Conflito armado Israel x Palestina: Brasil na berlinda da desinformação – Parte 2
* Matéria atualizada em 18/04/2024 às 17:52 e 07/06/2024 para ajustes de texto
O conflito na Faixa de Gaza chegou ao sexto mês. Desde o ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro, o governo israelense revidou com, o que o governo do Brasil considera, um massacre da população palestina. Bereia publicou em 19 de março a primeira parte desta reportagem, na qual abordou a corrente de desinformação que surgiu a partir da fala do presidente Luís Inácio Lula da Silva, durante visita à Etiópia, em 18 de fevereiro passado, enquanto participava da 37ª Cúpula da União Africana e de reuniões bilaterais com chefes de Estado. O presidente brasileiro se pronunciou sobre o conflito e comparou a resposta de Israel aos ataques promovidos pelo Hamas, ao extermínio de milhões de judeus por nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, o que gerou uma série de críticas e comoção nas redes.
Bereia também abordou, na primeira parte desta matéria, a escalada da violência na região e como Israel vem perdendo o apoio da comunidade internacional diante das atrocidades praticadas sobre a população palestina. Leia a matéria completa.
Nesta segunda parte, Bereia apresenta a origem histórica deste conflito, a motivação do apoio de cristãos evangélicos a Israel e atualizações sobre a guerra contra a Palestina que completou seis meses.
O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, em 25 de março passado, pela primeira vez desde o 7 de outubro de 2023, um pedido de cessar-fogo em Gaza. A resolução recebeu o apoio de 14 dos 15 membros do órgão, o único a se abster foi os Estados Unidos. O texto estabelece uma cessação de hostilidades durante o Ramadã, período sagrado para os muçulmanos, que começou em 11 de março e terminou em 9 de abril. Apesar da aprovação histórica, e da pressão internacional, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu afirmou que não acatará a ordem da ONU e ainda planeja um ataque terrestre à cidade de Rafah. “Não estamos dispostos a cessar-fogo”, declarou.
Apesar da abstenção, o gesto do governo estadunidense causou uma rusga entre o presidente Joe Biden e Benjamin Netanyahu. Assim que o resultado no Conselho de Segurança foi anunciado, o governo israelense suspendeu a visita planejada de uma delegação do país aos EUA. O grupo iria discutir uma alternativa à invasão planejada por Israel à Rafah. O premiê israelense acusou a Casa Branca de abandonar sua “posição de princípio”. Entretanto, o governo de Biden correu para explicar que não havia mudanças na posição dos EUA de apoio a Israel.
“A única certeza em Gaza é a incerteza”
O grupo Hamas, por sua vez, pediu desculpas à população de Gaza pelo sofrimento causado pela guerra, entretanto, reiterou a intenção de prosseguir com o conflito que, segundo o comunicado, deve conduzir à “vitória e à liberdade” dos palestinos. O anúncio foi feito, no dia 31 de março, pelo canal oficial do grupo no Telegram.
Imagem: reprodução da Agência Brasil
Um dos principais líderes do grupo islâmico Hamas. Chefe do Departamento Político em Gaza e membro do Comitê Político Basem Naim disse, em entrevista ao jornal Correio Braziliense, que o premiê israelense é o culpado pela dificuldade de chegar a um cessar-fogo. “O principal obstáculo para chegarmos a um acordo é Benjamin Netanyahu e seu grupo de direita. Netanyahu não planeja alcançar um cessar-fogo, pois sabe que, no dia seguinte à trégua, haverá comitês de investigação e ele poderá ir para a prisão. A carreira política dele acabaria imediatamente”, garante o médico formado na Alemanha e com pós-doutorado em cirurgia.
Para o líder palestino que ocupou o posto de ministro da Saúde entre 2007 e 2012, o grupo está disposto a negociar o fim da guerra, entretanto o lado israelense não quer chegar a um acordo. “Apelamos por um cessar-fogo completo e sustentável, pela retirada total das forças israelenses da Faixa de Gaza e pelo retorno das pessoas que foram expulsas de suas casas e vilarejos depois de 7 de outubro. Também pedimos uma grande operação de socorro e de reconstrução da Faixa de Gaza. Ao mesmo tempo, o engajamento em um acordo tácito para a troca de prisioneiros”, disse Naim ao jornal brasiliense.
Perguntado sobre as denúncias de violência sexual cometida por integrantes do Hamas, o político palestino negou veementemente as acusações. “Nós negamos qualquer agressão sexual a qualquer mulher. (…) Esta foi uma operação militar e nossos alvos eram complexos militares e soldados. Nós evitamos civis, mulheres, crianças e homens. Ao mesmo tempo, temos dito que estamos prontos para receber qualquer comitê de investigação da ONU ou internacional, a fim de apurar o que ocorreu em 7 de outubro”, assegurou.
Por que os cristãos evangélicos apoiam Israel incondicionalmente?
Segundo o professor de Teologia e doutorando em Filosofia, pela PUC-SP, Wallace Góis, os evangélicos têm uma visão escatológica do papel de Israel na história da humanidade e o consideram como o “Relógio de Deus no mundo”. “Para eles, você tem que ficar de olho no que acontece em Israel para entender o que está acontecendo no plano divino. Então os eventos que envolvem Israel, qualquer avanço político, ameaça militar ou instabilidade, vai ser interpretado à luz de alguma passagem bíblica que tenha mais ou menos a ver com essa situação e vai ser colocado como um sinal do fim dos tempos, como a volta de Cristo”, explica o professor em entrevista ao Bereia.
“Eles dizem que Israel é a continuidade da história do povo de Deus, apoiam porque Israel é e sempre foi o povo perseguido das escrituras, o guardião da Palavra de Deus, e as coisas que acontecem em Israel têm uma direta conexão com aquilo que ajuda a formar a cosmovisão cristã sobre a realidade”, afirma Góis se referindo ao que pensam os evangélicos brasileiros.
Para o professor, que integra a coordenação brasileira do Programa de Acompanhamento Ecumênico na Palestina e em Israel, do Conselho Mundial de Igrejas, e viveu por quatro meses, de julho a outubro de 2015, na região, há uma espiritualização exacerbada em tudo que se refere a Israel. “Tem toda uma aura mística que envolve o imaginário cristão evangélico sobre Israel e coloca o país como se fosse um lugar mágico, um lugar sagrado em que tudo que se toca e se vê é referência do Divino”.
Além disso, o professor ressalta que o turismo religioso reforça a ideia de que a nação é o ideal de civilidade para todas as outras. “Há uma propaganda de Israel como um país civilizado, ético, abençoado por Deus e aberto à liberdade religiosa, mas é uma grande encenação, porque a liberdade religiosa é restrita. Principalmente, para os muçulmanos, as comunidades cristãs na Palestina também estão definhando, estão sofrendo com restrições”, relata.
Góis compara a ação do governo israelense ao Império Romano da época de Jesus. “Israel se tornou um grande império opressor e a população palestina se vê perseguida pelos ideais imperialistas, pela opressão, pela sanha de poder, pela sede por territórios. As melhores áreas da Palestina estão sendo ocupadas pela extensão territorial israelense, as riquezas naturais estão sendo exploradas por Israel. Então, qualquer chance que a Palestina teria de se estabelecer, de construir uma história de demonstração da ‘benção de Deus’ foi previamente sequestrada por Israel e tudo isso vai sendo associado à imagem de que Deus está na verdade ao lado de Israel”, lamenta.
O teólogo denuncia ainda que os direitos palestinos estão sendo minados para que Israel possa ser vitoriosa. “O próprio Monte do Templo, onde muitos evangélicos dizem que será reconstruído o Templo de Jerusalém, existem mesquitas no local e, por isso, para os cristãos há uma certa ojeriza, uma certa ideia de usurpação do lugar sagrado pela religião islâmica, sobre o Judaísmo, uma tentativa de suplantar o Deus verdadeiro. Então, são detalhes e mais detalhes da geografia da organização social dos pontos turísticos que são utilizados na hora de tecer esses argumentos em favor de Israel”.
A antropóloga e professora da Universidade de Brasília Jacqueline Teixeira também analisou a situação. Em entrevista à BBC Brasil, ela disse que o bolsonarismo trouxe uma novidade para o apoio que cristãos evangélicos sempre deram à Israel: o discurso bélico-religioso, ou seja, a ideia de que uma disputa entre o bem e o mal justificaria o uso da violência. “Tem me chamado a atenção a tentativa de construção de uma justificação ética para os bombardeios, para as políticas de violência e de guerra que Israel tem lançado sobre o povo palestino. Uma naturalização da violência ou da guerra”, explica.
Teixeira acredita ainda que a naturalização entre religiosos de medidas como restrição de comida e água para os palestinos, seria resultado de uma “circulação mais preeminente de imagens do bolsonarismo no contexto das igrejas”, que permitiu uma “naturalização um pouco maior da desumanização” dos palestinos.
Jerusalém e as três religiões
De acordo com a antropóloga, professora e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) Dra. Francirosy Campos Barbosa Ferreira, ouvida pelo Bereia, é importante ressaltar que aquela região é sagrada para judeus, cristãos e muçulmanos que dividem o espaço de Jerusalém. “O que a gente tem visto acontecer é uma captura, algo que costumamos chamar de leituras fundamentalistas da Bíblia. Os livros sagrados passam por leituras diversas, desde as mais rígidas, ipsis litteris, até as reformistas ou com interpretações diferenciadas. Então, acho que essa é uma das questões, é a ideia da Terra Prometida, associada com outras questões do judaísmo”, aponta a pesquisadora.
A antropóloga da USP relembra o caso das senhoras cristãs que, em uma manifestação a favor do ex-presidente Jair Bolsonaro, disseram que Israel é um país cristão, assunto já abordado por Bereia, na primeira reportagem desta série. “É a distopia que a nossa sociedade chegou. Não é de estranhar que uma pessoa cristã diga, de repente, que judeus também são cristãos. Infelizmente, em nossa sociedade hoje, o nível de conhecimento religioso, e isso eu falo de qualquer religião, é muito pífio, é insignificante, não tem profundidade, não tem um contexto histórico. É uma espiritualidade vazia”, analisa.
Para Campos, a ultradireita soube se apropriar dessa narrativa e cooptar pessoas com esse conhecimento dúbio sobre o cristianismo. “Assim começaram a criar outras figuras, outros seres, outras formas de interpretação. Então, acho que a extrema direita bolsonarista, junto com interpretações fundamentalistas, podemos até dizer equivocadas da Bíblia, acabam distorcendo todo esse campo religioso, e fazendo mau uso dele”.
Ela ressalta ainda, que precisamos lembrar que antes da criação do Estado de Israel em 1948, as três religiões viviam em harmonia na região. “Antes da ocupação da Palestina, da expulsão dos palestinos, a gente tem um histórico de uma convivência respeitosa entre cristãos, muçulmanos e judeus, isso em várias partes do mundo, seja na Síria, no Egito, enfim, a gente tem um histórico de boa convivência. havia festas religiosas e as pessoas se respeitavam mutuamente. Essa é uma forma de uso da religião, de uma instrumentalização religiosa muito equivocada, infelizmente, que gera todo esse conflito”.
Origem do conflito na região
Para compreender o atual cenário na região é necessário voltar no tempo. Governada, destruída, povoada e repovoada por diversos povos, dinastias e impérios, a Palestina foi conquistada pelo Império Otomano no século 16. A região que havia sido conquistada por Alexandre, o Grande, pelo Império Romano e pelo general Amr Ibn Al-As, vivenciou várias expressões de fé e viveu períodos de declínio e prosperidade ao longo dos séculos.
A Palestina fez parte do Império Otomano até 1917, quando passou a ser controlada pelo Reino Unido. Os britânicos se comprometeram a apoiar a formação de um reino árabe unificado.
Durante a Primeira Guerra Mundial britânicos e turcos chegaram a um acordo sobre o futuro da Palestina e da maioria dos territórios árabes na Ásia antes pertencentes ao Império Otomano.
No entanto, durante a Conferência de Paz de Paris, em 1919, as potências europeias vencedoras da Primeira Guerra impediram a criação do reino árabe unificado. Elas estabeleceram uma série de mandatos para que pudessem controlar e repartir toda a região. Assim, a região passou a integrar o Mandato Britânico da Palestina, autorizado pela Liga das Nações e se estendeu de 1920 até 1948.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido decidiu transferir a decisão sobre a Palestina para a recém criada Organização das Nações Unidas (ONU). A ONU aprovou, em 1947, a Resolução 181, que dividiu a Palestina da seguinte forma: 55% do território para os judeus, Jerusalém sob controle internacional e o restante para os árabes (incluindo a Faixa de Gaza). Ao entrar em vigor em maio de 1948, a resolução pôs fim ao Mandato Britânico da Palestina e Israel declarou sua independência.
Horas após a declaração de independência do Estado de Israel, os exércitos do Egito, Jordânia, Síria, Líbano e Iraque invadiram Israel. Os enfrentamentos iniciaram quase que imediatamente, levando ao conflito árabe-israelense. Ao fim da guerra, cerca de 6 mil israelenses e entre 10 mil e 12 mil árabes foram mortos e estima-se que de 700 mil a 800 mil palestinos foram expulsos de suas terras e entre 400 e 500 vilas palestinas foram destruídas. Os refugiados palestinos se deslocaram e acabaram se assentando na Faixa de Gaza.
A crise econômica causada pela Guerra da Independência e a necessidade de sustentar uma população em rápido crescimento exigiram austeridade no país e ajuda financeira do exterior. A assistência prestada pelo Estados Unidos, os empréstimos de bancos americanos, as contribuições de judeus da Diáspora e reparações alemãs após a guerra foram usados para construir casas, mecanizar a agricultura, estabelecer uma frota mercante e uma companhia aérea nacional, além de favorecerem a exploração mineral, o desenvolvimento industrial e a expansão de rodovias, telecomunicações e redes elétricas.
Após o armistício, Gaza foi ocupada e administrada pelo Egito até a Guerra dos Seis Dias, em 1967 – um conflito entre a coalizão árabe formada pela Jordânia, Iraque e pela antiga República Árabe Unida, que reunia o Egito e a Síria.
Após seis dias de batalha, as antigas linhas de cessar-fogo foram substituídas por outras como Judeia, Samaria, Gaza, Península do Sinai e Colinas de Golã, sob controle israelense. A passagem para Israel através do Estreito de Tiran foi assegurada e Jerusalém, que estava dividida desde 1949 entre Israel e Jordânia, foi reunificada sob autoridade israelense. Desde o fim do conflito Israel ocupa a Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Esta ocupação desencadeou uma série de conflitos que chegaram até os dias atuais.
Evolução do território palestino – 1920 aos dias atuais
Imagens: reprodução da BBC Brasil
Foi na Faixa de Gaza que teve início uma série de conflitos armados, incluindo algumas das guerras que influenciaram a história recente da região. Entregue aos palestinos em 2005, a Faixa de Gaza passou a ser governada pelo partido Hamas, em 2007, enquanto a região da Cisjordânia ficou sob o governo da Autoridade Nacional Palestina (PNP), mas sob ocupação militar israelense.
A primeira intifada (levante) dos palestinos contra os israelenses na Faixa de Gaza ocorreu em 1987. No mesmo ano foi criado o partido islâmico Hamas, que se estenderia posteriormente a outros territórios ocupados.
Os Acordos de Oslo entre israelenses e palestinos, em 1993, criaram a Autoridade Nacional Palestina (ANP) e concederam autonomia limitada à Faixa de Gaza e partes da Cisjordânia ocupada. Após uma segunda intifada, mais violenta que a primeira, Israel retirou suas tropas e cerca de 7 mil colonos da Faixa de Gaza, em 2005.
No ano seguinte o Hamas venceu as eleições palestinas. Este resultado gerou uma violenta luta de poder em 2007 entre o Hamas e o partido Fatah, liderado pelo líder da ANP, Mahmoud Abbas. O grupo militante saiu vitorioso na Faixa de Gaza. Desde então, o Hamas mantém o poder na região, tendo sobrevivido a três guerras e a um bloqueio de 16 anos. O braço armado do partido, mais radical, faz oposição ostensiva a Israel.
Em comunicado no dia 22 de janeiro passado, o Hamas destacou essas origens históricas do conflito, afirmando que “a batalha do povo palestino contra a ocupação e o colonialismo não começou em 7 de outubro. A liderança do partido recordou que a luta palestina foi iniciada há 105 anos, incluindo os 30 anos de colonialismo britânico e os 75 anos de ocupação sionista, e pretende responsabilizar legalmente a ocupação israelense pelo sofrimento infligido ao povo palestino”.
Netanyahu isolado
O Primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu tem sofrido vários reveses, por conta de sua condução do conflito em Gaza, considerada equivocada e desastrosa por analistas de todo o mundo. Para permanecer no poder, o líder israelense tem levado o país a se embrenhar cada vez mais fundo em conflitos regionais secundários.
Em 31 de março passado, um ataque de Israel ao hospital Al-Aqsa, em Gaza,deixou quatro mortos e 17 feridos. O cerco ao hospital palestino já durava duas semanas. De acordo com o governo israelenese, o alvo do exército era o centro de comando da jihad islâmica que, segundo o mesmo, atuava no local. Os militares anunciaram o fim das operações no local, após a invasão que deixou a maior parte do importante complexo médico em ruínas e inoperante. O Ministério da Saúde de Gaza informou que dezenas de corpos foram encontrados, e moradores locais disseram que áreas próximas foram devastadas.
Em 01 de abril, Israel bombardeou e destruiu o consulado iraniano em Damasco, na Síria, e matou Mohammed Reza Zahedi, comandante da Guarda Revolucionária, a força de elite que protege o regime iraniano, além de outros alvos militares e civis. O motivo estaria ligado ao conflito em Gaza. De acordo com o governo israelense, o Irã é o principal financiador do Hamas e de outros grupos extremistas islamitas.
O líder supremo do Irã aiatolá Ali Khamenei lamentou a morte do general Zahedi e fez ameaças a Israel. “O regime sionista será punido pelas mãos de nossos bravos homens. Faremos com que ele se arrependa desse crime e de outros que cometeu”, declarou o líder iraniano.
No mesmo dia, mais um ataque israelense deixou líderes de todo o mundo em alerta. Desta vez, um drone israelense atingiu o carro onde funcionários da World Central Kitchen, ONG do chef espanhol José Andrés, estavam. O ataque vitimou sete voluntários. A organização não governamental havia acabado de levar uma carga de alimentos ao território palestino, horas antes do bombardeio. A entidade é uma das principais fornecedoras de alimentos à Faixa de Gaza desde o início da guerra. O premiê admitiu a culpa de Israel e disse que incidentes como este “’Acontecem em guerras’. “Infelizmente, no último dia houve um caso trágico em que as nossas forças atingiram involuntariamente pessoas inocentes na Faixa de Gaza. Acontece em guerras, e estamos verificando até o fim, estamos em contato com os governos, e tudo faremos para que isso não aconteça novamente”, declarou Netanyahu.
Segundo a ONG, entre os mortos há três cidadãos do Reino Unido, um da Austrália, um dos Estados Unidos, um da Polônia, e um palestino. A World Central Kitchen é uma das mais atuantes em Gaza. Os dois veículos que transportavam as vítimas e que foram atingidos tinham o logotipo e o nome da ONG desenhados no teto e circulavam sozinhos em uma via de uma área sem conflitos. “Este não é apenas um ataque contra a World Central Kitchen, é um ataque a organizações humanitárias que se apresentam nas situações mais terríveis, em que os alimentos são usados como arma de guerra. Isso é imperdoável”, disse o CEO da ONG, Erin Gore.
Nem mesmo o governo americano, aliado de Israel, tem poupado críticas e conseguido fechar os olhos para o que acontece em Gaza. O presidente americano Joe Biden disse estar “Indignado” com o ataque de Israel ao veículo de transporte da ONG World Central Kitchen e cobrou uma investigação “rápida” e que “traga responsabilidade”. Biden está em ano eleitoral e passou a ser acusado por sua própria base de ser cúmplice pelas mortes de palestinos.
Imagem: reprodução site CNN
Os EUA vetaram três resoluções desde o início da escalada dos conflitos, em 7 de outubro de 2023, após ataques do Hamas no sul de Israel. Os cinco membros permanentes do Conselho, China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos, têm o poder de vetar.
Apesar de dar sinais de mudança de atitude, o governo Biden continua enviando armamentos para Israel. Os Estados Unidos enviaram dezenas de armas para Israel, incluindo bombas e munições de precisão, desde os ataques do Hamas em 7 de outubro. Atualmente, há 600 operações ativas de transferência ou venda potencial de armamento no valor de mais de US$ 23 bilhões entre os dois países, segundo autoridades do Departamento de Estado americano, denuncia o jornal Valor Econômico.
Imagem: reprodução do Valor Econômico
Imagem: reprodução/BBC
Por causa do ataque ao carro da ONG norte-americana, o ministro Britânico para o Desenvolvimento e África Andrew Mitchell, convocou o embaixador de Israel para expor a “condenação inequívoca do governo ao terrível assassinato de sete trabalhadores humanitários da World Central Kitchen, incluindo três cidadãos britânicos”, disse ele num comunicado de imprensa do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Outra frente de batalha levantada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu é contra a imprensa. O Parlamento israelense aprovou, também em 01 de abril, uma lei que permite o fechamento temporário em Israel de emissoras estrangeiras consideradas uma ameaça à segurança nacional do país. O alvo principal do premiê é a TV Al Jazeera, com sede no Catar. “A Al Jazeera prejudicou a segurança de Israel, participou ativamente do massacre de 7 de outubro e incitou contra os soldados das Forças de Defesa de Israel. O canal terrorista Al Jazeera não transmitirá mais de Israel”, declarou o líder israelense.
Em nota, a Al Jazeera afirmou que Netanyahu faz uma campanha contra a rede. “Netanyahu não conseguiu encontrar nenhuma justificativa para dar ao mundo para seus ataques recorrentes contra a Al Jazeera e a liberdade de imprensa, exceto as mentiras e calúnias contra a rede e seus funcionários”, frisa o veículo.
O desprezo pelo trabalho da imprensa é refletido em números. De acordo com a ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF), em cinco meses de guerra, ao menos 103 jornalistas foram foram mortos em Gaza, pelo exército israelense. Segundo um balanço da RSF essa é uma das guerras mais letais para jornalistas. A organização acionou duas vezes o Tribunal Penal Internacional contra Israel. “Esses 103 jornalistas não são números, são 103 vozes que Israel silenciou. 103 testemunhos a menos sobre a catástrofe que se desenrola na Palestina. (…) Reiteramos o nosso apelo urgente para proteger os jornalistas em Gaza”, disse o Secretário-geral da RSF Christophe Deloire, em comunicado no site da ONG.
A Federação Internacional de Jornalistas (IFJ), por sua vez, afirma que 99 jornalistas e profissionais de mídia palestinos, quatro israelenses e três libaneses foram mortos, um total de 106 profissionais de imprensa. Houve também relatos de 16 jornalistas feridos, quatro desaparecidos e 25 detidos enquanto cobriam a guerra em Gaza, com base num relatório do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ).
Em balanço realizado pela Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), desde o início do conflito 109 jornalistas e trabalhadores de meios de comunicação perderam suas vidas: 102 palestinos, 4 israelenses e três libaneses. Com estes dados, a Guerra em Gaza se configura como um dos conflitos mais mortais da história para os meios de comunicação e apresenta grave risco para a liberdade de imprensa.
Protestos internos
As ruas de importantes cidades de Israel têm sido tomadas por milhares de manifestantes pedindo a libertação dos reféns na Faixa de Gaza e a destituição de Benjamin Netanyahu. Eles exigem eleições antecipadas e um acordo imediato para libertar os cerca de 130 reféns israelenses ainda detidos pelo Hamas. A situação do premiê israelense torna-se cada vez mais insustentável e o futuro dele está atrelado à continuidade do conflito.
Segundo dados do Serviço Prisional Israelense divulgados pela Human Rights Watch, as autoridades do país mantinham, até 1º de dezembro, 2.873 palestinos em detenção administrativa, sem acusação ou julgamento, com base em informações secretas. Já a organização palestina de direitos humanos Addameer afirma que, até novembro de 2023, a população carcerária palestina em unidades carcerárias administradas por Israel tinha um total de 7.000 palestinos presos. A lista inclui 80 mulheres e 200 crianças menores de 18 anos.
Números da guerra
Após seis meses de conflito, os números do conflito em Gaza falam por si. Segundo levantamento da BBC Brasil, até o 175º dia de guerra, pelo menos, 32.623 pessoas tinham morrido e 75.092 tinham sido feridas, de acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês), a maioria das vítimas é de mulheres e crianças.
Ainda segundo a ONU, 85% da população no setor sitiado, onde vivem mais de 2,3 milhões de pessoas, foi forçada a deixar suas casas devido à destruição de infraestrutura e a falta de alimentos, água, combustível e eletricidade na região. “Prevê-se que metade da população da Faixa de Gaza (1,11 milhões de pessoas) enfrente condições catastróficas no que diz respeito à segurança alimentar”, afirmou um relatório elaborado pela ONG Integrated Food Security Phase Classification (IPC), que fornece à governos, à ONU e às agências de ajuda humanitária dados apolíticos sobre a fome no mundo.
Imagem: reprodução/BBC
Mais de 196 trabalhadores humanitários foram mortos em Gaza desde outubro, de acordo com a Aid Worker Security Database, entidade financiada pelos EUA que registra incidentes de violência contra agentes humanitários. Além destes, há os jornalistas mortos já citados nesta matéria.
Do lado Israelense, cerca de 600 soldados morreram desde os ataques de 7 de outubro. Nesse dia, 253 pessoas foram sequestradas. Acredita-se que cerca de 130 reféns ainda estejam detidos em Gaza, dos quais, pelo menos, 34 são considerados mortos, afirmam autoridades de Israel.
Referências de checagem:
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