Portal gospel publica matéria enganosa sobre números de violência contra LGBTQIA+

O portal evangélico Pleno News publicou matéria em que afirma que os assassinatos de pessoas LGBTQ+ aumentaram 42% em 2023, primeiro ano do governo Lula, em relação a 2022.  Segundo a publicação, de 21 de julho passado, “o primeiro ano do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve um aumento de crimes contra pessoas LGBTQ+ de 42% em relação ao ano de 2022, quando foram registradas 151 mortes”. Os dados se referem ao levantamento do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), lançado em 18 de julho.

Imagem: Reprodução Pleno News

Outros veículos alinhados à política extremista de direita, como Conexão Política e Brasil Sem Medo, também abordaram o tema com títulos sensacionalistas. O Brasil Sem Medo, por exemplo, menciona não só o aumento dos assassinatos, mas também o crescimento de lesões e estupros contra a comunidade LGBTQ+, apresentando uma visão alarmista do atual governo federal. 

Imagem: Reprodução: Conexão Política e Brasil Sem Medo

Bereia checou se a informação destas mídias tem procedência: se houve aumento da violência contra pessoas LGBTQIA+, o atual governo federal é responsável por isto?

Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 

O Anuário, produzido desde 2007, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), é uma das principais fontes de estatísticas sobre  violência e criminalidade no Brasil.  O FBSP é uma organização não governamental, criada em meados da década de 2000, independente de orientações partidárias e sem fins lucrativos. O objetivo principal do Fórum é promover um ambiente de colaboração técnica e referência na área de Segurança Pública, por meio da ação conjunta de pesquisadores, cientistas sociais, gestores públicos, membros das forças policiais (federais, civis e militares), profissionais do sistema judiciário e representantes de organizações da sociedade civil.

A mais recente edição do Anuário, publicada neste julho de 2024, revela um aumento nos homicídios dolosos contra pessoas LGBTQ+, que passaram de 151 casos em 2022 para 214 em 2023, o que representa um crescimento de 41,7% (ajustado para 42% na matéria do Pleno News). 

A série histórica de 2017 a 2023, mostra flutuações significativas nos casos de assassinatos LGBTQ+ no País: 99 casos em 2017, 124 em 2018, 97 em 2019, 167 em 2020, 176 em 2021, 151 em 2022 e 214 em 2023. 

A tabela a seguir compila os dados de homicídios dolosos contra a população LGBTQ+, por estados, publicados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública entre os anos de 2018 e 2024.

O FBSP ainda destaca o problema frequente da subnotificação nos casos de violência contra a população LGBTQ+. Os dados são obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), mas nem todos os estados forneceram dados completos, tais como Rio Grande do Sul, Bahia e Rio de Janeiro. 

Repercussão dos dados

Diferentemente da indiferença a edições anteriores da pesquisa, neste ano, parlamentares e outros políticos de oposição ao atual mandato federal, em especial os alinhados ao extremismo de direita e ao governo anterior, utilizaram o X para comentar os dados. Todos destacaram o aumento da taxa de assassinatos contra a população LGBTQ+ em 2023, com publicações que associam o fenômeno à atual gestão federal. Alguns utilizaram chamadas de mídias de notícias para justificar a crítica.

Imagem: Reprodução X 

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A violência contra pessoas  LGBTQ+ no Brasil

Ao se discutir o aumento dos assassinatos de pessoas LGBTQ+  é preciso considerar a complexidade histórica do problema. Esta parcela da população tem enfrentado décadas de discriminação e violência, em momentos históricos institucionalizadas, quando agravadas pela classificação errônea da orientação sexual homoafetiva como distúrbio mental. 

O Conselho Federal de Medicina (CFM) retirou a homossexualidade da lista de transtornos mentais no Brasil apenas em 1985, mesmo assim, antes da Organização Mundial da Saúde (OMS), que só o fez em 1991. Essa patologização contribuiu com o estigma de que a homossexualidade seria um desvio da norma ou problema mental, que poderia ser revertida e tratada. 

Além disso, a epidemia de Aids, nos anos 1980 e 1990, intensificou a discriminação e a perseguição contra pessoas LGBTQ+. Inicialmente referida como “peste gay”, a doença foi usada por discursos de parlamentares brasileiros, à época das discussões da Assembleia Nacional Constituinte, no final da década de 1980, para equipararem a homossexualidade a práticas criminosas e imorais. 

A combinação de  fatores sociais e políticos, o medo da Aids, o preconceito institucionalizado e a falta de informação adequada, segundo ativistas e especialistas, como os do Observatório de Mortes e Violências LGBT+ no Brasil, foram determinantes para o aumento da violência que se estendeu para além dos homens gays, afetando também lésbicas, bissexuais e, de forma mais proeminente, as pessoas transgênero.

Além desses fatores, há também a condenação de grupos religiosos à homossexualidade, que não se restringe a orientações internas à própria religião, mas acaba, por meio da atuação de lideranças, ganhando propagação para a sociedade mais ampla. 

Em 2024, o Bereia verificou que a cantora e pastora da Igreja Batista da Lagoinha Ana Paula Valadão, foi condenada a pagar uma multa de R$ 25 mil por danos morais coletivos. Ela respondeu a um processo judicial, por conta de discurso homofóbico e discriminatório em relação a pessoas que convivem com o vírus HIV, proferido durante o Congresso Diante do Trono, promovido pela Igreja Batista da Lagoinha em 2016, transmitido pela Rede Super de TV, de propriedade da igreja. 

“(…) Taí a Aids para mostrar que a união sexual entre dois homens causa uma enfermidade que leva à morte, contamina as mulheres, enfim… Não é o ideal de Deus.” declarou a cantora no evento. Na decisão da sentença, o juiz Hilmar Castelo Branco Raposo Filho afirmou que “a manifestação e divulgação da opinião errada atribui à população LGBTQ+ uma responsabilidade inexistente, atingindo a dignidade destas pessoas de modo transindividual, justamente o que caracteriza a lesão apontada pela autora”. 

A teóloga LGBTQIA+ e doutora em Ciências da Religião Ana Esther Freire, em entrevista ao Bereia, destaca que as igrejas cristãs hegemônicas tradicionalmente sempre se opuseram às dissidências sexuais e de gênero. No entanto, ela reconhece uma mudança, a partir da década de 1980, na América Latina, quando surgiram igrejas autodenominadas inclusivas em resposta aos discursos de ódio contra a população LGBTQ+. 

“No Brasil, o crescimento dessas igrejas dá-se, principalmente, a partir da década de 2000, e hoje o que se percebe no campo progressista cristão é uma crescente abertura às discussões sobre a pauta da diversidade sexual.”, afirma a teóloga. 

Ana Esther Freire ressalta o papel do Cristianismo progressista como aliado da comunidade  LGBTQ+, quando afirma: “Nesse contexto, o Cristianismo do campo progressista tem se apresentado como um importante aliado promovendo contra narrativas à crescente manifestação do ódio contra a população LGBTQIAPN+. O que se tem percebido é que, embora o Cristianismo hegemônico esteja envolvido com o crescente número de violência contra essa população por meio de seus discursos de ódio, a resistência a partir das margens do cristianismo também tem aumentado”.

Apesar de avanços em direitos e visibilidade, a partir dos anos 2000, o Brasil ainda carrega o pesado título de país mais homotransfóbico do mundo, de acordo com levantamento realizado pelo Grupo Gay Bahia (GGB), a maior Organização Não Governamental (ONG) LGBTQ+ da América Latina.  Portanto, atribuir a violência e o aumento do índice de assassinatos de indivíduos da  população LGBTQ+ à administração atual, sem considerar as causas profundas e históricas desse problema, gera desinformação. Por isso, Bereia buscou, ainda, levantar quais são as ações em políticas públicas para esta parcela da população brasileira, em especial no atual governo.

Políticas públicas e garantia de direitos à população LGBT

O desenvolvimento de políticas públicas voltadas à população LGBTQ+ no Brasil passou por diversas fases desde a redemocratização. Dois estudos acadêmicos nos ajudam a compreender essa trajetória: o artigo “Por onde andam as políticas públicas para a população LGBT no Brasil” de Luiz Mello, Rezende Bruno de Avelar e Daniela Maroja, publicado em 2012, e o trabalho mais recente de Gimenes e Villela, intitulado “Participação social, Estado e direitos de minorias: a conformação democrática de políticas públicas para a população LGBTI+ no Brasil”.

Mello, Avelar e Maroja, apontam que, até o início dos anos 2000, as iniciativas em prol da comunidade LGBTQ+ eram limitadas. Foi somente a partir de 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSBD), com o estabelecimento do Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), ligado ao Ministério da Justiça, o governo federal começou a produzir planos, programas e conferências voltados à construção de políticas públicas para a população LGBT no Brasil.  

Gimenes e Villela destacam que os governos do Partido dos Trabalhadores, dois mandatos de Luis Inácio Lula da Silva e mais de um de Dilma Rousseff (2003-2016), proporcionaram significativa abertura ao diálogo com os movimentos LGBTQ+ e expansão das políticas públicas. Este período foi marcado por uma intensificação da participação social na formulação de políticas para a comunidade LGBTQ+.

Segundo o ativista e diretor presidente da Aliança Nacional LGBTQ+ Toni Reis, os editais de apoio à população LGBTQ+, publicados em 2023, são frutos dessa abertura para o diálogo. 

  • O Serpro, Serviço Federal de Processamento de Dados, destinou um milhão de reais para o Edital Agora 3T, visando incluir pessoas trans no mercado de tecnologia; 
  • O Ministério da Cultura dedicou aproximadamente dez milhões ao reconhecimento e valorização da produção cultural feita por pessoas idosas, com deficiência, LGBTQ+ e em sofrimento psíquico, via Prêmio Diversidade Cultural;
  • O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania destinou, por meio do Edital nº 3/2023, pouco mais de 1,2 milhão para o fomento à promoção e defesa de direitos de pessoas LGBTQ+;
  • Em dezembro de 2023, a pasta também anunciou o Prêmio Cidadania na Periferia, que vai reservar um milhão para 20 iniciativas periféricas que promovam a cidadania LGBTQ+. 

Os estudos convergem ao indicar que a criação destes programas e eventos pelo atual governo federal foi fundamental para o avanço dos direitos da população LGBTQ+ no Brasil, com o reforço do compromisso do governo com a proteção e promoção dos direitos humanos para estes cidadãos e cidadãs. 

Há relação entre o aumento dos números da violência e o atual governo?

O doutor em Ciência Política,  professor e pesquisador da PUC-Minas Thiago Coacci, ouvido pelo Bereia, contesta a correlação entre os dados do Anuário e o governo Lula, feita pelo Pleno News e por políticos de oposição em suas mídias. “Não existe relação entre o aumento da violência LGBTIfóbica e as ações do governo Lula”, afirma o pesquisador.

Coacci aponta dois fatores para o aumento registrado. Primeiramente, destaca a progressiva melhora na produção de dados sobre a violência LGBTfóbica, que até pouco tempo não eram coletadas. “Hoje vários estados começam a ter campos nos boletins de ocorrência, para coletar informações como a orientação sexual, identidade de gênero e motivação LGBTIfóbica dos crimes. Além disso, as organizações que produzem os dados de violência, como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, começaram a se atentar melhor para esse tipo de violência, que antes era ignorada”, explica.

O segundo fator, segundo Coacci, é o aumento generalizado de violência contra grupos oprimidos, o que contribui significativamente para a compreensão desse crescimento. Ele contextualiza: “Esse dado tem que ser entendido em conjunto com o aumento da violência doméstica contra mulheres, com o aumento do discurso de ódio contra pessoas LGBT, com a popularização de um masculinismo extremamente misógino e tantos outros fatores mais abrangentes que terminam por criar uma cultura em que as pessoas lgbti+, e outros grupos oprimidos, são odiadas e matáveis”. 


O doutor em Sociologia e pesquisador do Núcleo de Estudos da Diversidade Sexual e de Gênero Tony Gigliotti Bezerra também foi ouvido por Bereia. Ele afirmou que um governo não pode ser responsabilizado por todos os acontecimentos na sociedade e criticou o material publicado pelo Pleno News como falacioso e sensacionalista.

“O site Pleno News, que é identificado com a extrema-direita bolsonarista, produziu uma manchete sensacionalista que tenta inverter a lógica das ideias e tenta colocar o governo Lula como algoz da população LGBTQIA+, sendo que, na realidade, ele promove políticas de  direitos de LGBTQIA+. Nisso, ele se difere do governo Bolsonaro, que atacava cotidianamente a população LGBTQIA+ e censurava professoras e professores que abordassem esse tema nas salas de aula” explica o doutor. 

Gigliotti comenta que há dados que mostram o investimento em políticas públicas para combater a discriminação e promover os direitos da população LGBTQIA+ durante o governo Lula. “Em países onde a homossexualidade é proibida pelo Estado (em mais de 60 países a homossexualidade ainda é considerada crime), não existem dados sobre a LGBTfobia justamente porque a homofobia é legitimada pelo próprio Estado. Então o Brasil está começando a criar, está ainda engatinhando nessa seara de políticas públicas LGBTQIA+ e está diminuindo a subnotificação. E, com a diminuição da subnotificação, há o aumento de casos registrados de LGBTfobia. Então a manchete deveria ser uma notícia positiva para o governo porque esses casos começam finalmente a serem registrados de maneira formal pelo Estado brasileiro”.

O professor também menciona que é importante lembrar que muitas estatísticas sobre LGBTfobia anteriores vinham do trabalho de ONGs, como o Grupo Gay da Bahia e a Rede Trans, que contavam as mortes de pessoas LGBTQIA+ a partir das notícias de jornal. “O que acontece agora é que as secretarias estaduais de segurança pública estão começando a assumir as suas responsabilidades no sentido de adequar os seus formulários-padrão de boletim de ocorrência para incluir a questão da LGBTfobia. Por isso, o aumento de casos registrados está relacionado à diminuição da subnotificação”. 

Além disso, Gigliotti comenta que a matéria do Pleno News menciona que o aumento no número de homicídios LGBTfóbicos registrados está relacionado à redução da subnotificação. Portanto, houve uma redução na subnotificação, e não um aumento real dos casos de LGBTfobia no primeiro ano do governo.

“A própria reportagem diz também, citando uma especialista do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que diversos estados não informaram os seus dados sobre violência LGBTfóbica. Então, o que acontece é que os estados brasileiros, por meio das Secretarias Estaduais de Segurança Pública, estão começando a colocar em seus formulários de boletim de ocorrência a problemática da LGBTfobia. Assim, é de se esperar que a quantidade de BOs relacionados à LGBTfobia aumente significativamente nos próximos anos, porque cada vez mais estados estão assumindo as suas responsabilidades e colocando esse fator de LGBTfobia dentro dos seus formulários padrão de boletim de ocorrência”. 

Tony Gigliotti também assegura que o que aconteceu, em 2023, foi uma redução da subnotificação e não o aumento da LGBTfobia na sociedade brasileira.

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Bereia classifica como ENGANOSA a afirmação publicada por Pleno News de que o aumento de 42% nos assassinatos de pessoas LGBTQIA+, em 2023, tem relação direta com o governo Lula.

Embora o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 registre um aumento significativo nos casos de homicídios dolosos contra pessoas LGBTQIA+, de 151, em 2022, para 214, em 2023, não há evidências que sustentem uma relação causal direta entre este aumento e as políticas do atual governo federal.

O veículo gospel evangélico tomou os números sem contextualizá-los. Como especialistas alertam, deve-se considerar a melhoria na coleta e no registro de dados sobre violência LGBTfóbica, o aumento generalizado da violência contra grupos minoritários, o histórico de discriminação e violência institucionalizada contra a população LGBTQI+ no Brasil, e a complexidade das causas da violência contra o grupo, que envolvem fatores sociais, culturais e históricos.

Além disso, como verificado em estudos científicos, o governo atual tem recuperado a implementação de políticas e ações voltadas para a proteção e promoção dos direitos da comunidade LGBTQI+, enfraquecidas no governo anterior, como a criação da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQI+ e a retomada do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQI+, entre outras ações.


Bereia alerta leitores e leitores sobre o uso de material noticioso falso e enganoso como campanha política de oposição. Como é sempre enfatizado neste espaço, oposição é uma prática importante e saudável em uma democracia, porém deve ser realizada de forma digna, sem recorrer a mentiras e enganos, como estratégia de destruição de reputações e como convencimento para captação de apoios.

Referências

CNN Brasil.

https://www.cnnbrasil.com.br/saude/ha-40-anos-primeiros-casos-de-aids-eram-relatados-nos-eua/. Acesso em 23 de julho de 2024.

Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 

https://forumseguranca.org.br/ Acesso em 22 de julho de 2024.

G1.

https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2024/01/20/mortes-violentas-de-pessoas-lgbtqia-na-ba-2023.ghtml. Acesso em 23 de julho de 2024.

Senado Federal.

https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/aids-chegou-ao-brasil-ha-40-anos-e-trouxe-terror-preconceito-e-desinformacao. Acesso em 23 de julho de 2024.

Veja. 

https://veja.abril.com.br/saude/por-que-considerar-a-homossexualidade-um-disturbio-e-errado/. Acesso em 23 de julho de 2024.

Coletivo Bereia.

https://coletivobereia.com.br/pastora-e-cantora-evangelica-ana-paula-valadao-e-condenada-por-falas-publicas-discriminatorias-contra-pessoas-lgbtqia/. Acesso em 23 de julho de 2024.

Revista Sociedade e Estado.

https://www.scielo.br/j/se/a/xZP7MNQxfysrJX53QTdcXsD/#. Acesso em 24 de julho de 2024. 

Diadorim. https://adiadorim.org/reportagens/2024/01/politica-lgbtqia-avanca-em-2023-mas-direitos-trans-e-educacao-patinam/. Acesso em 25 de julho de 2024.

Argumentos – Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes.

https://www.periodicos.unimontes.br/index.php/argumentos/article/view/7647. Acesso em 25 de julho de 2024.

Fundação Fernando Henrique Cardoso.

https://fundacaofhc.org.br/linhasdotempo/direitos-lgbtqia/. Acesso em 25 de julho de 2024.

Diadorim. https://adiadorim.org/noticias/2024/01/lula-sanciona-orcamento-com-maior-verba-para-politica-lgbtqia-da-historia/. Acesso em 26 de julho de 2024. 

Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil, https://observatoriomorteseviolenciaslgbtibrasil.org/dossie/mortes-lgbt-2022/  . Acesso em 26 jul 2024.

Diadorim. https://adiadorim.org/reportagens/2024/01/politica-lgbtqia-avanca-em-2023-mas-direitos-trans-e-educacao-patinam/. Acesso em 26 de julho de 2024. 

Conass Informa. https://www.conass.org.br/conass-informa-n-24-publicado-o-decreto-n-11-371-que-revoga-o-decreto-no-9-759-de-11-de-abril-de-2019-que-extingue-e-estabelece-diretrizes-regras-e-limitacoes-para-colegiados-da-ad/. Acesso em 26 de julho de 2024. 

Foto de Capa: Rovena Rosa/Agência Brasil

Pastor André Valadão profere discurso caracterizado como incitação ao ódio durante culto

* Matéria atualizada às 16:24 para ajuste de texto

No domingo, 2 de julho o pastor da Igreja Batista da Lagoinha em Orlando, nos Estados Unidos, André Valadão discursou, mais uma vez, contra relacionamentos homoafetivos, e alegou o extermínio da humanidade através do dilúvio, descrito na Bíblia, por conta de supostos desvios sexuais. A pregação, que foi transmitida online, gerou grande repercussão negativa nas redes digitais com acusações de crime de homotransfobia, com possível incitação de morte à população LGBTQIA+.

Bereia recebeu de leitores e leitoras pedidos para checagem do ocorrido.

O discurso de André Valadão

No vídeo que viralizou, André Valadão aponta uma associação entre abuso infantil e a normalização de comportamentos supostamente condenados pela Bíblia. “Homens e mulheres nuas, com seus órgãos genitais completamente expostos dançando na frente de crianças. Aí você horroriza. ‘Ah, que absurdo’. Mas essa porta foi aberta quando nós tratamos como normal aquilo que a Bíblia já condena”, disse.

Na pregação, Valadão condena o comportamento homossexual e faz uma associação com a imoralidade sexual, afirmando que esta foi a condição da humanidade que motivou Deus a instaurar o dilúvio. A partir desta alusão, o pastor incita os fiéis a um “reset”, dizendo: “Deus fala: ‘não posso mais, já meti esse arco-íris aí. Se eu pudesse eu matava tudo e começava tudo de novo’”. E continua: “‘então agora está com vocês’. Você não pegou o que que (sic) eu disse. Eu disse, ‘está com você’. Vou falar de novo: ‘está com você’”.

Ao fundo do púlpito de onde o pastor prega havia um telão com a frase “Teoria da Conspiração” e imagens de líderes políticos como Jair Bolsonaro, Donald Trump e Deltan Dallagnol, além de uma bandeira de Israel, o Palácio do Planalto e o edifício do Capitólio, nos Estados Unidos. A pregação faz parte da série ‘Censura Não’ e foi divulgada no perfil do Instagram de Valadão com uma arte publicitária contendo imagens de Hitler e Donald Trump (a postagem não estava mais disponível no perfil do pastor quando esta matéria foi redigida).

Imagem: reprodução O Globo

Reação dos parlamentares 

Políticos religiosos se manifestaram em defesa de André Valadão, entre eles, os deputados federais Nikolas Ferreira (PL-MG) que usou seu discurso para atacar práticas classificadas como “comunistas” de repressão aos cristãos e Pastor Marco Feliciano (PL-SP) que definiu o episódio como uma distorção das falas do pregador evangélico, como ele próprio teria sofrido, em 2013. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) publicou em seu perfil do Twitter sobre o discurso de André Valadão. “Aos que estavam duvidando… a perseguição chegou dentro das igrejas, é o início do fim do resto que ainda tínhamos de liberdade religiosa”. 

Imagem: reprodução do Twitter

De outro lado, a deputada federal Erika Hilton (Psol-SP) denunciou o pastor ao Ministério Público Federal (MPF), a deputada federal Erika Kokay (PT-DF) afirmou na tribuna da Câmara dos Deputados que “discurso vira bala, discurso vira hematoma, discurso se transforma em óbito” e a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) lembrou a alta posição do Brasil no ranking mundial de mortes de pessoas LGBT. 

Violências sofridas pela população LGBTQIA+

Dados de 2022 do Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil apontam que 228 vítimas LGBT foram assassinadas, 30 cometeram suicídio e  15 morreram por outras causas. No total, 273 pessoas morreram em decorrência do preconceito no país no ano passado, o que equivale a uma pessoa morta a cada 32 horas. 

Segundo a Organização Não Governamental (ONG) que elaborou o relatório Observatório de Mortes e Violências contra LBGTI+, entre 2000 e 2022, mais de cinco mil pessoas morreram por terem esta identidade. De janeiro a abril de 2023 já foram contabilizadas 80 mortes.

Ações do Ministério Público Federal e tentativa de retratação de Valadão

Depois de tomar conhecimento do caso, o Ministério Público Federal (MPF) informou, em 4 de julho, que instaurou procedimento para apurar possível prática de crime de homofobia. A investigação estará a cargo do Procurador Lucas Costa Almeida Dias, responsável pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), no Acre. Em 6 de julho, o Ministério Público Federal (MPF), em Minas Gerais, solicitou à Justiça a retirada das publicações com discursos de ódio contra a população LGBTQIA+ do pastor André Valadão no YouTube e no Instagram e pede que o pastor pague R$ 5 milhões por danos morais coletivos. 

A Constituição Federal determina que qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais deve ser punida com lei. Desde 2019, a homofobia é considerada crime equiparado ao crime de racismo, sendo imprescritível e inafiançável. Os atos homofóbicos podem gerar pena de um a três anos de prisão e multa, mas, quando cometidos por intermédio de meios de comunicação social, a pena de reclusão pode chegar a cinco anos.

Dada a repercussão do caso, o pastor André Valadão publicou um vídeo em seu perfil no Instagram em que se defende das acusações de homofobia e incitação ao extermínio de pessoas LGBTQIA+, afirmando ter usado o termo ‘resetar’ para se referir à “levar o ser humano ao princípio daquela que é a vontade de Deus”. O pastor continuou: “Quando eu digo puxar as cordas cabe a nós levarmos a oportunidade da mudança de viver o amor de Jesus, vivermos a graça de Jesus. Quero dizer mais uma vez, é tempo de resetar”.

Ontem, 10 de julho, André Valadão publicou uma nota oficial sobre o caso. “Repudio qualquer ataque e uso de vi0lênc1a física e verbal a qualquer pessoa por conta de sua orientação sexual” . Também voltou a se explicar sobre os termos usados na pregação: “Ao me referir à história do dilúvio e de Noé, quis lembrar das consequências que o pecado pode ter sobre todos nós. ‘Porque o salário do pecado é a m0rte’, diz Romanos 3:23. Hoje a m0rte é espiritual, é a 0separação completa de Deus. Cabe a nós cuidarmos para que nossos filhos não caiam em armadilhas que os distanciem de Deus. Foi isso o que eu quis dizer sobre ‘resetar’ a máquina’ e recomeçar”.

Histórico de homotransfobia de André Valadão

Não é a primeira vez que o pastor André Valadão e a Igreja da Lagoinha protagonizam polêmicas envolvendo as populações LGBTQIA+. No mês passado, o pastor divulgou nas redes digitais publicações que afirmavam que “Deus odeia o orgulho”, em referência a essa comunidade. No instagram, o perfil da Igreja Lagoinha em Orlando afirma que “a origem do pecado está no orgulho e Deus abomina isso”.

Reportagem da Agência Pública, publicada há três anos, revelou práticas homofóbicas do Centro de Treinamento Ministerial Diante do Trono (CTMDT), um centro de ensino mantido pela Igreja da Lagoinha, em Belo Horizonte. Segundo relatos de uma ex-aluna, teriam ocorrido sessões de exorcismos e terapia com o objetivo de “curar” sua homossexualidade. Os acontecimentos se desenrolaram em 2009 e o CTMDT deixou de existir em 2018, segundo informação da Pública. O site oficial do Centro de Treinamento encontra-se fora do ar e, seu domínio, à venda.

Os relatos dão conta, ainda, de que a ex-aluna foi orientada a procurar uma “clínica” que funcionava em um dos imóveis da Igreja da Lagoinha, para que pudesse deixar de ser homossexual. Desde 1999, uma resolução do Conselho Federal de Psicologia proíbe que psicólogos “proponham tratamento e cura das homossexualidades”.

Nos perfis de André Valadão nas redes digitais, é frequente o tema da homossexualidade. A irmã do pastor e líder da banda Diante do Trono, Ana Paula Valadão, ligada à Igreja da Lagoinha, também já foi alvo de denúncia aceita pelo MPF. O caso se referia a uma fala de 2016, em que a cantora afirmava que a homossexualidade “não é normal” e que “a união sexual entre os dois homens causa uma enfermidade que leva a morte e contamina as mulheres”, em referência à Aids.

Outros pronunciamentos 

O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania Sílvio Almeida discursou, no dia seguinte à pregação de Valadão, em 3 de julho, durante cerimônia de entrega do Relatório de Recomendações para o Enfrentamento ao Discurso de Ódio e ao Extremismo no Brasil elaborado por um Grupo de Trabalho, para a proposição de políticas públicas em direitos humanos. 

Na ocasião, o ministro afirmou que o ódio é uma mercadoria e fonte de popularidade. “O ódio, portanto, vira fonte de lucros de empresas, e empresas que inclusive é importante ressaltar, que administram as chamadas redes sociais. Sabemos que o ódio, ele engaja, e isso é fundamental para aquilo que chamamos de economia da tensão. Nós sabemos também que o ódio é fundamental para os mercadores da fé. Para os fariseus que, em cima dos púlpitos, manipulando a fé das pessoas, só servem para destilar o seu ódio”. 

Em nota de repúdio divulgada em 4 de julho, O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) declarou: “Discursos falsamente religiosos de incitação ao ódio aprofundam a cultura da violência porque negam a humanidade e o direito à existência de pessoas vulnerabilizadas. O Conic se une a todas as pessoas batizadas, de diferentes denominações, que não aceitam a instrumentalização da fé cristã para a promoção da cultura do ódio e incitação ao crime. Jesus, em Mt 22.33-39, nos compromete com o amor, portanto, não há lugar para o ódio e o crime na Boa Nova do Evangelho”.

A Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito anunciou que “Repudia as violentas falas do pastor André Valadão contra a população LGBTQIAPN+. Nos solidarizamos aos que sofreram com a agressão e lembramos que a Palavra de Deus, ao contrário do que faz parecer André, é uma mensagem de redenção. O reencontro amoroso entre Deus e toda a humanidade. Homofobia é crime, como observa a Lei. Esperamos que André Valadão não fique impune e que, assim como qualquer outro que cometa crimes e ilegalidades, seja responsabilizado por isso. ‘Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor’. 1 João 4:8”.

Por outro lado, em 6 de julho, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) divulgou em seu site nota pública sobre as acusações contra o discurso de André Valadão. No texto, a associação deu destaque às diferenças entre “a ordem cristã e a ordem do mundo moderno”. A Anajure sustenta que compreendeu como “injustificada a acusação de que este (André Valadão) incorreria na prática de discurso de ódio e incitação ao crime” e “repudia qualquer tentativa de repressão à liberdade religiosa e de expressão do pastor André Valadão”.

Posição hegemônica x teologias inclusivas 

O posicionamento teológico de André Valadão é caracterizado por um discurso tradicional hegemônico das igrejas cristãs que condena historicamente a homossexualidade, diversidade sexual humana e, no mínimo, se abstém diante da  desigualdade de gênero. No entanto, há uma pluralidade teológica no Cristianismo e vertentes inclusivas que lutam contra as idiossincrasias da religião que sedimentam a violência contra mulher, pessoas LGBTQI+ e outras questões inerentes à vida em sociedade. 

A doutora em Teologia e pastora batista Odja Barros prega uma leitura popular e feminista da Bíblia e afirma que o livro sagrado traz a carga de uma cultura patriarcal, machista e limitada no seu tempo e é importante que o leitor se desfaça de uma tradição interpretativa e busque nele a essência da revelação bíblica.

Para o pastor Bob Luiz Botelho, a igreja é uma instituição homofóbica, se for analisada pelo prisma hegemônico, e “muitas pessoas, principalmente muitos dos líderes que estão na mídia, são pessoas violentas intencionalmente”. O doutor em Teologia e estudioso da teologia da libertação e da teologia queer André Musskopf  acredita que o Cristianismo tem a possibilidade de trilhar caminhos libertadores no campo da sexualidade.

Desinformação religiosa como estratégia

O site de notícias Pleno News, afirmou em publicação no perfil oficial do portal no Instagram, que o pastor André Valadão “foi alvo de fake news. Críticos do pastor divulgaram que ele havia incitado os fiéis a matarem homossexuais, mas a informação não procede”. 

O portal, autodeclarado conservador e com histórico de desinformação, utilizou linguagem comum à checagem de fatos para buscar disseminar a ideia de que as falas do líder religioso não ocorreram tal como divulgado. No título também foi incluída a notícia de que o pastor se manifestou após as acusações, como evidência de que o site teria verificado os fatos que envolveram André Valadão, contudo, uma retratação ou tentativa de difundir uma interpretação diferente para situações já consolidadas, não configura checagem de fatos. Checar fatos e conteúdos demandam comparação e pesquisa, por meio de amplas fontes.

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O conteúdo checado é considerado verdadeiro por Bereia. A existência do pronunciamento, alvo desta checagem, feito pelo pastor da Igreja da Lagoinha André Valadão, é coerente com os fatos apurados, sobretudo porque André Valadão se posicionou sobre o caso e em nenhum momento desmentiu que a fala ocorreu.

As atitudes do pastor André Valadão e de outros líderes políticos e religiosos revelam um ciclo cada vez mais comum ao fenômeno da desinformação, em que um discurso polêmico e possivelmente ilegal gera uma forte reação da sociedade, muitas vezes judicializando o caso. Em seguida, o emissor da mensagem divulga um pronunciamento que tenta desmentir as acusações de crime ou discurso de ódio. Por fim, instaura-se um falso enredo de censura e perseguição político-religiosa, apoiado por diversos atores influentes, deste âmbito, nas redes digitais.

Referências da checagem:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/celebridades/pastor-volta-atras-apos-discurso-contra-lgbts-nao-e-sobre-matar Acesso em: 5 jul 2023

Estado de Minas

https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2023/07/04/interna_politica,1515915/nikolas-defende-andre-valadao-apos-ataque-a-comunidade-lgbt.shtml Acesso em: 5 jul 2023

Fórum

https://revistaforum.com.br/politica/2023/7/4/marco-feliciano-defende-valado-com-discurso-bizarro-ataca-presidente-lula-canalha-138837.html Acesso em: 6 jul 2023

Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2023/07/5106502-erika-hilton-celebra-investigacao-contra-valadao-lgbtfobia-e-crime.html Acesso em: 6 jul 2023

Twitter

https://twitter.com/erikakokay/status/1676264014467284993?t=rLuBKeE51roRs7lMmHN-fA&s=19 Acesso em: 6 jul 2023

Twitter

https://twitter.com/jandira_feghali/status/1676231637435031552?t=sivkAN1Af9U4qnDCYGb_qQ&s=19 Acesso em: 6 jul 2023

Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil

https://observatoriomorteseviolenciaslgbtibrasil.org/dossie/mortes-lgbt-2022/ Acesso em: 6 jul 2023

Agência Brasil

https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2023-07/mpf-abre-investigacao-para-apurar-falas-do-pastor-andre-valadao Acesso em: 6 jul 2023

Uol

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/07/06/valadao-mpf-justica-video.htm Acesso em: 6 jul 2023

Agência Pública

https://apublica.org/2020/12/para-curar-a-homossexualidade-jovem-teria-sido-submetida-a-isolamento-exorcismos-e-terapia-em-seminario-evangelico/?amp Acesso em: 5 jul 2023

Youtube

https://www.youtube.com/watch?v=yfx9yflq3b8 Acesso em: 7 jul 2023

Facebook

https://www.facebook.com/photo/?fbid=593290572933290&set=a.300017738927243 Acesso em: 7 jul 2023

Twitter

https://twitter.com/frentevangelica/status/1676553575722303489?s=19 Acesso em: 7 jul 2023

https://twitter.com/andrevaladao/status/1678513484844212227 Acesso em: 11 jul 2023

Anajure

https://anajure.org.br/anajure-emite-nota-publica-sobre-as-acusacoes-contra-o-discurso-religioso-proferido-por-andre-valadao-em-culto-na-cidade-de-orlando-eua/ Acesso em: 7 jul 2023

Brasil247

https://www.brasil247.com/cultura/odja-barros-a-leitura-machista-da-biblia-e-responsavel-pela-cultura-de-violencia-contra-mulheres-e-lgbts Acesso em: 7 jul 2023

Agência Pública

https://apublica.org/2023/05/ex-praticante-da-cura-gay-pastor-lgbtqia-diz-a-igreja-e-uma-instituicao-homofobica/?utm_source=webstories&utm_medium=botao&utm_campaign=bobluiz Acesso em: 7 jul 2023

Revista Mandrágora

https://www.metodista.br/revistas/revistas-metodista/index.php/MA/article/viewFile/3519/3323 Acesso em: 7 jul 2023

G1

https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/09/30/homofobia-entenda-situacoes-que-configuram-crime-e-quais-as-penas.ghtml Acesso em: 10 jul 2023

STF 

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=414010 Acesso em: 10 jul 2023
Constituição Federal https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm Acesso em: 10 jul 2023

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Foto de capa: reprodução do Instagram

Site Gospel desinforma sobre remoção de vídeo do Youtube contendo pregação de ódio contra pessoas LGBTI+

* Matéria atualizada às 12:45 de 27/06/2023 para acréscimo de informações

Matéria publicada pelo site Gospel Mais reverberou nas mídias sociais digitais religiosas nos últimos dias. Intitulado “Liberdade religiosa: Juíza manda excluir pregação na Assembleia de Deus”, o texto relata que uma “pregação incisiva”, “de alerta ao pecado”, feita pelo pastor David Eldridge, durante um evento promovido pela União das Mocidades das Assembleias de Deus de Brasília (UMADEB), sobre a condenação bíblica à homossexualidade, se tornou alvo de censura por parte da Justiça do Distrito Federal. A matéria ressalta que uma juíza teria determinado a remoção do vídeo com o sermão no YouTube, “desconsiderado os direitos fundamentais da liberdade de expressão e de manifestação religiosa, previstos na Constituição Federal”.

Imagem: reprodução de matéria do site Gospel Prime

O assunto foi publicado em outros sites de notícias gospel e em mídias sociais de grupos religiosos, os quais classificaram a decisão como censura e perseguição a cristãos.

Reprodução de divulgação do site Gospel Mais
Imagem: reprodução de divulgação do site Gospel Mais

Imagem: reprodução de perfil no Instagram

Bereia apurou as informações e confirmou as afirmações do pastor em pregação durante o encontro, ocorrido em fevereiro de 2023. Entre outras palavras, David Eldridge afirmou que a Bíblia Sagrada prevê a condenação ao inferno para quem pratica a homossexualidade:

“Todo homossexual tem uma reserva no inferno, toda lésbica tem uma reserva no inferno, todo transgênero tem uma reserva no inferno, todo bissexual tem uma reserva no inferno, todo drag queen e prostituta tem reserva no inferno”.

O vídeo com a pregação do pastor Eldridge foi publicado posteriormente na ADEB TV, o canal oficial da Igreja Evangélica Assembleia de Deus de Brasília, e replicado em diversas mídias digitais. Após tomarem conhecimento do vídeo, a Aliança Nacional LGBTI e a Associação Brasileira de Familias Homotransafetivas (ABRAFH) recorreram ao poder judiciário do Distrito Federal,   por meio de uma Ação Pública, para a remoção do vídeo que conteria discurso de ódio. 

Quem é o pastor?

O pastor estadunidense David B. Eldridge  participou de outros eventos promovidos pela UMADEB. Esteve nas edições de 2019, 2020  e 2021 sempre com destaque e com pregações polêmicas. Todavia, nos EUA, Eldridge, pelo que foi possível ao Bereia apurar, é uma figura sem relevância  no segmento religioso, suas mídias sociais não têm muitos seguidores e dão ênfase aos eventos ocorridos no Brasil. 

Bereia buscou levantar dados sobre o pastor,  sobre a vinculação a uma igreja e cidade de referência, mas foi possível apenas identificar a autodeclaração de residência em Kentucky e um breve perfil no qual se apresenta como pastor pentecostal.  Não há registros nos espaços de mídia do pastor ou em outros espaços sobre igrejas nos EUA,  sobre a vinculação institucional dele, apenas uma breve menção própria sobre ser aluno de Direito no Oakbrook College.

A decisão judicial 

Em 2 de junho de 2023, a juíza Lívia Lourenço Gonçalves, da 4ª Vara Cível de Taguatinga (DF), determinou a retirada do vídeo. Conforme a decisão

“a ação civil pública foi promovida com o objetivo de buscar a condenação da requerida por supostos danos morais coletivos praticados em face da universalidade de pessoas integrantes da comunidade LGBT+, além da retirada de vídeos com o conteúdo supostamente ofensivo da honra e atributos da personalidade dessa população, a ensejar a prática de atos que veiculariam discurso de ódio e incentivariam a prática de crimes contra as pessoas da comunidade LGBT+”.

A juíza Lívia Lourenço Gonçalves sentenciou o seguinte:

“Ante o exposto, DEFIRO o pedido de tutela provisória de urgência, para determinar a intimação da requerida para que retire, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas contados da intimação pessoal, o vídeo com o discurso proferido pelo pastor David Eldridge no Congresso Evangélico União das Mocidades das Assembleias de Deus em Brasília, o qual ocorreu em 19 de fevereiro de 2023, no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade, em Brasília, especialmente a parte em que ele fala: “Todo homossexual tem uma reserva no inferno, toda lésbica tem uma reserva no inferno, todo transgênero tem uma reserva no inferno, todo bissexual tem uma reserva no inferno.” O vídeo deverá ser retirado de todas as redes sociais da requerida e também do evento, sob pena de multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por dia, até o limite do valor da causa”.

Para fundamentar a decisão, a magistrada ressalta que “com efeito, malgrado a Constituição Federal garanta a liberdade de expressão e de manifestação religiosa, é inequívoco que o exercício do direito deve ser ponderado com outros direitos de semelhante relevância, tais como os relacionados à igualdade e à atributos da personalidade dos indivíduos, seu bem estar psíquico, sua honra objetiva e subjetiva (atrelados à dignidade da pessoa humana), entre outros. Além disso, a Constituição também deva a discriminação baseada em opção sexual.”

Além disso, a divulgação de vídeos do evento “contendo o suposto discurso de ódio contra comunidade específica, baseadas em supostas interpretações religiosas que em grande parte também não refletem o espírito cristão, podem em tese fomentar atitudes discriminatórias e de violência por parte dos fiéis contra pessoas integrantes da comunidade LGBT+, o que não se admite.”

Que tipo de crime foi cometido?

Em 2019, o STF decidiu que a homofobia é um crime imprescritível e inafiançável. Na decisão, o STF entendeu que tal delito se aplicava à aos casos de homofobia e transfobia a Lei do Racismo (Lei n 7.716/1989). O artigo 20 da lei em questão prevê pena de um a três anos de reclusão e multa para quem incorrer nessa conduta. 

Na ocasião, os ministros fizeram ressalvas sobre manifestações em templos religiosos. Segundo os votos apresentados: não será criminalizada pessoa que disser em templo religioso que é contra relações homossexuais, porém, e será criminalizada aquela que o incitar ou induzir, em templo religioso, à discriminação ou o preconceito em relação à população LGBTI+.

De acordo com decisão do STF: 

“a repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero”.

Bereia ouviu um especialista, que optou por não ser identificado, que atua em temas como Direitos Fundamentais, Minorias e Ativismo. Ele explica que a ação promovida pelas entidades contra a Igreja Assembleia de Deus de Brasília se dá no âmbito cível e que a determinação da  juíza é uma decisão liminar, ou seja, é provisória pelo fato de ela ter entendido que havia certa urgência no encaminhamento. Desse modo, a juíza deferiu que o vídeo fosse suspenso em caráter provisório e o processo seguirá o curso até o provimento definitivo. Como a decisão não é penal, mas cível, nestse caso, não se aplica a decisão do STF, pois ainda não há acusação de homofobia, mas, sim, de danos morais. 

Para o especialista, a decisão da juíza demonstra que, na situação em questão, existe um risco de dano, de perigo, com a permanência do vídeo na internet, pela possibilidade de haver prejuízo à dignidade das pessoas em decorrência da circulação do conteúdo.  

O vídeo foi retirado, portanto, nestas condições, como primeira medida, e a ação terá prosseguimento, quando outras decisões deverão ser encaminhadas. Caso a condenação seja consumada, além da retirada do vídeo poderá haver a definição de uma indenização por danos morais.

Associações de evangélicos manifestam repúdio à decisão

Depois da publicação desta matéria Bereia teve acesso a notas de duas associações de evangélicos que manifestaram repúdio à decisão da 4ª Vara Cível de Taguatinga (DF) de remoção do vídeo publicado no Youtube pela Assembleia de Deus de Brasília. Os documentos, que advogam liberdade religiosa e de expressão, foram divulgados pela Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure) e pela Aliança Evangélica.

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Bereia avalia a matéria do Gospel Prime e a reprodução do tema em outros espaços com a classificação de censura como enganosa. É fato que a decisão de remoção do vídeo do Youtube foi tomada. No entanto, os sites e espaços religiosos não explicam que, segundo a decisão da juíza, o teor da pregação foi considerado nocivo, com linguagem que  “degrada, inferioriza, subjuga, ofende, leva à intolerância ou discriminação” e pode “ser configurada como crime”. Portanto, o discurso proferido não se concretiza como mera “pregação incisiva”, “de alerta ao pecado”, como quer fazer crer o texto da matéria.

Bereia alerta seus leitores e leitoras sobre a desinformação frequente que atribui a inibição do cometimento de crimes e do abuso da liberdade de expressão como perseguição a cristãos, conforme já tratado em matérias publicadas anteriormente.

Referências de checagem:

Linktree. https://linktr.ee/PrDavid Acesso em: 22 jun 2023

Twitter. https://twitter.com/davidbeldridge1 Acesso em: 22 jun 2023

YouTube.

https://www.youtube.com/@pastordavideldridge Acesso em: 22 jun 2023

https://www.youtube.com/watch?v=P4lpnngUowY Acesso em: 22 jun 2023

https://www.youtube.com/watch?v=ZNunLhpKZoc Acesso em: 22 jun 2023

https://www.youtube.com/watch?v=zCyjk1cyPoI Acesso em: 22 jun 2023

Instagram. https://www.instagram.com/reel/CteHxi4x6tE/?igshid=MzRlODBiNWFlZA%3D%3D Acesso em: 22 jun 2023

União de Mocidades das Assembleias de Deus de Brasília. https://umadeb.com/ Acesso em: 22 jun 2023

Congresso em Foco. https://congressoemfoco.uol.com.br/wp-content/uploads/2023/06/Decisao-ACP-0708412-98.2023.8.07.0001-TJDFT.pdf Acesso em: 22 jun 2023

Supremo Tribunal Federal.

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=414010 Acesso em: 22 jun 2023.

https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/tesesADO26.pdf

Anajure. https://anajure.org.br/nota-publica-sobre-a-decisao-liminar-que-determinou-a-retirada-de-video-de-pregacao-religiosa-das-redes-sociais/ Acesso em: 27 jun 2023

Aliança Evangélica. https://aliancaevangelica.org.br/2023/06/26/nota-de-repudio-a-remocao-judicial-de-video-de-pregacao-das-redes-sociais/ Acesso em: 27 jun 2023

Sites religiosos e políticos exploram caso de suposto afastamento de diretor de escola de Sorocaba por transfobia

Circula em mídias sociais e sites religiosos a informação que o diretor da Escola Estadual Antônio Padilha, em Sorocaba (SP), foi afastado temporariamente de suas funções após barrar a entrada de uma aluna transexual no banheiro feminino.

De acordo com a publicação, duas alunas teriam reclamado da presença da estudante no banheiro. Após a intervenção, um grupo de alunos acusou o diretor de transfobia e a decisão de afastar o diretor partiu da Secretaria Estadual de Educação (Seduc-SP), que vai apurar a conduta do docente. 

Imagem: reprodução do site Pleno News

A notícia divulgada se repete da mesma forma em todos os sites, seguida de uma suposta nota oficial da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, dizendo que o desfecho do caso acontecerá após uma decisão do Conselho Escolar. Segundo o texto reproduzido, o órgão teria ressaltado que “repudia todo e qualquer tipo de discriminação, racismo ou LGBTQIAP+fobia dentro ou fora da escola”. Em todos os sites e portais não é indicada a fonte para a nota oficial , o nome de algum profissional da Secretaria de Educação ou mesmo da escola estadual. 

A nota também não se encontra no site da Secretaria de Educação. Por telefone, fomos orientados a entrar em contato com a Assessoria de Imprensa da Seduc-SP, que por sua vez respondeu ao e-mail pedindo um telefone para contato. Até o fechamento da matéria, não obtivemos resposta. 

Manifestações de apoio ao diretor

Nas mídias sociais, parlamentares se manifestaram contra o afastamento do docente. O vereador de Sorocaba Dylan Dantas (PSC) defendeu que o diretor não pode ser penalizado. O deputado estadual Douglas Garcia (Republicanos) também se pronunciou.

Douglas Garcia, representante do Movimento Conservador na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP), publicou no Twitter trecho de seu discurso em plenário sobre a notícia do afastamento do diretor da escola: 

Imagem: reprodução do Twitter

Em seguida, o vereador Dylan Dantas (PSC), Representante do Movimento Conservador em Sorocaba fez duas publicações em seu perfil no Twitter

Imagem: reprodução do Twitter

Os parlamentares reproduzem apenas as notícias divulgadas pelos sites religiosos e não apresentam qualquer fonte ou informação nova que possa ser verificada. 

Homo/Transfobia nas escolas  escolas de Sorocaba e região e resistências 

O artigo “Ensinando a diversidade ou a transfobia. Um panorama da educação sobre diversidade sexual e de gênero nas escolas e sua intersecção com saúde mental”, publicado por Sara Laham Sonetti e Marcos Roberto Vieira Garcia, discute esse tema  no  panorama  nacional de forma mais ampla e na região de Sorocaba, em particular.

Segundo os autores, “a cidade de Sorocaba, embora seja sede de uma região metropolitana e esteja localizada próxima a São Paulo, se configura como um local de intensa propagação de discursos e práticas homo/transfóbicas”. 

Sara Laham e Marcos Roberto Vieira afirmam que: “As  escolas  de  Sorocaba,  infelizmente,  reproduzem  a  falta  de  aceitação  do  respeito  à  diversidade.  Como  veremos  mais  adiante  esse  processo  é  relacionado  à  presença  de  leis  municipais  que  implementam  normas  que  vão  no  sentido  contrário  das  medidas  protetivas,  sendo  em  si, medidas de dano e injúria às pessoas homossexuais e trans, além de reproduzirem erros conceituais, deixando claro o desconhecimento quanto a assuntos relacionados à identidade de gênero e sexualidade dos envolvidos na elaboração e aprovação das mesmas”.

Um exemplo disso, segundo os autores,“é a lei municipal nº 11.185 (SOROCABA, 2015), de 28 de setembro de 2015, que proíbe que o uso do banheiro ou vestiários nas escolas seja de acordo com o gênero com o qual a pessoa se identifica. Essa lei se aplica às escolas que atendem ao ensino fundamental, sejam elas públicas ou privadas. A aprovação desta lei municipal se deu no mesmo ano em que o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, aprovou uma Resolução versando o contrário, ou seja, garantindo o direito da pessoa frequentar o banheiro referente à sua identidade de gênero. Aprovada  por  15  votos  a  favor  e  03  contrários,  a  referida  lei  é  de  autoria  do  vereador  Irineu  Toleto  (PRB). Pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, o vereador disse que o objetivo da Lei era o de proteger “o psicológico das crianças, já que o ensino fundamental abrange alunos com idade entre 7 a 14 anos”.

O artigo esclarece que, “no mesmo discurso de que não considerar a identidade da pessoa para o uso do banheiro é considerado uma  “proteção”, o “não-falar” sobre  gênero  nas  escolas  também  é  colocado  como  uma  proteção, ao contrário do que apontam os estudos que afirmam a necessidade de se falar sobre gênero justamente para  possibilitar  a  proteção  para  as  crianças  e  adolescentes  que  sejam  ou  virão  a  ser  LGBTs  e  sofrem preconceitos diversos em função disso. Instituir uma lei que negue acesso ao banheiro segundo o gênero com que a pessoa se identifica acaba funcionando como uma educação subliminar contrária ao ensino do respeito, uma vez que é passada a mensagem de que ser trans é algo errado e que deve ser ignorado, corrigido ou punido.”

A respeito de identidade de gênero e a reação popular contra a lei, os autores explicam que, “cabe ressaltar que a expressão “identidade de gênero” foi definida de forma equivocada na referida lei, que afirma que “considera-se identidade de gênero o conceito pessoal, individual, psíquico e subjetivo, divergente  do  sexo  biológico,  adotado  pela  pessoa”.  Ou  seja,  presume-se  que  só  “teria”  identidade  de gênero quem fosse trans e não as pessoas cis. Essa falta de entendimento conceitual chegou aos olhos da Defensoria  Pública  de  São  Paulo,  que  enviou  ao  prefeito  de  Sorocaba  um  ofício solicitando  o  veto à lei  sancionada.  A polêmica acerca da referida lei se iniciou ainda durante a tramitação do projeto, que foi acusado de ser transfóbico e excludente. Houve manifestações populares na Câmara dos Vereadores em Sorocaba, com os movimentos LGBT se posicionando contra tal lei”.

“O prefeito da cidade vetou a lei recém-aprovada em  29/08/2015,  alegando  que  os  órgãos  da  Prefeitura  envolvidos  com  a  análise  do  projeto  foram procurados por segmentos sociais que pediram o veto do texto e que  a Secretaria da Educação local se manifestou sobre o assunto, lembrando que a Constituição prevê que o ensino deve ter como fundamento a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola. No entanto, esses esforços não foram suficientes e o veto foi derrubado em nova votação na Câmara dos vereadores em 22/09/2015, por 16 x 0. Os 3 vereadores que seriam a favor de manter o veto (do PT e PV) não votaram e não se manifestaram a respeito”

“Há  ainda  a  associação  feita  entre  o  acesso  ao  banheiro  a  pessoas  trans  e  possíveis  “abusos” decorrentes disso, no sentido de homens se “aproveitarem” da situação para assediar mulheres, como podemos ver no discurso do autor da referida lei, vereador Irineu Toledo: “O ensino fundamental, que está a cargo do município, vai do 1º ao 9º ano, com crianças de 6 anos a adolescentes de 14 anos. Isso significa que uma menina de 6, 7 ou 8 anos, de  acordo  com  a  portaria  do  governo  federal,  será  obrigada  a  conviver  no  banheiro feminino com um adolescente de 14 anos, bastando que ele, mesmo tendo um aparelho reprodutor masculino, se considere mulher. Como cerca de um em cada cinco estudantes brasileiros,  segundo  dados  oficiais,  estão  atrasados  na  escola  e  muitos  só  concluem o  ensino  fundamental  aos  16  anos,  a  situação  se  torna  ainda  mais  grave:  vamos  ter verdadeiros rapagões usando o banheiro das meninas”.  

“Observa-se que esse discurso inverte radicalmente o que tem sido denunciado por pesquisas e pela militância LGBT, acerca do frequente abuso direcionado às pessoas trans (em especial mulheres) quando são obrigadas a usarem o banheiro de acordo com o gênero que lhes foi designado ao nascerem”.

O que diz o Ministério da Educação

Existem projetos de lei no Congresso que buscam tratar destes temas, como o de nro. 5008/20 que proíbe expressamente a discriminação baseada na orientação sexual ou identidade de gênero em banheiros, vestiários e assemelhados, nos espaços públicos, estabelecimentos comerciais e demais ambientes de trabalho. 

O projeto tramita conjuntamente com outros que tratam de temas semelhantes e aguardam apreciação do Congresso Nacional, portanto, não existe obrigatoriedade do MEC se manifestar sobre o tema.

O processo que está sendo julgado no STF , recurso contra decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que negou indenização por danos morais a uma transexual que foi impedida de usar o banheiro feminino de um shopping center em 2008, teve o voto dos ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin a favor do direito de transexuais usarem banheiros conforme sua “identidade de gênero”, ou seja, como se percebem, (homem ou mulher), independentemente do sexo a que pertencem.

Desta forma, como não existe lei específica do Congresso Nacional ou decisão do Supremo Tribunal Federal, portanto o Ministério da Educação ou a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, não estão obrigados legalmente a manifestar-se sobre a questão. 

O que é transfobia? 

Cotidianamente as pessoas transgênero são alvos de preconceito, desatendimento de direitos fundamentais (como a utilização de nomes sociais e também não conseguem adequar seus registros civis na Justiça), exclusão estrutural (dificuldade ou impedimento à educação, ao mercado de trabalho qualificado e até mesmo ao uso de banheiros) e de violências variadas, de ameaças a agressões e homicídios, o que configura a extensa série de percepções estereotipadas negativas e de atos discriminatórios contra homens e mulheres transexuais e travestis denominada transfobia, diz a Doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações, pela Universidade de Brasília, Jaqueline Gomes de Jesus, em seu artigo “Transfobia e crimes de ódio: Assassinatos de pessoas transgênero como genocídio”.

A transfobia é caracterizada pelo ódio orientado aos transexuais, às pessoas que não se identificam com o seu gênero de nascimento. Tal comportamento pode ser manifestado pela violência física ou verbal contra essas pessoas. 

Em 2019, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara aprovou o projeto que criminaliza a homofobia e a transfobia (PL 7582/14). O texto pontua crime hediondo o homicídio cometido contra lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual, intersexo e demais pessoas trans. 

A proposta inclui no Código Penal o aumento da pena de um a dois terços no caso de o crime ser cometido em razão de homofobia ou transfobia. No entanto, esse aumento de pena só é empregado se a lesão for praticada contra autoridade ou agente público, integrantes do sistema prisional e seus respectivos cônjuges e parentes até terceiro grau.

De acordo com o texto, a ofensa à dignidade e ao decoro em razão de homofobia e transfobia também é considerada crime de injúria. A pena prevista nesse caso é a mesma de ofensa por questões de raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, com reclusão de um a três anos e multa.

Deve-se considerar que a proposta não prevê injúria punível no caso de homofobia e transfobia quando houver manifestação de crença em locais de culto religioso, salvo quando houver incitação à violência. Portanto, não se sustenta a tese comum alegada por religiosos de que seria cerceamento do direito de crença ou perseguição religiosa, como aparece em postagens em mídias sociais:

Imagem: reprodução do Twitter

Transexuais no Brasil: violência e baixa expectativa de vida

De acordo com levantamento realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra) e pelo Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE), somente em 2020 foram assassinadas 175 pessoas trans, o que representa o segundo maior número de toda a série histórica, pouco abaixo dos 179 registrados em 2017. Os dados constam no Dossiê: Assassinatos e Violência Contra Travestis e Transexuais Brasileiras, 

Os números do levantamento nacional são corroborados pelo relatório do Trans Murder Monitoring de 2019 que apontam o Brasil como o país que mais mata transexuais no mundo. No ano de 2020 o número de assassinatos apontou crescimento e em 2021, como mostra o mesmo relatório, pode-se perceber uma leve diminuição. No entanto, é possível observar diferentes percalços que a população trans atravessa nos diversos espaços da sociedade.

Com o recrudescimento do conservadorismo no espaço público nos últimos anos, uma das esferas que mais se colocou resistente em favor das pautas conservadoras, foi a religiosa. A negação de direitos básicos como saúde e educação continuam sendo tônicas em favor de uma única política de governo que não contempla a todos.

No entanto, também é possível perceber que movimentos de afirmação religiosa e sexual têm procurado se estabelecer na sociedade, com o objetivo de além de servir de lugar de acolhimento, busca também ser um lugar de atuação política, mesmo sob ataques e ameaças, como os sofridos pela pastora e teóloga feminista Odja Barros, da Igreja Batista do Pinheiro, Maceió-AL. A religiosa faz uma leitura popular e feminista da Bíblia e é autora de diversos artigos sobre estes temas. As ameaças de morte vieram após a Odja Barros celebrar, em sua Igreja, a união de duas mulheres.  As ameaças foram prontamente repudiadas pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – CONIC. 

Igrejas inclusivas e um novo olhar sobre as minorias

Imagens: divulgação

As chamadas igrejas inclusivas, que hoje no Brasil não se configuram mais como uma novidade, vêm abrindo as portas com uma nova proposta de igreja. Revisitando as Escrituras, a teologia inclusiva busca lançar luz sobre as minorias descritas nos textos bíblicos, ao passo que enfatiza o amor como ordenamento divino principal. De acordo com o pastor Marcos Gladstone, advogado, teólogo e também fundador da Igreja Cristã Contemporânea, “Jesus acolheu o leproso, acolheu o pecador, amou incondicionalmente pessoas que a religião descartava e hoje a gente vive isso dentro da Igreja Cristã Contemporânea. A gente vem para o nosso templo viver aquilo que Jesus também viveu ao pregar e acolher aquele que era excluído pela sociedade e, principalmente, pela Igreja. Na ICC não repetimos discursos de ódio e intolerância.” 

Igrejas inclusivas no Brasil como a Igreja Cristã Contemporânea – pioneira no Brasil – , a Cidade de Refúgio, Igreja da Comunidade Metropolitana, Congregação Cristã Nova Esperança, Arena Church Apostólica, Congregação Diante do Senhor, Igreja Apostólica Avivamento Incluso, Igreja Apostólica Novo Templo Internacional, Igreja Deus Vivo InclusivoIgreja Todos Iguais, em sua maioria localizadas no Estado de São Paulo e Rio de Janeiro evocam a diversidade e a liberdade de culto como premissas de suas denominações. 

A Igreja Cristã Contemporânea, ao listar os valores que regem a instituição, afirma que o Evangelho não mudou. A diferença desta igreja em relação às demais evangélicas é o acolhimento à comunidade LGBTQIA+. Quanto às demais doutrinas que regem a fé cristã, existem muitas semelhanças.

A Igreja da Comunidade Metropolitana  afirma ser de tradição protestante, ecumênica e inclusiva. o caráter inclusivo da igreja significa compreender a mensagem de Jesus Cristo de maneira não-fundamentalista, abrindo-se aos estudos e aos conhecimentos sobre a diversidade sexual e de gênero. 

A Arena Church Apostólica se define como uma igreja cristã afirmativa, que acolhe todas as pessoas. Defende que Deus não faz acepção de pessoas, e por isso crê que o amor de Cristo é incondicional e independe de sexualidade ou identidade de gênero.

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De acordo com as informações apresentadas, Bereia conclui que é imprecisa a informação que o diretor da escola estadual foi afastado preventivamente. Não foi obtida, até o fechamento desta matéria, resposta da Secretaria de Educação de São Paulo ao contato feito pelo Bereia, uma vez que a nota oficial não foi encontrada nos espaços digitais disponíveis. Todos os sites religiosos que publicaram sobre o caso divulgam exatamente as mesmas informações, sem fontes ou menções a funcionários públicos e profissionais da Seduc-SP ouvidos ou contatados. 

Embora não exista nenhuma lei ou decisão judicial, ou mesmo portaria do Ministério da Educação ou da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo com referência ao uso de banheiros por alunos e alunas transexuais, o respeito aos direitos das minorias é fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, igualitária e democrática e tem sido buscado em várias políticas públicas.

Referências de checagem: 

Ministério da Educação. https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/1932471/do1-2018-01-18-portaria-no-33-de-17-de-janeiro-de-2018-1932467 Acesso em: 11 abr 2022.

Jusbrasil. https://nicolarj.jusbrasil.com.br/artigos/662330526/aluno-transgenero-podera-escolher-o-banheiro  Acesso em: 11 abr 2022.

Transrespect. https://transrespect.org/en/ Acesso em: 11 abr 2022.

Câmara dos Deputados.

https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2264620 Acesso em: 11 abr 2022.  

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=616270 Acesso em: 11 abr 2022.

https://www.camara.leg.br/noticias/703034-projeto-proibe-discriminacao-ao-uso-de-banheiros-publicos-de-acordo-com-a-identidade-de-genero/   Acesso em: 11 abr 2022.

https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2255157 Acesso em: 11 abr 2022.

Politize. https://www.politize.com.br/equidade/blogpost/o-que-e-transfobia/ Acesso em: 12 abr 2022.

Igreja Contemporânea. https://www.igrejacontemporanea.com.br/sobre Acesso em: 18 abr 2022.

Igreja da Comunidade Metropolitana. https://www.icmrio.com/a-igreja/quem-somos/ Acesso em: 18 abr 2022.

Arena Church Apostólica http://arenachurch.com.br/ Acesso em: 18 abr 2022.

Catraca Livre. https://catracalivre.com.br/cidadania/marcos-gladstone/ Acesso em: 18 abr 2022.

Artigo. Escola e infância: a transfobia rememorada. https://www.scielo.br/j/cpa/a/xCs6X8XvktzLTCzDFsVygqR/?lang=pt&format=pdf Acesso em: 18 abr 2022.

Artigo. Os cães do inferno se alimentam de blasfêmcia https://econtents.bc.unicamp.br/inpec/index.php/csr/article/view/12598/7974  Acesso em: 18 abr 2022. 

Artigo Ensinando a diversidade ou a transfobia. Um panorama da educação sobre diversidade sexual e de gênero nas escolas e sua intersecção com saúde mental. https://periodicos.feevale.br/seer/index.php/revistapraksis/article/view/1913/2505 Acesso em: 18 abr 2022. 

Glossário de Gênero. https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2018/03/19/glossario-de-genero-entenda-o-que-significam-os-termos-cis-trans-binario.htm Acesso em: 18 abr 2022.

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Imagem de capa: reprodução do site Pleno News

Portal gospel omite intolerância e homofobia de líder religioso para sugerir perseguição a cristãos

O portal de notícias Gospel Mais publicou matéria que afirma que o canal do bispo nigeriano T.B. Joshua no Youtube teria sido excluído da plataforma por “supostamente” pregar a “cura gay”. O religioso lidera a Igreja Sinagoga de Todas as Nações (SCOAN, sigla em inglês).

O vídeo que levou à exclusão

Diferente do que a matéria do Gospel Mais afirma, o vídeo excluído pela plataforma digital, de fato, continha a pregação da “cura gay”. Em um primeiro momento, Joshua aparece dando tapas em duas mulheres lésbicas que atendiam ao culto de forma a fazerem-nas cair “sob uma ação espiritual”. Outros membros da igreja também ajudam a derrubar as mulheres que tentam se levantar. Em seguida, elas ficam deitadas por um momento e depois são levantadas e recebem um abraço do religioso.

No segundo momento do vídeo, Mary Okoye, uma das mulheres que passaram pela “libertação do demônio”,  conta seu testemunho. Conforme aparece no primeiro momento do vídeo, Okoye diz que Joshua explicou que ela estava sob a ação de um espírito de mulher. Esse espírito teria feito com que, desde criança, Okoye quisesse ter traços masculinos e se casar com outra mulher quando adulta. Ela também diz que o espírito prejudicava outras áreas da sua vida, como os estudos. Questionada pelo religioso por quem ela sente afeição agora, Okoye responde que agora sentia atração por homens.

De acordo com a BBC, uma das referências citadas pelo Gospel Mais, a decisão do Youtube foi tomada depois da organização openDemocracy, com sede no Reino Unido, prestar queixa pelo conteúdo dos vídeos. 

A matéria da openDemocracy diz que o mesmo tipo de exorcismo foi publicado pelo menos outras sete vezes diferentes antes entre 2016 e 2020. O texto reproduz a justificativa do Youtube para o fechamento do canal. “As Diretrizes da comunidade do YouTube proíbem discurso de ódio e removemos vídeos sinalizados e comentários que violam essas políticas. Nesse caso, encerramos o canal“. A openDemocracy argumenta que o vídeo viola as políticas da plataforma na seção de discurso de ódio, mencionando este trecho: “Afirmar que pessoas ou grupos são fisicamente ou mentalmente inferiores, deficientes ou doentes com base nas características mencionadas acima. Isso inclui declarações de que um grupo é problemático ou menos desenvolvido do que outro em termos de inteligência e capacidade.”

Bereia já verificou outro caso de exclusão de canal religioso por quebra das regras de diretrizes de comunidades.

Apesar do bloqueio, em novo vídeo de uma reunião da SCOAN, Joshua pediu orações pelo Youtube. “Vejam eles como amigos”, afirmou. Ele argumentou que, se não fosse pela plataforma, muitas pessoas não teriam conhecido sua igreja. A matéria da BBC informa que o religioso vai recorrer.

Quem é T.B. Joshua

T. B. Joshua é pastor e televangelista da Sinagoga de Cristo Pelas Nações, em Lagos, maior cidade da Nigéria, sendo um dos pregadores mais influentes do continente africano. Dono da TV Emanuel, com transmissão de cultos 24h, ganhou grande destaque pelas promessas de cura e milagres, relatando ter realizado cura de câncer, HIV/AIDS, esterilidade, ressurreição de mortos e “reversão de sexualidade”. Segundo o site oficial, a sede da igreja reúne em média 15 mil pessoas por culto e suas pregações também têm grande alcance pela internet, reunindo cinco milhões de seguidores no Facebook e 585 mil no Instagram. Antes de ser derrubado, seu canal no YouTube contava com 1,8 milhão de assinantes

Cura Gay

Desde 1990, a Organização Mundial da Saúde deixou de tratar a homossexualidade como doença, um passo importante para a compreensão desta condição humana como identidade, que não necessita de cura. A tentativa de terapias de reversão de sexualidade, conhecidas popularmente como “cura gay”, são procedimentos de tentativas de mudança na orientação sexual por meio de métodos de tortura psicológica e são proibidos pelo Conselho Federal de Psicologia desde 1999.

O procedimento surgiu nos Estados Unidos, em movimentos como o Instituto Exodus, fundado em 1976, em Orlando, que oferecem tratamento para cristãos que querem se livrar de inclinações sexuais “indesejadas”. Em 2013, o fundador Alan Chambers anunciou o fechamento do instituto e pediu perdão público pelas pessoas LGBTQIA+ feridas pelos procedimentos realizados em 37 anos de funcionamento. “Por muito tempo, estivemos aprisionados em uma cosmovisão que não honra nossos irmãos, nem é bíblica.”, afirmou. Apesar disto, o Exodus Brasil permanece comouma missão cristã interdenominacional com filiais em território nacional e realiza congressos anuais e tem como um dos valores “proclamar a mensagem de redenção da sexualidade”. As narrativas de que a sexualidade de pessoas LGBTQIA+ pode ser mudada é comum em discursos evangélicos e frequentemente ouvida em igrejas.

O artigo “Cura Gay? Debates parlamentares sobre a (des)patologização da homossexualidade” de Maria Clara da Gama faz uma revisão das tentativas de parlamentares legislarem contra a resolução 01/99 do CFP. A primeira tentativa, por meio do Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 1640/2009, recebeu parecer que rejeitava a proposta. O PDC foi arquivado em dezembro de 2010. Outro Projeto de Decreto Legislativo (PDC 234/2011) tramitou na legislatura seguinte. Apesar dessa proposta ter recebido um parecer favorável, ela terminou retirada de tramitação pelo próprio autor João Campos (PSDB/GO) que alegou não ter apoio do próprio partido para o PDC. Uma ação popular contra a norma do CFP chegou ao STF e foi extinta pelos ministros da 2ª Turma em maio de 2020, reafirmando a validade da resolução 01/99.

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Bereia conclui que a matéria do Gospel Mais é enganosa. O pastor é conhecido por realizar rituais de reversão de sexualidade e chegou a agredir mulheres lésbicas em cultos. Os vídeos foram excluídos por apresentarem discurso de ódio contra pessoas LGBTQIA+, violando diretrizes da plataforma YouTube. Nesse sentido, não há “suposição de pregação da cura gay”, como o portal gospel registra na reescrita da matéria da BBC que utiliza. O texto do Gospel Mais se coloca no conjunto de conteúdos religiosos, já identificados pelo Coletivo Bereia, que buscam induzir leitores e leitoras a crerem na existência de práticas de censura e de perseguição a cristãos e cristãs em casos de penalidades a lideranças religiosas e igrejas que praticam intolerância, como nesta situação de homofobia na Nigéria.

Referências

Emmanuel TV (Youtube), https://www.youtube.com/c/emmanueltv. Acesso em 19 de maio de 2021.

Cla6iQ Tv Worldwide (Youtube), https://youtu.be/6L2W77QFqNY. Acesso em 19 de maio de 2021.

BBC, https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56775734. Acesso em 19 de maio de 2021.

openDemocracy, https://www.opendemocracy.net/en/5050/youtube-closes-african-channel-promoting-televangelists-violent-conversion-therapy/. Acesso em 19 de maio de 2021.

Youtube, https://support.google.com/youtube/answer/2802168. Acesso em 19 de maio de 2021.

Youtube, https://support.google.com/youtube/answer/2801939#zippy=%2Coutros-tipos-de-conte%C3%BAdo-que-violam-a-pol%C3%ADtica. Acesso em 19 de maio de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/canal-catolico-foi-excluido-por-espalhar-desinformacao-a-respeito-da-pandemia/. Acesso em 19 de maio de 2021.

Deraaco (Youtube), https://youtu.be/W4vqSrqxhGs. Acesso em 19 de maio de 2021.

Sinagoga de Cristo Pelas Nações. https://www.scoan.org/about/. Acesso em 20 de maio de 2021.

Conselho Federal de Psicologia, https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/1999/03/resolucao1999_1.pdf. Acesso em 20 de maio de 2021.

G1, http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/06/grupo-dedicado-cura-gay-pede-desculpas-e-fecha-nos-eua.html. Acesso em 20 de maio de 2021. 

Exodus, https://www.exodus.org.br/. Acesso em 20 de maio de 2021. 

Scielo (Sexualidad, Salud y Sociedad – Rio de Janeiro), https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-64872019000100004. Acesso em 20 de maio de 2021.

Câmara Federal, https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=147CC1F8B08B24C43FBE4895CBF09DDC.proposicoesWeb2?codteor=828201&filename=Tramitacao-PDC+1640/2009/. Acesso em 20 de maio de 2021.

Câmara Federal, https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=CB76BB29626C622D9FE78646C5642559.proposicoesWeb2?codteor=1050466&filename=Tramitacao-PDC+234/2011. Acesso em 20 de maio de 2021.

Jota, https://www.jota.info/stf/do-supremo/turma-do-stf-reafirma-validade-de-resolucao-do-cfp-contra-a-cura-gay-26052020/ Acesso em 20 de maio de 2021.

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Foto de Capa: T.B Joshua: BBC/AFP (Reprodução)

Site gospel desinforma sobre indiciamento de pastor por homofobia

O portal evangélico de notícias Gospel Prime publicou matéria dando conta que a Polícia Civil indiciou o Pastor Guaracy Jr. por crime de racismo qualificado como homofobia contra a população LGBTI+. As declarações que levaram à denúncia aconteceram em 10 de dezembro de 2020, em live do religioso no Facebook. Guaracy Jr, que foi candidato à prefeitura de Macapá (capital do Amapá) pelo Partido Social Liberal (PSL) usou a transmissão ao vivo para esclarecer que não apoiaria nenhum dos dois candidatos presentes no segundo turno: Dr. Furlan (Cidadania) e Josiel (DEM).

A partir do minuto 18:25 da live, ele começa as declarações sobre políticos que apoiam pautas progressistas como a LGBTI+. O Gospel Prime reproduz desta parte da fala do candidato: 

“Entendo que quem apoia pautas esquerdistas, pautas LGBT, pautas progressistas, não merece o apoio do povo cristão. […] Hoje eu me deparei com essas posições, comparei a posição do candidato Josiel, que apoia as mesmas pautas, então decido não apoiar nenhum candidato que possa envergonhar o povo do Amapá com essas ideias e pautas progressistas. Digo, de maneira clara, não apoio nenhum tipo de discriminação social ou sexual, porém entendo que nós não podemos estar ligados como cristãos a esse tipo de grupo”.

No entanto, o Coletivo Bereia apurou que a partir de 19 minutos e 50 segundos de transmissão, ele também afirmou: 

“[…] Estou fora, estou fora porque entendo que quem apoia pautas esquerdistas, pautas LGBT, pautas progressistas não merecem (sic) o apoio do povo cristão. E eu falo povo cristão evangélico e católico, porque quem rasga bíblia, quem vilipendia e quebra santo, seja da imagem católica ou da Bíblia evangélica, quem enfia cruz, porque vocês viram o que aconteceu nessas paradas LGBT aí em Macapá, isso é absurdo gente. Eu não posso apoiar esse tipo de coisa, isso pra mim é podridão, é cachorrada. E vou dizer, eu respeito a opção sexual de ninguém, de qualquer um, eu tenho que respeitar como pastor,  mas eu não posso aceitar esse tipo de coisa.”

Associação da “pauta LGBT” com pedofilia

A partir de 9:50, o pastor também faz associação entre a “pauta lgbt” com pedofilia. “A pauta LGBT tem trazido ideologia de gênero, ela tem defendido pedofilia e outros tipos de escândalos que nós não podemos admitir. Quando nós temos visto Prefeituras e governo financiam passeatas quando crianças são expostas à nudez de adultos, onde a religião é desprezada, a fé católica é vilipendiada. Fé católica e fé evangélica”, afirmou Guaracy Jr.

Ao G1, o delegado responsável pelo caso Neuton Júnior da 5ª Delegacia (5º DP) explicou que ouviu representantes do Conselho Estadual LGBT+ durante a investigação, assim como informou o Gospel Prime. No entanto, o delegado também solicitou oitiva com o pastor Guaracy Jr, que não compareceu – informação omitida pelo Gospel Prime.

Neuton Júnior justificou o indiciamento do religioso: “Uma vez que, com a intenção de agradar supostos eleitores defensores da pauta conservadora, passou a promover discurso preconceituoso e discriminatório, inclusive ligando a população LGBT+, sem provas e elementos para isso, com o envolvimento com a pedofilia, que, como se sabe, é crime”. O caso agora segue ao Ministério Público do Amapá (MP-AP).

Legislação a respeito de homofobia

A qualificação de homofobia no crime de racismo decorre de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em junho de 2019. A decisão faz ressalva à liberdade religiosa. Por exemplo, o STF não criminalizou dizer em templo religioso que o grupo é contra relações homossexuais, mas enquadra na lei quem induzir discriminação ou preconceito em templo religioso.

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Bereia conclui que a matéria do Gospel Prime é imprecisa e desinforma porque omite informações importantes sobre as declarações públicas do pastor e da investigação conduzidas pela polícia. Apesar de dizer que respeita pessoas LGBTI+ e não discrimina, ele também associou a “pauta LGBT” à pedofilia. Essa não é a primeira vez que o portal Gospel Prime desinforma sobre casos envolvendo homofobia e religiosos. Bereia também classificou como imprecisa matéria que o site publicou sobre o caso do Ministério Público contra a cantora gospel Ana Paulo Valadão.

Referências

Guaracy Jr, https://www.facebook.com/JrGuaracy/videos/384803265913200. Acesso em: 06 de maio de 2021.

G1, https://g1.globo.com/ap/amapa/noticia/2021/05/03/ex-candidato-a-prefeito-de-macapa-pastor-e-indiciado-por-incitar-preconceito-contra-lgbt.ghtml. Acesso em: 06 de maio de 2021.

G1, https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/06/13/stf-permite-criminalizacao-da-homofobia-e-da-transfobia.ghtml. Acesso em: 06 de maio de 2021.
Bereia, https://coletivobereia.com.br/site-gospel-desinforma-sobre-inquerito-do-ministerio-publico-contra-cantora-gospel-ana-paula-valadao/. Acesso em: 06 de maio de 2021.

Site Gospel desinforma sobre inquérito do Ministério Público contra cantora gospel Ana Paula Valadão

Em 02 de dezembro o portal evangélico Gospel Prime publicou a matéria “Ministério Público aceita denúncia de ‘homofobia’ contra Ana Paula Valadão”.

Segundo Gospel Prime, a denúncia, aceita pelo Ministério Público Federal, decorre do fato de que a cantora Ana Paula Valadão manifestou seu posicionamento bíblico sobre a prática homossexual durante o Congresso Diante do Trono em 2016. Entretanto, o acontecimento veio à tona este ano depois de o vídeo com a gravação da fala da cantora ter viralizado em setembro passado.

A matéria de Gospel Prime afirma que a cantora “lembrou que a Bíblia condena a prática como pecado”, que ele tem suas consequências e associou a homossexualidade à Aids. “Inclusive tudo que é distorcido traz consequência naturalmente, nem é Deus jogando uma praga, um juízo não. Tá aí a Aids para mostrar que a união sexual entre dois homens causa uma enfermidade que leva à morte e contamina as mulheres, enfim… Não é o ideal de Deus. Sabe qual é o sexo seguro, que não transmite doença nenhuma, o sexo seguro se chama aliança do casamento”, afirmou.

De acordo com o portal gospel, Ana Paula Valadão citou a Aids como “doença gay” e foi denunciada pelo conteúdo. “Toda a fala foi feita em um ambiente de culto, mas ainda assim o MPF aceitou a denúncia”, afirma a matéria, em tom crítico ao órgão judiciário.

O estabelecimento do inquérito

O ativista da causa LGBTI+ Agripino Magalhães solicitou ao Ministério Público de Belo Horizonte (MG) que abrisse um inquérito para investigar se houve crime de homofobia na fala da cantora.

O procurador Helder Magno da Silva aceitou a denúncia em novembro e foi aberto inquérito. Em sua decisão, o procurador afirmou que a declaração de Ana Paula Valadão “remonta à década de 1980 a narrativa da Aids como ‘doença/câncer/peste gay’ ou mesmo ‘castigo de Deus’, que se baseava na desinformação sobre o vírus e desconhecimento sobre a doença. Tal concepção, inclusive, foi há muito superada pelo conhecimento médico-científico”.

A investigação vai apurar se houve conduta discriminatória caracterizadora de discurso de ódio contra portadores de HIV. Até o momento a cantora não se manifestou sobre o caso.

O vídeo que levou ao inquérito

O vídeo com a fala de Ana Paula Valadão veio à tona na internet em setembro passado, alguns dias depois da postagem de conteúdo homofóbico pelo irmão dela, o pastor e cantor André Valadão, uma das lideranças da Igreja Batista da Lagoinha. Em 8 de setembro André Valadão havia sido questionado por um seguidor no Instagram sobre o que fazer em relação a dois rapazes membros da igreja que estavam namorando. A resposta do pastor circulou nas mídias sociais:

“Entendi. São gays. Então. Igreja tem um princípio bíblico. E a prática homossexual é considerada pecado. Eles podem ir para um clube gay ou coisa assim. Mas na igreja não dá. Esta prática não condiz com a vida da igreja. Tem muitos lugares que gays podem viver sem qualquer forma de constrangimento. Mas na igreja é um lugar para quem quer viver princípios bíblicos. Não é sobre a igreja expulsar, é sobre entender o lugar de cada um”.

André Valadão
Foto: Reprodução/Instagram

Após a repercussão, o pastor André Valadão apagou o post das mídias sociais. Em nota enviada à imprensa, a igreja afirmou que “A marca da Igreja Batista da Lagoinha é ser bíblica e ter como maior referencial a pessoa de Jesus Cristo, que recebia todas as pessoas sem distinção. Vemos isso por meio de sua trajetória registrada nos evangelhos, por isso, Ele é o nosso maior exemplo! Como Jesus nos ensina, nossas portas estão abertas para que todas as pessoas participem de nossos cultos de pregação das Sagradas Escrituras”.

No entanto, em atitude crítica para contradizer a defesa da igreja e do pastor Valadão, passou a circular em mídias sociais o vídeo de 2016, em que Ana Paula Valadão está no palco da Igreja da Lagoinha em uma conversa com o cantor Asaph Borba, quando dispara:

“Muita gente acha que isso é normal. Isso não é normal. Deus criou o homem e a mulher e é assim que nós cremos. Qualquer outra opção sexual é uma escolha do livre arbítrio do ser humano. E qualquer escolha leva a consequências. A Bíblia chama de qualquer escolha contrária ao que Deus chamou de ideal, o que Deus nos criou para ser, de pecado. E o pecado tem uma consequência que é a morte. Inclusive tudo que é distorcido traz consequência naturalmente, nem é Deus jogando uma praga, um juízo não. Tá aí a Aids para mostrar que a união sexual entre dois homens causa uma enfermidade que leva à morte e contamina as mulheres, enfim… Não é o ideal de Deus. Sabe qual é o sexo seguro, que não transmite doença nenhuma, o sexo seguro se chama aliança do casamento”.

Ana Paula Valadão

No meio da fala, Asaph Borba se manifesta: “Glória a Deus. Esse é o padrão de Deus”.

Bereia verificou que o vídeo que viralizou em setembro passado foi retirado da gravação de uma mesa no Congresso Internacional Adoração, Intercessão e Missão do Ministério Diante do Trono, em 26 de março de 2016. O evento foi transmitido ao vivo pela Rede Super e a gravação completa está disponível no YouTube da emissora. O congresso também está disponível no canal do Ministério Diante do Trono, banda de Ana Paula Valadão, mas o vídeo do dia 26 de março, que contém a conversa de Ana Paula e Asaph Borba, foi removido. No canal da Rede Super, os comentários foram limitados.

No vídeo na íntegra, verifica-se que após o uma apresentação musical de Asaph Borba, Ana Paula Valadão o convida para uma conversa sobre as experiências no chamado “campo missionário”. O cantor conta um testemunho sobre a época que foi trabalhar como missionário em Cuba e recebeu doações de um pastor e seu “companheiro”. Ana o interrompe para esclarecer que se tratavam de companheiros na obra missionária e não de um casal homossexual, proferindo então a fala reproduzida acima.

Em 20 de setembro, um grupo de manifestantes realizou um ato em frente à Igreja Lagoinha contra as falas homofóbicas da família Valadão. A Aliança Nacional LGBTI+ divulgou uma nota de repúdio sobre o caso e anunciou que processaria a pastora e cantora. “Ana Paula atinge toda a coletividade da comunidade LGBTI, e principalmente a dignidade das pessoas que vivem com HIV/AIDS, colocando-as como responsáveis pela proliferação de um vírus, equiparando de maneira vergonhosa, antiquada e criminosa uma expressão legítima de amor e afeto a um ato criminoso como ceifar a vida de um ser humano”, afirma um trecho da nota.

O Ministério Público enviou à Justiça a queixa-crime, em 15 de outubro, protocolada por entidades civis contra o cantor André Valadão por homofobia. Cabe à Justiça Federal decidir a respeito de uma ação penal contra o pastor.

Estereótipos: HIV e pessoas LGBTI+

A associação da comunidade LGBTI+ ao vírus da AIDS não é uma coisa nova. Desde 1984, quando o vírus foi descoberto por cientistas franceses, esse estereótipo cerca o grupo minoritário, principalmente os homens gays. Isso porque o contágio entre pessoas deste grupo era maior que em outros grupos sociais.

A causa do contágio acelerado foi motivada, principalmente, pela homofobia e pela falta de implementação de políticas sociais e educacionais que informassem a população sobre a gravidade do vírus.

Reportagem publicada no jornal Notícias Populares, em 1983.

Essa noção, entretanto, tem sido desconstruída por cientistas e especialistas, que enfatizam que pessoas LGBTI+, trabalhadoras sexuais e outros grupos estigmatizados são, na verdade, vítimas de uma epidemia, e não a causa dela. “Desde o início da epidemia, há 30 anos, as pessoas tinham na cabeça uma ideia de que homem gay é impuro — ele não podia nem doar sangue. E quando você tira o preconceito da história e coloca critérios técnicos [tanto sobre a doença, e a doação], você acaba com um estigma”, diz o infectologista Rico Vasconcellos, do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), em entrevista ao Portal HuffPost.

Ser portador de HIV não é a mesma coisa que ter Aids. Com os avanços da ciência em relação a medicamentos e prevenção, hoje é possível viver tranquilamente sendo soropositivo. Segundo dados da UNAIDS, atualmente são quase 38 milhões de pessoas vivendo com o vírus HIV no mundo. Ainda segundo a instituição, semanalmente, cerca de 6.000 jovens mulheres entre 15 e 24 anos são infectadas pelo HIV.

No Brasil, de acordo com Boletim Epidemiológico de HIV/Aids de 2019, entre 2007 e 2019, 51,3% dos casos de infecção por HIV entre homens foram decorrentes de exposição homossexual ou bissexual e 31,4% heterossexual. Entre as mulheres, nessa mesma faixa etária, nota-se que 86,5% contraiu o vírus em relação heterossexual. Segundo a UNAIDS, grande parte dessas mulheres adquire o vírus em relações monogâmicas, com maridos ou namorados que pegam em relações extraconjugais e transmitem, ou em situações de violência sexual.

Nas taxas de mortalidade em decorrência do vírus têm caído nos últimos anos, devido a políticas públicas de saúde, como campanhas de conscientização, distribuição de preservativos e distribuição do coquetel antirretroviral e outras medidas de controle do vírus. A Lei 9.313 estabelece a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores de HIV pelo SUS desde 1996.

Entretanto, as estatísticas também apontam que o número de infecções por HIV/Aids tem aumentado nos últimos anos. Segundo a UNAIDS, em 2010, houve 44 mil novas infecções por HIV no Brasil, em 2018, elas chegaram a 53 mil: um acréscimo de 21%.

Especialistas apontam vários motivos para esse aumento, inclusive o enfraquecimento das campanhas de prevenção e políticas públicas voltadas a HIV/Aids. “Houve simplesmente um silenciamento sobre a Aids, um descaso, um relaxamento por parte dos governos como também por parte de escolas, na questão da prevenção”, afirmou à DW Brasil Veriano Terto Jr., vice-presidente da Associação Interdisciplinar de Aids (Abia).

O modelo brasileiro de combate ao HIV foi referência mundial durante anos, mas tem perdido o status devido a um desmonte do programa pelo atual governo federal. Um decreto assinado em maio de 2019 alterou o nome do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais para Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Ouvidos pela Revista Exame, especialistas, associações e ONGS que atuam na área afirmaram que nessa nova estrutura, a área de HIV/Aids foi rebaixada a uma coordenação, e no mesmo departamento foram incluídas tuberculose e hanseníase, doenças não relacionadas ao contágio sexual, o que enfraqueceu o programa.

Em fevereiro de 2020, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que uma pessoa portadora de HIV é “despesa para todos no Brasil”.

O Ministério da Saúde alerta para os comportamentos que podem causar o contágio por HIV: sexo vaginal sem camisinha; sexo anal sem camisinha; sexo oral sem camisinha; uso de seringa por mais de uma pessoa; transfusão de sangue contaminado; da mãe infectada para seu filho durante a gravidez, no parto e na amamentação; compartilhamento de instrumentos que furam ou cortam não esterilizados.

Para superar preconceito e segregação, em 2014 foi publicada no Brasil a Lei nº 12.984, de 2 de junho de 2014, que define o crime de discriminação aos portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e doentes de Aids.

A repercussão do caso Ana Paula Valadão

O também evangélico Ministro da Justiça André Mendonça se pronunciou no último 3 de dezembro sobre a abertura do inquérito contra Ana Paula Valadão pelo MPF, por crime de ódio. Em uma sequência de três tuítes Mendonça disse: “Respeito os homossexuais. Aliás, respeito é um princípio cristão! Contudo, isso não significa que o cristão deva concordar ou não possa questionar o homossexualismo [sic] com base em suas convicções religiosas. O próprio STF assim reconheceu. Os direitos às liberdades de expressão e religiosa são inalienáveis!!! Por isso não aceito o processo de perseguição a que está sendo submetida a cantora e evangelista Ana Paula Valadão. Espero que a Justiça garanta os direitos desta cidadã brasileira, assim como tem garantido os direitos à liberdade de expressão de quem pensa em sentido contrário.”

Destaque-se que o ministro usa o termo “homossexualismo”, que remete à concepção de que a homossexualidade (o termo correto) seja uma patalogia, e não uma orientação sexual. A Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista de doenças em 1990 e o termo “homossexualismo” é comumente usado com conotação pejorativa e condenatória.

Em seu pronunciamento, Mendonça faz referência à decisão do STF que criminalizou a homofobia, na qual houve uma ressalva à liberdade religiosa. A decisão não criminaliza dizer em templo religioso que o grupo é contra relações homossexuais, mas enquadra na lei quem induzir discriminação ou preconceito em templo religioso. Em outubro de 2020, mais de um ano depois dessa decisão, a Advocacia Geral da União (AGU), no clima do caso Valadão, pediu ao STF esclarecer se a decisão atinge a liberdade religiosa.

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Bereia conclui que o site Gospel Prime desinforma leitores/as com matéria imprecisa sobre o caso do inquérito de crime de ódio contra a cantora Ana Paula Valadão. O veículo não descreve o contexto em que o caso ocorre, não informa sobre as políticas internacionais e brasileiras sobre a AIDS e muito menos alerta sobre a última decisão do STF em relação a este tipo de situação, que criminaliza a indução de discriminação ou preconceito em templo religioso. A desinformação é ressaltada ainda com a vinheta da matéria, “Igreja Perseguida”, levando leitores/as a concluírem que o inquérito é uma perseguição à pastora e cantora por ela ser cristã, e não por sua fala discriminatória e promotora de ódio. Leitores/as também são levados a interpretar que cristãos teriam o direito de expressarem publicamente preconceito e rejeição contra pessoas que têm norma sexual distinta daquela indicada por certas interpretações de textos bíblicos.

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Foto de Capa: IstoÉ/Reprodução

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Referências

Canal Migalhas (Youtube): https://youtu.be/vE731aOI_5U. Acesso em: 03 dez. 2020

Portal Cultura: https://cultura.uol.com.br/noticias/14459_cantora-gospel-ana-paula-valadao-sera-investigada-por-homofobia.html. Acesso em: 03 dez. 2020

Portal UOL, https://tvefamosos.uol.com.br/noticias/redacao/2020/12/01/ana-paula-valadao-sera-investigada-por-homofobia-apos-fala-sobre-aids.htm. Acesso em: 04 dez. 2020.

Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. http://www.aids.gov.br/pt-br. Acesso em: 15 out. 2020.

Fundação Oswaldo Cruz, http://www.ioc.fiocruz.br/aids20anos/linhadotempo.html. Acesso em: 04 dez. 2020.

Unaids. https://unaids.org.br/estatisticas/. Acesso em: 15 out. 2020.

DW. https://www.dw.com/pt-br/o-que-explica-o-aumento-dos-casos-de-hiv-no-brasil/a-51455784. Acesso em: 15 out 2020.

Exame, https://exame.com/brasil/modelo-no-mundo-departamento-de-combate-ao-hiv-do-brasil-perde-status/. Acesso em: 04 dez 2020.

UOL. https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/02/08/estimulo-ao-preconceito-como-soropositivos-reagiram-a-fala-de-bolsonaro.htm. Acesso em 15 out 2020.

Planalto, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L12984.htm. Acesso em: 04 dez. 2020.

DW, https://www.dw.com/pt-br/h%C3%A1-30-anos-oms-retirava-homossexualidade-da-lista-de-doen%C3%A7as/a-53447329. Acesso em: 04 dez. 2020.

Portal G1, https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/06/13/stf-permite-criminalizacao-da-homofobia-e-da-transfobia.ghtml. Acesso em: 04 dez. 2020.

Portal G1, https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/10/14/agu-pede-ao-stf-para-esclarecer-se-criminalizacao-da-homofobia-atinge-liberdade-religiosa.ghtml. Acesso em: 04 dez. 2020.

A onça. https://www.aonca.com.br/pastor-e-cantor-gospel-andre-valadao-diz-que-igreja-nao-e-para-homossexuais-podem-ir-para-um-clube-gay-mas-igreja-nao-da/. Acesso em 22 set. 2020.

O Tempo. https://www.otempo.com.br/cidades/ato-e-feito-na-igreja-da-lagoinha-contra-falas-homofobicas-da-familia-valadao-1.2387791. Acesso em 22 set. 2020.

Portal UOL: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/10/15/mp-denuncia-andra-valadao-por-fala-homofofica.htm. Acesso em: 04 dez. 2020.

É enganosa a notícia de que evangélicos foram condenados pela justiça por rejeitarem união gay em espaço de eventos

O site de notícias Gospel Mais publicou, em 20 de junho, matéria intitulada: “Evangélicos rejeitam união gay em espaço de eventos e são condenados”.  A informação provocou reações divergentes entre leitores, sobretudo os evangélicos.

Segundo a matéria, uma empresa localizada na cidade de Campinas (SP) teria sido processada por um casal homoafetivo por rejeitar sediar o evento de união homoafetiva. Os proprietários, evangélicos, teriam alegado também que a recepção seria contrária aos princípios filosóficos e religiosos da família do dono do local, o que poderia ser caracterizado ato discriminatório. 

A questão foi levada à 1ª Vara do Juizado Especial Cível de Campinas, que decidiu condenar os responsáveis à frente do estabelecimento, impondo ainda o pagamento de indenização.

A publicação ainda apontou que o casal “repetiu uma estratégia que é usada por ativistas LGBT nos Estados Unidos, e processaram os proprietários, como no caso do confeiteiro Jack Phillips, que já foi processado três vezes por recusar produzir bolos para cerimônias de união entre pessoas do mesmo sexo”. 

Outros sites também noticiaram o caso, como o portal R7.

De acordo com informações do portal Conjur , a juíza Thais Migliorança Munhoz, à frente do caso, afirmou, na sentença, que levou em conta as circunstâncias da causa, o grau de culpa e a condição socioeconômica do autor da ação para estipular o valor da indenização por danos morais em R$ 28 mil.

Entenda a sentença

A sentença foi liberada nos autos em 20 de maio de 2020, a juíza citou, entre outros, o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil e a Carta Magna.

 “O nó górdio da presente reside sobre a necessidade de se apurar se a recusa da empresa requerida em recepcionar o casamento dos autores, sob argumento de que iria de encontro aos princípios filosóficos e religiosos do proprietário e sua família, caracteriza ato discriminatório e, por conseguinte, merece reparação civil. Pois bem. A Constituição da República Federativa do Brasil dispõe, em seu artigo 5º, caput, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O artigo 3º, inciso IV, da Carta Magna, prescreve, ainda, que constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Afirma ainda: 

“A reprovação do ato de recusa do requerido em recepcionar o casamento homoafetivo dos autores mostra-se adequada para se alcançar o fim almejado, qual seja a salvaguarda de uma sociedade pluralista, onde reine a tolerância. Assegura-se a posição do Estado, no sentido de defender os fundamentos da dignidade da pessoa humana (artigo 1°, III da Constituição Federal), do pluralismo político (artigo 1°, V, CF), o princípio do repúdio ao terrorismo e ao racismo, que rege o Brasil nas suas relações internacionais (artigo 4°, VIII), e a norma constitucional que estabelece ser o racismo um crime imprescritível”,

Para a juíza, não se contesta a proteção conferida constitucionalmente à liberdade de crença e de expressão do dono da empresa de Campinas. “Todavia, é inegável que essa liberdade não pode alcançar o campo da discriminação e da homofobia. Há inúmeros outros bens jurídicos de base constitucional que estariam sacrificados na hipótese de se dar uma amplitude absoluta, intangível, à liberdade de expressão, de consciência e crença etc., na espécie”, afirma na sentença.

Dessa forma, a juíza entende que a condenação da empresa é necessária para salvaguardar uma sociedade pluralista, em que reine a tolerância, sob o pressuposto de ausência de outro meio menos gravoso e igualmente eficaz para tanto.

Ressalta que a Lei 7.716/89 estabelece que são puníveis os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, sendo vedada a recusa ou impedimento de acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador (artigo 1º e 5º). 

E lembra que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), recentemente, entendeu pelo enquadramento da homofobia e da transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989) até que o Congresso Nacional edite lei sobre o tema. O caso foi julgado na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e no Mandado de Injunção (MI) 4733.

A magistrada também cita parte da ementa do julgamento da ADI 4.277, de relatoria do ministro Ayres Britto, em maio de 2011, que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar.

Por fim, ela julga ilícita a conduta da empresa em se negar a recepcionar o casamento homoafetivo, sob argumento de incompatibilidade com a política de atuação instituída dentro de convicções filosóficas e religiosas. Segundo a juíza, estão presentes todos os elementos ensejadores da responsabilidade civil: “ação ou omissão do agente (falha na prestação dos serviços, deixando de cumprir o pactuado); dano (ofensa íntima ao autor em evento de extrema importância pessoal); nexo de causalidade e culpa”.

Discussões se estendem desde maio 

A notícia, que veio novamente à tona em junho, já havia sido publicada em outros sites a partir do dia 22 de maio. No site paulopes.com.br, destinado a fatos sobre religião, ateísmo e ciências, em entrevista, Wilson Lima Barreto, responsável pela casa de eventos, disse que o empreendimento é familiar e cristão, estando registrado no nome de um dos filhos. Em sua defesa, a casa citou, nos autos, a sentença da Suprema Corte dos Estados Unidos que inocentou um confeiteiro que recusou pedido de um bolo de casamento de um casal gay, garantindo ao profissional o direito de crença.

De acordo com a matéria, na Suprema Corte, a multa foi derrubada porque, segundo entenderam os julgadores, a comissão que aplicou a multa violou o dever do Estado sob a Primeira Emenda de não basear leis ou regulamentos na hostilidade a um culto ou ponto de vista religioso. Isto porque um dos membros da comissão havia feito comentários “hostis” em relação à religião. Ou seja, a Suprema Corte não adentrou ao mérito da questão, e deu ganho de causa ao confeiteiro por uma questão processual.

Por outro lado, a advogada do casal afirma que “homofobia é uma violação do direito humano fundamental de liberdade de expressão da singularidade humana, revelando-se um comportamento discriminatório” e que “a negativa de locar o espaço aos requerentes pelo simples fato de serem um casal homoafetivo já constitui homofobia”.

Wilson Barreto afirmou durante o processo que “a gente trabalha só em família e todos nós somos evangélicos, está lá pra qualquer um ver. Dessa forma, falamos para eles procurarem outro lugar, porque não iria ficar bom se fizéssemos”. 

A empresa ainda apontou que “não impede homossexuais de visitar suas instalações ou realizarem qualquer outro tipo de evento (confraternização, aniversário, baile de debutante etc.)”

Em contraponto, a matéria apresenta a fala da advogada do casal homoafetivo, que acusou a prática de homofobia, o que fica confirmado, segundo ela, com “a negativa de locar o espaço aos requerentes pelo simples fato de serem um casal homoafetivo”. Ela considerou também que a partir do momento que a organização se dispõe a locar um espaço ao público, não cabe aos donos distinguir os locatários pela orientação sexual. Ressaltou que o casal se preparava para um dia especial e, ao receber a negativa, tiveram de lidar com a tristeza de serem discriminados pela sua orientação sexual.

Na sentença, a juíza Munhoz argumentou que não está em questão a liberdade de crença e de expressão dos donos do estabelecimento, mas, sim, a preservação de uma sociedade pluralista e, portanto, tolerante. 

Na ocasião, o site Jota fez uma cobertura ampla do caso. Logo no primeiro parágrafo, apresenta a fala de um dos contratantes do serviço de buffet:

“Conversei com Wilson, né, que é o proprietário, e você tinha até comentado comigo no telefone, né, quando eu falei para você vir visitar e você falou que viria com ele, no caso comigo no telefone, e eu conversei com ele e ele falou assim que eles aqui no espaço não fecham contratos para celebração de casamento, ou seja, recepção de convidados que seja de pessoas do mesmo sexo, né…”.

A partir daí, a reportagem traz os apontamentos já evidenciados em outros conteúdos, finalizando com a afirmação de que a casa de eventos iria recorrer à decisão e apresentando o número da tramitação no Tribunal de Justiça de São Paulo.

As abordagens da matéria causaram reações divergentes no Twitter @JotaInfo

Bereia conclui que a matéria publicada no site Gospel Mais é enganosa, pois apresenta um fato ocorrido com abordagem não-informativa, opinativa e tendenciosa, já no título que vitimiza “evangélicos”, apresentados no texto como uma “família”. Também por levar leitores a se revoltarem com uma a “falta de liberdade” da empresa em negar a realização de um evento, o que disfarça a atitude de homofobia, explicitada na sentença da juíza. Ainda, com a classificação da reivindicação do casal homoafetivo, legítima diante da justiça, como “estratégia usada por ativistas LGBT nos Estados Unidos”. Por fim, há na matéria do Gospel Mais a ocultação de informações sobre os direitos garantidos à população LGBTI+ em casos como este.

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Referências da Checagem

JM Notícia– Juíza condena evangélicos por não aceitarem casamento gay em seu espaço de eventos. Disponível em: https://www.jmnoticia.com.br/2020/06/16/juiza-condena-evangelicos-por-nao-aceitarem-casamento-gay-em-seu-espaco-de-eventos/

Paulopes– Eventos Alvorada terá de indenizar gays por negar locação por motivo religioso. Disponível em:https://www.paulopes.com.br/2020/05/homofobia-eventos-alvorado.html#.XvFCrGhKiUk

R7 – Espaço de eventos vai indenizar casal gay após recusar festa. Disponível em: https://noticias.r7.com/sao-paulo/espaco-de-eventos-vai-indenizar-casal-gay-apos-recusar-festa-12062020

JOTA – Casa de eventos deve indenizar casal gay por recusa a celebrar casamento. Disponível em: https://www.jota.info/coberturas-especiais/liberdade-de-expressao/casa-de-eventos-deve-indenizar-casal-gay-por-recusa-a-celebrar-casamento-22052020

Conjur – Processo Digital nº: 1041244-74.2019.8.26.0114. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-espaco-eventos.pdf

É falso que Facebook censurou páginas de mães que se opõem à sessão de leitura infantil com Drag Queens

No dia 11 de junho o site Gospel Mais publicou a seguinte matéria: “Facebook deleta página de mães que se opõem a sessão de leitura infantil com drag queens”.

Segundo Gospel Prime “a censura impune do Facebook a grupos conservadores continua, e um caso específico, envolvendo mães, chama a atenção de veículos de informação internacionais, já que é a terceira vez que um grupo na rede social é deletado por reunir pessoas que se opõem a sessões de leitura para crianças com drag queens.” O link direciona o leitor para outras matérias do próprio site Gospel Mais a respeito da suposta censura do Facebook. Nenhuma agência de notícias internacional ou grande veículo de comunicação é mencionado.

A matéria continua relatando que: “A oposição de grupos conservadores às sessões de leitura feitas por drag queens começou em outubro de 2017, quando um {travesti vestido de demônio foi chamado para ler histórias infantis em uma biblioteca pública” e que Anna Bohach, uma “mãe conservadora” fundou o grupo 500 Mom Strong com o intuito de combater o projeto Drag Queen Story Hour (Hora da História da Drag Queen).

Dia 14 de outubro de 2017, em seu perfil no Instagram, a Drag Queen Xochi Mochi conta que teve uma de uma de suas melhores experiências na leitura para as crianças, que ficaram animadas com sua presença, e fala da importância de naturalizar a diversidade na vida das pessoas.

Essa é a fantasia que segundo Gospel Mais representaria o demônio.

De acordo com publicação do site da BBC News Brasil: o Drag Queen Story Hou” (Hora da leitura Drag Queen) foi criado em San Francisco em 2015 e, desde então, tem se espalhado pelos Estados Unidos e o mundo como um projeto de contação de histórias para crianças e adolescentes. A leitura é feita por Drag Queens voluntárias e os encontros são em bibliotecas, livrarias e escolas.

Segundo o site oficial, o projeto celebra o aprendizado e a diversão através da leitura e brincadeiras, e tem objetivo de incentivar o respeito à diversidade e a tolerância a todas a formas de expressão, gerando coragem e confiança para que as crianças possam se expressar.

O grupo ressalta que pessoas LGBTQ estão presentes em todas as comunidades, por isso acreditam que crianças merecem ter acesso a essa cultura e história nas idades apropriadas. O site reitera que qualquer insinuação de que o grupo tem objetivo de doutrinar crianças não compreende as identidades LGBTQ e é revestida de homofobia e transfobia.

Em uma entrevista concedida ao G1, um dos fundadores do projeto, Jonathan Hamilt, afirma que as histórias contadas sempre levam em conta a faixa etária dos ouvintes e os pais que levam seus filhos aos encontros normalmente têm a intenção de mostrar aos filhos de que não há nada de errado em ser LGBTQ.

Jonathan conta que o grupo tem sido alvo de ataques e protestos de grupos conservadores religiosos em diversos lugares do mundo. Um dos ataques ocorreu em janeiro de 2020 na Austrália, quando um grupo de 15 a 20 estudantes conservadores invadiu a sessão de contação de histórias em uma biblioteca na cidade Brisbane, protestando com as palavras de ordem “Drag Queens are not for kids”, em português, “Drag Queens não são para crianças”. Veja no vídeo abaixo:

Gospel Mais cita o portal LifeSite News como fonte, e de acordo com o site internacional, a página criada pela mãe conservadora Anna Bohach foi deletada pelo Facebook em três ocasiões. Segundo a administradora do perfil, as páginas foram deletadas sob acusação de transfobia.

Bereia verificou que é verdade que a página 500 Mom Strong foi deletada por discurso de ódio, uma violação dos Padrões de Comunidade do Facebook:

“Não permitimos discurso de ódio no Facebook, pois ele cria um ambiente de intimidação e de exclusão que, em alguns casos, pode promover violência no mundo real.

Definimos discurso de ódio como um ataque direto a pessoas com base no que chamamos de características protegidas: raça, etnia, nacionalidade, filiação religiosa, orientação sexual, casta, sexo, gênero, identidade de gênero e doença grave ou deficiência.”

Anna Bohach, entretanto, segue com as atividades no grupo fechado 500 Mom Strong, que contava com a participação de mais de 800 pessoas até o fechamento da matéria. A descrição do grupo afirma:

“500 Mom Strong é um grupo dedicado ao combate à sexualização de crianças promovidas pelo Drag Queen Story Hour em bibliotecas e escolas públicas, contra a educação sexual abrangente e invasão de transgêneros nos direitos e na privacidade de mulheres e meninas”.

Ainda segundo a matéria de Gospel Mais, a mãe conservadora afirmou que “Hora da História da Drag Queen é uma zombaria da feminilidade, pois Drag queens são muito ofensivos para as mulheres. Eles são caricaturas hiper-sexualizadas de mulheres”.

O Manual de Comunicação LGBTI define Drag Queen como:

“Homem que se veste com roupas femininas de forma satírica e extravagante para o exercício da profissão em shows e outros eventos. Uma drag queen não deixa de ser um tipo de “transformista”, pois o uso das roupas está ligado a questões artísticas – a diferença é que a produção necessariamente focaliza o humor, o exagero”.

O movimento Drag Queen Story Hour define Drag como uma maneira artística de se expressar e mostrar ao mundo quem você é ou quem quer ser. “As drag queens geralmente expressam seus lados femininos ou diferentes aspectos de seu gênero ou personalidade através de vestir-se, se apresentar, marchar em desfiles e ser voluntário em suas comunidades. Existem drag queens, kings, príncipes e princesas – qualquer pessoa pode ser uma das opções acima, independentemente de como elas se identificam na vida cotidiana O que importa é que, quando você se veste, se sente confortável e criativo”, informa o site oficial do grupo.

A história da arte Drag remete à Grécia Antiga, mas ganha força na década de 60, quando pessoas LGBT começaram a se organizar em circuitos culturais e clubes para expressar suas identidades através da arte, o que não era possível em outros espaços de sociabilidade como a família, escola e trabalho. Segundo o professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UFRN), Jo Fagner, muitos gays utilizavam essas oportunidades também para brincar com os papéis de gênero. “Além de suavizar o peso do estigma em suas concepções de sujeito, passaram a se tornar importantes espaços de profissionalização, pelo viés da arte”, explica.

O movimento foi se popularizando e conquistou espaço na TV e na música, no Brasil com ícones como Márcia Pantera, Sylvetti Montilla, Vera Verão e, mais recentemente, Pabllo Vittar e Gloria Groove.

Para a Drag Queen brasileira Ginger Moon, “Drag é poder fazer o que você quer. Num dia sou alien, no outro, um unicórnio. E isso ensina muito: a se amar, a ter consciência do seu corpo e das suas limitações”.

Bereia conclui, portanto, que é falsa a notícia de que o Facebook esteja censurando páginas de mães que se opõem a drag queens. Decorreu-se, no entanto, que a página 500 Mom Strong foi excluída devido à violação de um dos padrões de comunidade da plataforma, a prática do discurso de ódio.

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Referências de Checagem:

Gospel Mais. Facebook deleta página de mães que se opõem a sessão de leitura infantil com drag queens. Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/facebook-deleta-pagina-maes-opoem-drag-queens-136139.html. Acesso em: 16 jun. 2020.

Gospel Mais. Drag queen vestida de demônio é escolhida para pregar ideologia de gênero a crianças. Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/drag-queen-demonio-ideologia-de-genero-criancas-93381.html. Acesso em: 16 jun. 2020.

Gospel Mais. Facebook censura conservadores. Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/?s=facebook+censura+conservadores. Acesso em: 16 jun. 2020.

Life Site News. Facebook again deletes moms’ group dedicated to ending drag queen story hours. Disponível em: https://www.lifesitenews.com/news/facebook-again-deletes-moms-group-dedicated-to-ending-drag-queen-story-hours. Acesso em: 16 jun. 2020.

BBC News Brasil. O que acontece quando drag queens que contam histórias a crianças chegam às regiões mais religiosas dos EUA. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-47319841. Acesso em: 16 jun. 2020.

G1. Drag queens leem histórias a crianças em livrarias e escolas dos EUA para incentivar respeito à diversidade. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2018/11/16/drag-queens-leem-historias-a-criancas-em-livrarias-e-escolas-dos-eua-para-incentivar-respeito-a-diversidade.ghtml. Acesso em: 16 jun. 2020.

Drag Queen Story Hour. Site oficial da iniciativa “Drag Queen Story Hour”. https://www.dragqueenstoryhour.org/. Acesso em: 16 jun. 2020.

Instagram. Perfil Drag Queen Xochi Mochi https://www.instagram.com/p/BaPjGQyH6Q0/?utm_source=ig_embed. Acesso em: 16 jun. 2020.

Facebook. Grupo Drag Queen Strong. https://www.facebook.com/500DragQueenStrong. Acesso em: 16 jun. 2020.

Facebook. Grupo 500 Mom Strong. https://www.facebook.com/groups/2294300754231749. Acesso em: 16 jun. 2020.

G1. Drag queens: a história da arte por trás de homens vestidos de mulher. Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/drag-queens-a-historia-da-arte-por-tras-de-homens-vestidos-de-mulher.ghtml. Acesso em: 17 jun. 2020.

UOL Universa. Mulher Drag Queen. Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/especiais/mulher-e-drag-queen#mulher-drag-queen. Acesso em: 17 jun. 2020.