sociedade –, mas perceber de que maneira o indivíduo está submetido a determinada instituição religiosa. 

Pensar, programar e sistematizar a educação de um país a partir de um personagem, sem produção intelectual substantiva; que obedece rigorosamente aos estatutos acríticos de uma instituição confessional; que é ligado a órgãos historicamente presentes em governos de (extrema)direita, que aceita agora participar de um governo que despreza publicamente a linguagem científica, tendo terraplanistas como base de sua mais alta intelectualidade; que tem o Antigo Testamento, com seus códigos morais e de educação por violência (como em seu discurso sobre a disciplina física em crianças) como especialidade nos permite considerar que o Estado ainda não se desvencilhou da influência religiosa conservadora/fundamentalista, neoliberal, mantenedora do ethos moralizante e preocupado com a genitália alheia.

Em 1932, Matathias Gomes dos Santos, um líder presbiteriano, declarou no principal jornal da denominação, “O Puritano” (10 de nov. de 1932, p. 2):

“O Protestantismo não é um partido, não se filiará a nenhum partido; mas todos os seus membros, por sua natureza pertencem às correntes liberais” (grifo meu).

O pastor Milton faz parte do quadro ligado às esferas da educação religiosa legitimada por uma interpretação não das Escrituras, mas de uma tradição religiosa que busca ocupar espaços no poder a fim de que o Jesus da conveniência seja vívido nas correntes sociais dissipando tudo aquilo que pode ser chamado de inimigo. Portanto, não estamos diante de algo novo na história. E ouso dizer que o nível de associação a governos neoliberais e ditatoriais entre religiosos poderia ser menor caso o processo crítico dentro desta estrutura fosse intenso. É o que parece ocorrer agora…

No final do primeiro semestre/2020 foi criado o grupo “Resistência Reformada”, cujo objetivo é demonstrar a pluralidade dentro do mesmo segmento e os descontentamentos acerca da união da igreja com o Estado. Seguem alguns pontos do manifesto:

“Reafirmamos que a Teologia Reformada defende a separação entre igreja e Estado…”; “Cremos que a Teologia Reformada se propõe aliada da ciência, ainda que de maneira eticamente crítica, mas nunca inimiga dos avanços intelectuais da humanidade…”; “a Teologia Reformada deve promover a igualdade e a fraternidade universais, bem como a luta por equidade, o combate ao patriarcalismo; e a defesa da emancipação das mulheres…”; “a Resistência Reformada rejeita e denuncia todas as formas de totalitarismo, sejam de esquerda ou de direita…”; “Denunciamos, com particular tristeza, o uso irreverente do nome de Deus para sancionar e promover ideologias humanas e inimigas da liberdade e promotoras da divisão e da violência…”; “A luta contra a tirania política é um dever do qual o cristão e a cristã não podem se eximir”; “a Teologia Reformada contemporânea trabalha na promoção do ecumenismo e do diálogo inter-religioso”…

A maioria que compõe o grupo da Resistência Reformada, e que também possui, em diferentes níveis, ligação com a estrutura religiosa, apresenta produção acadêmica superior à produção do atual ministro da educação.

Parece-me, contudo, que a diferença entre ambos os grupos não está no quanto se produz, mas no simples fato de desejar ler o evangelho a partir da sociedade presente e não mais pela hermenêutica fria e imprudente de certas instituições.

Nada que se alie ao atual governo terá a chance de subverter o cenário ditado por Bolsonaro, que, na verdade, é tão somente um porta-voz dos interesses dos EUA, de empresários e de uma “elite do atraso” emburrecedora. Não há esperanças pela via dessa alienada e alienadora educação. Talvez só reste mesmo… a resistência.

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