Portais gospel divulgam conteúdo impreciso sobre pastor multado por discurso conta religiões afro-brasileiras

* Matéria atualizada em 12/08/2024 para ajuste de título

O portal evangélico Gospel Prime publicou, em 5 de agosto passado, que o Ministério Público Federal (MPF) propôs uma multa de R$ 100 mil ao pastor da Igreja Apostólica Central Wilson Felix da Silva, por discurso de intolerância religiosa contra religiões de matriz afro-brasileira.

Imagem: Reprodução: Gospel Prime

A matéria do Gospel Prime é intitulada: MP quer multar pastor em R$ 100 mil por pregar contra Iemanjá. O veículo descreve que o caso do pastor Wilson Félix da Silva envolve acusações de “discurso de ódio” contra religiões afro-brasileiras. 

Segundo as informações, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão diz que a declaração do pastor desrespeita essas religiões e pede uma indenização, além da investigação criminal do vídeo. Ao final a matéria compara a situação com outra relacionada ao pastor youtuber Yago Martins, que também foi acusado de discriminação religiosa. A conclusão aponta que ambos os casos mostram a dificuldade de equilibrar a liberdade de expressão religiosa com a proteção de grupos minoritários contra discriminação.

O ocorreu após o pastor criticar a inclusão do evento “Águas de Axé” no calendário oficial de Mangaratiba, município da Costa Verde do Rio de Janeiro. Esse é um evento anual organizado pelo Instituto Lucia Castilho, entidade ligada às religiões de matriz africana. 

O caso foi acolhido pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro (PRDC-RJ), que apontou que o pastor utilizou sua posição de liderança para incitar a discriminação de religiões afro-brasileiras durante um culto transmitido online.

No sermão, o líder evangélico teria atribuído a Iemanjá “toda sorte de coisas maléficas que possam ocorrer” na cidade, segundo as acusações.

Bereia checou a veracidade da informação propagada pelo Gospel Prime. 

 O que ocorreu?

Com sede em Mangaratiba, o Instituto Lucia Castilho foi criado com o objetivo de   valorizar a cultura e a religiosidade afro-brasileiras, a igualdade racial e os direitos e a saúde da mulher. 

Imagem: Reprodução/Instagram

A entidade organiza o evento anual “Águas de Axé”, em 20 de janeiro, que promove o encontro de diversos terreiros da região, na Praia do Saco, em Mangaratiba, em prol da divulgação da cultura afro-brasileira e para a realização de rituais para a entrada do novo ano.

Em reconhecimento, a Câmara Municipal da cidade, aprovou em novembro de 2023, um Projeto de Lei, de autoria do vereador Aristides Barcelos (PL-RJ),  para a inclusão do evento no calendário oficial do município. 

Em repercussão, o pastor Wilson Félix da Silva,  criticou a decisão municipal, no sermão transmitido em rede digital,  que “onde eles colocam isso, há uma degradação, uma destruição”. 

O pastor afirma que tal ato visa a acabar com as praias de Mangaratiba, assim como as praias de Sepetiba e Coroa Grande, também localizadas no estado do Rio, pois elas “não prestam mais”, já que há representações de orixás, como Iemanjá, rainha dos mares.

Imagem: Reprodução/YouTube

Wilson Félix ainda argumenta que o município está em uma “guerra espiritual” e que é necessário um posicionamento cristão em todas as esferas da administração pública. Ele também critica o prefeito Alan Campos da Costa, chamando-o de “crente desviado”, por ter aprovado a lei.

Após as falas do pastor, representantes do Instituto Lucia Castilho registraram ocorrência por crime de intolerância e racismo religiosos. O Ministério Público Federal (MPF), pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro (PRDC/RJ), ajuizou ação civil pública contra Wilson Félix da Silva por disseminar discurso discriminatório contra religiões de matriz afro-brasileira. 

Na ação, o MPF pede indenização de R$ 100 mil, em função das violações aos direitos fundamentais causadas pelas ofensas. E ressalta que comunidades tradicionais têm o direito de praticar sua religião e expressar sua identidade cultural, e que o Estado tem o dever de salvaguardar a diversidade das expressões culturais.

O procurador regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro Jaime Mitropoulos, destaca que o discurso viola direitos de grupos historicamente vulnerabilizados pela intolerância religiosa e pelo racismo cultural. Ele explica que a remoção do vídeo original, não exime o responsável do dever de indenizar. O vídeo original foi apagado do Instagram após intensa repercussão negativa, mas isso não isenta a pessoa responsável de pagar indenização. 

A PRDC/RJ também determinou a remessa de cópia da gravação para apuração na área criminal, com base na Lei nº 7.716/89, que trata de crimes de racismo.

Bereia ouviu a advogada especialista em Direito Antidiscriminatório, e membro da Rede Cristã de Advocacia Popular (RECAP) Claudia Patricia Luna. Ela explicou que o Ministério Público não precisa esperar por uma denúncia para agir. Ele pode iniciar uma ação cível ou penal por conta própria, especialmente quando o caso envolve interesses coletivos. No caso de racismo religioso, que afeta uma comunidade de pessoas negras, o MP, como previsto na Constituição, pode abrir um inquérito civil e determinar uma multa, como aconteceu com o pastor.

A advogada também explica que o pastor está sendo denunciado com base na Lei 14.532/2023, que  equipara os crimes de injúria racial  aos de racismo, tornando-os inafiançáveis, incluída uma lista dos contextos nos quais devem ser enquadrados, incluído o religioso.

Claudia Luna esclarece que o MPF atua tanto na esfera criminal quanto na cível. Neste caso de Mangaratiba, foi aberto um inquérito cível, e o pastor foi multado conforme esta lei. Isso significa que, além das punições criminais, a pessoa que comete atos de racismo ou injúria racial também pode ser responsabilizada civilmente e obrigada a indenizar a vítima. A multa pode ser destinada a um fundo coletivo, visto que a ofensa impacta toda a comunidade, não apenas o indivíduo.

Repercussão do caso

Vários perfis evangélicos têm divulgado a notícia sobre a condenação do pastor Wilson Félix da Silva como  perseguição religiosa. O Gospel Prime afirmou que a medida visa “proteger grupos religiosos minoritários” mas cria tensões com o direito à liberdade religiosa. 

Imagem: reprodução/Gospel Mais

Imagens: Reprodução: Gospel+ e Pleno News

Calendário cívico e disputas religiosas

O racismo religioso neste caso é mais um exemplo do palco de disputas que revelam tensões religiosas e culturais no país que cercam também o  calendário oficial brasileiro, com seus feriados e datas comemorativas. 

Historicamente dominado por datas cristãs, especialmente católicas, o calendário enfrenta desafios à medida que grupos minoritários buscam reconhecimento e representação.

A antropóloga e pesquisadora nos temas de religião e política Izabella Bosisio, em artigo publicado observa que “o catolicismo se coloca como um elemento fundamental na construção da nacionalidade, do tempo e do espaço públicos, incorporando-se ao calendário sem grandes questionamentos ao ser entendido como parte da tradição e da cultura nacional”.

A Lei Federal 9.093/1995 estabelece regras distintas para feriados civis e religiosos. Os feriados religiosos, limitados a quatro por município, devem seguir a “tradição local”, o que frequentemente favorece as datas cristãs. Já a Lei Federal 12.345/2010 determina que as datas comemorativas devem ter “alta significação para os diferentes segmentos profissionais, políticos, religiosos, culturais e étnicos que compõem a sociedade brasileira”.

No entanto, a implementação dessas diretrizes enfrenta obstáculos. O crescimento da presença evangélica na esfera pública adiciona complexidade a essas disputas. Enquanto buscam estabelecer suas próprias datas comemorativas, alguns setores evangélicos se opõem à inclusão de datas relacionadas a religiões afro-brasileiras, que, de forma predominante,  historicamente, demonizam.

Em períodos eleitorais, políticos alinhados a pautas conservadoras frequentemente exploram casos de aplicação da lei como supostos exemplos de “perseguição aos cristãos”, afirma Bosisio. O debate sobre a inclusão de novas datas, como o Dia da Consciência Negra, exemplifica essas tensões. Embora seja uma data comemorativa nacional, sua instituição como feriado enfrenta resistências em diversas localidades.

“O calendário é algo tão naturalizado e incorporado ao nosso cotidiano que, em geral, não nos damos conta das presenças e das ausências nele”, complementa a antropóloga.

Violências sofridas por religiões de matrizes afro-brasileiras

Dados do Disque 100, canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos, indicam que, no primeiro semestre de 2024, foram registradas 1.940 violações à liberdade religiosa no Brasil. Esse número corresponde a 91% do total de violações desse tipo ocorridas em 2023. 

As religiões afro-brasileiras são as mais afetadas pela intolerância. Entre 525 violações em que a religião da vítima foi identificada, 276 envolvem seguidores de crenças de origem africana. O Candomblé é a religião com mais violações, com 166 denúncias, seguido pela Umbanda com 124, e 22 casos envolvendo ambas as religiões.

A intolerância religiosa por parte de pastores evangélicos contra religiões de matriz africana tem um histórico notável no Brasil. Em 2023, um caso de destaque envolveu o pastor Yago Martins, que afirmou que todas as religiões pagãs, incluídos o Candomblé e a Umbanda, adoram demônios. Essas declarações geraram grande controvérsia e acusações de intolerância. 

Em 2024, o pastor evangélico Felippe Valadão, da Igreja Lagoinha de Niterói, foi indiciado por intolerância religiosa após fazer ameaças contra terreiros de Umbanda durante um evento, em Itaboraí (RJ), em maio de 2022. Ele prometeu acabar com os centros espíritas da região e afirmou que a igreja estaria fechando esses locais, o que gerou grande polêmica e levou à sua acusação.

Esses discursos frequentemente  ignoram o princípio da liberdade religiosa e promovem discursos que contribuem para a marginalização e o preconceito contra essas tradições.

Desinformação religiosa como estratégia

Bereia verificou que conteúdos religiosos estão sendo utilizados como estratégia política, principalmente em períodos eleitorais. Embora a intolerância religiosa seja um problema sério no País, a forma sensacionalista como alguns sites gospel abordam o tema pode distorcer a realidade. Isso pode causar reações exageradas e criar confusão sobre como a lei realmente protege todas as religiões, incluindo o Cristianismo.

Publicações como a do Gospel Prime contribuíram para a disseminação de informações que levaram diversos perfis em mídias sociais a atribuírem o caso a uma suposta perseguição a cristãos. 

O conceito de perseguição a cristãos tem sido amplamente explorado como pretexto para abusos do direito à liberdade religiosa, como Bereia já tratou. A ideia ganhou mais força  no Brasil a partir de agosto de 2021, quando pesquisas eleitorais indicaram o crescimento da oposição à reeleição do então presidente Jair Bolsonaro. Desde então, houve um aumento nas publicações em mídias digitais sobre a ameaça de fechamento de igrejas e tentativas de silenciar líderes religiosos e professores cristãos que se opõem a questões de diversidade sexual e pluralidade religiosa. A retórica da “Cristofobia”, criada por milícias digitais, apela para o imaginário evangélico, explorando a noção de que a perseguição é uma prova de fé e é amplamente divulgada em igrejas e músicas gospel.

A antropóloga,  pesquisadora da Universidade Federal Fluminense  e do Instituto de Estudos da Religião Christina Vital explica que a liberdade religiosa é o direito de praticar qualquer religião. O Estado laico é importante para garantir essa liberdade, mas não é o único fator. A sociedade e a cultura também são essenciais para respeitar e valorizar a diversidade religiosa. A Constituição de 1988 reforça a laicidade do Estado e a liberdade religiosa nos artigos 5º e 19. No entanto, essa liberdade deve respeitar outros direitos e pode ter limitações legais. Isso significa que todos podem praticar e expressar sua religião, inclusive convidar outras pessoas a participarem e se converterem. No entanto, essa liberdade não permite desrespeitar ou ofender outras religiões. 

***

Bereia classifica a matéria do Gospel Prime como imprecisa. De fato, o site religioso relata o ocorrido, porém, insere comparação com outro caso mesclando informação e opinião em relação ao tema da liberdade religiosa, sem oferecer referência com base no Direito.

O Gospel Prime, bem como outros com identidade religiosa evangélica, têm explorado a ênfase na aplicação da lei com a alegação de  restrições à liberdade religiosa, o que se revela falso. Leitores e leitoras devem estar atentos a esta prática e verificar a veracidade de publicações antes de qualquer compartilhamento.

Referências de checagem:

Correio Braziliense. 

https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2024/07/6910024-mpf-denuncia-pastor-por-associar-iemanja-a-coisas-maleficas.html. Acesso: 6 ago 2024.

CNN Brasil. 

https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/mpf-denuncia-pastor-por-associar-iemanja-a-coisas-maleficas-e-pregar-guerra-espiritual-no-rio/. Acesso: 6 ago 2024.

UOL. https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/07/17/dados-violacoes-religiao-mdh.htm. Acesso: 6 ago 2024.

Agência Brasil. 

https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-04/pastor-evangelico-e-indiciado-por-ofender-religiao-de-matriz-africana. Acesso: 6 ago 2024.

Nexo Políticas Públicas

https://pp.nexojornal.com.br/linha-do-tempo/2023/05/09/o-calendario-brasileiro-e-a-legislacao-sobre-feriados-civis-e-religiosos. Acesso: 6 ago 2024. 

Religião e Poder. 

https://religiaoepoder.org.br/artigo/o-que-feriados-e-datas-comemorativas-podem-nos-dizer-sobre-religiao-no-brasil/. Acesso: 7 ago 2024.

Projeto de lei.

https://sapl.mangaratiba.rj.leg.br/media/sapl/public/materialegislativa/2023/15164/pl_88_2023.pdf. Acesso: 7 ago 2024.

Coletivo Bereia.

https://www.google.com/url?sa=D&q=https://coletivobereia.com.br/a-mentira-que-nao-quer-calar-sobre-perseguicao-a-cristaos-no-brasil. Acesso: 7 ago 2024.

Ministério Público Federal.

https://www.mpf.mp.br/rj/sala-de-imprensa/noticias-rj/acao-do-mpf-pede-que-pastor-pague-indenizacao-de-r-100-mil-por-danos-causados-por-racismo-religioso Acesso: 7 ago 2024.

Jornal Atual.

https://jornalatual.com.br/mp-ajuiza-acao-contra-pastor-por-discriminacao/. Acesso: 8 ago 2024.

https://jornalatual.com.br/mangaratiba-instituto-de-origem-africana-denuncia-intolerancia-religiosa-de-pastor/. Acesso: 8 ago 2024.

Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Processo: 5037276-68.2024.4.02.5101. https://eproc.jfrj.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=processo_seleciona_publica&acao_origem=processo_consulta_publica&acao_retorno=processo_consulta_publica&num_processo=50372766820244025101&num_chave=&num_chave_documento=&hash=16ac45a660209ea592f184e88dd6dcb4. Acesso: 8 ago 2024.

YouTube.

https://www.youtube.com/watch?v=d0avs7t4Di8&themeRefresh=1. Acesso: 8 de agosto de 2024.

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/injuria-racial-racismo. Acesso em 8 de agosto de 2024.

X. https://x.com/doisdedosdeteo/status/1714334078000881733. Acesso em 8 de agosto de 2024.

GOV. https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2018/novembro/artigo-18deg-toda-pessoa-tem-direito-a-liberdade-de-religiao-consciencia-e-pensamento#. Acesso em 9 de agosto de 2024. 

Religião e Poder. https://religiaoepoder.org.br/artigo/liberdade-religiosa/. Acesso em 9 de agosto de 2024. 

MPF. https://www.mpf.mp.br/rj/sala-de-imprensa/noticias-rj/acao-do-mpf-pede-que-pastor-pague-indenizacao-de-r-100-mil-por-danos-causados-por-racismo-religioso. Acesso em 9 de agosto de 2024. 

Foto de capa: Wikimedia Commons

Olimpíadas Paris 2024: Polêmicas sobre religião envolvem surfista brasileiro e cerimônia de abertura

Duas situações que envolvem a religião cristã agitaram as mídias digitais nos primeiros dias das Olimpíadas de Paris 2024: a proibição da imagem do Cristo Redentor na prancha do surfista brasileiro João Chianca, conhecido como Chumbinho, e supostas referências à Última Ceia de Jesus durante a cerimônia de abertura. O Comitê Olímpico Internacional (COI) vetou o uso da imagem religiosa pelo atleta,  citou a regra de neutralidade dos Jogos.

Já a performance na abertura, descrita por várias pessoas como uma representação da Última Ceia de Cristo “com deboche”, protagonizada por artistas LGBTQIA+, foi negada pelos organizadores como inspiração religiosa. Os casos repercutiram amplamente, e receberam cobertura tanto da grande imprensa quanto de veículos alternativos políticos e religiosos, tendo provocado debates acalorados nas mídias digitais.

O caso do Cristo nas pranchas: intolerância?

O portal evangélico Pleno News publicou, em 27 de julho, matéria sobre a proibição imposta ao surfista brasileiro João Chianca de usar a imagem do Cristo Redentor em pranchas  durante os Jogos Olímpicos de Paris. Com o título “Olimpíadas: Surfista brasileiro é proibido de usar pintura do Cristo”, a publicação afirma que o Comitê Olímpico Internacional (COI) vetou o uso de imagens religiosas por atletas na competição.

A decisão de proibir a pintura da imagem do Cristo Redentor nas pranchas de João Chianca foi interpretada como uma tentativa de restringir a expressão pessoal e a identidade cultural e religiosa do atleta. 

Imagem: Reprodução Pleno News

A reportagem destaca mensagens de apoio ao surfista que denunciam que ocorreu “intolerância religiosa”. Um usuário das redes sociais afirmou: “Quanta injustiça, intolerância religiosa e hipocrisia da França e dos jogos olímpicos! Não pode prancha com Jesus, mas pode demonizar a santa ceia!” 

Ainda que o portal evangélico tenha relatado que Chianca, em página pessoal do Instagram, tenha explicado que a pintura não foi autorizada devido à natureza religiosa da imagem do Cristo, o que fere as regras estritas dos Jogos Olímpicos quanto à neutralidade, a ênfase foi outra. O Pleno News destacou no título da matéria a ideia genérica de “proibição”, que remete  a intolerância religiosa,  e colocou em evidência as reações dos apoiadores de Chianca.

Imagem: Reprodução: Instagram/Stories de João Chianca, 27 jul 2024

Bereia observou que publicações como a do Pleno News contribuíram para a disseminação de informações que levaram diversos perfis em mídias sociais a atribuírem o caso a uma suposta perseguição a cristãos. 

Imagem: Reprodução Facebook

A polêmica sobre a cerimônia de abertura das Olimpíadas 2024 

Os Jogos Olímpicos Paris 2024 também foram alvo de outra polêmica, relacionada à cerimônia de abertura da competição, em 26 de julho. Durante o segmento intitulado “Festividade”, um grupo de artistas franceses, entre eles drag queens e a DJ Barbara Butch, apareceu por trás de uma longa mesa, em uma composição que foi identificada como uma paródia da “Última Ceia de Cristo” por usuários das mídias digitais. 

Imagem: Reprodução X

Políticos brasileiros ligados à direita e à esquerda reforçaram esta abordagem em páginas pessoais no X. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) afirmou que “com Deus não se brinca”; o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) classificou a cerimônia de abertura de “zombaria demoníaca da fé cristã.”; o vereador de São Paulo Rubinho Nunes (PL-SP) como “profanação da Santa Ceia” e afirmou que é uma ação de “classe de minorias que querem pautar a sociedade”. O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) também comentou sobre a cerimônia e afirmou que a única “bola fora” foi a interpretação da Santa Ceia.

Imagem: Reprodução X em 27 de julho de 2024

Veículos de esquerda, como o Diário do Centro do Mundo, publicaram conteúdo crítico aos comentários de políticos da direita, e se referiram à encenação como  “representação da Santa Ceia” e como “show de diversidade”, com protagonismo de “artistas imigrantes, negros, transsexuais, homossexuais e drags”. A revista Fórum, também alinhada à esquerda, descreveu o trecho como “uma representação queer do quadro ‘A Última Ceia’ de Leonardo da Vinci”.

Imagem: Reprodução Diário do Centro do Mundo

Imagem: Reprodução Revista Fórum

Veículos alinhados à direita  também se referiram  à apresentação francesa como uma representação da pintura de Da Vinci. O Pleno News afirmou que se tratou de uma “referência da Última Ceia de Jesus sendo representada por drags queens”. Já a Revista Oeste reportou que a performance “gerou críticas de religiosos em todo o mundo”, e mencionou-a como uma “paródia da Última Ceia”.

Imagem: Reprodução Pleno News

Imagem: Reprodução Revista Oeste

O BZN Notícias relatou que os Jogos Olímpicos de 2024 serão lembrados por apresentarem a pior cerimônia de abertura da história, e a descreveu  como afronta aos cristãos, tendo relacionado ao ocorrido com o caso do surfista João Chianca. Um trecho da matéria diz:

“O mundo cristão ficou indignado com a profanação da Santa Ceia na cerimônia de abertura da Olimpíada 2024, em Paris. Tripudiou do profundo sentimento do cristianismo, que simboliza a comunhão com o corpo e o sangue de Jesus Cristo, a antecipação do seu calvário. Aí vem o Comitê Olímpico Internacional obrigar ao surfista brasileiro João Chianca – Chumbinho – a apagar a imagem do Cristo Redentor das suas pranchas (…)”. 

Imagem: Reprodução: BZN Notícias

Na França, esta parte da cerimônia de abertura das Olimpíadas gerou uma forte reação negativa entre políticos de direita. Muitos condenaram a apresentação, considerando-a desrespeitosa às tradições religiosas e aos valores cristãos. A crítica destacou a paródia como um exemplo de insensibilidade cultural e provocação desnecessária, evidenciando uma preocupação com a preservação dos símbolos e tradições religiosas no espaço público.

A política de direita Marion Maréchal, em um post no X, afirmou: “Para todos os cristãos do mundo que estão assistindo à cerimônia #Paris2024 e se sentiram insultados por esta paródia drag queen da Última Ceia, saibam que não é a França que está falando, mas uma minoria de esquerda pronta para qualquer provocação.” 

Já a Igreja Católica na França criticou a performance, por meio de declaração oficial da Conferência dos Bispos Franceses que continha a frase: “Infelizmente, esta cerimônia apresentou cenas de escárnio e zombaria do Cristianismo, que deploramos profundamente.”

Regras do Comitê Olímpico Internacional (COI) sobre manifestações religiosas 

O Comitê Olímpico Internacional (COI) é a entidade responsável pela coordenação,  supervisão e promoção dos Jogos Olímpicos. A Carta Olímpica, considerada a “Constituição” do Movimento Olímpico, estabelece os princípios fundamentais, regras e diretrizes que regem a organização e o funcionamento dos Jogos, bem como os direitos e obrigações de quem deles participa.

A Regra 50 da Carta Olímpica proíbe qualquer tipo de manifestação ou propaganda política, religiosa ou racial nas instalações olímpicas. Esta norma ganhou destaque após o gesto, feito pelos velocistas estadunidenses dos 200 ms rasos Tommie Smith e John Carlos, nas Olimpíadas do México em 1968, que remeteu ao movimento antirracista dos Panteras Negras .

Imagem: Reprodução Olimpíadas

Em Paris 2024, após a notificação do COI com base na Regra 50, o surfista João Chianca foi obrigado a trocar as pranchas de última hora, antes da estreia nos jogos . O texto da norma ainda enfatiza que qualquer desvio dessas regras pode resultar em sanções, o que inclui desclassificação. O protocolo vale para qualquer atleta e para qualquer manifestação religiosa, política ou racial, o que descarta que o veto à pintura do Cristo Redentor nas pranchas do brasileiro Chianca tenha representado uma perseguição voltada para cristãos, como o próprio surfista explica na publicação que fez no Instagram.

Cerimônia de abertura: referências religiosas?

O diretor artístico da cerimônia, Thomas Jolly, negou que o relato bíblico da Última Ceia de Cristo tenha sido sua inspiração. Ele declarou à rede de televisão BFMTV: “A ideia era fazer um grande festival pagão ligado aos deuses do Olimpo… Olimpismo”.

O Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos (COJO) também afirmou que não houve intenção de desrespeitar grupos religiosos. A diretora de comunicações do COJO Anne Descamps disse em entrevista coletiva: “Nunca houve qualquer intenção de desrespeitar qualquer grupo religioso”. Ela acrescentou que a cerimônia tinha o objetivo de celebrar a comunidade e a tolerância, e expressou arrependimento por qualquer ofensa causada.

Na polêmica sobre a suposta paródia da Santa Ceia, vários veículos da imprensa e perfis nas redes sociais argumentaram que a referência não era apenas para cristãos, mas para obras de arte que tratam de temas religiosos de forma geral. Exemplos citados incluem o quadro “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci, e a pintura de Baco, deus grego do vinho. Matérias como as do G1 e BBC News Brasil sugerem que a performance buscava interagir com o mundo da arte religiosa em vez de atacar a fé cristã diretamente.

Imagem: Pintura ‘A Festa dos Deuses’, obra concluída em 1514 pelo italiano Giovanni Bellini

Imagem: Quadro “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci

O criador da performance afirmou que não houve intenção de zombar ou difamar. Ele explicou que seu objetivo era criar uma cerimônia que promovesse a união e a reconciliação das pessoas, ao mesmo tempo que afirmasse os valores de liberdade, igualdade e fraternidade. Thomas Jolly também ressaltou que acreditava que suas intenções eram claras, ao destacar que a figura de Dionísio foi incluída na mesa como uma referência ao Deus da festa e do vinho, e pai de Sequana, deusa associada ao rio Sena. 

Imagens: frames do segmento na cerimônia de abertura das olimpíadas de Paris 2024

Bereia também ouviu, em conjunto, o mestre em Ciências da  Religião Jorge Miklos e a especialista em Psicologia Analítica Daniela Moura Barbosa, que relataram não ser a primeira vez que uma representação artística causa polêmica. Eles mencionam que, em 1989, o carnavalesco Joãosinho Trinta, da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis (RJ), gerou controvérsia ao apresentar Cristo como um mendigo no desfile do enredo intitulado “Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia”. mesma forma, em 2020, a Escola de Samba Mangueira, no Rio, também provocou polêmica com o enredo “A Verdade Vos Fará Livre”, que retratou Jesus como uma figura transgênero crucificada. 

Jorge Miklos e Daniela Barbosa acrescentam que “A Última Ceia” é parte dos rituais cristãos até hoje. Eles recordam que vários artistas clássicos renomados pintaram versões do relato bíblico da Última Ceia além de Leonardo da Vinci, como Andrea del Castagno (1447), Domenico Ghirlandaio (1480), Pietro Perugino (1493-1496) e Salvador Dalí (1955), que apresentou uma versão surrealista chamada “O Sacramento da Última Ceia”.  “Os símbolos circulam no imaginário cultural, carregando significados profundos que transcendem épocas e lugares. Ao longo do tempo, esses símbolos são ressignificados, ganhando novos sentidos conforme são reinterpretados por diferentes culturas e contextos históricos”, explicaram os especialistas.

Os estudiosos observam que “a percepção de blasfêmia em relação à performance artística das Olimpíadas de 2024 pode ser vista como resultado de um fundamentalismo cultural e religioso que literaliza os símbolos e ignora sua dinâmica evolutiva. Fundamentalismos tendem a fixar os significados simbólicos de forma rígida, não reconhecendo que os símbolos culturais são fluidos e sujeitos a ressignificações”, dizem Miklos e Barbosa.

“Assim como a pintura ‘A Última Ceia’ pode ser uma ressignificação cultural, a performance olímpica ressignificou a ‘Última Ceia’, adaptando seu simbolismo a um novo contexto contemporâneo”, explicam Miklos e Barbosa. Eles também ressaltam que a falta de imaginação e de compreensão sobre o que os símbolos representam impedem a percepção. “Este comportamento é recorrente entre muitos religiosos que ainda interpretam os textos bíblicos de forma nítida, sem reconhecer seu caráter metafórico”, afirmam.

Nesse sentido, Bereia também ouviu o doutor em Ciências da Religião, biblista, professor e pesquisador da Universidade Metodista de São Paulo Marcelo Carneiro, que menciona dois aspectos que movem esta reação da parte de pessoas e grupos: “ênfase atual na pauta moral, vendo tudo que tem relação com a cultura LGBTQI+ como uma ameaça; e uma visão de mundo dualista e maniqueísta, transformando o diferente no inimigo. É o nós e os outros de Sartre [filósofo francês]”. 

Marcelo Carneiro afirma que por trás das publicações está uma evidente homofobia e transfobia. “Os grupos religiosos estão agindo de maneira violenta contra pessoas homoafetivas, alegando que são captores da sociedade, da estrutura familiar tradicional, e se apegam ao texto bíblico para condenar o comportamento delas”. 

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Bereia alerta leitores e leitoras que verifiquem o contexto antes de compartilhar notícias que tendem a ser uma exploração temática desinformativa, especialmente no que diz respeito a eventos polêmicos. Este é o caso do veto à pintura do Cristo Redentor em pranchas de surf nas Olimpíadas de 2024 (que não foi uma proibição persecutória) e o da representação de pinturas que remetem a relatos religiosos, na abertura dos jogos.

A ideia de perseguição a cristãos vem sendo explorada politicamente em ambientes digitais religiosos no Brasil, especialmente em períodos eleitorais, para disseminação de pânico social e captura de apoios. Leitores e leitoras devem estar atentos a esta prática e verificar a veracidade de publicações antes de qualquer compartilhamento. 

Referências de checagens:

Band. https://www.band.uol.com.br/noticias/protestos-e-religiao-o-que-e-proibido-nos-jogos-olimpicos-202407301340. Acesso em 30 de julho de 2024.

Brasil de Fato. https://www.brasildefatope.com.br/2017/11/30/ha-49-anos-o-podio-mais-emblematico-das-olimpiadas. Acesso em 30 de julho de 2024.

 g1. https://g1.globo.com/mundo/olimpiadas/paris-2024/noticia/2024/07/28/diretor-da-cerimonia-de-abertura-dos-jogos-de-paris-nega-ter-zombado-da-ultima-ceia.ghtml.. Acesso em 30 de julho de 2024.

Globo Esporte. https://ge.globo.com/olimpiadas/noticia/2024/07/11/com-maioria-feminina-delegacao-do-brasil-tera-277-atletas-nas-olimpiadas-de-paris.ghtml. Acesso em 30 de julho de 2024.

O Globo. https://oglobo.globo.com/tudo-sobre/evento-esportivo/paris-2024/. Acesso em 29 de julho de 2024.

Olympics.

https://olympics.com/ioc/olympic-charter#. Acesso em 30 de julho de 2024.

https://olympics.com/pt/noticias/brasil-dia-3-surfe-jogos-olimpicos-paris-2024. Acesso em 29 de julho de 2024.

Poder 360. https://www.poder360.com.br/olimpiadas/comite-olimpico-internacional-celebra-130-anos-em-2024/. Acesso em 30 de julho de 2024.

Mídia Ninja. https://midianinja.org/paris-2024-protestos-e-a-regra-50-da-carta-olimpica-o-que-esperar/. Acesso em 30 de julho de 2024.

Wikipédia.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Comit%C3%A9_Ol%C3%ADmpico_Internacional. Acesso em 29 de julho de 2024. 

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/a-mentira-que-nao-quer-calar-sobre-perseguicao-a-cristaos-no-brasil/. Acesso em 1 de Agosto de 2024.

Artigo Quinto. https://www.politize.com.br/artigo-quinto/liberdade-religiosa/. Acesso em 1 de Agosto de 2024.

G1. https://g1.globo.com/mundo/olimpiadas/paris-2024/noticia/2024/07/27/olimpiadas-igreja-catolica-francesa-chama-parodia-da-ultima-ceia-de-escarnio-na-franca-as-pessoas-sao-livres-diz-diretor.ghtml. Acesso em 1 de Agosto de 2024.

BBC News Brasil. https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/olimpiadas/organizacao-de-paris-2024-se-desculpam-por-suposta-parodia-de-a-ultima-ceia/.  Acesso em 1 de Agosto de 2024.

BBC News Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/articles/cgervy94eq0o.   Acesso em 1 de Agosto de 2024.

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Foto de capa: print do YouTube

Para criticar política econômica, opositores espalham notícia de jornal inventada sobre esposa de Lula e Candomblé

Um conteúdo falso que circula nas mídias sociais religiosas alega que a coluna Painel da Folha de S.Paulo teria publicado um texto intitulado “Janja encomenda ritual de candomblé para reduzir dólar, diz assessor do PT”. A publicação, que foi visualizada mais de 25 mil vezes em menos de quatro horas, utiliza o design do jornal e a foto do editor Fábio Zanini, mas não leva a nenhum link verdadeiro. Após viralizar, a montagem foi desmentida pela Folha na noite de 3 de julho.

Opositores do governo Lula amplificaram a desinformação em suas redes, entre eles o músico da banda Ultraje a Rigor Roger Moreira e o humorista Danilo Gentili. Segundo a apuração do Bereia, até o fechamento desta matéria, a publicação do músico foi a mais repercutida no X, antigo Twitter, com 141 mil visualizações, e ainda permanece ativa, mesmo após o desmentido da Folha.

O conteúdo falso gerou dezenas de comentários marcados por intolerância religiosa contra o Candomblé, como “Macumba e feitiçaria cobra um preço alto”, “Está repreendido em nome de Jesus”. 

Imagem: Reprodução/X.

A mentira também foi propagada rapidamente entre perfis religiosos. O pastor da Igreja Vintage Jack, famoso por divulgar fotos da Bíblia ao lado de armas e charutos, foi um dos inúmeros compartilhadores de mentira. Ele repercutiu a publicação de um seguidor, com a bandeira de Israel ao lado do nome, comenta: “Caramba estamos lascados. A história se repete Pastor, Jezabel e o rei Acabe”. Mais tarde o perfil original apagou a postagem com a montagem, mas o pastor manteve o compartilhamento. 

Bereia ouviu o professor doutor em História pela UFRJ e babalawô Ivanir dos Santos sobre as expressões de intolerância que acompanham a desinformação propagada. Ele afirma que “a intolerância que aconteceu contra Janja é um retrato de como a sociedade brasileira promove o preconceito, a exclusão religiosa. Por isso, acredito que é importante o Estado Brasileiro elaborar e executar um Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, com a participação da sociedade civil, é fundamental para que possamos promover a tolerância, o respeito e a diversidade”. 

A montagem faz parte de uma série de outras que relacionam a alta do dólar com a participação do presidente Lula e da primeira-dama, Janja da Silva, no desfile de 2 de Julho, que comemora a Independência da Bahia em Salvador. Na ocasião, o presidente usou um turbante do afoxé Filhos de Gandhy, tradicional bloco de carnaval baiano, ao lado de sua esposa e do governador do estado, Jerônimo Rodrigues (PT). O desfile acontece dias depois de anunciar investimento em rodovias do estado e assinar autorizações para o programa Minha Casa, Minha Vida.

Imagem: Ricardo Stuckert/PR

No entanto, a presença do presidente Lula no desfile foi suficiente para opositores do governo espalharem desinformação. Com monitoramento feito pela ferramenta LupaScan, sistema criado pela Agência Lupa que monitora as redes sociais dos políticos eleitos em busca de desinformação, Bereia apurou que o deputado federal cristão Gustavo Gayer (PL-GO) desinformou ao afirmar que o presidente estava no estado baiano para festejar, em sua conta oficial no Youtube. A fim de criticar o Governo, o parlamentar omitiu que se tratava da agenda oficial do presidente da República para anunciar investimentos no estado.

Imagem: Reprodução/Youtube.

Afoxé é manifestação cultural

O afoxé é um cortejo que ocorre durante o carnaval, representando uma das muitas manifestações culturais dos negros brasileiros, elaborada pelo povo iorubá. Também conhecido como Candomblé de rua. O termo afoxé vem da língua iorubá e significa “o enunciado que faz”.

Já o afoxé Filhos de Gandhy é um dos mais tradicionais do país, considerado o maior e mais belo do Carnaval da Bahia. Foi fundado por estivadores portuários em Salvador em 18 de fevereiro de 1949. O cortejo é composto exclusivamente por homens e se inspira nos princípios de não-violência e paz de Mahatma Gandhi. Os integrantes usam fantasias de lençóis e toalhas brancos para simbolizar as vestes indianas. 

Hoje o Gandhy conta com cerca de 10.000 membros e é conhecido por suas vestimentas tradicionais, que incluem turbantes, perfume de alfazema e colares azul e branco. Os colares, chamados “colar dos filhos de Gandhy”, são dados aos admiradores como símbolo de paz.

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Bereia chama a atenção de leitores e leitoras para o tipo de oposição política extremista que se baseia em mentiras e intolerância e estimula ódio às diferenças, portanto, deve ser confrontada. Oposição política é saudável em uma democracia, por meio de debates qualificados e denúncias, quando couberem, não com o uso de mentira e discurso de ódio. 

Referências:

Folha https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/07/coluna-painel-da-folha-nao-publicou-que-janja-recorreu-ao-candomble-para-reduzir-dolar.shtml Acesso 04 de Julho de 2024

Agência Brasil https://agenciabrasil.ebc.com.br/foto/2024-07/cerimonia-de-anuncios-de-investimentos-para-melhoria-de-rodovi-1719860997 Acesso 04 de Julho de 2024

Estado da Bahia https://pelourinhodiaenoite.salvador.ba.gov.br/afoxe-filhos-de-gandhy/ Acesso 04 de Julho de 2024

Padre católico orienta fiéis a queimarem Bíblias da tradição cristã protestante

*com a colaboração de Luis Henrique Vieira. Atualizada às 17:26 para correção de redação.

Uma postagem do perfil “Notícias Paralelas”, no X (antigo Twitter), em 18 de setembro passado, viralizou em diferentes espaços digitais, depois de informar que “um padre bolsonarista” sugeriu a seguidores “queimarem Bíblia protestante”.

De acordo com o perfil identificado como espaço de “Notícias, Humor, Entretenimento”, o padre diocesano ordenado na Arquidiocese de Fortaleza, no Ceará, Leonardo Wagner, classificado como “bolsonarista”, depois de questionado por seguidores no Instagram sobre o que fazer com presentes que haviam ganhado, sugeriu queimar uma Bíblia Protestante e um Livro Mórmon.

Imagem: reprodução X

Leitores do Bereia enviaram a postagem com sugestão de checagem. Bereia verificou que o veículo de jornalismo digital Diário do Centro do Mundo (DCM), havia publicado matéria sobre o caso no mesmo dia, com título similar ao do “Notícias Paralelas”, com o oferecimento de mais elementos. Um deles foi a informação de que a afirmação do padre foi feita no Instagram em espaço nos stories em que ele respondia questões aleatórias do público. 

Segundo o DCM, o religioso foi “questionado por internautas sobre o que fazer com presentes que haviam ganhado. ‘Padre, o que fazer com uma Bíblia que ganhei?”, questionou um internauta, e “Padre, o que fazer com um Livro de Mórmon que ganhei?”, perguntou outro. O padre teria respondido às questões com duas imagens, conforme a matéria do DCM. Na primeira delas, ele respondeu com a foto de um acendedor de churrasco, e na segunda, o próprio padre aparece segurando um isqueiro, sugerindo com a foto, que se pusesse fogo no presente.

Bereia verificou que o DCM não recorreu à fonte original, ou seja, a conta do padre Leonardo Wagner, mas sim, de um terceiro, um seguidor do padre, que teria compartilhado as imagens em 14 de setembro. As publicações mostram os stories do padre com os fósforos e a imagem dele com o isqueiro, com elogios ao religioso (“Padre Leonardo é bom demais, não tem como”) e deboche contra mórmons (“Bom que ninguém é mórmon, não vai irritar ninguém”).

Imagens analisadas

Bereia buscou o perfil do padre no Instagram para identificar a veracidade das imagens e verificou que ele está suspenso, desta forma, não foi possível acessar as imagens ou quaisquer outras postagens que indicassem as abordagens comumente feitas pelo religioso. Porém, foi possível verificar que Leonardo Wagner criou outro perfil na mesma mídia, em 16 de setembro, que ele denomina ser alternativo, onde explica a seguidores que a conta foi derrubada devido a denúncias de muitas pessoas à plataforma. Desta forma, Bereia pode concluir que a suspensão da conta antiga ocorreu por aqueles dias de setembro.

Leonardo Wagner afirma no vídeo que o Instagram não explicou a causa das denúncias, ele conclui que foram feitas por “inimigos de Deus” e que a perda de mais de 300 mil seguidores seria uma “provação”. O padre ainda pede que seus seguidores espalhem que o perfil alternativo foi criado tendo em vista uma falsa denúncia e encerra com “glória a Deus!”. 

Bereia também teve acesso a vários vídeos no Youtube produzidos por seguidores para criticar a suspensão da conta de Wagner e denunciar o que chamaram de perseguição “a quem diz a verdade”.

Imagem de vídeo publicado no Instagram em 16 de setembro de 2023

Quem é o padre Leonardo Wagner?

Bereia consultou fontes da Igreja Católica e obteve a informação de que o padre, de fato, foi ordenado na Arquidiocese de Fortaleza. Atualmente ele não serve àquela circunscrição, mas à Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, em Campos (RJ). Wagner tem uma presença muito intensa nas mídias, com muitos vídeos de palestras, debates e oferecimento de cursos para católicos, com centenas de milhares de seguidores. O conteúdo é sempre baseado na tradição da religião, na apresentação do Catolicismo como “a verdadeira fé” e na convocação para que fiéis se tornem “católicos raiz”.

Reprodução da página de abertura de um dos sites do padre Leonardo Wagner 

Na pesquisa sobre as postagens do religioso em mídias sociais, Bereia identificou que ele já se envolveu em controvérsias por conta do conteúdo que divulga. Em outubro de 2021, ele transmitiu uma live pelo Instagram, possivelmente no perfil que está suspenso, pois ela não foi localizada, acompanhado de um médico clínico geral, para responder à pergunta “É pecado ser vegano”?

Imagem: reprodução do Instagram para divulgação da live em outubro de 2021

Na live, o padre e seu acompanhante afirmaram que o veganismo é uma seita e, em alguns momentos, fizeram afirmações de ataque à Igreja Adventista do Sétimo Dia, que, em sua doutrina, adota o vegetarianismo. O evento provocou reação indignada de pessoas veganas, incluindo católicas, que produziram uma carta aberta à Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), com mais de mil assinaturas, com questionamentos sobre a atitude ofensiva do padre e a exigência de um pedido de desculpas.  Tal ação não foi identificada pelo Bereia.

Em outubro de 2022, Leonardo Wagner publicou, em seu perfil no X (antigo Twitter), reforço à desinformação sobre vacinas contra a covid-19, que circularam durante o período eleitoral. O padre compartilha e reafirma uma postagem que se refere a um vídeo que circulou no TikTok, durante o segundo turno das eleições de 2022, no qual o advogado e político croata Mislav Kolakusic tira de contexto uma declaração dada por Janine Small, executiva da Pfizer, ao Parlamento Europeu para sugerir ineficácia da vacinação contra a covid-19. Para reforçar o discurso negacionista, o vídeo afirmava que a farmacêutica teria admitido um “crime mundial”. O Projeto Comprova verificou à época e várias mídias nacionais divulgaram o material enganoso.

Imagem: reprodução do X

Tanto a postagem do Notícias Paralelas, que o Bereia recebeu de leitores para checagem, quanto a matéria do DCM que a equipe encontrou, mencionam a opção política do padre Leonardo Wagner pela extrema-direita. Bereia verificou que matéria do jornal O Globo, publicada em 17 de outubro passado, durante as eleições de 2022, intitulada “Voto e religião: quem são os padres da Igreja Católica que declararam voto em Lula ou Bolsonaro”, inclui Leonado Wagner na lista de cinco nomes do mapeamento do jornal sobre os padres que declararam voto abertamente em Jair Bolsonaro (junto a outros cinco que declararam voto em Lula e mais quatro que não se posicionam). 

Imagens: Recorte da matéria de O Globo, de 17 out 2022.

De fato, em seu perfil no Twitter o padre publicou mensagens explícitas lamentando o resultado eleitoral e compartilhou outras de conhecidas lideranças extremistas.

Imagens: Reprodução do X

Queimar Bíblia Protestante e Livro Mórmon?

Bereia verificou que o novo perfil de Leonardo Wagner no Instagram manteve a mesma prática de responder perguntas aleatórias nos stories. Curiosamente, foi encontrada uma nova pergunta sobre o mesmo tema exposto no perfil que foi suspenso pelo Instagram após denúncias: “o que fazer com Bíblias protestantes?”. Desta vez, o padre não usa imagens, mas responde ser “melhor queimar” por “ser falta de respeito jogar no lixo”. 

Imagem do stories do perfil do padre Leonardo Wagner no Instagram, em 19 de setembro de 2023

Bereia fez, então, o registro de uma pergunta nos stories do perfil do Instagram do padre Wagner: “Padre, boa tarde. É verdade que o senhor mandou queimar Bíblia Protestante e Livro Mórmon?” A resposta foi dada quase que de imediato: “Essa é a orientação de São Pio X no Catecismo Maior. Parem de ser católicos ‘jujubas’! Sejam firmes e corajosos na fé!

Imagem do stories do perfil do Instagram do padre Leonardo Wagner, na tarde de 19 de setembro.


Uma nova postagem nos stories do Instagram deu continuidade à resposta, com uma citação do Catecismo de Pio X, no parágrafo 883, que responde à pergunta “Que deveria fazer um cristão, se lhe fosse oferecida a Bíblia por um protestante ou por algum emissário dos protestantes?”, com a resposta: “Um cristão a quem fosse oferecida a Bíblia por um protestante, ou por algum emissário dos protestantes, deveria rejeitá-la com horror, por ser proibida pela Igreja. E, se a tivesse aceitado sem reparar, deveria logo lança-la ao fogo, ou entrega-la ao próprio pároco”.

Imagem do stories do perfil do Instagram do padre Leonardo Wagner, na tarde de 19 de setembro

Estas respostas ao Bereia confirmam que o padre Leonardo Wagner, de fato, orienta fiéis para não deterem consigo Bíblias que não sejam a católica, e queimem os exemplares proibidos. Ele se refere a Bíblias da tradição protestante, diferentes da católica por admitirem a coleção sagrada com sete livros a menos, num total de 66 livros – 39 do Antigo Testamento e 27 do Novo. A Bíblia admitida na tradição católica tem 73 livros, sete livros a mais no Antigo Testamento, tendo o Novo Testamento a mesma quantidade que a versão dos protestantes. 

A orientação para que os fiéis católicos descartem Bíblias que não tenham a versão católica, está ancorada, como o padre Wagner indica, no Catecismo do Papa Pio X. Bereia pesquisou, orientada por uma fonte católica consultada, que o texto é 1905, portanto, são bases da Igreja Católica anteriores ao Concílio Vaticano II, marcadas pelo exclusivismo (a Igreja Católica como única verdade e fonte de salvação do ser humano) e pelo antimodernismo (característica do pontificado de Pio X).  

Os documentos mostram que ao seguir os passos do Concílio de Trento, o Catecismo de Pio X mantinha a compreensão de que protestantes eram inimigos da Igreja Católica. Com o Concílio Vaticano II (1962-1965), a Igreja Católica se abriu para as mudanças do mundo e para o diálogo com outros grupos cristãos, inserindo-se no movimento ecumênico, de unidade entre cristãos. 

Bereia levantou que, conforme os múltiplos registros da Igreja Católica, ela vive sob a orientação deste último grande Concílio, o Vaticano II, no qual estão baseados três principais aspectos, segundo o historiador católico Ney de Souza: a Igreja testemunha da misericórdia, a Igreja do diálogo e a Igreja do encontro. 

Uma fonte católica ouvida pelo Bereia, que preferiu não se identificar “para não reforçar polarizações”, afirma que lideranças tradicionalistas rejeitam os princípios do Vaticano II e preferem se ancorar no passado exclusivista e sectário da igreja. Na avaliação desta fonte, certamente a destruição de livros sagrados está fora dos princípios que regem a Igreja Católica, desde 1965.

*** 

Bereia checou a postagem do perfil Notícias Paralelas, encaminhada por leitores, e confirma que é verdade que o padre Leonardo Wagner tem orientado seguidores a queimarem Bíblias protestantes. Porém, não foi possível verificar se são verdadeiras as imagens atribuídas as postagens do padre com o uso de fósforos e isqueiros, para indicar o que fiéis católicos devem fazer com Bíblias protestantes e com o Livro Mórmon. O perfil que conteria tais imagens no Instagram foi suspenso e não é possível comprovar que as imagens compartilhadas por seguidor do padre foram, de fato, retiradas do perfil do religioso, ou se tratam de montagem.

Bereia identifica nas orientações do padre a incitação à intolerância, o que pode ser verificado no compartilhamento do seguidor, publicado pelo DCM, e nos comentários ali registrados. Bereia pode observar que diferentes postagens de Leonardo Wagner, sobre temas diversos, em outras mídias sociais, também seguem a linha da intolerância. Tais práticas podem resultar em suspensão de conta em mídias sociais por infringirem regras da comunidade. 

Bereia indica a leitores e leitoras que conheçam as regras de postagens nas mídias sociais estabelecidas pelas plataformas, para que participem delas conscientes de que intolerância e incitação ao ódio são passíveis de punições nesses espaços e também de processos judiciais, caso pessoas atingidas acionem o Judiciário.

Referências

Avaaz, https://secure.avaaz.org/community_petitions/po/cnbb_retratacao_da_cnbb_a_postura_anti_crista_do_padre_leonardo_wagner_ao_falar_do_veganismo_1/Acesso em 19 set 2023

DCM https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/padre-bolsonarista-sugere-queimar-biblia-protestante/ Acesso em 19 set 2023

Projeto Comprova, https://projetocomprova.com.br/publica%C3%A7%C3%B5es/video-distorce-declaracao-de-executiva-da-pfizer-sobre-eficacia-da-vacina-contra-a-covid-19/  Acesso em 19 set 2023

O Globo, https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2022/noticia/2022/10/voto-e-religiao-quem-sao-os-padres-da-igreja-catolica-que-declararam-voto-em-lula-ou-bolsonaro.ghtml

Paulus, https://www.paulus.com.br/portal/informacoes-gerais-sobre-a-biblia/  Acesso em 19 set 2023

IHU On Line, https://www.ihu.unisinos.br/?id=589567  Acesso em 19 set 2023

IHU On Line, https://ihu.unisinos.br/categorias/603351-vaticano-ii-historia-teologia-e-desafios Acesso em 19 set 2023

Satanismo volta a ser utilizado em narrativas politizadas

Vídeos antigos mostrando suposto ritual satânico com imagem do presidente Lula (PT) voltaram a circular nas redes digitais e passaram a ser associados por internautas ao atentado a uma creche em Blumenau (SC), ocorrido em 5 de abril.

O conteúdo, que já havia despontado durante o período eleitoral de 2022, foi sinalizado pelo Whatsapp como encaminhado com frequência. No Facebook, Tik Tok e Youtube somam pelo menos 25 mil visualizações.

O que mostram os vídeos

Imagens gravadas por um celular aparentam um flagrante por parte de um cristão que sobe ao topo de um monte à noite para orar. Elementos ritualísticos espalhados pelo chão, fogueiras e um cavalete com a fotografia do presidente Lula da Silva, vestindo a faixa presidencial, aparecem na imagem. 

Um segundo vídeo flagrante, no mesmo local, mostra pessoas encapuzadas se movimentando entre a foto de Lula e as fogueiras, e gritando algumas palavras distorcidas por ruídos. As legendas no vídeo são alarmantes e simplificam a mensagem em: “sacrifício de 10 mil crianças”.

Imagem: reprodução do Tik Tok

O conteúdo audiovisual está fundamentado no conceito cristão de malignidade, sendo evidenciados signos do Cristianismo que representam o mal. Isto pode ser observado nas cores, nas simbologias de morte representadas pelo sangue e pela caveira, símbolos associados, historicamente, à imagem de Satanás, que é parte do repertório cristão relacionado ao mal,  e também elementos relacionados a religiões afro-brasileiras. 

A narrativa que se impõe é a de que ocorria, no local, um ritual satânico que buscava garantir a vitória do então candidato Luís Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições presidenciais de 2022. Afora a aparência de simulação de flagrante, em local aberto, com a presença de outras pessoas e a desenvoltura teatral daqueles que aparecem no vídeo, chama atenção a falta de informações específicas como endereço, data e autores dos vídeos.

Eleições de 2022

Ainda durante as eleições, a coligação Brasil da Esperança acionou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para pedir  a remoção de conteúdos audiovisuais que associavam o seu então candidato à Presidência Lula ao satanismo, conforme noticiou o site Consultor Jurídico. Para os advogados da chapa, tratava-se de uma “narrativa fantasiosa e danosa à imagem e honra de Lula”. 

Na época, o Correio Braziliense também noticiou o fato do Partido dos Trabalhadores (PT) ter acionado o TSE. Segundo o jornal, a Corte já havia tomado providências para que os vídeos fossem retirados das plataformas. A ação impetrada pelo PT explicitava que a candidatura adversária, encabeçada por Jair Bolsonaro (PL), buscava levar a religião para o centro do debate político, “utilizando-se da repulsa social que todos os cristãos têm com a figura do diabo e satanistas”.

Antes do episódio que coincidiu com o segundo turno das eleições, um caso semelhante já havia ocorrido. Um vídeo que apresentava um influenciador satanista apoiando Lula circulou nas redes digitais, conforme noticiado pelo blog da jornalista Malu Gaspar, em O Globo. Segundo a colunista, grupos digitais que apoiavam Jair Bolsonaro incentivavam o compartilhamento do vídeo. Na ocasião, o apoio a Lula foi desmentido pelo próprio influenciador que aparece no vídeo, como mostra a checagem feita por Bereia realizada à época.

Permanência dos vídeos nas plataformas digitais

Mesmo após decisões da Justiça, é possível constatar que o conteúdo continua disponível em plataformas como TikTok, Facebook e Youtube. A maior parte das publicações encontradas data de 28 de outubro de 2022, antevéspera do segundo turno das eleições presidenciais. No Facebook, há publicação veiculada em 30 de outubro, dia do pleito.

Imagem: reprodução do YouTube

No TikTok, pelo menos quatro perfis publicaram o vídeo do suposto ritual em 28 de outubro de 2022. Em uma delas, feita pelo perfil Apóstolo Paulo Magno, a publicação exibe a etiqueta “paid partnership” (parceria paga). Bereia entrou em contato com Magno, mas não obteve resposta até o fechamento desta checagem.

Imagem: reprodução do TikTok

Outro perfil do TikTok que publicou o conteúdo na antevéspera das eleições presidenciais foi o Portal Novo Norte. O editor-chefe do portal, Pablo Carvalho, em conversa com Bereia, afirmou que “uma pessoa entrou em contato via WhatsApp e enviou esse vídeo alegando ter estado no momento da gravação”. Carvalho disse não possuir mais informações. O vídeo continua ativo no perfil Portal Novo Norte no TikTok.

Imagem: reprodução do Tik Tok

Pânico como arma política

Principalmente a partir de 5 de abril, data em que um homem invadiu uma creche em Blumenau (SC) , matou quatro crianças e feriu outras cinco com uma machadinha, internautas passaram a sugerir que o ato criminoso estaria relacionado aos sacrifícios de crianças referidos nos vídeos, e ampliaram as ações de compartilhamento.

Na postagem feita pelo Portal Novo Norte, por exemplo, é possível encontrar comentários recentes, associando o ataque em Blumenau ao suposto ritual pela vitória de Lula nas eleições. Comentários raivosos também podem ser lidos na publicação do Apóstolo Paulo Magno: “faz o L (…) agora chora os filhos de vcs” (sic). 

O perfil Assembleianos de Valor publicou, no Facebook, texto em que associa o ataque às crianças com o atual governo, ao dizer que “hoje a sede do governo do Brasil é consagrada a Exu”, entre outras insinuações. Na plataforma, o perfil deixa clara sua associação com a Assembleia de Deus no Brasil e se apresenta como “site de notícias e mídia”.

Imagem: reprodução do Facebook

O atentado em Blumenau (SC) por sí só é uma tragédia e representa a vulnerabilidade da sociedade diante das violências do mundo contemporâneo. A partir disso, surgiram diversos debates sobre a necessidade de treinamento policial e tecnologias para evitar episódios semelhantes. 

Notícias de supostos ataques parecidos se espalharam por diferentes cidades do país nos últimos dias e veículos de comunicação precisaram adotar medidas sobre a cobertura de tais eventos para minimizar o efeito do temor na população. Diante disso, é notório o pânico que informações relacionadas a atentados contra crianças e em locais do cotidiano podem causar nas pessoas por se sentirem desprotegidos. 

A associação deste medo com a abominação, que uma sociedade majoritariamente cristã cultiva contra a ideia do maligno, com o intuito de construir uma narrativa de poder político é uma estratégia para trazer a sensação extrema de pânico.

Além disso, este tipo de desinformação amplifica conteúdos relacionados a intolerância contra religiões de matriz africana, como já foi identificado pelo Bereia em checagens.

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Bereia considera falso o conteúdo avaliado. O conteúdo dos vídeos não fornece substância factual para ser considerado informação e pode ser caracterizado como boato ou conteúdo fabricado para parecer informação.

Os vídeos em questão apresentam características comuns em conteúdos desinformativos, como baixa qualidade de imagem e som, ausência de informações relacionadas à data e ao local em que teria ocorrido o evento e inexistência de testemunhas. A narrativa emprestada ao conteúdo é difusa e apenas sugestiva, enquanto algumas apresentações omitem dados para criar uma falsa credibilidade.

A equipe de checagem entrou em contato com diversos perfis que publicaram o conteúdo, mas só obteve resposta do Portal Novo Norte, que se limitou a dizer que recebeu o vídeo de um indivíduo que permanece anônimo. A indicação de parceria paga na postagem feita pelo perfil Apóstolo Paulo Magno no TikTok permanece sem explicação.

Referências da checagem:

Correio Braziliense. https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/10/5047881-pt-aciona-tse-contra-fake-news-que-liga-lula-a-satanismo.html Acesso em: 14 abr 2023

O Globo. https://oglobo.globo.com/blogs/malu-gaspar/post/2022/10/campanha-do-pt-reage-a-fake-news-que-incendiou-redes-bolsonaristas-ligando-lula-ao-satanismo.ghtml Acesso em: 14 abr 2023

Lula. https://lula.com.br/lula-e-cristao-nao-existe-qualquer-relacao-com-satanismo/ Acesso em: 14 abr 2023

UOL. https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2022/08/22/lula-video-relacao-com-demonio.htm?cmpid=copiaecola Acesso em: 14 abr 2023

Bereia.

https://coletivobereia.com.br/mensagem-sobre-sacrificios-de-touros-em-nome-de-lula-e-desmentida-pela-ordem-dos-pastores-batistas-do-brasil/ Acesso em: 14 abr 2023

https://coletivobereia.com.br/video-manipulado-que-liga-o-ex-presidente-lula-ao-satanismo-viraliza-entre-evangelicos/ Acesso em: 14 abr 2023

https://coletivobereia.com.br/pastor-felippe-valadao-promove-intolerancia-religiosa-em-evento-publico/ Acesso em: 17 abr 2023

Publicação sobre intolerância religiosa gera polêmica nas mídias sociais

* Matéria atualizada em 06/03/2023 às 15:21 para acréscimo de informações

Uma publicação nas páginas oficiais do Governo da Bahia nas mídias sociais, em referência ao Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa (comemorado em 21 de janeiro), causou grande polêmica, principalmente entre internautas cristãos.

Portais de notícias gospel como Pleno News e Folha Gospel noticiaram o incidente virtual e, em 23 de fevereiro, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), enviou um ofício para a Ouvidoria Geral do Estado da Bahia solicitando a remoção da publicação alegando que esta tinha “tom preconceituoso contra cristãos”. No dia seguinte, a publicação tornou-se indisponível nas mídias sociais do governo baiano.

Imagem: reprodução site Folha Gospel

Imagem: reprodução site Pleno News

Bereia recebeu de leitores solicitações de checagem sobre a veracidade das críticas que circulavam em torno das postagens do governo da Bahia.

O que dizia a publicação

A publicação veiculada nas mídias digitais do Governo da Bahia era do tipo conhecido como “carrossel”, uma sequência de imagens que formam um único post. No caso em questão, a publicação tinha como título “Você acha que não, mas é Intolerância religiosa, sim”, e a frase “Você precisa encontrar Jesus” estava entre as listadas como crime de intolerância religiosa. Como justificativa para o enquadramento da frase como intolerância, lia-se os dizeres “não é só Jesus”, acompanhado, ao lado, de um símbolo alusivo ao coração.

Imagem: reprodução do Instagram

A justificativa para embasar a pretensa intolerância foi de que a necessidade das pessoas não seria suprida unicamente através de Jesus, mas por meio de qualquer religião escolhida”,  diz o texto da Anajure. Outras frases como “É de gesso não vai te ouvir”; “Macumba é coisa do Satanás”; “Crente ou quente?”; “Isso lá é religião”; foram indicadas pelo portal Folha Gospel como conteúdo da mesma publicação.

Reação da comunidade cristã

Segundo a Anajure, os autores da postagem confundiram o proselitismo e a intolerância. Para a associação, a tentativa de convencimento não constitui uma intolerância e é preciso considerar que faz parte da fé cristã acreditar que todos são necessitados de Cristo, e somente dele. “O abuso desse direito (…) teria lugar apenas em ocasiões nas quais o discurso fosse utilizado de forma coercitiva ou em meio a agressões ao ouvinte. Afirmar que alguém precisa de Jesus não é uma ameaça, uma agressão nem um menosprezo”, diz o texto da organização.

A entidade reforçou a laicidade do Estado brasileiro, baseada no artigo 19 da Constituição Federal, que o obriga a não impossibilitar as atividades religiosas, afirmando que não cabe ao Estado deliberar a validade das crenças. O ofício enviado pelo departamento jurídico da Anajure foi dirigido ao governador da Bahia Jerônimo Rodrigues Souza.

Imagem: reprodução site Anajure

Segundo fonte ouvida por Bereia, que prefere não ser identificada, “muitas pessoas se sentiram ofendidas ao verem expressões e símbolos da sua fé serem criminalizados, principalmente o ato de apelo que faz parte da liturgia da maioria dos cultos evangélicos, o que não aconteceu com os demais credos”. Ainda, segundo a mesma fonte, o card que aparentava ser uma defesa do credo evangélico apresentava a figura de um um terço, símbolo da fé católica, “soando assim como zombaria”.

Histórico de intolerância religiosa na Bahia

O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa é celebrado em 21 de janeiro em memória de Mãe Gilda de Ogum, ialorixá e ativista social baiana morta na mesma data, no ano 2000. Em 1999, a Folha Universal, jornal sustentado pela Igreja Universal do Reino de Deus, acusou as religiões de matriz africana de charlatanismo, ilustrando a publicação com uma foto de Mãe Gilda. Pouco tempo depois, a casa e o terreiro de Mãe Gilda foram invadidos e depredados, episódio que deteriorou a saúde da ialorixá, tendo, possivelmente, contribuído para sua morte por infarto em 21 de janeiro de 2000.

Imagem: reprodução de print da Folha Universal no site Brasil de Fato

Busto em homenagem a Mãe Gilda é reinaugurado após vandalismo, em 2016. Imagem: reprodução G1

O tema da intolerância religiosa é, por esse e outros episódios, candente na Bahia, motivo pelo qual há um esforço por parte deste estado em promover ações em prol da tolerância. Desta vez, porém, parece ter havido, ao menos, um descuido. A professora associada do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) Christina Vital da Cunha, consultada pelo Bereia, afirma que “a tentativa do governo da Bahia de proteger a sociedade contra essas ações é legítima, mas o desafio é abordar a questão sem incorrer em uma acusação ao mesmo tempo direta e generalista sobre um grupo religioso em especial sob o risco de ser tomado como intolerante”. 

O que explicaria o teor da postagem por parte do governo baiano é a existência de um histórico de violências morais e físicas praticadas em relação a religiosos de matriz afro-brasileira, principalmente na Bahia e no Rio de Janeiro, num processo que se desenvolve a partir dos anos 1990 tendo como principais algozes alguns líderes evangélicos. 

“O Estado e o movimento social sempre precisarão atuar lembrando aos grupos religiosos monoteístas de perfil mais exclusivista que a diversidade nas formas de viver a espiritualidade tem que ser resguardada. A liberdade de culto é cláusula pétrea em nossa Constituição. Outra questão é o conflito em torno da identidade religiosa. Ou seja, há uma pluralidade de grupos religiosos que, pela lei, deve ser garantida pelo Estado, e uma diversidade interna nos modos de experimentar a fé em cada um desses grupos.  Neste caso, trata-se de uma disputa interna por legitimidade e, às vezes, poder, cabendo alguma interferência estatal somente em caso de algum crime ou impasse judicializado”, afirma Christina Vital.

Enfrentamento ao racismo religioso

O racismo religioso, termo que se refere ao conjunto de práticas violentas direcionadas às religiões de matriz africana e seus adeptos, vem ganhando visibilidade no debate sobre intolerância religiosa no Brasil. Em entrevista ao Bereia, a assessora para Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso da CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviço), reverenda Bianca Daébs, afirma que “é preciso implementar uma campanha nacional contra o Racismo Religioso em diálogo com entes públicos, escolas e movimentos sociais, (…) e fortalecer as organizações baseadas na Fé de caráter ecumênico e Inter-religioso”.

Daébs discorda quanto ao teor ofensivo da publicação por parte do Governo da Bahia: “as pessoas não estão acostumadas a serem confrontadas com suas atitudes racistas e com a falta de respeito à fé do outro. Uma campanha como essa é importante porque educa o povo ao tempo que sinaliza para a sociedade que o Estado, que tende a reproduzir práticas racistas de modo sistêmico, também está repensando suas práticas.”

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Após realizar checagem do conteúdo publicado pelo governo da Bahia, bem como da repercussão que a publicação gerou, Bereia considera o episódio em tela inconclusivo. O post, removido pelo governo baiano, parece ter sido um deslize na tentativa de conscientizar a população sobre a intolerância religiosa.

A publicação até apresenta alguma substância informativa, mas não contém todos os elementos necessários para ser classificada como informação verdadeira. Além disso, traz outros elementos que corroboram para classificá-la também como desinformação. 

Por outro lado, as acusações de que o governo baiano teria cometido crime também carecem de substância ou interpretação mais abrangente do fenômeno, principalmente à luz do histórico de episódios de intolerância na Bahia. Estas acusações podem servir para alimentar a desinformação que vem sendo alvo de uma série de checagens do Bereia desde 2020: a suposta perseguição sistemática a cristãos no Brasil, com o nome de “cristofobia”.

Referências de checagem:

Folha Gospel. https://folhagospel.com/governo-da-bahia-diz-que-a-frase-voce-precisa-encontrar-jesus-configura-crime/ Acesso em: 1 mar 2023

Pleno News. https://pleno.news/fe/frase-voce-precisa-encontrar-jesus-e-vista-como-intolerancia.html Acesso em: 1 mar 2023

Rádio 93. https://radio93.com.br/noticias/giro-cristao/governo-da-bahia-aponta-frase-sobre-jesus-como-intolerancia-religiosa/ Acesso em: 1 mar 2023

Jus Navigandi. https://jus.com.br/artigos/102500/governo-da-bahia-e-a-polemica-frase-voce-precisa-encontrar-jesus Acesso em: 1 mar 2023

ANAJURE. https://anajure.org.br/anajure-solicita-remocao-de-publicacao-preconceituosa-em-perfil-institucional-do-governo-baiano-sobre-dia-nacional-de-combate-a-intolerancia-religiosa/ Acesso em: 1 mar 2023

Gazeta do Povo. https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/guilherme-de-carvalho/campanha-governo-bahia-intolerancia-religiosa/ Acesso em: 1 mar 2023

Pleno News. https://pleno.news/brasil/governo-da-bahia-exclui-post-sobre-intolerancia-religiosa.html Acesso em: 1 mar 2023

Conselho Nacional de Justiça. https://www.cnj.jus.br/ministerio-publico-da-bahia-desenvolve-acao-de-combate-a-intolerancia-religiosa/ Acesso em: 1 mar 2023

Bahia Notícias. https://www.bahianoticias.com.br/artigo/1529-mae-gilda-presente-hoje-e-sempre Acesso em: 1 mar 2023

G1. https://g1.globo.com/bahia/noticia/2016/11/busto-de-mae-gilda-e-reinaugurado-apos-ser-alvo-de-vandalismo.html Acesso em: 3 mar 2023

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/?s=cristofobia Acesso em: 3 mar 2023

Bereia participa do podcast “O assunto”

A editora-geral do Bereia e pesquisadora do Instituto Superior dos Estudos da Religião (ISER), Magali Cunha, participou, na quinta-feira 23/02, do podcast O Assunto, do G1, com a jornalista e comentarista política Natuza Nery, para falar sobre o crescimento do fundamentalismo religioso em países da América Latina e a relação entre grupos religiosos e políticos.

Um dos assuntos abordados no programa foi o sentimento de perseguição relatado por parte dos cristãos no Brasil e estimulado pelo Ministério da Família e Direitos Humanos durante o governo passado. Esse estímulo culminou na invenção do termo “cristofobia”, utilizado nas últimas eleições como estratégia de desinformação e, segundo levantamento do Bereia, foi o tema mais checado nas eleições de 2022.

🔗 O episódio “Racismo religioso – o ódio para além do culto” do podcast O Assunto está disponível no Spotify. Clique aqui para ouvir.

Áudio usa lei que tipifica injúria racial como crime de racismo para fomentar falsa ideia de perseguição religiosa

Circula em mídias sociais de perfis cristãos  uma mensagem de áudio em que locutor anônimo faz alusão a uma suposta lei, aprovada pelo atual governo, que impediria o uso de determinados termos em orações. O áudio é dirigido a cristãos e  aparentemente, alerta sobre o risco de igrejas ou indivíduos responderem à justiça se forem flagrados fazendo uso de palavras para se referirem criticamente a fiéis de religiões de matriz africana.. A pedido de um leitor, Bereia fez a checagem deste conteúdo que tem circulado amplamente.

No áudio, o locutor faz um alerta aos fiéis: “Para quem não sabe, não pode mais orar falando mal dos catimbozeiro, macumbeiro, feiticeiro na oração, não pode. (…) foi uma lei outorgada agora nessa última quinta feira. (…) Sejamos cautelosos nessas questões (…) infelizmente é o presidente que foi elegido (sic) e infelizmente, são as leis do nosso país, agora tem que respeitar.”

Pela data de veiculação do áudio, possivelmente,  a norma mencionada trata-se da Lei 14.532, de 2023, aprovada em 11 de janeiro pelo atual governo, com o objetivo de alterar a Lei do Crime Racial (7.716/1989) e o Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940) para tipificar a injúria racial como racismo. Ao contrário do tom dado ao conteúdo do áudio, não se trata de um cerceamento à liberdade religiosa, mas de mais uma camada de proteção a esta liberdade que, comprovadamente, é historicamente negada às tradições de matriz africana. 

Injúria racial e racismo 

Ao alterar a redação da Lei do Crime Racial, a Lei 14.532/2023, sancionada logo no primeiro mês de governo de Luiz Inácio Lula da Silva, equipara o crime de injúria racial ao de racismo e prevê punição para os delitos resultantes de discriminação não apenas por cor, raça e etnia, mas também por religião ou procedência nacional.

A injúria racial é um dos crimes contra a honra, previsto no Código Penal como uma forma qualificada para os atos de injúria. Para que este tipo de crime ocorra, deve haver ofensa à dignidade de uma pessoa por sua raça, cor, etnia, religião ou origem. Já a prática de racismo, prevista na Lei de Crime Racial tipifica esta discriminação contra a coletividade, sem considerar este tipo de violência direcionada ao indivíduo. A injúria racial é uma maneira de conseguir abranger esses tipos de delitos direcionados a uma pessoa.

Com a equiparação, a pena para injúria racial torna-se equivalente à aplicada  para racismo. A nova redação prevê pena de dois a cinco anos de reclusão e multa no caso de injúria racial, podendo a pena ser aumentada de metade se o crime for cometido por duas ou mais pessoas. Se cometida no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público, além da pena  de reclusão, pode-se aplicar a proibição de frequência a locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais (a depender do caso) por três  anos – a frequência a locais destinados à prática religiosa permanece garantida. Incorre nas mesmas penas quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas.

Os novos dispositivos podem ser interpretados de diversas formas, a depender do caso concreto em questão. Ouvido pelo Bereia, o advogado, mestre em Direitos Fundamentais e membro da Rede Cristã de Advocacia Popular José Carlos Muniz, afirma que “a interpretação normativa é, em alguma medida, ampla. O que a gente tem que considerar é o contexto. Uma norma dessa pode ser utilizada para finalizar práticas de incitação ou indução à discriminação religiosa contra qualquer religião. Durante muito tempo era muito comum haver preconceito contra evangélicos, mas pode ser contra religiões de matriz africana.” E continua: “Não se pode ter o discurso de uma religião que induza o preconceito e a discriminação de outra, seja qual for”.

Intolerância religiosa no Brasil

Nos últimos anos, o Brasil assistiu ao crescimento de ataques contra centros de umbanda e candomblé.  Segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), levantados pelo Portal UOL, entre 2021 e 2022 houve um aumento de 141% nas denúncias de intolerância religiosa, com 586 denúncias em 2022, contra 243 no ano anterior. O portal ainda expõe que obteve, por meio da Lei de Acesso à Informação, dados que apontam o registro de mais de 15 mil denúncias de ataques religiosos recebidos pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP).

Em depoimento ao Jornal Nacional, da Rede Globo, o padre Marcus Barbosa Guimarães afirma que a intolerância vem crescendo nas dimensões religiosa, humana e social, e afirma que a nova lei surge como um gesto concreto de combate à intolerância. Já o pastor , da Comunidade Caverna SP Levi Araújo, relembra a etimologia da palavra religião, que conclama a união, jamais o desrespeito.

Para a antropóloga Christina Vital o senso comum sobre a liberdade religiosa não reflete a totalidade da questão no Brasil. Segundo Vital as disputas políticas aumentam a complexidade deste tema. “A ação de evangélicos protestantes e pentecostais foi dada como fundamental para a garantia da liberdade religiosa no Brasil como um meio de ação contra a hegemonia da Igreja Católica. Aos religiosos de matriz afro-brasileira, a identificação com o tema teria surgido mais recentemente e na forma das ações de combate à intolerância religiosa. Contudo, cada vez mais a liberdade religiosa como afirmação da democracia e combate à violência vem sendo ativada por esses religiosos afro-brasileiros como meio de disputa com os grupos majoritários da agenda em nível global” afirma Vital. 

Racismo e religião

A discriminação religiosa perpetrada contras as religiões de matriz africana opera, muitas vezes, no que se convencionou chamar de “racismo estrutural”, ou seja, o conjunto de hábitos e práticas que promove, mesmo sem intenção, o preconceito racial. Termos como “macumbeiro”, entendidos como inofensivos por parte da população, carregam uma forte carga de exclusão social daqueles que professam religiões de matriz africana.

Na onda conservadora que atravessa o mundo infiltrando-se em todas as áreas da sociedade, desde a política até a religião, a afirmação de convicções pessoais tem cedido espaço a ataques que provocam cismas sociais. É o que explica Ana Gualberto, historiadora e coordenadora de ações com comunidades negras tradicionais na Koinonia Presença Ecumênica e Serviço, em entrevista à Rádio Brasil de Fato: “A gente tem vivido, hoje, no mundo e no Brasil, um movimento em que o conservadorismo e as práticas fundamentalistas estão ganhando espaço e, com isso, as pessoas se sentem mais à vontade para infringir a lei”.

O advogado José Carlos Muniz, na entrevista ao Bereia, ressalta que “se alguém tem a intenção de injuriar, o fato de fazer isso em culto religioso não torna a conduta lícita”. Nesse sentido, o novo entendimento acerca da injúria racial, equiparando-a, na lei, ao crime de racismo, vem preencher uma lacuna jurídica, visando a garantir ampla e efetiva liberdade religiosa. Isto é, o Estado atuando de modo a garantir a livre manifestação de todas as crenças, sem ameaças, ataques ou preconceitos.

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Bereia classifica como impreciso o conteúdo do áudio enviado por leitor. A declaração oferece uma informação verdadeira, mas vaga e sem apresentar os fatos e o contexto na amplitude necessária. A ausência de diferentes perspectivas, por exemplo, contribui para a caracterização da desinformação. Assim, o áudio pode colaborar, mesmo que de maneira implícita, para a construção de uma narrativa errônea, segundo a qual o atual governo federal estaria cerceando a liberdade de religião cristã, e protegendo apenas determinadas certas confissões  religiosas. Ao desinformar, além de buscar criar aversão de cristãos contra o atual governo, o áudio anônimo ainda transmite a defesa de um falso direito de expressão que libera a ofensa e a injúria contra quem professa fé diferente.O conteúdo, de fato, omite  que o que ocorre é a proteção ampla a todos os tipos de crença, na esteira do aumento dos casos de ataques religiosos, e a previsão de penas para crimes comuns praticados dentro ou fora dos espaços da religião.

Bereia alerta leitores e leitoras para a divulgação deliberada de conteúdo impreciso para confundir sobre temas de interesse público. A desinformação, nestes casos, se caracteriza pela falta de consistência na informação veiculada, sem apresentar os fatos e o contexto na amplitude necessária, pelo anonimato (não registra quem está falando e suas fontes),  e por recorrentes erros no uso da língua portuguesa. 

Bereia também chama à participação cidadã com atenção ao Disque 100 para denúncia de violação de Direitos Humanos, incluídos os casos de intolerância religiosa citados nesta  matéria. 

Disque 100:  https://www.gov.br/pt-br/servicos/denunciar-violacao-de-direitos-humanos 

Referências de checagem:

Senado Federal. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/01/12/sancionada-lei-que-tipifica-como-crime-de-racismo-a-injuria-racial Acesso em: 14 fev 2023

Planalto.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm Acesso em: 14 fev 2023

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm Acesso em: 14 fev 2023

Normas. https://normas.leg.br/?urn=urn:lex:br:federal:lei:2023-01-11;14532 Acesso em: 14 fev 2023

G1. https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2023/01/18/lei-torna-mais-severas-as-penas-para-crimes-de-intolerancia-religiosa.ghtml Acesso em 16 fev 2023

CNN Brasil. https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/intolerancia-religiosa-existe-no-brasil-e-precisamos-combate-la-diz-antropologa/ Acesso em 16 fev 2023

Carta Capital. https://www.cartacapital.com.br/politica/injuria-racial-foi-equiparada-ao-crime-de-racismo-entenda-o-que-muda/ Acesso em: 15 fev 2023

Ministério Público do Paraná. https://mppr.mp.br/Noticia/Entenda-Direito-Injuria-racial-e-equiparada-ao-racismo Acesso em: 15 fev 2023

Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2023/janeiro/combate-a-intolerancia-religiosa-volta-a-agenda-do-governo-federal Acesso em: 15 fev 2023

UOL. https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2022/08/10/intolerancia-religiosa-no-brasil-o-que-e-e-como-identificar.htm Acesso em: 16 fev 2023

Folha de S.Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2019/09/relatos-apontam-proliferacao-de-ataques-as-religioes-afro-brasileiras.shtml Acesso em: 15 fev 2023

Brasil de Fato. https://www.brasildefato.com.br/2022/01/21/em-2021-foram-feitas-571-denuncias-de-violacao-a-liberdade-de-crenca-no-brasil Acesso em: 15 fev 2023

Conectas. https://www.conectas.org/noticias/o-que-e-racismo-religioso-e-como-ele-afeta-a-populacao-negra/ Acesso em: 17 fev 2023

Denunciar violação de Direitos Humanos – Disque 100https://www.gov.br/pt-br/servicos/denunciar-violacao-de-direitos-humanos 

Religião e Poder. https://religiaoepoder.org.br/artigo/liberdade-religiosa/ Acesso em 17 fev 2023

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Foto de capa: Arquivo/Agência Brasil

Cristofobia e intolerância religiosa: as fake news como estratégia política para enganar cristãos na campanha eleitoral 2022

A campanha eleitoral começou oficialmente em 16 de agosto. Os programas de televisão e rádio, além das publicações nas mídias sociais, devem respeitar as regras estabelecidas pela legislação eleitoral. Porém, no ciberespaço, aparentemente sem regulação e controle, a campanha eleitoral começou há algum tempo, ou melhor, não parou e esta edição está ativa desde 2018. 

No campo virtual não existem regras. Quanto mais alarmante e absurdo, melhor. O objetivo é gerar pânico e com isso, compartilhamentos. No que diz respeito às religiões, nestas eleições nacionais de 2022, os temas da cristofobia (perseguição aos cristãos no Brasil), além de temas como intolerância religiosa e racismo religioso, parecem estar no centro da disputa por votos e para criticar adversários. 

Para além de indivíduos religiosos,  o discurso cristão é uma linguagem familiar a quase todos os brasileiros, compreendido pela ampla maioria. Isto porque, existe uma referência histórica e cultural desde a colonização portuguesa, que trouxe com ela o Cristianismo católico, e cria um senso de identidade, ainda que grande parte  da população não frequente uma igreja. Desta maneira, o discurso religioso com ênfase cristã é utilizado como arma política para além dos muros das igrejas. 

A controvérsia do Estado laico

Num Estado laico como o Brasil, lideranças políticas não devem se comportar como fiéis de uma crença particular, e muito menos atacar qualquer religião. No entanto, não é isto que se observa neste conturbado processo eleitoral. Em tempos de mídias sociais, a desinformação com a circulação de conteúdo falso e enganoso, especialmente, as chamadas fake news, se tornaram armas mais poderosas do que as antigas artilharias militares. 

De acordo com a antropóloga, pesquisadora e coordenadora de Religião e Política do ISER Lívia Reis, de forma abrangente, podemos dizer que um Estado é laico quando há uma separação oficial entre Estado e religião. Isso significa que não existe uma religião oficial de Estado, que nenhuma religião pode ser beneficiada em detrimento de outras e que a interferência religiosa não é permitida em decisões estatais. Assim, ao invés de divulgar, perseguir ou hostilizar religiões, um Estado laico deve garantir que todas as religiões sejam valorizadas e tenham o direito de existir igualmente.

Entretanto, Bereia tem monitorado discursos e publicações em mídias sociais de personagens políticos importantes como a primeira dama Michelle Bolsonaro e o deputado pastor Marco Feliciano, além de um grande número de políticos e “influenciadores” digitais cristãos e observa o quanto pregam a intolerância religiosa, reverberando discursos de ódio e disseminando pânico com falsas notícias. 

O caso da intolerância contra religiões de matriz africana 

A primeira-dama Michelle Bolsonaro compartilhou nos stories de seu Instagram, em 9 de agosto, um vídeo que tem imagens editadas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em encontro com lideranças de religiões de matriz africana. A publicação tem mensagens que associam a prática deste grupo religioso às trevas. Ao compartilhar o vídeo, a primeira-dama escreveu: “Isso pode, né? Eu, falar de Deus, não”, numa referência às críticas que recebera por promover uma reunião de oração de vigília durante a madrugada no Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo Federal. 

O vídeo foi publicado originalmente pela vereadora autodenominada cristã, de igreja não identificada, Sonaira Fernandes (Republicanos-SP). Na legenda da publicação, a vereadora escreveu: “Lula entregou sua alma para vencer essa eleição. Não lutamos contra a carne nem o sangue, mas contra os principados e potestades das trevas. O cristão tem que ter a coragem de falar de política hoje para não ser proibido de falar de Jesus amanhã.”

Imagem: reprodução do Instagram

Na mesma direção da referência negativa de Sonaira Fernandes, dias antes da postagem no Instagram, no domingo, 7 de agosto, a primeira-dama e o presidente participaram de culto na Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte, ao lado do pastor André Valadão e outras lideranças religiosas. Michelle Bolsonaro, ao se referir sobre os palácios de governo em Brasília, afirmou, ao lado do presidente em lágrimas, que: 

“Por muitos anos, por muito tempo, aquele lugar foi um lugar consagrado a demônios. Cozinha consagrada a demônios, Planalto consagrado a demônios e hoje consagrado ao Senhor Jesus.” (a partir do 00:06:00 min do vídeo).

Bereia avalia que o caso da postagem de Sonaira Fernandes, compartilhada por Michelle Bolsonaro, ao lado da afirmação feita pela primeira dama na Igreja Batista em Belo Horizonte, não é um simples caso de desinformação sobre uma determinada expressão religiosa. Como pesquisadores cujos estudos Bereia tem acesso afirmam, é um caso de desinformação baseada em intolerância religiosa utilizada como campanha política.

O antropólogo e Conselheiro do ISER Marcelo Camurça, observa que “diante da aproximação das eleições presidenciais de 2022, com a perda crescente de popularidade de Bolsonaro, e o avanço de sua ação tóxica de afrontar as instituições democráticas da república, a estratégia (que começa a se esboçar nos “gabinetes do ódio” e redes de expansão de fake news) de intolerância religiosa como forma de atingir adversários políticos pode recrudescer. Projetos políticos que articulam o pluralismo cultural, religioso, étnico começam a ser rotulados como provindos de religiões do “mal” e por isso ditos “anti-evangélicos”. Não é por outra que Bolsonaro e seus partidários vêm levantando o argumento de uma inexistente “cristofobia” para justificar, como nos exemplos acima, uma confrontação política na forma de “guerra espiritual”.

A desinformação produzida pela vereadora Sonaira Fernandes, compartilhada por Michele Bolsonaro, foi reproduzida por outras personagens do mundo político, como o deputado federal Pastor Marco Feliciano (PL-SP) e continua circulando amplamente mesmo depois de denúncias às plataformas de mídias sociais.

Perseguição às igrejas no Brasil: a mentira que tem mais de 30 anos 

Supostas notícias relacionando o Partido dos Trabalhadores, o ex-presidente Lula e a “esquerda” com o a perseguição e o fechamento de igrejas têm sido compartilhadas diariamente com diversas mídias digitais religiosas. 

Esta desinformação é antiga e foi disseminada já nas primeiras eleições diretas para a Presidência da República depois da ditadura militar, em 1989. Naquela ocasião, circulava entre fiéis a orientação de não votar em candidatos da esquerda, especialmente no candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, porque, no poder, fecharia as igrejas e perseguiria cristãos. Esta campanha foi amplificada quando boa parte do segmento pentecostal decidiu apoiar o candidato Fernando Collor de Mello (PRN). Esta afirmação foi repetida em todos os pleitos em que Lula se candidatou depois de 1989.

Tais “notícias” nunca apresentam as fontes para as informações apresentadas, têm autoria desconhecida e com teor alarmante, pedem o compartilhamento urgente da mensagem. Há ainda casos da criação de postagens com autoria falsa, como é o caso desta postagem atribuída falsamente ao ex-presidente Lula, com a afirmação de que em um futuro governo a igreja teria seus benefícios cortados entre outras “punições”.   

Imagem: reprodução do UOL

Além do compartilhamento nos grupos de mensagens e nas redes sociais digitais, estes conteúdos são legitimados por autoridades públicas, como o já citado pastor deputado Marco Feliciano (PL-SP), destacado propagador de desinformação. 

A menos de dois meses das eleições de 2022,  uma notícia falsa voltou a se espalhar entre fiéis igrejas evangélicas por todo o país: a possibilidade de seus templos serem fechados caso Lula volte a governar o país. Feliciano admitiu que tem feito essa pregação para “alertar” os evangélicos.

“Conversamos sobre o risco de perseguição, que pode culminar no fechamento de igrejas. Tenho que alertar meu rebanho de que há um lobo nos rondando, que quer tragar nossas ovelhas através da enganação e da sutileza. A esmagadora maioria das igrejas está anunciando a seus fiéis: ‘tomemos cuidado’”disse Feliciano, que é pastor da Assembleia de Deus Ministério Catedral do Avivamento.

Imagem: reprodução do Twitter

Diante desse cenário, o PT acelerou o movimento para rebater as acusações. O partido produziu um material no qual afirma que Lula “é cristão, nunca fechou e nem vai fechar igrejas”. A peça lembra que Lula sancionou a lei que garante personalidade jurídica às organizações religiosas em 2003, conhecida como lei da liberdade religiosa e instituiu o Dia Nacional da Marcha para Jesus em 2009.  Em 2016, Dilma Rousseff sancionou a lei que criou o Dia Nacional do Evangélico. 

Imagem: divulgação PT

Lei da liberdade religiosa sancionada em 2003 pelo então presidente Lula

Imagem: reprodução do YouTube

Na primeira fila da cerimônia de sanção da lei da liberdade religiosa em 2003, dentre várias autoridades, destacamos o pastor e então senador, Magno Malta.

Imagem: reprodução do YouTube

Em 2022, agora em campanha para voltar ao Senado, Magno Malta publica ataques ao Partido dos Trabalhadores, relacionando seus líderes a uma suposta cristofobia. Na imagem publicada pelo agora candidato Magno Malta, ele utiliza a foto do ex-chefe de gabinete de Lula e ex-ministro de Dilma Rousseff, Gilberto Carvalho. Entre aspas, coloca uma frase jamais dita por Gilberto Carvalho.

Imagem: reprodução do Twitter

Na cerimônia que sancionou a lei de liberdade religiosa em 2003, o então presidente Lula declarou:

“Olá meus companheiros pastores. Durante muito tempo eu disse que Deus escreve certo por linhas tortas. Eu não sei se é coincidência ou não, mas essa é a última lei que eu sanciono este ano. Ah e eu não sei se coincidência ou não é exatamente uma lei que

torna livre a liberdade religiosa no país. Por quê que eu digo coincidência porque durante muitos e muitos anos eu encontrava com pastores pelo Brasil a fora que perguntavam para mim: Lula é verdade que se você ganhar as eleições, você vai fechar as igrejas evangélicas? E no primeiro ano do meu governo e a última lei do ano de 2003 é exatamente para dizer que aqueles que me difamaram,  agora vão ter que pedir desculpas não a mim, mas a Deus e a sua própria consciência. Eu dizia sempre que tem três coisas que demonstram que um país vive em democracia: uma é liberdade política, outra é liberdade religiosa e a liberdade sindical. Eu penso que nós estamos vivendo esses momentos de liberdade no Brasil.”

Porém,em tempos de pós-verdade, os fatos não importam. Como disse o então presidente Lula na cerimônia da lei de liberdade religiosa, na campanha de 2002 ele já era questionado a respeito do fechamento de igrejas, caso eleito. Vinte anos depois, as mesmas acusações são repaginadas em tempos de mídias digitais. Magno Malta estava na cerimônia que sancionou a lei de liberdade religiosa, um marco para as igrejas evangélicas do Brasil, e hoje, promove ataques e acusações aos mesmos que sancionar a lei. Um dos maiores porta-vozes das acusações infundadas contra o agora candidato Lula, é pastor deputado Marco Feliciano:

Imagens: reprodução do Twitter

 

Como enfrentar estas mentiras

A intolerância contra as expressões religiosas e culturais de indígenas e negros remonta à escravização e à exploração destes povos desde o período colonial. Séculos depois, e ainda sem a devida superação desta questão dramática, o artigo do antropólogo Marcelo Camurça, “Intolerância religiosa e a instrumentalização da religião pelo autoritarismo” chama atenção para uma “nova modalidade de intolerância que se coloca ao dispor da estratégia política de correntes de extrema direita para seus projetos de poder”. O artigo apresenta dois casos recentes de intolerância religiosa praticada por políticos. 

O presbiteriano e vereador do PTB de Belo Horizonte Ciro Pereira, que fez uma postagem em sua rede social onde dizia: “engana-se quem pensa que não existe uma guerra espiritual acontecendo. Lula busca as forças ocultas africanas, foi ungido e benzido por várias entidades”. E concluía dizendo: “ a guerra começou e eu luto pela minha família e pelo futuro de minha pátria”. 

Em seguida, a deputada estadual pelo Partido Social Cristão de Pernambuco Clarissa Tercio, da Assembleia de Deus, postou uma foto de Lula ladeado por suas ialorixás paramentadas com suas roupas religiosas, todos de máscara anti-covid, com a seguinte legenda: “Lula recebe benção de Zé Pelintra para vencer a eleição de 2022”, seguido de um comentário da vereadora: “Já o meu presidente Jair Messias Bolsonaro vai ao culto receber a benção do Deus todo poderoso”.

Marcelo Camurça encerra e afirma que: “uma ignominiosa e inaceitável “demonização” das religiões afro-brasileiras é estendida a Lula pela ameaça que sua candidatura significa para os planos continuístas de Bolsonaro; como se a agenda do ex-presidente com lideranças do Candomblé e Umbanda fosse prova já dada de que ambos estariam urdindo “feitiços” maléficos contra a nação”. 

As publicações e declarações de figuras políticas e religiosas que atacam as religiões de matriz africana, são o retrato de um país que está longe de respeitar os princípios da Constituição de 1988.

Um Estado laico é um Estado onde todos estão livres para praticar sua religião. Um credo não se sobrepõe a outra e nenhuma religião deve ser perseguida ou atacada.  Entretanto, o que se vê hoje é a utilização do discurso religioso com fins políticos e como arma eleitoral. 

Além disso, a suposta cristofobia alardeada por Feliciano e outros líderes, ou seja, a perseguição que cristãos, principalmente os evangélicos, poderiam sofrer num novo mandato do presidente Lula, não é verdade. Se fosse, os 14 anos de governo do PT (2003 a 2014) revelariam casos. Ao contrário, como Bereia verificou, já mostramos que declarações e atos de Lula enquanto presidente da República indicam o oposto. Bereia já publicou artigo explicando o falacioso termo “cristofobia” e várias matérias de verificação de conteúdo sobre este tema, todas falsas e enganosas. 

O deputado Marco Feliciano projeta suas próprias convicções políticas nos adversários, numa tática de inversão de posições. Ao pregar intolerância contra religiões de matriz africana e criticar posições de personagens e grupos progressistas, por exemplo, ele faz crer que os alvos do ataque são os intolerantes e perseguidores. Os fatos não importam. O objetivo é gerar pânico entre fiéis e disseminar o maior número de notícias falsas e alarmantes. 

Referências de checagem:

Valor Econômico. https://valor.globo.com/politica/noticia/2022/08/09/michelle-bolsonaro-compartilha-vdeo-com-lula-que-associa-religio-de-matriz-africana-s-trevas.ghtml Acesso em 17 AGO 22

Portal UOL. https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2022/02/09/e-falso-tweet-de-lula-sobre-cortar-beneficios-de-igrejas.htm Acesso em 17 AGO 22

O Globo.

https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2022/noticia/2022/08/fake-news-sobre-fechamento-de-igrejas-em-caso-de-vitoria-da-esquerda-tem-respaldo-de-deputado.ghtml Acesso em 17 AGO 22

https://oglobo.globo.com/blogs/sonar-a-escuta-das-redes/post/2022/08/michelle-bolsonaro-leva-evangelicos-para-orar-de-madrugada-dentro-do-palacio-do-planalto.ghtml Acesso em 17 AGO 22

Folha de São Paulo.

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2022/01/montagem-que-associa-lula-e-candomble-ao-demonio-leva-vereador-bolsonarista-a-ser-denunciado.shtml?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=twfolha Acesso em 17 AGO 22

Coletivo Bereia.

https://coletivobereia.com.br/pastor-felippe-valadao-promove-intolerancia-religiosa-em-evento-publico/ Acesso em 17 AGO 22

https://coletivobereia.com.br/volta-a-circular-mensagem-falsa-sobre-lei-do-senado-que-proibiria-pregacoes/ Acesso em 17 AGO 22 

https://coletivobereia.com.br/cristofobia-uma-estrategia-preocupante/ Acesso em 17 AGO 22

Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=275831 Acesso em 17 AGO 22

O Estado de São Paulo. https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/dia-nacional-do-evangelho-foi-sancionado-por-dilma-nao-por-bolsonaro/ Acesso em 17 AGO 22

Youtube.

https://www.youtube.com/watch?v=DYAJ_kasEyA Acesso em 17 AGO 22

https://www.youtube.com/watch?v=8r1q3huGzio Acesso em 17 AGO 22

EBC. http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2003-12-22/lula-sanciona-lei-que-garante-personalidade-juridica-organizacoes-religiosas Acesso em 17 AGO 22

Religião e Poder.

https://religiaoepoder.org.br/artigo/racismo-religioso/  Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/projeto-de-lei-coloca-a-biblia-no-centro-do-debate-sobre-estado-laico/ Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/estado-laico/ Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/avancos-no-combate-a-intolerancia-religiosa-no-rio-de-janeiro/ Acesso em 17 AGO 22 

https://religiaoepoder.org.br/artigo/a-intolerancia-religiosa-como-forma-de-instr Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/liberdade-religiosa/ Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/para-alem-de-uma-estrategia-eleitoral-as-fake-news-na-pauta-dos-poderes-da-republica/ Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/serie-fake-news-parte-2-acoes-do-poder-legislativo-frente-o-fenomeno-das-fake-news/ Acesso em 17 AGO 22

https://religiaoepoder.org.br/artigo/serie-fake-news-parte-3-acoes-dos-poderes-judiciario-e-executivo-frente-o-fenomeno-das-fake-news/ Acesso em 17 AGO 22

Tribunal Superior Eleitoral. https://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/5134 Acesso em 17 AGO 22

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Foto de capa: Pete Linforth por Pixabay

Imprensa desinforma sobre acordo do Tribunal Superior Eleitoral com religiosos

Ao contrário do que foi divulgado em pelo menos três matérias publicadas na Folha de São Paulo, o acordo assinado por lideranças de diferentes religiões com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pretende promover a paz e a tolerância nas Eleições Gerais de 2022 – e não combater as fake news, como publicado pelo jornal. 

Imagem: reprodução das matérias publicadas pela Folha de S. Paulo nos dias 2, 6 e 26 de junho, respectivamente

Segundo o Termo de Cooperação disponibilizado no site do TSE, os signatários do documento declararam a intenção de promover por meio dos seus meios de comunicação “ações de conscientização relacionadas com a tolerância política, legitimação do pensamento divergente e a consequente exclusão da violência” para preservação da paz social. Não há, no documento, menção sobre combate às fake news, notícias falsas ou a desinformação. 

Imagem: primeira folha do Termo assinado por uma das entidades signatárias. Reprodução/site do TSE

Entretanto, a Folha não ficou sozinha na divulgação da desinformação. Com exceção de alguns veículos da imprensa como Estadão, O Globo e CNN, a maioria dos veículos propagaram a notícia do suposto “acordo contra as fake news”, entre eles:  Gazeta do Povo, Correio Braziliense, O Antagonista, Diário do Centro do Mundo, Portal Comunhão, Brasil 247, Jornal GGN, Jornal do Comércio, Revista Forúm.

A questão da verdade apareceu no processo, contudo, foi mencionada apenas durante a cerimônia de assinatura do Termo, em 6 de junho no Salão Nobre do Tribunal, no discurso do atual presidente do TSE, Edson Fachin. “Defender a democracia é negar a cólera, fugir das armadilhas retóricas, fiar-se no valor da verdade”.

Acordo: sucesso ou fracasso

Para organizar o evento, o TSE convidou o desembargador William Douglas, do TRF (Tribunal Regional Federal) da 2ª Região, pastor ligado à igreja Batista. Em entrevista concedida ao Bereia, o desembargador federal declarou que foi procurado pelo TSE pelo fato de possuir experiência em magistratura e trânsito inter-religioso. 

Para o evento de solenidade foram convidadas 33 pessoas, no entanto, apenas 12 assinaram o documento. O desembargador federal atribuiu o fato à desinformação veiculada na imprensa, “[…] a imprensa noticiou, mais de uma vez, como sendo um projeto sobre combate às fake news. Não é o caso: neste projeto não há qualquer menção a fake news”. Segundo sua análise, o assunto foi politizado levando, assim, a discussão para temas que não estavam propostos no Termo de Cooperação.

Imagem: representantes posando para foto após assinatura do Termo de Cooperação. Reprodução/site TSE)

Outro ponto do evento que chamou a atenção foi a ausência de representantes de denominações históricas como Metodistas, Anglicanos e Luteranos para a assinatura do acordo. “A seleção [dos convidados] foi baseada em presença exemplificativa do segmento. O que se quis foi um rol exemplificativo e não exaustivo” explicou o desembargador, pontuando sobre a dificuldade da representação devido ao tamanho do segmento evangélico. 

Para o desembargador, o fato do evento não ter uma representatividade maior não configura um problema, “não se espera de nenhuma liderança alguma postura de ciúme em relação a outras, o que não é bíblico”, conclui o desembargador que, apesar de ser pastor, assinou o Termo na condição de escritor.

Bereia também ouviu a secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), a pastora luterana Romi Bencke. A organização cristã que representa a Aliança de Batistas do Brasil, as Igrejas Episcopal Anglicana do Brasil,Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Presbiteriana Unida, entre outras, não foi convidada para o evento. “Fizemos contato informando nossa disposição em participar, no entanto, as pessoas que nos representariam não foram procuradas pelo TSE. Desde uma perspectiva de laicidade do Estado, creio que a participação deveria ter sido o mais plural possível, sem discriminação”, reclama a secretária-geral. 

Romi Bencke conta que nas últimas eleições, para prefeitos e vereadores, em 2020, o CONIC foi convidado para apoiar as campanhas do TSE por eleições democráticas. “O TSE tem e deve ter o nosso nome em seu banco de dados. Após o encontro, fomos questionados por algumas organizações que estiveram presentes, por que não estávamos lá. A resposta foi: porque não fomos convidados ou informados. Por isso, pergunto pelos critérios considerados para deixar organizações de fora. Cabe ao TSE responder esta pergunta”, finaliza a pastora. 

Independente de estar ou não presente no evento, o CONIC tem apoiado as campanhas do órgão por eleições limpas e divulgou uma nota de apoio ao processo eleitoral, de repúdio à violência e a FakeNews. 

Imagem: nota divulgada pelo CONIC em seu site oficial. Reprodução/site do CONIC

O evento pela Paz e Tolerância não sofreu apenas com a desinformação e com a ausência de entidades importantes como o CONIC. Apesar dos esforços para agregar os diferentes religiosos, o pastor Silas Malafaia, apoiador do governo Bolsonaro, atacou a reunião e pediu boicote ao evento.

“Eu só acredito que um líder religioso vá aparecer na reunião hoje se ele for alienado, está por fora desses fatos ou é esquerdopata. Um líder religioso que sabe das coisas não vai cair nesse jogo. Nós não vamos ser usados por esses interesses mesquinhos”, disse o pastor em um vídeo publicado em seu canal no Youtube, no mesmo dia do evento.

Assinou, não assinou

A lista de convidados foi composta, na sua maioria, por pessoas e entidades ligadas à fé evangélica e oito ligadas às demais religiões como. A relação a seguir onde constam os nomes dos convidados foi obtida pelo jornal Folha de São Paulo mediante a Lei de Acesso à Informação (LAI): 

Abner Ferreira, presidente da Assembleia de Deus (Madureira/RJ). 

Teo Hayashi, pastor na Zion Church e líder do movimento “The Send”, checado pelo Bereia.

Samuel Câmara, presidente da CADB (Convenção da Assembleia de Deus do Brasil)

Roberto Brasileiro, presidente da Igreja Presbiteriana do Brasil

Hilquias Paim, presidente da Convenção Batista Brasileira, conta com 8 mil igrejas e em torno de 1,7 milhão membros.

Jesus Aparecido, presidente da Convenção Batista Nacional, atualmente conta com 2.700 igrejas com mais de 400 mil membros.

Thiago Rafael Vieira, presidente do IBDR (Instituto Brasileiro de Direito e Religião)

Eduardo Bravo, presidente da Unigrejas (União Nacional das Igrejas e Pastores Evangélicos)

Edna Zilli, presidente em exercício da Anajure (Associação Nacional de Juristas Evangélicos)

Ismael Ornilo, presidente da Aliança das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil

Girrad Mahmoud Sammour, presidente da Anaji (Associação Nacional de Juristas Islâmicos)

Thiago Crucitti, diretor-executivo da Visão Mundial, 

Claudio Lottenberg, presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil)

Juliane Penteado Santana, presidente da AJE-Brasil (Associação Jurídico Espírita do Brasil)

Augusto César Rocha Ventura, presidente da Associação Educativa Evangélica, mantenedora de instituições de ensino superior e colégios baseados em Goiás.

Stanley Arco, a Aneasd (Associação Nacional de Entidades Adventistas do Sétimo Dia) – é preciso explicar estas associações desconhecidas. Arco também é o atual presidente da Igreja Adventista do Sétimo Dia na América do Sul. 

Walmor Oliveira de Azevedo, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

Sóstenes Cavalcante, deputado federal e presidente da bancada evangélica

Antônio Carlos Costa, presidente da ONG Rio de Paz

Davi Lago, pastor e escritor

Paschoal Piragine Jr., presidente da Primeira Igreja Batista de Curitiba

Márcio de Jagun, fundador do Instituto Orí

Nilce Naira, coordenadora da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde

Augusto Cury, escritor

Cláudio Duarte, pastor e escritor

Carlos Wizard, empresário e escritor.

David Raimundo Santos, fundador da ONG Educafro

William Douglas, escritor e desembargador federal do TRF 2 e organizador do encontro.

Aaron Inácio Silva Freitas, presidente do Igreja Assembleia de Deus Ministério Internacional do Guará, sediada no Distrito Federal, conta com aproximadamente 1.500 igrejas pelo Brasil.

Coen Roshi, monja budista, primaz fundadora da Comunidade Zen Budista Zendo Brasil (2001).

Ademar Kyotoshi Sato, monge budista do Templo Shin Budista Terra Pura, em Brasília-DF.

Keizo Doi, monge regente do Templo Shin Budista Terra Pura, em Brasília-DF.

Luzia Lacerda, diretora do Expo Religião, organização que promove seminários, congressos e feiras inter-religiosas. Lacerda também é jornalista e apresentador do programa Expo Religião transmitido na TV Alerj.

Dessa lista, apenas 11 instituições foram as signatárias, além do desembargador federal William Douglas, que assinou na condição de escritor e pensador:

Instituto Orí

Rede Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde (Renafro),

Templo Shin Budista Terra Pura

Organização Não Governamental (ONG) EducAfro

Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Associação Jurídico-Espírita do Brasil (AJE-Brasil)

Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure)

Associação Nacional de Entidades Adventistas do Sétimo Dia (Aneasd)

ONG Visão Mundial

Confederação Israelita do Brasil (Conib)

Associação Nacional de Juristas Islâmicos (Anaji)

O pastor Antonio Carlos Costa, presidente da ONG Rio de Paz, publicou no dia 29 de junho, em sua conta no Twitter, uma nota, declarando que não assinou o Termo, pois não havia recebido em tempo. Após o recebimento comprometeu-se a assiná-lo.

………..

Bereia classifica como enganosa a notícia sobre o acordo contra fake news veiculada no jornal Folha de S. Paulo e demais veículos da imprensa. O acordo proposto pelo TSE referia-se à promoção da paz e tolerância nas Eleições Gerais de 2022. Como está demonstrado nesta matéria, o Termo de Cooperação não faz qualquer menção à desinformação. O combate às fake news deve ser prioridade em um processo eleitoral e não pode ser utilizado como chamariz de assuntos. Ele se faz com informação de qualidade, apurada com rigor jornalístico em busca da verdade. Como Bereia prediz em sua Metodologia de Checagem, deve-se buscar, sempre que possível, as fontes originais da informação. 

Referências de Checagem:

TSE.

https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Junho/eleicoes-2022-tse-assina-acordo-com-liderancas-religiosas-para-a-promocao-da-paz-e-da-tolerancia-no-pleito Acesso em: 9 jul 2022.

https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Junho/tse-e-liderancas-religiosas-firmam-parceria-em-prol-do-dialogo-e-da-paz-nas-eleicoes-2022? Acesso em: 9 jul 2022.

Folha de S. Paulo.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/06/tse-busca-pacto-com-lideres-religiosos-contra-fake-news-e-resistencia-as-eleicoes.shtml Acesso em: 9 jul 2022.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/06/acordo-contra-fake-news-tem-adesao-de-menos-da-metade-de-religiosos-convidados-pelo-tse.shtml Acesso em: 9 jul 2022.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/06/tse-faz-acordo-com-liderancas-religiosas-em-meio-a-ataques-de-malafaia.shtml Acesso em: 9 jul 2022.

G1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/06/06/tse-se-reune-com-lideres-religiosos-e-firma-acordo-para-promover-eleicoes-pacificas-em-outubro.ghtml Acesso em: 9 jul 2022.

CONIC. https://www.conic.org.br/portal/conic/noticias/nota-do-conic-em-defesa-do-processo-eleitoral-brasileiro Acesso em: 11 jul 2022.

Foto de capa: Divulgação/TSE

Pastor Felippe Valadão promove intolerância religiosa em evento público

Circulou em várias mídias a notícia de que o pastor da Igreja Batista Lagoinha Felippe Valadão atacou religiões de matriz africana em um evento oficial promovido pela Prefeitura de Itaboraí, na Região Metropolitana do Rio, em 19 de maio passado. O prefeito da cidade é Marcelo Delaroli, filiado ao Partido Liberal (PL) e membro da 1ª Igreja Batista.

Imagem: reprodução do G1

O município comemora o aniversário de 189 anos de emancipação político-administrativa com uma série de shows,  na qual se apresentaram artistas gospel. Segundo os relatos, no intervalo de uma das apresentações , Felippe Valadão subiu ao palco e discursou: 

Queira o diabo ou não, você sabe o que fizeram aqui de ontem para hoje? O pessoal acordou aqui e de ontem para hoje tinham quatro despachos aqui na frente do palco!

Avisa aí pra esses endemoniados de Itaboraí, o tempo da bagunça espiritual acabou, meu filho! A igreja está na rua! a igreja está de pé!!! A igreja está na rua! a igreja está de pé!!!

E ainda digo mais: prepara para ver muito centro de umbanda sendo fechado na cidade! Eu declaro, vem um tempo aí ó, Deus vai começar a salvar esses pais de santo que tem aqui na cidade.

Você vai ver coisas que você nunca viu na vida. Chegou o tempo Itaboraí! Aquele espírito maligno de roubalheira na política acabou! Eu vou repetir: o tempo de bagunça e roubalheira nessa cidade acabou!

Repúdio e medidas legais 

No dia seguinte, a Comissão de Matrizes Afro-Brasileiras de Itaboraí (Comabi), publicou nota de repúdio ao discurso do pastor e exigiu retratação pública do prefeito, responsável pelo evento.

NOTA DE REPÚDIO

Ao Ilmo Sr. Prefeito de Itaboraí Marcelo Delarolli.

Itaboraí, 20 de maio de 2022.

A Comissão de Povos Tradicionais de Terreiros de Itaboraí, COMABI, vem por meio desta nota, repudiar as infelizes palavras do pastor Felippe Valadão na noite desta quinta-feira, dia 19 de maio de 2022, por ocasião da abertura das festividades em comemoração aos 189 anos do Município de Itaboraí.

Em sua fala, o pastor agride de maneira vil, desrespeitosa e ameaçadora a comunidade religiosa do Candomblé e da Umbanda desta cidade que tem sancionada a lei 2603/2016 que Institui o DIA MUNICIPAL DE COMBATE À INTOLERÂNCIA RELIGIOSA CONTRA OS POVOS TRADICIONAIS DE MATRIZES AFRICANAS no dia 24 de Julho, que no então, não corrobora com o acontecido na Cidade no citado evento.

Queremos antes de tudo, questionar o motivo de uma manifestação festiva, popular e laica, ter em sua programação, discursos de cunho religioso, quando na verdade, se houve a intenção de manifestar alguma religiosidade, haveria de ter representantes de todas as matrizes, e não tão somente evangélicas por não representar a diversidade e a pluralidade dos cidadãos e cidadãs do município 

O Pastor começa chamando-nos de ‘ENDEMONIADOS’, e que o tempo da bagunça religiosa acabou na cidade.

Que se pode matar galinha, fazer o que quiser os terreiros serão fechados e os ‘Pais e Mães de santo’ serão salvos pelo ‘deus’ que ele professa. Sim, “deus” com letra minúscula, porque o Deus com maiúsculo que conhecemos não compactua com sua megalomania, loucura e arrogância.

Perguntamos; com qual autoridade, seja ela política ou religiosa esta insana figura foi outorgada, para desferir tamanhas agressões contra uma comunidade que vive a fazer o bem, cuidando das pessoas e contribuir com sua comunidade, onde muitas das vezes o poder público não a alcança.

Desta forma, exigimos urgente retratação pública do Sr. prefeito, organizador do evento, para que no poder de suas atribuições, venha a restaurar, a ordem, igualdade, laicidade e o respeito a todo o povo religioso de Itaboraí, aviltado por esta figura desequilibrada, que certamente irá responder nos autos por sua infração e crime de intolerância religiosa, como confere a legislação brasileira. O Brasil tem normas jurídicas que visam punir a intolerância religiosa.

No Brasil, a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, alterada pela Lei nº 9.459, de 15 de maio de 1997, considera crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões.

Exigimos aqui que seja feito um T.A.C – Termo de Ajuste de condutas – ajustando no calendário festivo um espaço para a manifestação cultural dos povos de Terreiro que em sua jornada de “reXistência” foi duplamente atacado pelo citado ”líder” e pela instituição majoritária que deveria defender a constituição em seu capítulo 5°.

Certo de sua sensibilidade com tal fato assinamos.

COMABI.

Em 20 de maio de 2022.

O Estado do Rio de Janeiro tem observado diversos avanços no combate à intolerância religiosa, dentre eles a criação  da Comissão Parlamentar de Inquérito Contra a Intolerância Religiosa, criada em maio de 2021. O relator da CPI da Intolerância Religiosa, na Assembleia Legislativa do Rio, deputado Átila Nunes (PSD) preparou uma representação ao Ministério Público contra o pastor Felippe Valadão e contra o prefeito de Itaboraí e também apresentou denúncia pessoalmente à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância – DECRADI,  pela promoção ao ódio religioso em evento patrocinado com dinheiro público. 

Além destas representações legais, o deputado Átila Nunes afirmou que  “os terreiros de Itaboraí precisam de segurança”. Vou pedir ao governador para reforçar o policiamento na região, considerando as ameaças feitas pelo autointitulado pastor Felippe Valadão numa festa patrocinada pela prefeitura contra os religiosos da Umbanda e do Candomblé”.

Racismo religioso

A socióloga Carolina Rocha aponta, em artigo, que: “Intolerância religiosa marca uma situação em que uma pessoa não aceita a religião ou a crença de outro indivíduo. Sobre os princípios da laicidade na Constituição Federal de 1988, o seu Art. 5º, inciso VI, assegura liberdade de crença aos cidadãos: ‘Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias’”. 

De acordo com a abordagem de Carolina Rocha, o caso de Itaboraí pode ser classificado ainda como racismo religioso. “O termo ‘racismo religioso’ tem sido caracterizado, no Brasil, por preconceito e/ou ato de violência contra adeptos das religiões de matrizes africanas, que são os principais alvos de violência religiosa no país. […] Quem defende o termo argumenta que, no caso das violências que atingem as religiões de origem africana no Brasil, o componente nuclear é o racismo. Nesse caso, parte-se do entendimento de que o objeto do racismo não é uma pessoa em particular, mas certa forma de existir. Um racismo que está, portanto, incidindo além do genótipo ou do fenótipo, mas na própria cultura (tradições de origem negro-africana). […] O que a maioria desses autores ressalta é que existe um amplo histórico de perseguição à cultura afro-brasileira no Brasil, do período colonial até os dias atuais”. 

Segundo o professor de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto e do Ibmec-BH Alexandre Bahia, ouvido pelo Bereia, o pastor Felippe Valadão pode ter praticado o crime de discriminação religiosa, de acordo com os dispositivos da Lei nº 7.716  – Art. 1º:  “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” Ainda seria enquadrado no  “Art. 20: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, ao afirmar que os centros de Umbanda seriam fechados na cidade e chamando de “endemoniados” os praticantes de religiões de matriz africana.

Além disso, segundo o professor Bahia, o pastor parece atentar contra os princípios da laicidade estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 que assegura liberdade de crença aos cidadãos – “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Alexandre Bahia acrescenta que a liberdade de crença  “é inviolável (…) sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. 

O professor de Direito orienta que, ao relacionar o fechamento dos centros de Umbanda e a  chegada de um tempo em que “aquele espírito maligno de roubalheira na política acabou”, Felippe Valadão, aparentemente, tenta estabelecer uma ligação entre as religiões de matriz africana e uma suposta corrupção política. 

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Bereia classifica as notícias que afirmam que o pastor Felippe Valadão praticou intolerância religiosa em discurso durante show em Itaboraí (RJ) como verdadeiras. Os registros em vídeo da fala do pastor correspondem ao conteúdo reproduzido nas matérias que noticiaram o episódio e os especialistas consultados pelo Bereia confirmam que o tom do discurso de Valadão é marcado pelo que, social e juridicamente, é qualificado como intolerância e violência com motivação religiosa.

Referências de checagem:

G1. https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/05/20/pastor-felippe-valadao-ataca-religioes-afro-em-evento-oficial-de-itaborai.ghtml Acesso em: 23 MAI 2022

UOL. https://www.youtube.com/watch?v=MYG5eRk755k Acesso em: 23 MAI 2022

Instagram.

https://www.instagram.com/p/CdyVP_NgLjd/ Acesso em: 23 MAI 2022

https://www.instagram.com/p/Cd584EzgwIi/ Acesso em: 23 MAI 2022

Religião e Poder.

https://religiaoepoder.org.br/artigo/racismo-religioso/ Acesso em: 23 MAI 2022

https://religiaoepoder.org.br/artigo/avancos-no-combate-a-intolerancia-religiosa-no-rio-de-janeiro/ Acesso em: 23 MAI 2022

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160120_intolerancia_religioes_africanas_jp_rm Acesso em: 23 MAI 2022

Governo Federal.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9459.htm  Acesso em: 23 MAI 2022

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm Acesso em: 23 MAI 2022O Dia https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2022/05/6405654-religiosos-denunciam-pastor-felippe-valadao-apos-incitacao-de-odio-contra-religioes-africanas-em-evento-de-itaborai.html Acesso em: 23 MAI 2022

Foto de capa: frame de vídeo do canal UOL no YouTube

Deputado apresenta Projeto de Lei que proibiria pregações em espaços públicos

Bereia recebeu dos leitores uma indicação de checagem sobre a postagem da deputada estadual Rosane Félix (PSD) do Rio de Janeiro, que fala sobre o projeto de lei 4257/18 em tramitação na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) e que, supostamente, proíbe “pregações, evangelismo e convites a pregação” em espaços públicos.

Imagem: reprodução Facebook

O projeto de lei em questão, de autoria do deputado Átila Nunes (MDB), entrou em pauta nesta quarta-feira (15) e saiu após receber 92 emendas de plenário. Segundo o texto do artigo 1º, a proposta proíbe “o assédio religioso nas instituições públicas e privadas no Estado do Rio de Janeiro”. Embora, inicialmente, constasse a proibição ao proselitismo, o termo foi retirado ao longo da tramitação na Casa legislativa. Criado em 2018, somente este ano ele foi alvo de parlamentares da bancada religiosa com a justificativa de que a proposta fere os princípios de liberdade religiosa. 

Durante a tramitação dentro da Assembleia, o texto sofreu inúmeras modificações, foi arquivado, desarquivado e recebeu diversas emendas, mas, até a data da postagem, 14 de dezembro, a deputada Rosane Félix não havia feito emendas ao projeto como afirma em sua conta no Facebook.

Autora da postagem e disseminadora da desinformação, Rosane Félix é locutora, foi radialista por mais de 20 anos e está em sua primeira legislatura. Antes de ser eleita pelo PSD em 2018, trabalhava na rádio gospel 93 FM, empresa pertencente ao grupo MK, idealizado pelo falecido senador Arolde de Oliveira (PSD). Na eleição, a parlamentar contou com o apoio do senador e de Flávio Bolsonaro (PL).

Imagem: reprodução do Facebook


Após ouvir todas as manifestações dos deputados da bancada evangélica da ALERJ, o deputado Átila Nunes (MDB), atual presidente da CPI da Intolerância, identificou-se como umbandista cristão e saiu em defesa de seu projeto. Visivelmente emocionado, indagou aos pares: “É justo zombar, é justo fazer comentários pejorativos, escrever ofensas pessoais, ameaçar alguém por razões religiosas?”. O projeto “não atinge a liberdade religiosa do indivíduo em ostentar símbolos e realizar práticas devocionais”, finalizou o deputado.

Proselitismo é diferente de assédio

Para aprofundar as questões que giram em torno do projeto, Bereia entrevistou o mestre em Filosofia pela UERJ e doutor em Teologia pela PUC e pastor evangélico Irenio Chaves, e a professora e antropóloga pesquisadora em religiões e política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Instituto de Estudos da Religião (ISER), Christina Vital .

A polêmica em torno do projeto parte também da falta de educação no uso do espaço público, como explica o pastor Irenio Chaves: “Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que o espaço público deve ser compreendido como laico e democrático, como também admitir que há excessos no uso desse espaço para fins de proselitismo e de propaganda indevida de ideias religiosas. Entretanto, é preciso entender essas manifestações no âmbito da Constituição Federal, que garante a livre manifestação na esfera pública.”

Sobre o proselitismo que envolve a expressão cultural e religiosa, Chaves diz: “as atividades religiosas no espaço público não se restringem ao proselitismo, mas também a expressões culturais e até manifestações sociais em defesa de direitos. A grande questão é se, a título de orientar as atividades religiosas, não está embutida nessa lei uma inibição às formas de livre expressão e de manifestação em todos os sentidos, principalmente aquelas que estão relacionadas à cultura, à defesa de ideias e de pensamento.”

“Qualquer forma de cerceamento da liberdade de expressão, seja religiosa, filosófica ou ideológica, é sempre uma ameaça à democracia. E isso não é bom.” conclui Chaves.

Sobre a liberdade de culto, citada pela deputada, o pastor e filósofo faz um alerta:  “quando tais atitudes extrapolam para a intolerância, já não estamos mais tratando de liberdade, mas de uma violação ao direito do outro, que pode até vir a ser tipificado como crime. Aí nesse caso, o Estado deve agir na forma jurídica, da lei, que foi aprovada em instâncias maiores”. 

Com relação ao termo “assédio religioso” disposto no projeto, Chaves, afirma:” o projeto inclusive tipifica algumas das atitudes que corresponderiam ao assédio religioso, mas que são, na verdade, ações de intolerância, de preconceito e de discriminação. Nesse caso, a pessoa que se sentir prejudicada deve ser orientada e estimulada a buscar seus direitos, provando que foi vítima de intolerância, preconceito ou discriminação” conclui.

A exploração do tema

Segundo a pesquisadora Christina Vital, esse tipo de desinformação gera um ambiente de ameaças e define três pontos em sua análise. O primeiro é a exploração da retórica da perda, no caso a liberdade de culto. Ela explica que é cultivada por atores que, futuramente, se apresentarão como gestores de uma falsa conquista. É como se vendesse a ideia de que algo está sendo perdido, mas na realidade, não está. 

Outro ponto destacado é o uso da falácia na retórica por parte dos disseminadores de fake news. “Como toda falácia, ela envolve meias verdades”, explica, “em parte, em situações que estão sendo observadas, mas são distorcidas”. A pesquisadora reforça que os pontos estão “umbilicalmente” ligados.

Por último, Vital alerta que esse caso tenta fortalecer uma retórica da intolerância contra o cristão no Brasil, a “cristofobia”. “Envolver o cristianismo, de forma geral, é uma estratégia para a propagação da agenda da cristofobia, por parte de atores evangélicos especialmente articulados para isso”, explica.

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Bereia classifica como FALSA a afirmação que o projeto de lei 4257/2018 irá proibir cultos, pregações e evangelismos na rua. O artigo do projeto de lei, na sua última redação, não proíbe o proselitismo religioso, não proíbe culto, não proíbe o evangelismo.

O artigo primeiro proíbe, sim, o assédio religioso, entendido como a prática, a indução ou a incitação à discriminação ou preconceito. Bereia vem alertando aos seus leitores que o pânico moral é uma estratégia política a fim de mobilizar eleitores em torno de um projeto comum. Segundo a pesquisadora e editora-geral do Bereia Magali Cunha, a retórica da cristofobia é uma das mentiras que mais circulam na internet e está sendo usada como estratégia eleitoral. Em texto publicado originalmente na Carta Capital e reproduzido aqui, ela explica: “o termo “cristofobia” não se aplica, por conta da predominância cristã no País, onde há plena liberdade de prática da fé para o grupo. Manipula-se, neste caso, a noção de combate a inimigos para alimentar disputas no cenário religioso e político. Além disso, se configura uma estratégia de políticos e religiosos extremistas que pedem mais liberdade e usam a palavra para falarem e agirem como quiserem contra os direitos daqueles que consideram “inimigos da fé”. Ou seja, contra ativistas de direitos humanos, partidos de esquerda, movimentos por direitos sexuais e reprodutivos, religiosos não cristãos e até cristãos progressistas – nem os da mesma família da fé são poupados.”

Referências de checagem:

Alerj – PL em votação no dia 15 de dezembro.

http://www3.alerj.rj.gov.br/lotus_notes/default.asp?id=7&URL=L3NjcHJvMTUxOS5uc2YvMGM1YmY1Y2RlOTU2MDFmOTAzMjU2Y2FhMDAyMzEzMWIvNjVlMjkyOWFjZDI3YWZiMzAzMjU4N2E2MDA1YzY1Njc/T3BlbkRvY3VtZW50JkhpZ2hsaWdodD0wLDIwMTgwMzA0MjU3&amp%5Ch# Acesso em: 23 dez 2021.

Alerj – PL original com justificativa.

http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/scpro1519.nsf/18c1dd68f96be3e7832566ec0018d833/2a21b8843412a250832582ba006e8475?OpenDocument&Start=1&Count=200&Expand=1.1.1 Acesso em: 23 dez 2021.

Bereia.https://coletivobereia.com.br/as-mentiras-que-circulam-em-ambientes-religiosos-no-brasil/ Acesso em: 23 dez 2021.

Pastor assassinado não é vítima de perseguição religiosa

Circula em redes sociais digitais cristãs mensagem sobre o assassinato do pastor Cung Biak Hum, 31 anos, em 18 de setembro, por militares no Myanmar, Sudeste Asiático. O texto que segue a imagem convoca cristãos a um posicionamento diante do assassinato devido a uma suposta perseguição religiosa a cristãos no país.

Reprodução do WhatsApp

Após receber de leitor esta indicação de conteúdo, Bereia verificou a informação. A morte do pastor foi noticiada em mídias de Myanmar, como o Chinland Post, e ocorreu durante bombardeios à cidade de Thantlang, Chin State, efetuados pela Junta Militar que assumiu o poder em fevereiro de 2021, por meio de um golpe de Estado. O ataque provocou a destruição de 19 casas. Segundo mídia local, antes de ser morto, o pastor da Igreja Batista ajudava a apagar o fogo de casa pertencente a um dos membros da igreja, quando foi baleado e morto por soldados.

Fotos: The Chinland Post, Facebook

Com base na apuração, Bereia conclui que o conteúdo publicado nas mídias sociais do Brasil é enganoso. Ele induz o leitor a crer que a morte do pastor ocorreu por perseguição religiosa a cristãos. Apesar da morte violenta, ela não foi motivada por intolerância religiosa e sim consequência da violência imposta pelas forças militares que atualmente tomam conta do país. Bereia alerta leitores e leitoras sobre o recebimento de informações que não registram fonte da informação, autoria do texto e data do ocorrido. Este tipo de conteúdo é, frequentemente, desinformativo.

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Referências:

Facebook https://www.facebook.com/THECHINLANDPOST/posts/4821032317924652 Acesso em: [20 set 2021]

El País https://brasil.elpais.com/internacional/2021-02-01/mianmar-sofre-golpe-de-estado-e-militares-detem-aung-san-suu-kyi-e-o-presidente-win-myint.html Acesso em: [20 set 2021]

Baptist World Alliance (BWA) https://www.baptistworld.org/wp-content/uploads/2021/09/BWA_BWAW_APBF_ABWU_Myanmar-Advocacy-Letter.pdf Acesso em: [20 set 2021]

Vídeo de Marisa Lobo desinforma sobre perseguição religiosa

Circula nas mídias sociais um vídeo em que a presidente do partido Avante no Estado do Paraná, Marisa Lobo, apresenta uma operação policial na Igreja Assembleia de Deus Madureira em Curitiba. No material, é possível ver nove veículos policiais de diferentes forças de segurança e um guincho. No entanto, Marisa Lobo desinforma ao classificar o ato como “intolerância religiosa”, ao dizer que atividades religiosas eram serviço essencial e ao mostrar o vídeo como sendo recente.

A operação policial ocorreu em 12 de julho de 2020 na capital paranaense, quando então vigorava o Decreto Municipal nº 870/2020, que determinava que se mantivessem as medidas estabelecidas no artigo 5º do Decreto no 470/2020, publicado em 26 de março. O documento elenca as atividades essenciais no município, e cultos religiosos não estavam inclusos. Foram listadas 51 atividades, como serviços médicos, de transporte e de mercados/feiras, mas celebrações religiosas não foram consideradas essenciais.

Além disso, a operação não pode ser classificada como “intolerância religiosa” ou “perseguição a cristãos” pois para se caracterizar como tal uma situação deve conter ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo, escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar com a intenção de deliberadamente inviabilizar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso (Código Penal art. 208). Mesmo a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) emitiu em seu “caso 33” nota informando que a denúncia de aglomeração no culto tinha sido anônima e que não se perpetuaram violações ou danos à igreja.

“Após o ocorrido, o Prefeito de Curitiba, o Governador do Paraná e o Comandante da Polícia Militar do Estado buscaram contatar a liderança do Ministério Madureira, para obter mais informações e esclarecer o ocorrido. Tendo conhecimento das circunstâncias, as autoridades se desculparam pelo transtorno gerado pela denúncia falsa e reafirmaram o direito das igrejas de realização das cerimônias virtuais”

Comunicado da ANAJURE

O vídeo voltou a circular com frequência em mídias digitais religiosas no fim de fevereiro e início de março deste ano, porém não se refere a uma ação ocorrida em 2021. Foi exibido originalmente no perfil do YouTube de Marisa Lobo, que era então pré-candidata à Prefeitura de Curitiba-PR pelo Avante. A publicação foi feita em 13 de junho de 2020, e pode-se observar que a gravação que passa na TV às suas costas tem 20 segundos de duração, com repetição automática, dando a impressão de um vídeo mais longo. Marisa Lobo não foi eleita, tendo recebido apenas 0,51% dos votos válidos.

Em 26 de fevereiro de 2021, a Resolução nº 221 da Secretaria de Saúde do Estado do Paraná classificou as atividades religiosas como essenciais desde que haja o cumprimento das medidas sanitárias determinadas por ela. A resolução está em vigor hoje no município, e pode ser conferida na íntegra aqui. Portanto, à época em que o vídeo foi produzido, celebrações e cultos religiosos não figuravam como atividade essencial.

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O Coletivo Bereia classifica como falsas as afirmações de perseguição religiosa e de culto porque igrejas não foram classificadas como atividade essencial pela Prefeitura de Curitiba em 2020: não há perseguição religiosa, tal como tipificado na lei brasileira nesse caso. Na ocasião do vídeo as igrejas estavam fechadas como medida de saúde pública (prevenção da contaminação por covid-19). A igreja Assembleia de Deus Madureira em Curitiba foi autuada porque estava funcionando, desrespeitando o decreto municipal. O vídeo publicado em 13 de junho de 2020 não representam o momento atual da cidade, que permite as atividades essenciais, desde que cumpridos os protocolos de segurança.

O vídeo a que se refere esta verificação chegou até o Coletivo Bereia por meio de seu WhatsApp oficial e de parceiros da Rede Nacional de Combate à Desinformação. Sempre que você encontrar um conteúdo suspeito, envie para WhatsApp ou Telegram do Coletivo Bereia – (38) 98418-6691.

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Referências

Prefeitura de Curitiba, https://mid.curitiba.pr.gov.br/2020/00295866.pdf. Acesso em: 11 mar. 2021.

Anajure, https://anajure.org.br/caso-33-curitiba-pr-denuncia-falsa/. Acesso em: 11 mar. 2021.

Youtube, https://www.youtube.com/watch?v=ihVyivqIFLE. Acesso em: 10 mar. 2021.

Legisweb, https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=410133#:~:text=Disp%C3%B5e%20sobre%20as%20medidas%20de,05%20de%20fevereiro%20de%202021. Acesso em: 11 mar. 2021.

Site gospel divulga atitude desrespeitosa em cidade de Santa Catarina como ato de intolerância religiosa

Em 22 de outubro de 2020 o portal evangélico Gospel Prime publicou matéria intitulada “Trio sobe em cruz e postam fotos com mensagens ofensivas”.

De acordo com o texto, três pessoas, dentre elas um adolescente, subiram em uma cruz em frente à Igreja Matriz Puríssimo Coração de Maria, situada no centro da cidade de São Bento do Sul, no norte de Santa Catarina, na manhã de 20 de outubro. O momento teria sido registrado, e um dos envolvidos divulgou nas mídias sociais as fotos com palavras de baixo calão na legenda. A publicação teria sido excluída do perfil do participante naquele mesmo dia. 

A matéria afirma que a Polícia Civil começou a investigar o caso depois que as imagens chegaram aos agentes por intermédio da imprensa local. O pároco da igreja registrou boletim de ocorrência contra os jovens, classificados na matéria do Gospel Prime como “vândalos”, apesar de o texto original, do qual o site faz uso, afirmar que “os jovens subiram na cruz” e “a cruz não chegou a ser vandalizada”. 

Em entrevista ao site NSC Total, o delegado Lucas Mendonça afirmou que com a identificação dos envolvidos, o primeiro passo será acioná-los para depor. “Quando isso for feito, eles poderão responder pelo artigo 208 do Código Penal, que trata de vilipendiar publicamente um ato ou objeto de culto religioso”, explicou. O portal G1 também reportou o assunto.

Nenhuma das publicações-fonte do Gospel Prime menciona a palavra “ofensa” ou indica que tipo de ofensa teria proferida ou a quem os jovens teriam ofendido nas publicações em suas mídias sociais. A menção do NSC Total, de onde Gospel Prime tirou a informação, é da publicação de “palavrões” na legenda das fotos, mas não há detalhes sobre a que ou a quem estas expressões estavam vinculadas.

A conclusão da matéria de Gospel Prime relaciona o caso de São Bento do Sul com “cenas de intolerância religiosa contra igrejas cristãs que têm sido frequente (sic) no mundo”. Apresenta o caso de um jovem que arrancou a cruz de uma igreja em Londres e o caso do incêndio de igrejas no Chile, há duas semanas.

Vilipêndio e violação do sentimento religioso coletivo

A matéria do NSC Total diz que os jovens podem ser enquadrados em crime de vilipêndio. Ele está previsto no Código Penal, nos artigos 208 e 2012 como:

“o ato de vilipendiar, sinônimo de desrespeitar, ultrajar, menosprezar, sendo admitido através de qualquer meio de execução (palavras, gestos, escritos). O Código Penal tipifica o crime de vilipêndio público de ato ou objeto de culto religioso, sendo necessário que a conduta recaia sobre ato religioso ou sobre objeto de culto religioso e que ocorra em público; e também o crime de vilipêndio a cadáver, sendo necessário que o ato seja praticado na presença do cadáver ou de suas cinzas, com a específica intenção de ultrajar o cadáver e de que seu gesto seja visto por testemunhas, hipóteses em que o crime normalmente é praticado no próprio velório ou enterro”.

O artigo 208, que trata especificamente do vilipêndio religioso, diz:

“Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”. A pena é de um mês a um ano de detenção ou multa. 

No caso em questão, apesar de a cruz não ter sido danificada, o ato foi interpretado pelo delegado, depois da queixa do padre, como desrespeito público à crença de terceiros.

O termo vilipêndio religioso foi destaque no episódio que envolveu o especial de Natal da produtora de vídeos de comédia Porta dos Fundos, em dezembro de 2019. Na ocasião, o filme “A primeira tentação de Cristo” foi criticado por grupos religiosos por retratar um Jesus homossexual e um Deus mentiroso. A sede da produtora chegou a ser atacada por grupos extremistas. Um exemplo foi o vídeo do pastor evangélico Silas Malafaia, no qual cita o artigo 208 do Código Penal, mas também critica o ataque à sede da produtora.

Diante da repercussão, um grupo de deputados estaduais de São Paulo chegou a pedir a criação da CPI do Porta dos Fundos na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), o que não teve prosseguimento.

Em março de 2020, o caso em torno da Escola de Samba Águia de Ouro (São Paulo) alcançou repercussão na mídia . A Justiça proibiu a agremiação de apresentar ao público a escultura da Virgem Maria, baseada na “Pietá” de Michelangelo. A alegoria mostrava Maria segurando no colo um indígena, com sinais de crucificação, no lugar de Jesus. Ao tomar a decisão, o desembargador José Luiz Fonseca Tavares citou o artigo 208 do Código Penal, a fim de justificá-la.

Estes são casos mais recentes mas há muitas outras expressões culturais  classificadas ou não como vilipendiosas, a partir de queixas estabelecidas.

O uso do tema da intolerância religiosa

Gospel Prime publica sobre a brincadeira de mau gosto de três jovens, desrespeitosa com símbolo religioso público da cidade de São Bento do Sul, em momento em que há clima no noticiário religioso em torno do tema da intolerância religiosa. 

O site relaciona ao caso ocorrido de Londres, capital da Inglaterra, que já havia noticiado, em que um jovem decidiu arrancar a cruz da Chadwell Heath Baptist Church, conforme noticiou o londrino The Sun. Outro veículo, Mirror, relatou a prisão do homem por danificação criminosa.

Gospel Prime também cita as  igrejas incendiadas no Chile, em meio às manifestações que lembraram um ano dos protestos contra a política anti-direitos do governo daquele país. O site diz que os atos geraram “muita preocupação quanto a liberdade religiosa no país”. Mídias e personagens religiosos no Brasil classificaram o ato “cristofobia”, perseguição a cristãos.

Bereia verificou as informações a respeito desses atos de intolerância religiosa no país sul-americano, contextualizou a situação política do país e esclareceu que não se trata de perseguição religiosa e que não há preocupação quanto à liberdade religiosa no Chile, um país predominantemente cristão.

Importa registrar que vilipêndio, como explicado acima, não é sinônimo de intolerância religiosa. Segundo o Relatório sobre Intolerância e Violência Religiosa no Brasil (2011 – 2015): Resultados Preliminares, publicado pelo governo federal em 2016, é considerado intolerância e violência religiosa (p. 8):

o conjunto de ideologias e atitudes ofensivas a diferentes crenças e religiões, podendo em casos extremos tornar-se uma perseguição. Entende-se intolerância religiosa como crime de ódio que fere a liberdade e a dignidade humana, a violência e a perseguição por motivo religioso, são práticas de extrema gravidade e costumam ser caracterizadas pela ofensa, discriminação e até mesmo por atos que atentam à vida
Asseguradas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e pela Constituição Federal (BRASIL, 1988), temos as liberdades de expressão e de culto, onde a religião e a crença dos cidadãos não devem constituir barreiras a fraternais e melhores relações humanas. Portanto, as pessoas devem ser respeitadas e tratadas de maneira igual perante a lei, independente da orientação religiosa. Acrescenta-se que pela Constituição Federal, o Brasil é um Estado laico, onde não há uma religião oficial brasileira, garantindo uma separação entre Estado e religiões, onde se espera do Estado que se mantenha neutro e imparcial às diferentes religiões, assegurando o tratamento igualitário aos cidadãos e as cidadãs, quaisquer que sejam suas crenças ou não crenças, de conformidade que a liberdade religiosa seja protegida, e sob nenhuma hipótese, deva ser desrespeitada.

Bereia conclui que a matéria de Gospel Prime é enganosa. O  possível vilipêndio, ou desrespeito, público (ainda será julgado), ocorrido em São Bento do Sul, praticado por três jovens, que subiram na cruz histórica da cidade, tiraram fotos e as publicaram legendas com palavrões em mídias sociais, é verdadeiro,. No entanto, a forma como a matéria é construída faz parecer que a provável atitude desrespeitosa dos jovens foi um ato de intolerância religiosa, no contexto de perseguição a cristãos no mundo. Gospel Prime faz uso da expressão “mensagens ofensivas” no título, sem explicar a quê ou a quem foram dirigidas ofensas. O termo não é mencionado na matéria original que o site utilizou como fonte; esta cita apenas o uso de palavrões na legenda das fotos sem explicitar a quem foram dirigidos. Gospel Prime também usa o termo “jovens vândalos”, o que não condiz com o relato da fonte, o NSC Total, que afirma que a cruz não foi vandalizada, os jovens apenas “subiram nela” para tirar as fotos, o que provocou a queixa do padre local, que considerou desrespeitosa a atitude. 

Bereia lembra ainda a necessidade de se contextualizar atos contra templos ou símbolos religiosos e a fiéis e identificar as diferenças entre os casos de desrespeito, de vandalismo, de intolerância e situações de perseguição em que a liberdade religiosa é de fato tolhida, conforme já realçado pelo Coletivo em outras matérias.

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Foto de Capa: NSC Total/Reprodução

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Referências de checagem

Constituição Federal, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 23 out 2020. 

Portal G1, https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2020/10/22/policia-tenta-identificar-trio-que-escalou-cruz-de-igreja-em-sc.ghtml Acesso em: 23 out 2020.

Site NSC Total, https://www.nsctotal.com.br/noticias/identificado-trio-que-subiu-em-cruz-da-igreja-matriz-de-sao-bento-do-sul Acesso em: 23 out 2020.

Site NSC Total, https://www.nsctotal.com.br/noticias/trio-que-subiu-em-cruz-da-igreja-matriz-de-sao-bento-do-sul-sera-investigado-pela-policia Acesso em: 24 out 2020.

DireitoNet, https://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/1312/Vilipendio. Acesso em: 27 out. 2020.

Portal JusBrasil, https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10612290/artigo-208-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940 Acesso em: 24 out 2020.

Portal G1, https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/01/06/acusado-de-participar-de-ataque-ao-porta-dos-fundos-e-expulso-do-psl.ghtml. Acesso em: 27 out. 2020.

Observatório G, https://observatoriog.bol.uol.com.br/noticias/silas-malafaia-se-revolta-com-jesus-gay-e-afirma-que-porta-dos-fundos-cometeu-crime Acesso em: 26 de out 2020.

Congresso em Foco, https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/deputados-tentam-criar-cpi-do-porta-dos-fundos-na-alesp/ Acesso em: 24 out 2020.

Folha de S. Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0403200004.htm Acesso em: 24 out 2020.

Gospel Prime, https://www.gospelprime.com.br/homem-e-preso-apos-subir-no-telhado-para-arrancar-a-cruz-da-igreja/. Acesso em: 25 out. 2020.

The Sun, https://www.thesun.co.uk/news/12961676/romford-baptist-church-man-rip-cross-roof/ Acesso em: 25 out 2020.

Mirror, https://www.mirror.co.uk/news/uk-news/vandal-filmed-trying-rip-wooden-22867811 Acesso em: 25 out 2020.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/incendio-de-igrejas-no-chile-nao-e-caso-de-perseguicao-a-cristaos/ Acesso em: 25 out 2020.

Relatório sobre Intolerância e Violência Religiosa no Brasil, https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/RelatorioIntoleranciaViolenciaReligiosaBrasil.pdf. Acesso em: 27 out. 2020.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/noticias-sobre-cristofobia-em-portais-gospel-nao-contextualizam-questao-ao-redor-do-mundo/ Acesso em: 25 out 2020.

Matérias sobre pastor que sofreu espancamento na Índia são desinformativas

Em 01 de julho, a coluna Giro Cristão disponível no site da Rádio 93 FM, emissora com sede na cidade do Rio de Janeiro, do Grupo MK, do senador evangélico Arolde de Oliveira (DEM/RJ) focada em temas cristãos, publicou uma matéria intitulada: “Pastor é espancado na Índia depois de orar por um doente”.De acordo com o texto, assinado pela jornalista Marcella Bastos, oito ataques contra cristãos teriam acontecido na Índia após a flexibilização do isolamento social por causa da Covid-19. 

Um deles teria sido contra o pastor Suresh Rao. O ato contaria com cerca de 150 pessoas que o arrastaram e espancaram, sob a justificativa de que Rao teria orado por uma pessoa doente. “Eles me arrastaram para a rua e me jogaram no chão. Começaram a pisar em mim, rasgaram minhas roupas, me chutaram por todo o corpo e socaram meu olho esquerdo. Sofri uma lesão ocular grave como resultado de um coágulo sanguíneo”, explicou a vítima em depoimento. Segundo a matéria, que não cita a fonte da notícia, os agressores acusaram o pastor de converter hindus ao Cristianismo, afirmando que a Índia seria uma nação hindu e não teria lugar para cristãos. 

Bereia verificou que sites de notícias cristãs do exterior publicaram matéria sobre o caso, dias antes. Um deles é o CBN News  (Christian Broadcasting Network) que noticiou a agressão ocorrida no dia 21 de junho, ocasião em que o Pastor Rao estaria orando por um doente na vila de Kolonguda. As informações foram baseadas em texto de outro grupo cristão que publica notícias na internet: International Christian Concern (ICC), instituição de caridade, sem fins lucrativos, que se declara prestadora de assistência, conscientização e serviços jurídicos a igrejas cristãs perseguidas em todo o mundo, desde 1995. A matéria na coluna “Persecution” [Perseguição], provavelmente a base para as demais, relaciona o aumento repentino de ataques a cristãos na Índia a partir da suspensão do isolamento social imposto contra a Covid-19. 

“Eles disseram que a Índia é uma nação hindu e que não há lugar para cristãos”, explicou Rao ao ICC. Em outro ponto, ele afirma: “Estou preparado para esse tipo de eventualidade”, explicou o pastor Rao. “Conheço o custo de servir a Jesus nessas aldeias remotas e continuarei a servir as pessoas desta região”. 

O ICC aponta também um outro incidente da mesma natureza no estado indiano de Tamil Nadu, onde uma igreja teria sido reduzida a cinzas, deixando 100 cristãos sem local de culto. “Fiquei tão angustiado e com dores no coração“, disse Ramesh, pastor da Igreja da Paz Real, em entrevista ao ICC, replicada também na matéria da CBN News.

“Foi um trabalho árduo por dez anos construir a igreja. Todo o trabalho árduo e doações de sacrifício dos pobres membros da congregação foram derrubados no chão. Tudo o que resta são cinzas”. Na entrevista, ele acrescentou: “Nos últimos dez anos, radicais me disseram várias vezes para fechar a igreja. Pela graça de Deus, fui capaz de suportar todas essas dificuldades e abusos, mas desta vez é uma devastação total”, acrescentou o pastor.

Um terceiro exemplo apontado na publicação diz respeito a possíveis ameaças de radicais aos membros da Igreja Evangélica Leigos, realizadas em 13 de junho, feitas quando eles estavam montando a igreja para reabrir após o confinamento motivado pela Covid-19. Como explicitado na matéria, o pastor Augustine salientou que os radicais estariam dizendo aos cristãos que orar ou se reunir na igreja era proibido e que os cristãos haviam causado a propagação do vírus.

“Não sabemos o que o futuro reserva”, disse o pastor Augustine. “No entanto, estamos preocupados que os radicais não nos permitam ter um culto na igreja”.

O texto apresenta o temor dos cristãos indianos, preocupados que a perseguição continue à medida que mais pessoas comecem a emergir do isolamento social.

O site evangélico brasileiro Gospel Mais também publicou a notícia sobre o espancamento do pastor Suresh Rao, além de ter abordado o momento político na Índia, considerando-o como extremista, tendo à frente o líder ultranacionalista Narendra Modi, do Partido Bharatiya Janata, no comando do país desde 2014. Gospel Mais sinaliza ainda as restrições da liberdade religiosa aprovadas em 2018, baseadas em argumento de que evangelistas “forçam” ou dão benefícios financeiros aos hindus para convertê-los ao cristianismo.

Entenda a situação dos cristãos na Índia

A Índia é o segundo país mais populoso do mundo, ficando atrás da China. De acordo com o World Christian Database (WCD), a maior religião do país é o hinduísmo, com 72,5% da população. A religião predomina a Índia há séculos (começou a se desenvolver entre 500 e 300 a.C.). A segunda maior religião na Índia é o islamismo, com 14,4% da população. Já o cristianismo desponta como a terceira maior religião no país, com 4,8% da população. Em seguida, vêm as chamadas etno-religiões, com 3,8% da população, que são religiões tribais tradicionais anteriores à chegada do hinduísmo e do budismo no país. Por último, está o budismo, com 0,7% da população, e se originou na Índia Antiga em algum momento entre os séculos 4 e 6 a.C., de onde se espalhou por grande parte da Ásia. 

Estudos atribuem a introdução do cristianismo na Índia pelo Apóstolo Tomé, que supostamente desembarcou em Kerala em 52 d.C. Há, porém, consensos de vários estudiosos de que o cristianismo foi estabelecido na Índia pelo século 6 d.C., por algumas comunidades que usaram liturgias sírio-aramaicas.  Os cristãos são encontrados em toda a Índia, entre católico romanos, ortodoxos de várias tradições e evangélicos, com grandes grupos em partes do sul e da costa sul do país, a costa de Konkan, e também no Nordeste da Índia.

Igrejas protestantes e ortodoxas, bem como organizações ecumênicas, conselhos regionais e agências cristãs da Índia estão articuladas no Conselho Nacional de Igrejas da Índia (NCCI, sigla em inglês). O Conselho foi estabelecido em 1914 como Conselho Missionário Nacional e, em 1979, o Conselho se transformou no que é conhecido como Conselho Nacional de Igrejas na Índia. O NCCI é composto por 30 igrejas-membro, 17 conselhos cristãos regionais, 18 organizações da Índia e 7 agências relacionadas. Representa cerca de 14 milhões de pessoas na Índia. 

O Conselho e seus membros constituintes declaram estar ativamente engajados nos serviços religiosos, na construção da nação e na transformação social. É um Conselho autônomo inter-confessional que indica promover e coordenar vários tipos de atividades pela vida e pelo testemunho responsáveis, pela defesa da dignidade humana, pela justiça ecológica e econômica, pela transparência e prestação de contas e pela equidade e harmonia, através de seus membros constituintes e em parceria com a sociedade civil, ONGs, movimentos populares e simpatizantes em nível local, nacional e internacional.

Cristãos indianos sempre contribuíram significativamente para a vida pública na Índia, segundo o NCCI, e estão representados em várias esferas da vida nacional, entre ministros de Estado, governadores e comissários eleitorais principais. 

A intolerância religiosa na Índia

Apesar da constituição da Índia ser secular e tolerante no tocante à liberdade religiosa, de haver representação religiosa ampla em vários aspectos da sociedade, incluindo no governo, do papel ativo desempenhado por órgãos autônomos, tais como a Comissão Nacional de Direitos Humanos da Índia e a Comissão Nacional para as Minorias, e do trabalho de organizações não- governamentais, há um histórico de perseguição a cristãos e muçulmanos na Índia. Vinham sendo ações pontuais de grupos radicais hindus que consideram tanto o islamismo quanto o cristianismo religiões estrangeiras que devem ser removidas do país, desta forma, muçulmanos e cristãos enfrentam intolerância de parte destes grupos. Já os budistas e siques (membros do siquismo, religião monoteísta que se originou no século XV, em Punjabe, cidade que limita a Índia e o Paquistão) são muito mais aceitos pelos radicais hindus, pois essas religiões se originaram em território indiano.

Pesquisa dos professores da Universidade Tecnológica Nanyang de Singapura, Nilay Saiya, Stuti Manchanda, mostra que, desde 1967, sete dos 29 estados da Índia têm imposto leis de ‘anticonversão’, que são projetadas para impedir que indivíduos e grupos convertam ou tentem converter, direta ou de outra forma, pessoas através de meios ‘forçados’ ou ‘fraudulentos’, incluindo ‘atração’ ou ‘ indução’. Saiya e Manchanda afirmam: 

“Esse pode parecer um objetivo nobre o suficiente [liberdade religiosa]; no entanto, argumentamos que as leis anticonversão realmente servem para gerar violenta perseguição anticristã, criando uma cultura de vigilantismo nos estados onde essas leis existem. Nossa análise conclui que os estados que aplicam leis anti-conversão têm, de fato, estatisticamente mais probabilidade de dar origem a violenta perseguição contra os cristãos do que estados onde essas leis não existem”.

A situação se agrava desde 2014, quando o partido de extrema-direita Bharatiya Janata (BJP, na sigla em inglês) tomou o poder e tem incentivado a ideia de que a Índia deve ser uma nação hindu, com o hinduísmo como sua única fé. Ligada à legenda, a organização Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS) é a principal responsável por disseminar essas ideias, por meio da perseguição religiosa.

Cristãos e muçulmanos têm visto o aumento drástico dos casos de agressão física, de ataques contra igrejas e comunidades, de prisões arbitrárias e de violência sexual, desde que o BJP conquistou a maioria dos assentos no Parlamento e seu líder, Narendra Modi, assumiu o comando do país como primeiro-ministro. Modi renovou o mandato nas eleições de 2019.

O objetivo expresso pelo governo de Modi é fazer da Índia uma nação 100% hindu, livre de outras religiões minoritárias até o fim de 2021. Os poderes Legislativo e Judiciário e organizações ligadas ao governo têm sido incentivados a trabalhar para isso.

Um relatório da organização Human Rights Watch (Observatório de Direitos Humanos) trata dos graves eventos ocorridos em 2018, com perseguição da parte do governo do BJP a ativistas, advogados, defensores de direitos humanos, jornalistas que se colocaram diante dos ataques a minorias religiosas e comunidades marginalizadas. Foram contabilizados 18 ataques apenas no mês de novembro daquele ano.

Em 2017, o jornal O Globo noticiou a prisão de um grupo de 32 católicos enquanto ouvia músicas de Natal no estado de Madhya Pradesh, na Índia, sob suspeita de tentar converter outras pessoas ao cristianismo. Na data, quando um grupo de sacerdotes foi à delegacia de polícia indagar sobre as detenções, o carro em que estavam foi incendiado no estacionamento. Os suspeitos pertencem a um grupo hindu de direita, de acordo com informações do secretário geral da Conferência Episcopal da Índia, Theodore Mascarenhas.

O NCCI (Conselho Nacional de Igrejas da Índia) tem, frequentemente, se manifestado publicamente contra as ações violentas contra cristãos e muçulmanos, por meio de cartas abertas dirigidas ao primeiro-ministro. Da mesma forma a Conferência Cristã da Ásia, organização regional que representa 15 conselhos nacionais de igrejas de mais de 100 denominações cristãs.

Lei recentemente aprovada pelo parlamento indiano foi condenada pelo NCCI e teve repercussão mundial. É a emenda à Lei da Cidadania, aprovada em 2019, que dá cidadania aos hindus, sikhs, budistas, jainistas, parses e cristãos não-indianos residentes na Índia antes de 2014, mas exclui os muçulmanos. O comissariado de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que esta lei é “fundamentalmente discriminatória”.

O relatório do Alto Comissário dos Direitos Humanos da ONU, de março de 2018, já afirmava:

“Na Índia, estou cada vez mais perturbado pela discriminação e violência dirigida a minorias, incluindo dalits e outras castas programadas, e minorias religiosas como muçulmanos. Em alguns casos, essa injustiça parece ativamente endossada por autoridades locais ou religiosas. Estou preocupado com o fato de as críticas de políticas governamentais serem frequentemente contestadas por alegações de que constituem sedição ou ameaça à segurança nacional. Estou profundamente preocupado com os esforços para limitar as vozes críticas através do cancelamento ou suspensão do registro de milhares de ONGs, incluindo grupos que defendem os direitos humanos e até grupos de saúde pública”.

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Diante da verificação empreendida pelo Coletivo Bereia, é possível afirmar que casos de intolerância e perseguição religiosa contra cristãos e outras minorias religiosas, em especial muçulmanos, que eram pontuais na Índia há muitas décadas, estão ocorrendo com mais intensidade desde que o partido de extrema-direita Bharatiya Janata, com o primeiro ministro Narendra Modi, chegaram ao poder em 2014. 

É possível que o relato do espancamento do pastor Suresh Rao tenha ocorrido, diante deste quadro, no entanto, este caso específico não pode ser comprovado nas pesquisas empreendidas pelo Bereia. A matéria da Rádio 93 FM, do Rio, publicada também no Gospel Mais, a partir de veículos de notícias cristãs internacionais, é classificada, portanto, como imprecisa. A matéria não apresenta dados relevantes como a fonte de onde foi baseada a notícia, a data do ocorrido, o nome da igreja ao qual o pastor está vinculado, a cidade onde ocorreu a possível ação violenta e as providências tomadas por justiça em relação a este caso de violência e o contexto em que se dá o caso (exceção do Gospel Mais, neste ponto).

A imagem utilizada como capa da notícia é o registro de um protesto entre hindus e mulçumanos, e não entre cristãos (Foto: Reuters/Danish Siddiqui)

Além disso faz uso de foto enganosa. A foto de um homem sendo espancado atribuída pela Rádio 93 FM ao pastor Rao, é, na verdade, da Agência Reuters, de caso ocorrido em 26 de junho de 2020, com ataque ao muçulmano Mohammad Zubai que se dirigia a uma mesquita. A possível fonte localizada pelo Coletivo Bereia, o International Christian Concern também não oferece dados sobre o caso, apenas diz que o pastor atua no estado de Telangana mas não publicou fotos atribuídas ao caso.


Este tipo de matéria sobre a perseguição religiosa desinforma, pois, além de reforçar o sensacionalismo de imagens de violência, silencia sobre outros grupos religiosos que são alvo, além dos cristãos, até mesmo com mais discriminação por leis. O caso do uso da foto enganosa é bem ilustrativo desta postura desinformativa. Com isso se faz, leitores pensarem que apenas cristãos sofrem violações naquele país, reforçando imaginários de vitimização exclusiva. De igual modo, as matérias ignoram as ações diante desta violação de direitos humanos nos países em que ocorre a perseguição, inclusive as dos próprios Conselho de Igrejas locais e as pressões de órgãos internacionais por procedimentos de justiça nestes casos, levando à falsa compreensão de que nada é realizado.

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Referências da Checagem:

Pastor que orava por doentes é arrastado e espancado por multidão na Índia. Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/pastor-orava-espancado-multidao-india-136861.html. Acesso em 06 de julho de 2020.

Pastor espancado por Mob, igreja incendiada enquanto a perseguição cristã violenta aumenta na Índia.  Disponível em: https://www1.cbn.com/cbnnews/world/2020/june/pastor-beaten-by-mob-church-set-on-fire-as-violent-christian-persecution-escalates-in-india. Acesso em 06 de julho de 2020.

Giuliano Martins Massi. Cristianismo na Índia: os cristãos de São Tomé, sua constituição, suas tradições e suas práticas religiosas. Dissertação de Mestrado, Ciência da Religião UFJF. Disponível em: http://bdtd.ibict.br/vufind/Record/UFJF_7564a2e9be6e6356aa1ff80bf65c2653   Acesso em 06 de julho de 2020.

Católicos são presos na Índia após cantar músicas de Natal. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/catolicos-sao-presos-na-india-apos-cantarem-musicas-de-natal-22195956. Acesso em 06 de julho de 2020.

Nilay Saiya, Stuti Manchanda. Anti-conversion laws and violent Christian persecution in the states of India: a quantitative analysis. Ethnicities Volume: 20 issue: 3, page(s): 587-607  Disponível em https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1468796819885396. Acesso em 07 jul 2020

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy. A Constituição da Índia. Jus.com.br, jan 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10831/a-constituicao-da-india#:~:text=A%20constitui%C3%A7%C3%A3o%20da%20%C3%8Dndia%20principia,a%20igualdade%20e%20a%20fraternidade.. Acesso em 07 jul 2020

O Estado de São Paulo. Ódio religioso: políticas de líder indiano acendem barril de pólvora, 6 mar 2020. Disponível em: https://outline.com/aKrUdz. Acesso em 07 jul 2020.

El País. Índia dá vitória à tradição e ao nacionalismo hindu nas urnas, 24 mai 2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/23/internacional/1558592881_394460.html Acesso em 07 jul 2020. 

NCCI (Conselho Nacional de Igrejas da Índia). Disponível em: https://ncci1914.com/1825/2014/07/03/general-news/. Acesso em 07 jul 2020

Conferência Cristã da Ásia. Disponível em: https://cca.org.hk/attacks-on-christians-in-india/. Acesso em 07 jul 2020

Human Rights Watch. Disponível em: https://www.hrw.org/world-report/2019/country-chapters/india. Acesso em 07 jul 2020

ONU, Direitos Humanos. Disponível em https://news.un.org/en/story/2019/12/1053511 Acesso em 07 jul 2020

Zeid Ra’ad al-Hussein (March 2018). High Commissioner’s global update of human rights concerns (Report). UN Office of Human Rights. Dsiponível em: https://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=22772&LangID=E. Acesso em: 07 jul 2020

Tabibi Tossul – https://tabibitosoul.com/2014/08/12/cristaos-na-india-2a-parte/

Desinformação e intolerância religiosa

Desde 2008 é comemorado no Brasil o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa no dia 21 de janeiro, data estabelecida por uma lei de dezembro de 2007 em razão do falecimento de Mãe Gilda, vítima da intolerância no ano 2000.

Busto da ialorixá Mãe Gilda foi inaugurado no dia 28 de novembro de 2014

Este dia tem recebido cada vez maior visibilidade com a adesão de variados grupos e entidades de todo o país que têm organizado seminários, atos públicos e celebrações com o objetivo de afirmar a importância do respeito à diversidade religiosa e denunciar a intolerância.

O segmento religioso que mais sofre, tanto quantitativamente como qualitativamente, os efeitos da intolerância e da violência religiosa no Brasil são os fiéis das religiões afro-brasileiras. Apesar de possuírem pequeno percentual de seguidores, se destacam em virtude do volume e da violência que são alvo envolvendo a questão religiosa.

O segundo grupo que mais aparece são os evangélicos, sendo que católicos, a maioria, só aparece na terceira posição. Aqui é importante sublinhar que a intolerância religiosa não caminha sozinha, ela acontece em meio a outros preconceitos e envolve questões relacionadas tanto à desigualdade social como ao racismo, entre outros.

Um panorama mais completo destes dados pode ser encontrado no Relatório sobre Intolerância e Violência Religiosa (RIVIR) que reuniu dados coletados de um amplo conjunto de fontes abrangendo o período de 2011 a 2015. Em 2018 foi publicado um livro fruto de seminário realizado na OAB-SP, em que análises e comentários a este relatório foram apresentados.

Quando penso em desinformação e intolerância religiosa, penso que um primeiro engano que tem sido propagado é associar essa situação a um grupo específico. Infelizmente a intolerância religiosa no Brasil é ampla e irrestrita, atinge de forma mais recorrente e agressiva ao povo de santo, é fato, porém também está presente em locais de outras religiões e atinge a pessoas sem religião. A violação de locais sagrados, por exemplo, é uma realidade que chega aos terreiros, mas que também acomete igrejas católicas, mesquitas, sinagogas ou ainda se dá por meio da destruição de objetos sagrados, imagens e bíblias.

Os dados indicam que geralmente há proximidade entre vítimas e agressores, boa parte dos casos envolvem familiares ou vizinhos e a residência é o local mais relatado como sendo onde ocorreu a intolerância ou violência. Também é importante lembrar que boa parte destes episódios estão associados a outras situações, envolvendo questões financeiras e patrimoniais, homofobia e racismo. A discriminação religiosa parece ocorrer em boa parte das vezes em meio a outras situações que exigem importante investimento no estabelecimento de mais espaços de diálogo e mediação, por um lado, mas também pelo enfrentamento de grandes desafios que perpassam a realidade brasileira há tanto tempo como no caso do racismo estrutural.

Depois da casa e da rua, o terceiro local em que a intolerância religiosa acontece é o espaço escolar. Em torno de 10% das violações relacionadas à intolerância religiosa acontecem na escola. É fundamental o desenvolvimento de ações e atividades que enfrentem esta discriminação que ocorre com tanta recorrência em um local que visa a formação e que deveria ser um espaço seguro para que as pessoas, geralmente crianças, assumissem suas convicções e desejos, sejam estes religiosos ou em tantos outros campos possíveis e pensados.

É curioso lembrar de Voltaire em seu “Tratado sobre a Tolerância por ocasião da morte de Jean Calas” de 1762. A história é de um absurdo sem precedentes. Pai, mãe e irmãos protestantes são acusados de assassinar seu filho por este ser católico. O argumento de Voltaire é que tudo leva a crer que tenha sido um suicídio não revelado pela família, pois se assim fizessem teriam implicações bastante severas tanto para o corpo como para “o espírito” conforme às crenças da época. Diante da opção por não se propalar o suicídio, o júri assume então uma postura de que teria havido o assassinato da vítima pelos parentes motivados pelo fato de possuírem uma religião distinta. Ao deliberarem pela culpa do pai com base nesta compreensão, Voltaire assume a defesa do caso afirmando revolta diante desta lógica:

Atualmente, em alguns outros países, prefere-se dizer: “Crê, ou te odiarei; crê, ou te farei todo o mal que estiver ao meu alcance; monstro, se não tens minha religião, então não tens religião nenhuma; terás de ser um motivo de horror para teus vizinhos, tua cidade e tua província”.

O direito da intolerância é, portanto, absurdo e bárbaro; é o direito dos tigres, sendo bem mais horrível também, porque os tigres dilaceram suas presas para comer, enquanto nós nos exterminamos por causa de alguns parágrafos.

Um ponto importante a sublinhar na posição de Voltaire em relação à intolerância, passa por sua compreensão que não seria uma explicação razoável ter ocorrido o assassinato por divergências religiosas, perspectiva que parece ter cegado os que deveriam julgar, pois estes possuíam a mesma religião da vítima num ambiente de longos conflitos e onde circulava, segundo Voltaire, um certo fanatismo católico.

Inclusive, para alguns esta poderia ter sido a razão que o levou a se interessar pelo caso: enfrentar o fanatismo religioso presente no julgamento feito pelo Parlamento de Toulose. Daí a afirmação do autor de não ser razoável um “Direito à Intolerância”, não poderia ser esta uma motivação. Não caberia dentro da humanidade a negação à diferença religiosa, além dos elementos técnicos que ele identifica na sustentação do caso e que não evitaram a morte de Calas, mas que resultaram na absolvição de sua mulher e outros filhos.

A historiadora Lynn Hunt em seu livro A invenção dos Direitos Humanos relata que esse foi uns dos primeiros casos em que ocorreu o uso da expressão “Direito Humano” como hoje ele é entendido. A compreensão de que o Estado é laico foi fundamental para mostrar à sociedade a possibilidade de se viver na diferença. A liberdade de religiões e crenças representa um valor compartilhado por todos e ao se defender que pessoas com diferentes religiões e sem religião possam viver em um mesmo espaço, ao mesmo tempo, demonstra que não há motivos para que diferenças de comportamento ou de opiniões sejam impedimento para a convivência social.

Hunt comenta que há diferenças entre a primeira versão do texto de 1762 e uma segunda versão de 1766. Na primeira versão não há menção às torturas sofridas por Calas, tratadas apenas como “as questões” sofridas por ele. Naquela época eram utilizadas de forma recorrente as técnicas elaboradas no seio da Inquisição. Calas foi submetido a bárbara “tortura judicial”, à qual visava a sua confissão e a delação de seus cúmplices. Por todo o processo ele declarou inocência e afirmou que “não havendo crime, não havia cúmplices”. As torturas o levaram à morte por meio de estrangulamento e condenação ao suplício da roda. Seu corpo foi lançado numa fogueira em praça pública para suas cinzas serem espalhadas pelo vento.

Mesmo diante de todas estas informações e conhecendo esta dinâmica, incomodou inicialmente à Voltaire somente a negação da liberdade religiosa, enquanto um princípio e definidor de uma lógica conforme a interpretação dos juízes. Somente depois é que a tortura também foi denunciada e percebida como uma questão para ele, como um elemento de violação do Direito Humano. Em 1769 Voltaire incluiu o verbete “Tortura” em seu Dicionário Filosófico.

Precisamos aprender desta experiência de Voltaire: o incômodo diante da intolerância religiosa, a repulsa e certeza da necessidade do respeito à diversidade de religião e crença, a defesa inegociável da liberdade religiosa não pode nos fazer deixar de perceber ou mesmo ignorar as gritantes questões relacionadas aos diferentes tipos de violências tão presentes neste tipo de violação. A forte desigualdade social vigente no país, um dos mais desiguais do mundo; o racismo; os preconceitos envolvendo à população LGBTQI; envolvendo as mulheres, o capacitismo, ou ainda os preconceitos relacionados à idade ou a origem geográfica, também estão presentes nos casos de intolerância religiosa. Infelizmente parece que preconceitos e discriminações nunca caminham sozinhos, acontecem sempre em meio a um amargo conjunto de violências e agressões físicas e psicológicas.

Nesse triste caldo que tanto dialoga com a intolerância religiosa, uma das questões centrais no Brasil é o racismo, preconceito e discriminação sofridas por negros e negras. Não é ao acaso que são exatamente as religiões afro-brasileiras que mais sofrem com a intolerância religiosa, algumas de suas lideranças chegam a falar em “racismo religioso” e efetivamente há um componente importante relacionado à cor da pele neste assunto, situação que acaba por levar os evangélicos, grupo mais presente quantitativamente entre os mais pobres, entre negros e negras e entre as mulheres, como o segundo grupo que mais sofre com a intolerância religiosa no Brasil.

A defesa da liberdade de religião e crença não pode prescindir do enfretamento ao racismo e à desigualdade social. Qualquer política pública ou discurso que ignore esses elementos desempenhará o papel de desinformação em relação ao tema.

O enfrentamento à intolerância religiosa nos exige estar ao lado dos mais pobres, junto aos subalternizados, especialmente afro descendentes e indígenas. Enfrentar à intolerância religiosa passa pela defesa de políticas públicas voltadas para os mais pobres, passa por defender que estes tenham garantido o seu direito à voz e visibilidade tanto pelo Estado, como também pela imprensa e pela sociedade civil.

Que a cada dia 21 de janeiro o Brasil possa presenciar mais e mais pessoas que defendam a liberdade de religião e crença e que não sejam insensíveis diante de uma complexa situação que envolve não só a defesa dos Direitos Fundamentais, mas também a defesa dos Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais. Falar de combate à intolerância religiosa é falar também de enfrentamento ao racismo, da diminuição da desigualdade social e de defesa da população LGBTQI. É falar sobre a possibilidade de efetiva sobrevivência de grupos subalternos que têm vários de seus direitos diariamente violados e cerceados, tanto aqueles relacionados às suas crenças, como também aqueles que implicam diretamente em sua sobrevivência física.

As ações de epistemícidio que perpassam à intolerância religiosa estão eivadas de ações que envolvem agressões físicas e homicídios. As ações relacionadas a este dia que não considerarem esses aspectos representarão mais desinformação em uma época tão carente de práticas e informações qualificadas.