Circula em grupos de Whatsapp de igrejas um documento assinado divulgado por uma suposta aliança empresarial das chamadas “Big Techs”, formada por Google, Meta, Twitter, Telegram e Spotify, denominada “Democracy Alliance” (Aliança Democracia, em inglês). Segundo a nota, com data de 2 de maio de 2023, as empresas de mídia teriam decidido suspender suas atividades no Brasil a partir de 4 de junho de 2023, caso a PL 2630/2020 seja aprovada.
O Projeto de Lei 2630/2020
Conhecido de forma simplista como “PL das Fake News”, o Projeto de Lei 2630/2020 diz institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. No texto, o PL cria medidas de enfrentamento a disseminação de conteúdo desinformativo (falso e enganoso), bem como de material que estimule o ódio, o extremismo e a violência (as chamadas fake news) nas mídias digitais, sejam os perfis públicos ou privados, bem como visa à responsabilização das plataformas que não somente publicam mas monetizam (ganham financeiramente) com tais conteúdos.
Os artigos 3° e 4° expõem estes princípios e objetivos:
Art. 3º Esta Lei será pautada pelos seguintes princípios:
I – liberdade de expressão e de imprensa;
II – garantia dos direitos de personalidade, da dignidade, da honra e da privacidade do indivíduo;
III – respeito ao usuário em sua livre formação de preferências políticas e de uma visão de mundo pessoal;
IV – responsabilidade compartilhada pela preservação de uma esfera pública livre, plural, diversa e democrática;
V – garantia da confiabilidade e da integridade dos sistemas informacionais;
VI – promoção do acesso ao conhecimento na condução dos assuntos de interesse público;
VII – acesso amplo e universal aos meios de comunicação e à informação;
VIII – proteção dos consumidores;
IX – transparência nas regras para veiculação de anúncios e conteúdos pagos.
Art. 4º Esta Lei tem como objetivos:
I – o fortalecimento do processo democrático por meio do combate ao comportamento inautêntico e às redes de distribuição artificial de conteúdo e do fomento ao acesso à diversidade de informações na internet no Brasil;
II – a defesa da liberdade de expressão e o impedimento da censura no ambiente online;
III – a busca por maior transparência das práticas de moderação de conteúdos postados por terceiros em redes sociais, com a garantia do contraditório e da ampla defesa;
IV – a adoção de mecanismos e ferramentas de informação sobre conteúdos impulsionados e publicitários disponibilizados para o usuário.
O projeto é de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), e é uma resposta aos mais de 50 projetos de leis para combate à fake news que circularam no Congresso Nacional até o ano de 2020, ano em que o PL foi apresentado. O projeto foi aprovado no Senado, depois de três anos de debates e encaminhado à Câmara de Deputados, onde está em debate e pode ser acompanhado pelo portal da Câmara legislativa.
Em matéria detalhada, o portal Boatos.org aponta como falsas as informações contidas na nota em circulação e lembra que “ao olhar o texto, já é possível ficar muito desconfiado. A mensagem segue o velho roteiro das fake news na internet. Ela apresenta caráter vago, extremamente alarmista e tem muitos erros de ortografia”.
Quanto à Democracy Alliance, a instituição não tem relações com as empresas de mídia citadas na falsa nota oficial”. Em seu site, a rede Democracy Alliance defende ser uma rede de doadores que se dedica à promoção de uma agenda progressista durante as eleições estadunidenses; O site explica que esta comunidade de doadores, formada por agentes políticos ligados às pautas de gênero, raça e classe, torna possível que estas pessoas “troquem experiências e conhecimentos com outros e alinhem recursos e estratégias com sindicatos, fundações progressistas, bem como indivíduos e famílias comprometidos com a construção de uma democracia mais inclusiva e equitativa”.
Bereia classifica como falsa a informação de que as empresas META, Spotify e Google haviam se unido e redigido um documento/comunicado sobre o fim de suas atividades no Brasil. Algumas empresas citadas manifestaram-se a respeito, negando a autoria da nota, que tampouco se encontra no site da alegada organização responsável , a Democracy Alliance.
Importa considerar que essas empresas de plataformas de mídias digitais são conglomerados que comandam o mercado mundial de consumo de informações virtuais. Uma suposta retirada de um país do tamanho do Brasil – o terceiro país do mundo a consumir redes sociais, e o primeiro da América Latina – dificilmente seria cogitada, pois representaria um prejuízo muito significativo para o altamente lucrativo mercado que estes conglomerados disputam, arena em que há muita concorrência.
Bereia lembra leitores e leitoras que o PL segue em trâmite legal, e o processo pode ser acompanhado pelo portal da Câmara dos Deputados.
Previsto para discussão no Plenário da Câmara dos Deputados, nesta terça, 2 de maio, o Projeto de Lei 26/2020, popularmente denominado PL das Fake News, curiosamente, tem sido tema de propagação muita desinformação.
Bereia, via Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD), da qual é membro fundador, vem acompanhando o processo de propagação de desinformação sobre a nova lei, que esteve em debate no Congresso Nacional por três anos e agora está sob ataque. Pessoas e grupos interessados na desinformação como fonte de lucro (em especial as chamadas Big Techs – corporações internacionais que controlam plataformas de mídias digitais) e como estratégia de influência sobre temas de interesse público (em especial políticos, influenciadores e outras lideranças e grupos que fazem uso das chamadas fake news para convencer) tem atuado em oposição à aprovação. Entre estes últimos estão religiosos.
A ofensiva da Bancada Evangélica no Congresso Nacional e de outras lideranças religiosas contra o PL 2630, nos últimos dias, agora contrasta com a organização de um grupo de pastores e pastoras evangélicos, juntamente com um frei católico que viajaram para Brasília, neste 2 de maio, para se posicionar publica e favoravelmente à nova lei. Bereia verificou os fatos.
O projeto de lei
Como Bereia já publicou, o PL 2630/2020, de autoria do senador Alessandro Vieira (PSDB/SE, na época do Cidadania) institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Segundo o texto, relatado pelo senador Ângelo Coronel (PSD-BA), então presidente da extinta Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, uma vez aprovado,
“Estabelece normas relativas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, sobretudo no tocante à responsabilidade dos provedores pelo combate à desinformação e pelo aumento da transparência na internet, à transparência em relação a conteúdos patrocinados e à atuação do poder público, bem como estabelece sanções para o descumprimento da lei”.
Esta ementa demonstra que a proposta diz respeito não à censura, mas à regulação da responsabilidade das plataformas de mídias digitais (provedores) para impedir a farta propagação de desinformação, com transparência dos processos de filtragem e transparência dos processos de monetização, em especial quanto a conteúdo maldoso patrocinado. A busca de regulação dos espaços digitais é uma demanda internacional, e vários países no mundo discutem este processo.
“A Internet é essencial para a vida em sociedade, especialmente no que tange ao debate público e à participação política. Mas uma série de transformações nesse espaço, a exemplo da concentração de poder econômico e político das plataformas digitais e da utilização delas em campanhas de desinformação, tem gerado preocupações e levado à criação de novas regras em todo o mundo, a fim de proteger os direitos humanos das pessoas que usam a Internet, evitar a concentração de poder e a degradação da esfera pública”.
“foram realizadas 27 reuniões técnicas, incluindo 15 audiências públicas onde mais de 150 especialistas de diversos setores e áreas foram ouvidos. Além disso, a proposta ganhou mais centralidade diante das preocupações que cresceram, especialmente no contexto das eleições e na tentativa frustrada de golpe no 8 de janeiro, quando restou nítida a insuficiência da ação das plataformas digitais para conter a desinformação e os ataques à democracia. Esta conjuntura demonstra que a proteção da democracia e dos direitos humanos no ambiente digital necessita pactuação de novas ações e regras para enfrentar esses novos desafios”.
O CDR alerta que depois do 8 de janeiro e a crise de segurança das escolas, as empresas de tecnologia que dominam o mercado das mídias digitais (como Google/Alphabet, Amazon, Apple, Facebook/Meta e Microsoft, as chamadas Big Techs), querem adiar o debate e ganham, como aliados, indivíduos e grupos do cenário político, que lucram com a propagação de desinformação e de ações violentas decorrentes.
Segundo a coordenadora da RNCD Profa. Ana Regina Rego, “o relator do PL 2630/20 na Câmara Federal deputado Orlando Silva (PCdoB- SP), afirmou em entrevistas recentes que o PL absorveu sugestões que vieram do Governo e que tem como inspiração a lei dos Serviços Digitais da União Europeia (Digital Service Act- DSA) tais como: a ideia do dever de cuidado a partir das plataformas, a questão da análise de risco sistêmico, a criação de auditorias independentes, obrigações legais de transparência e criminalização do mercado da desinformação”.
A Profa. Ana Regina Rego acrescenta que o Ministério da Justiça tem defendido a responsabilização civil das plataformas pelos danos causados por conteúdo gerado por terceiros (ou seja, elas seriam responsáveis pelo que permitem tornar público), porém isto “contraria o Artigo 19 do Marco Civil da Internet, que reza que as plataformas não podem ser responsabilizadas por tais conteúdos, a não ser se descumprirem decisões judiciais”. A coordenadora da RNCD explica que este é mais um ponto polêmico em discussão no governo, no Congresso, no STF e nas instituições da sociedade civil que acompanham de perto as questões vinculadas a regulação das plataformas e combate à desinformação no Brasil.
Desde 2020 travado na Câmara Federal, em março de 2022, o PL ganhou nova versão do relator deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), mas teve suas expectativas de aprovar o projeto antes das eleições presidenciais frustradas quando a Câmara rejeitou o regime de tramitação com urgência.
O requerimento de urgência foi aprovado em 25 de abril pelo Plenário da Câmara, tendo em vista as medidas demandadas por conta de episódios violentos, como os assassinatos em escolas, alguns praticados por menores de idade, e vem se intensificando nos últimos meses incentivados por extremistas organizados nas mídias digitais. Os ataques golpistas contra a democracia do Brasil, concretizados em 8 de janeiro passado, também impulsionaram o projeto de lei.
O requerimento de urgência acelera a tramitação do texto, sem que ele passe por comissões e seja avaliado diretamente em plenário. A previsão é que o plenário da Câmara vote o mérito do PL neste 2 de maio. Caso seja aprovado pelos deputados, o texto passará por uma votação no Senado, que dará a palavra final sobre o texto.
Políticos notadamente identificados como propagadores de desinformação (conteúdo falso, popularmente denominado fake news, mas também enganoso, impreciso e inconclusivo, como Bereia tem apresentado em suas checagens), desde a apresentação do requerimento de urgência no início da atual legislatura da Câmara Federal, têm publicado material falso e enganoso contra a lei. Entre estes estão vários deputados com identidade religiosa, como Bereia publicou.
Pouca reflexão, muita desinformação
Lideranças religiosas, políticas e eclesiásticas, que já ocupavam as mídias sociais com desinformação contra o PL 2630 no processo de aprovação da urgência, continuaram a publicar que afirmam ser a nova lei um projeto de censura do governo federal contra a livre expressão das religiões, contra a publicação de textos bíblicos que apregoam moral sexual cristã em leitura conservadora nas mídias sociais.
Em 29 de abril, a Frente Parlamentar Evangélica, liderada pelo deputado federal Eli Borges (PL-TO), veio a público afirmar que orienta seus membros a votaram contra o PL 2630. Segundo a bancada, com base na desinformação circulante sobre a nova lei, o texto tem dispositivos que “penalizam a pluralidade de ideias e sobretudo os valores cristãos”.
Bereia pesquisou e não identificou elementos objetivos divulgados pelos políticos da Bancada Evangélica que demonstrem como a lei penaliza valores cristãos, uma vez nova lei busca não só o enfrentamento da farta circulação de mentiras mas também do ódio e da violência. Publicações falsas e enganosas continuam a circular, com o apoio das empresas que não querem ser reguladas, com uso de mentiras e pânico para convencer deputados e o público pela não aprovação da lei. Evoca-se os temas da censura, da perseguição a cristãos, da ação comunista, já tão checados pelo Bereia em ambientes digitais cristãos, atrelando-os ao projeto de lei.
Reprodução de imagem da página de abertura do Google em 1 de maio de 2023, com mensagem de campanha contra o PL 2630, denunciada por vários usuários da rede.
Religiosos denunciam mentiras e declaram apoio à Lei de Enfrentamento das Fake News
Um grupo de lideranças cristãs, evangélicas e católicas, favoráveis ao PL 2630, esteve na Câmara dos Deputados, neste 2 de maio, e ofereceu declaração pública, para demandar que parlamentares endossem o projeto no momento da votação. Em direção oposta à declarada pela Bancada Evangélica, o grupo formado pelos pastores e pastoras evangélicos Ricardo Gondim (Igreja Betesda), Sérgio Dusilek (Igreja Batista), Bispa Marisa Freitas (Igreja Metodista) e Camila Oliver (Igreja Batista Nazareth), e pelo Frei (Católico) Lorrane Clementino, se colocou em nome dos cristãos e cristãs que defendem a lei contra o uso de mentiras, do ódio e da violência como pauta política nas plataformas digitais. O grupo denuncia estas práticas que têm causado mortes, em especial, de crianças e adolescentes em escolas, além daquelas durante a pandemia de covid-19, provocadas por mentiras nas redes. Lideranças cristãs acompanharam o grupo em entrevista coletiva, entre elas o deputado federal pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), da Igreja Batista do Caminho.
O pastor Ricardo Gondim declarou que o grupo esteve na Câmara Federal para “para mostrar que há um seguimento religioso cristão, evangélico e católico, que vê esse projeto de lei como uma defesa das crianças, dos mais vulneráveis e de pessoas menos informadas, mas também da soberania nacional. A ideia é mostrar a cara se um segmento evangélico que não abraça um partido, mas sim questões caras à nossa humanidade e critérios éticos”. Gondim acrescentou: “Não podemos permitir que empresas transnacionais, donas de seguimentos da informação em escala mundial, pautem o que pode ou não acontecer dentro de um país”.
O deputado pastor Henrique Vieira disse que o rol de crimes previsto pelo projeto é “taxativo” e “preciso”. Ele classificou o PL ainda como “bem amadurecido, bem escrito” e pontuou que ele tipifica “com objetividade quais crimes não queremos”.
Seguimos ainda em 2021, ano que não acabou porque o Covid-19 anulou a contagem do tempo por continuar sua obra letal. O 2022 não pôde, por ora, ser inaugurado. O fato é que o vírus colocou de joelhos todos os poderes, especialmente os militaristas, pois seu arsenal de morte fez-se totalmente ineficaz.
No entanto, o gênio do capitalismo, a propósito da pandemia, fez com que a classe capitalista transnacionalizada se reestruturasse mediante o Great Reset(a Grande Reinicialização), expandindo a recente economia digital mediante a integração dos gigantes: Microsoft, Facebook, Apple, Amazon, Google, Zoom e outros com o complexo militar-industrial e de segurança. Tal evento representa a formação de um poder imenso, nunca havido antes. Notemos que se trata de um poder econômico de natureza capitalista e que, portanto, realiza seu propósito essencial, o de maximização dos lucros de forma ilimitada, explorando, sem consideração, os seres humanos e a natureza. A acumulação não é meio para um bem viver mas é um fim em si mesmo, vale dizer, a acumulação pela acumulação, o que é irracional.
A consequência desta radicalização do capitalismo confirma o que um sociólogo da universidade da Califórnia em Santa Bárbara, William I. Robinson, num artigo recente, bem observou (ALAI 20/12/2021): “À medida em que o mundo vai se livrando da pandemia, haverá mais desigualdade, conflitos, militarismo e autoritarismo e nesta mesma medida aumentarão as convulsões sociais e os conflitos civis; os grupos dominantes se empenharão por expandir o estado policial global para conter os descontentes em massa, vindos de baixo”. Com efeito, utilizar-se-á a inteligência artificial com seus bilhões e bilhões de algoritmos para controlar cada pessoa e a sociedade inteira. Esse brutal poder levará a humanidade para onde?
Sabendo da lógica implacável do sistema capitalista, Max Weber, um dos que melhor a analisou criticamente, um pouco antes de morrer, asseverou: “O que nos aguarda não é o florescimento do outono, nos aguarda uma noite polar, gélida, sombria e árdua (Le Savant et le Politique, Paris 1990, p. 194). Ele cunhou a expressão forte que atinge o coração do capitalismo: ele é uma “jaula de ferro” (Stahlartes Gehäuse) que não consegue romper e, por isso, nos pode levar a uma grande catástrofe (cf. a pertinente análise de M. Löwy, La jaula de hierro: Max Weber y el marxismo weberiana, México 2017). Essa opinião é compartilhada por grandes nomes como Thomas Mann, Oswald Spengler, Ferdinand Tönnies, Eric Hobsbawn entre outros.
Vários modelos de sociedade-mundo estão sendo discutidos para o pós-pandemia. Os mais importantes além do Great Reset dos bilhardários, são: o capitalismo verde, o ecossocialismo, o bien vivir e convivir dos andinos, a biocivilização, de vários grupos e do Papa Francisco entre outros. Não cabe aqui detalhar tais projetos, coisa que fiz no livro Covid-19: A Mãe Terra contra-ataca a Humanidade (Vozes 2020). Apenas diria: ou mudamos de paradigma de produção, de consumo, de convivência e, especialmente, de relação para com a natureza, com respeito e cuidado, sentindo-nos parte dela e não sobre ela como donos e senhores, ou então realizar-se-á o prognóstico de Max Weber: poderemos de 2030 até no máximo 2050, conhecer um armagedon ecológico-social extremamente danoso para a vida e para a Terra.
Neste sentido, meu sentimento do mundo me diz que quem irá destruir a ordem do capital, com sua economia, política e cultura, não seria nenhum movimento ou escola de pensamento crítico. Seria a própria Terra, planeta limitado que não suporta mais um projeto de crescimento ilimitado. A visível mudança climática, objeto de discussão e de tomada de decisão (praticamente nenhuma) das últimas COPs da ONU, o esgotamento crescente dos bens e serviços naturais, fundamentais para a vida (The Earth Overshoot) e a ameaça de rompimento das principais das nove barreiras do desenvolvimento que não podem ser rompidas a preço do colapso da civilização, são alguns indicadores de uma iminente tragédia.
Um número significativo de especialistas em clima afirma que chegamos tarde demais. Com o já acumulado de gases de efeito estufa na atmosfera não poderemos conter a catástrofe, apenas, com ciência e tecnologia, minorar seus efeitos desastrosos. Mas a grande crise irreversível virá. Por isso se fizeram céticos e até tecno fatalistas.
Seremos pessimistas resignados ou, no sentido de Nietzsche, adeptos da “resignação heroica”? Estimo, como dizia um pré-socrático: devemos esperar o inesperado, pois, se não o esperarmos, quando ele vier, não o perceberemos. O inesperado pode ocorrer, dentro da perspectiva quântica: o sofrimento atual por causa da crise sistêmica não será em vão; ele está acumulando energias benfazejas que, ao atingir certo nível de complexidade e de acumulação, darão um salto para uma outra ordem mais alta com um novo horizonte de esperança para a vida e para o planeta vivo, Gaia, a Mãe Terra. Paulo Freire cunhou a expressão esperançar: não ficar esperando que um dia a situação irá melhorar, mas criar as condições para que a esperança não seja vazia, senão que, com nosso empenho, a façamos efetiva.
Creio que esse salto, com a nossa participação, poderá ocorrer e estaria dentro das possibilidades da história do universo e da Terra: do atual caos destrutivo, podemos passar para um caos generativo de um novo modo de ser e de habitar o planeta Terra. A arca de Noé está sendo construída pelos movimentos ecológicos, pelo eco feminismo e pelos modelos alternativos de economia circular, pelos grupos políticos engajados numa biocivilização. É nisso que creio e espero, reforçado pela palavra da Revelação que afirma: “Deus criou todas as coisas por amor porque é o apaixonado amante da vida”(Sabedoria 11,26). Ele não permitirá que terminemos assim tragicamente. Ainda viveremos sob a luz benevolente do sol.
No último dia 11 de novembro (quarta-feira), o portal evangélico de notícias Pleno News publicou matéria destacando a repercussão nas mídias sociais da hashtag #LaranjalDoBoulos.
A hashtag foi levantada a partir de suspeita de lavagem de dinheiro que surgiu de um vídeo em que o blogueiro Oswaldo Eustáquio denuncia a suposta inexistência de duas empresas contratadas pela campanha de Guilherme Boulos (Partido Socialismo e Liberdade-PSOL) à prefeitura de São Paulo. O conteúdo foi usado pelo candidato ao executivo da capital paulista Celso Russomano (Republicanos), em argumentação contra Boulos, durante um debate realizado pelo jornal Folha de São Paulo e o Portal UOL na manhã de 11 de novembro.
No mesmo dia, mais cedo, Pleno News já havia publicado matéria sobre o caso, reproduzindo o conteúdo divulgado por Eustáquio e Russomano.
“A fake news lançada por Celso Russomanno comprova, de uma vez por todas, que o gabinete do ódio de Bolsonaro quer espalhar mentiras e influenciar no resultado das eleições. A nossa campanha vai tomar as medidas jurídicas cabíveis”, disse o PSOL em nota após o debate. O juiz eleitoral Emílio Migliano Neto acolheu a reclamação da candidatura de Guilherme Boulos, no mesmo dia 11 de novembro, e determinou ao Google Brasil a imediata retirada de vídeo com as acusações contra a campanha do PSOL por Oswaldo Eustáquio.
O blogueiro Oswaldo Eustáquio
Em sua fanpage Eustáquio se apresenta como jornalista, especialista em Gestão Pública e Gerenciamento de Cidades, coordenador de jornalismo da TVCI e repórter especial do Agora Paraná. Entretanto, o jornalista não menciona ter sido assessor voluntário da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves, durante o governo de transição, conforme registra nota do Ministério ao jornal Valor Econômico.
Em junho deste ano, o blogueiro foi preso pela Polícia Federal (PF) em Campo Grande (MS), devido às investigações da Operação Lume, inquérito que apura financiamento e organização de atos antidemocráticos para a volta da ditadura militar e o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Inicialmente, a Polícia Federal localizou o blogueiro em Ponta Porã (MS), na divisa com o Paraguai. Ele vinha sendo monitorado pois havia o risco que ele deixasse o Brasil. Posteriormente Eustáquio fez uma transmissão ao vivo afirmando estar em Brasília. Porém, de acordo com os investigadores, ele estava em Ponta Porã.
Para os investigadores, Eustáquio estava usando táticas de contrainformação para não ser localizado e poder transitar à vontade, ou talvez, fugir. Por esta razão os policiais pediram a prisão dele temendo risco de fuga.
Eustáquio defendeu em suas redes a soltura da ativista Sara Fernanda “Winter” Giromini, presa pela PF no decorrer das investigações da mesma operação. Após a prisão de Eustáquio, Winter se manifestou a favor do blogueiro, afirmando que ele foi preso “arbitrariamente” e que “é o oitavo preso político do Brasil”.
O nome do jornalista esteve envolvido em outros episódios controversos, conforme verificado por Bereia. O mais recente foi o vídeo no qual aponta para um suposto “laranjal” de Boulos para favorecer a campanha de Celso Russomano, que obteve o conteúdo do vídeo antes mesmo que ele fosse publicado.
“O esquema foi montado para fraudar a campanha [de Boulos] em 2020. Uma empresa foi aberta apenas para receber R$ 500 mil e desviar o dinheiro público. Nossa equipe foi até o local em que deveria funcionar a empresa e explodiu o esquema”, escreveu Oswaldo no Youtube.
Russomano usou das informações para acusar Boulos de ter pagado R$ 528 mil a “produtoras fantasmas”. A acusação foi reafirmada ao fim do debate da manhã de 11 de novembro.
Desdobramento da publicação do vídeo
De acordo com Folha de São Paulo, a Justiça Eleitoral determinou a retirada do vídeo após pedido da campanha de Boulos. O pedido foi acolhido pelo juiz eleitoral Emílio Migliano. Segundo a reportagem, a postagem do vídeo por Eustáquio e a citação da suspeita de lavagem de dinheiro foram mencionados no debate. A matéria informa ainda que Russomano já sabia do conteúdo na manhã da terça-feira e a publicação veio durante o evento do jornal.
As acusações de Oswaldo Eustáquio à campanha de Boulos são baseadas na inexistência das empresas nos endereços registrados nas contas de campanha.
A reportagem da Folha de S. Paulo visitou os locais citados no vídeo, como endereço das supostas empresas inexistentes. Em um deles, ninguém atendeu. Em outro, uma pessoa que não quis se identificar respondeu que a empresa havia mudado de endereço. Além disso, em outro endereço comercial de uma das empresas, o porteiro disse já ter recebido correspondência da organização, mas não conhecia a sócia da instituição citada.
Responsáveis pela campanha de Guilherme Boulos declararam que uma das empresas trabalha remotamente e outra mudou de endereço, mas não atualizou essa informação na Junta Comercial. Em entrevista à TV Democracia em 12 de novembro, o publicitário Chico Malfitani, que atua na campanha de Guilherme Boulos, deduz que Oswaldo Eustáquio teve acesso às contas da campanha de Boulos e pegou o endereço de uma das empresas contratadas para produzir vídeos para a internet. Ao chegar ao local, o blogueiro percebeu se tratar de um endereço residencial e, com base nisso, alegou que um crime havia sido cometido sem ter exposto a informação correta. Malfitani é categórico ao afirmar que Eustáquio é financiado pelo “Gabinete do Ódio”, para disseminar conteúdo falso.
Para Malfitani, a campanha do candidato do PSOL não foi prejudicada com a divulgação de fake news. “Não penso que a campanha foi prejudicada eleitoralmente. Primeiro porque ele (Russomanno), não tem credibilidade alguma. Ganhamos diversos direitos de resposta dele no horário nobre na televisão. Através do monitoramento nas redes sociais, percebemos que a estratégia de Russomanno não funcionou”.
Por meio de nota publicada no portal do partido, Boulos se manifestou acerca do episódio. O candidato afirmou que a produtora Filmes de Vagabundo pertence à cineasta Amina Jorge, diretora de audiovisual da comunicação digital da campanha. Como freelancer registrou a empresa em seu endereço residencial. No entanto, a diretora se mudou de residência em dezembro de 2018 e não atualizou o endereço jurídico na Junta Comercial.
Quanto à Kyrion, Boulos disse que em razão da pandemia, a empresa permite que os serviços sejam prestados remotamente pela equipe, razão pela qual não há atividade de campanha na sede administrativa da empresa.
O PSOL encerra a nota argumentando que as fake news lançadas pelo candidato Celso Russomano são a prova definitiva que o “Gabinete do Ódio” capitaneado por Bolsonaro quer espalhar mentiras e influenciar no resultado das eleições e que a campanha tomará as medidas jurídicas cabíveis em relação ao caso.
Essa não é a primeira vez que Boulos é alvo de desinformação em pleitos eleitorais. Em 2018, um conteúdo falso dizia que o então candidato à presidência seria funcionário fantasma da Universidade de São Paulo (USP). O jornal Folha de São Paulo verificou como falsa essa informação.
A matéria do Pleno News
O texto do site evangélico reforça críticas de “internautas” de que Boulos é incoerente ao denunciar opositores por corrupção quando “comete o mesmo crime”. De fato, o candidato do PSOL critica casos de corrupção, em especial aqueles que envolveram o PSDB, partido de seu concorrente no segundo turno, Bruno Covas. Além disso, ele também reconhece que houve corrupção na gestão federal do Partido dos Trabalhadores (PT), apesar de criticar a Lava Jato. No entanto, Pleno News afirma que Guilherme Boulos “recai em crimes” unicamente com base no conteúdo enganoso de Oswaldo Eustáquio sem apresentar outros elementos que justifiquem tal acusação.
De acordo com o site Divulga Contas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as empresas citadas por Eustáquio constam nas despesas do psolista. No entanto, a matéria do Pleno News erra ao afirmar que, segundo o PSOL, os funcionários da Kyrion e da Filmes de Vagabundo não foram encontrados nos locais pois devido à pandemia, estariam trabalhando em casa. Este um elemento comprovável por jornalismo responsável.
De última hora
Quando Bereia se preparava para publicar esta matéria, surgiu a notícia, na manhã desta terça-feira (17), que Oswaldo Eustáquio voltou a ser preso pela PF. A prisão foi determinada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, que entendeu que Eustáquio descumpriu medidas cautelares determinadas pelo STF.
Ao ser liberado em julho, o STF determinou que o blogueiro não podia sair de Brasília sem autorização judicial. Ele também não poderia usar as mídias sociais. No entanto, nas últimas semanas, ele publicou os vídeos em favor de Celso Russomano (Republicanos), candidato a prefeito em São Paulo, como o suposto “laranjal do Boulos” e com a repetição de práticas de desinformação que o levaram ao processo judicial.
De acordo com a nova decisão do ministro, Eustáquio deverá usar tornozeleira eletrônica e cumprir prisão domiciliar. No Twitter o blogueiro comentou a decisão do STF, com mais desinformação. Eustáquio omite as razões formais de sua prisão e afirma que ela foi motivada pelas “denúncias da trama do golpe de Luciano Bivar (PSL) e o laranjal de Guilherme Boulos” que ele fez nas redes, buscando fazer seus seguidores/as crerem que está sendo perseguido por conta de denúncias contra a candidatura desses políticos.
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Diante dos dados apresentados e analisados, Bereia conclui que embora seja verdadeira a repercussão que alcançou a suposta contratação de “empresas fantasmas” para a campanha do psolista Guilherme Boulos, a notícia é enganosa. Pleno News não verifica o conteúdo apresentado pelo vídeo de Oswaldo Eustáquio e produz matéria reforçando-o como verdade credenciada por hashtag de mídias sociais, impossibilitando outras interpretações do fato aos/às leitores/as, omitindo as diferentes perspectivas em jogo em momento crucial da campanha eleitoral.
*Publicado originalmente pela Agência Pública. 09 de Julho de 2020
“E essas pessoas cheias de saúde que se aposentam com 50 anos?”, pergunta o ator de um vídeo encomendado pelo governo Bolsonaro sobre a reforma da Previdência. A série publicitária, parte da campanha oficial mais cara realizada na atual gestão da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), foi veiculada em rádios, TVs, jornais impressos e na internet, onde encontrou um nicho peculiar: canais de YouTube para crianças.
Segundo levantamento da Agência Pública, canais infantis no YouTube foram um dos principais meios de veiculação da propaganda governamental sobre a reforma da Previdência, que circulou também em canais religiosos, perfis acusados de produzir notícias falsas e contas banidas da plataforma por violarem regras.
A reportagem apurou os 500 canais do YouTube que mais receberam verbas da Secom através do sistema de anúncios do Google entre 6 de junho e 13 de julho de 2019. Nesse período, anúncios da Previdência foram veiculados em 168 canais infantis, 76 canais de música, 52 videoblogs ou vlogs e 33 canais religiosos. A Pública constatou que a campanha foi impulsionada em pelo menos 11 canais que publicaram notícias falsas e sete que foram excluídos ou banidos do YouTube por violação das regras. Juntos, eles receberam R$ 119 mil de dinheiro público.
Por meio dessa campanha, a Secom atingiu 9,8 milhões de visualizações em pouco mais de um mês. Mais de meio milhão se converteu em cliques nos anúncios da Nova Previdência – uma taxa de interação de 5,8%. Os canais infantis, maior público-alvo da campanha do governo federal, lideraram as visualizações.
Os dados foram obtidos por consultores legislativos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), em um processo que durou quase seis meses. Relatório apresentado à CPMI das Fake News revela que grande parte dos anúncios foi destinada a portais considerados “inadequados” – como sites de jogos de azar, disseminadores de notícias falsas ou banidos do YouTube por descumprimento de regras – e que há indícios de o dinheiro foi mal investido.
Canais bolsonaristas que disseminam fake news foram beneficiados
O Google Ads (AdWords) foi a plataforma utilizada pela Secom para divulgar a campanha da Nova Previdência no YouTube, em aplicativos e sites. Nela, os gestores de uma campanha podem estabelecer o orçamento, além de uma série de parâmetros para delimitar os canais em que os anúncios serão exibidos. O Google faz a intermediação entre o anunciante e os donos dos canais no YouTube que ofereceram seus espaços publicitários.
Ainda que o sistema seja automático, o anunciante consegue ter controle dos canais e até dos vídeos em que seu conteúdo será exibido, de acordo com o publicitário Paulo Motta, que trabalha com Google Ads há sete anos. “O Google permite segmentação por temas dos canais e por público-alvo. É possível escolher a faixa etária, a localização, o perfil de renda baseado em hábitos de consumo, a idade, e uma série de opções porque o Google colhe informações dos usuários para oferecer aos anunciantes”, garante. Motta diz que os gestores de uma campanha podem bloquear segmentos, canais e vídeos para assegurar que os anúncios não serão exibidos em sites de fake news e/ou de conteúdos sensíveis, como eróticos, por exemplo.
Apesar dessa possibilidade de bloqueio, anúncios da Secom foram veiculados em canais que espalharam fake news. Entre 6 de junho e 13 de julho de 2019, foram mais de 175 mil acessos aos vídeos da Nova Previdência em 11 canais desse tipo – com um faturamento de R$ 1,9 mil.
Oito deles são bolsonaristas, como, por exemplo, Bolsonaro TV, Jacaré de Tanga e Seu Mizuka, que postam vídeos alinhados ao discurso do presidente.
“A verdade pode ser assustadora!” é o título de um dos vídeos do Seu Mizuka, postado em 27 de junho do ano passado. Nele, o youtuber fala da reunião do G20, que estava prestes a ocorrer, chama os líderes mundiais de “globalistas” e acusa as Nações Unidas de querer criar movimentos separatistas dentro do Brasil.
Vídeos como esse foram precedidos por propagandas da Previdência, que atingiram mais de 18 mil visualizações através do Seu Mizuka. A cada cem visualizações, 41 pessoas clicaram no vídeo, uma taxa de interação considerada alta.
De maneira geral, considerando a taxa de interação – que pode ser um clique, um like ou um comentário – , as pessoas que assistiram aos canais de fake news se mostraram mais interessadas nos anúncios da Previdência do que as que viram vídeos de música, por exemplo. Em média, a cada cem acessos aos vídeos de desinformação, 13 se converteram em interações com os anúncios.
Um dos canais mais influentes na campanha da Nova Previdência foi o Foco do Brasil – antes chamado de “Folha do Brasil” –, que atingiu 57 mil visualizações e teve um ganho de R$ 13,70 por clique nos anúncios – totalizando um faturamento de R$ 726,25 no período. Além de publicar notícias falsas, o canal é alvo do inquérito da Procuradoria-Geral da República (PGR) que investiga a organização de atos antidemocráticos.
Com 2,18 milhões de inscritos, o canal posta vídeos de Jair Bolsonaro e de um jornal denominado JB News, que comenta as principais notícias do dia sob a ótica bolsonarista.
No seu último vídeo, denominado “Fim do Canal?”, publicado na quarta-feira (24/6), o apresentador agradece o apoio dos seguidores e ressalta de onde vem o dinheiro do canal: “Contamos com o apoio de membros e com as publicidades que o próprio YouTube veicula e que você assiste, exatamente igual ao que acontece com todo o universo de youtubers”.
Outro beneficiado com a campanha – que veiculou as propagandas 6,4 mil vezes –, o Vlog do Fernando Lisboa Replay é do mesmo autor do canal Vlog do Lisboa, que também está na mira das investigações da PGR. Em seus dois canais, Lisboa exibe fotos com o presidente Jair Bolsonaro.
O ministro Alexandre de Moraes autorizou que a PGR requisitasse ao YouTube as contas da ferramenta de anúncios do Google associadas ao Foco do Brasil e ao Vlog do Lisboa, no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos. Outros 11 canais também estão na mira.
O advogado de Fernando Lisboa, Marcos Conceição, afirmou que seu cliente respeita as instituições democráticas. “Não tem nada dele falando das instituições. Ele formula opinião em cima de matérias publicadas pelo Uol, pelo Terra, pelo Globo”, observou. Sobre os recursos recebidos com anúncios do Google para a campanha da Previdência, Conceição disse que Lisboa recebe o dinheiro dos anúncios diretamente do YouTube. “Aí ele não sabe de onde veio”, ressaltou, acrescentando que Lisboa não tem nenhum vínculo com a Secom e nunca recebeu dinheiro da secretaria. A Pública entrou em contato por e-mail com os canais DR News e Foco do Brasil, mas não obteve resposta.
Segundo o movimento Sleeping Giants, os anúncios do Google AdWords tornaram a produção de fake news “um negócio extremamente lucrativo”. O movimento tenta combater o financiamento de sites de desinformação e discurso de ódio informando as empresas de que seus anúncios estão sendo exibidos nessas plataformas e pedindo bloqueio.
O Sleeping Giants já flagrou anúncios do Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul (TCE-MS) e do Banco do Brasil em sites de fake news, que foram bloqueados por ordem do Tribunal de Contas da União (TCU). “O dinheiro público está basicamente financiando ataques à democracia”, defende o Sleeping Giants.
Anúncios da Previdência foram veiculados em canais investigados
Além de canais de fake news, outros dois canais, entre os 500 que veicularam anúncios da Nova Previdência, são alvos de investigações na Justiça.
O canal de Renato Garcia trouxe 137 mil acessos à propaganda governamental sobre a reforma da Previdência e, com isso, recebeu R$ 1,6 mil de dinheiro público. O youtuber paranaense, que faz vídeos sobre sua rotina e suas “máquinas” (motocicletas, carros e até armas), foi preso por posse ilegal de armas, munição e drogas encontradas em sua casa em maio de 2019 – um mês antes de receber financiamento da Secom através dos anúncios. Ele pagou fiança e responde em liberdade, mas continuou produzindo três vídeos por dia para seus mais de 18 milhões de inscritos.
Ainda em 2019, Garcia publicou um vídeo em suas redes sociais para esclarecer que as drogas e armas apreendidas não pertenciam a ele. A reportagem tentou entrar em contato com o canal para esclarecimentos sobre o caso e sobre a veiculação de anúncios da Previdência, mas não teve sucesso.
Outro exemplo de canal investigado pela Justiça que recebeu dinheiro público é o Fran para Meninas, que recebeu R$ 1.084,34 por 91 mil acessos ao anúncio da Nova Previdência. O canal está sendo investigado pelo Ministério Público (MP) pelo que o Conselho Tutelar chamou de “exposição vexatória e degradante”, como revelou a revista Veja em maio deste ano.
A denúncia começou na internet, quando usuários do Twitter subiram a hashtag #SalvemBelParaMeninas, com evidências de que a menina protagonista dos vídeos, Bel, estaria sendo exposta a situações desconfortáveis por sua mãe, Francinete Peres, no processo de gravação.
Em 2016, o canal Bel para Meninas também foi alvo de investigação do MP para apurar “práticas de direcionamento de publicidade e comunicação mercadológica ao público infantojuvenil”. Como resultado, o MP recomendou que o Google retirasse do YouTube todos os vídeos com publicidade de produtos infantis e protagonizados por crianças de até 12 anos.
Depois das denúncias mais recentes, os pais da criança gravaram um vídeo em que negaram a veracidade das acusações, que chamaram de “fake news” e “campanha caluniosa e difamatória”. A Pública buscou contato com os proprietários do canal, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.
Pedro Hartung, coordenador do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, enfatiza a necessidade de responsabilização das empresas, plataformas e anunciantes em casos como o de Bel, que chama de trabalho artístico não autorizado. “É importante que qualquer anunciante, seja privado ou governamental, assuma a responsabilidade que tem por lei de não financiar atividades que estejam fora da legalidade, como o trabalho infantil artístico sem autorização judicial.”
Anúncios da Previdência para crianças
A maior parte dos canais que receberam os anúncios entre 6 de junho e 13 de julho de 2019 foi direcionada ao público infantil – 168 dos 500 analisados –, recebendo um total de R$ 57,1 mil de repasse, um terço do montante analisado.
Esses canais foram os que mais divulgaram as propagandas da Previdência: os vídeos da campanha se repetiram 4,5 milhões de vezes. Destas, 240 mil se converteram em cliques nos anúncios. O número corresponde a 41% de todas as interações no período.
Para Hartung, a informação de que essa campanha foi veiculada principalmente em canais infantis do YouTube causa “estranhamento”. Ele avalia que o alto número de interações em canais infantis é consequência da vulnerabilidade desse público, não uma medida da qualidade do anúncio.
“A criança ainda está entendendo como funciona o mundo digital e o próprio mundo real, em desenvolvimento inconcluso de suas capacidades de leitura crítica.”
O publicitário Paulo Motta, que diz excluir essa categoria quando veicula anúncios no Google, acredita que a Secom pode ter direcionado a campanha para esses canais em decorrência da “enorme audiência do público infantil no YouTube”. Outra explicação seria o fato de que as crianças costumam usar o celular ou dispositivo de um adulto para acessar os vídeos. “O Google entende o comportamento de consumo como sendo o do proprietário do aparelho, não o da criança. Por isso, mesmo se o usuário está vendo um desenho, o YouTube pode mostrar um anúncio da Previdência”, diz.
Os consultores legislativos da CPMI das Fake News consideram que a grande veiculação de anúncios da Previdência em canais infantis é evidência de uma “falha intensa de target”, ou seja, determinação de público-alvo.
Outra evidência dessa falha seria a presença de canais estrangeiros entre os endereços que mais receberam repasses da Secom no período analisado. Dos 168 canais infantis, 32 exibiam seu conteúdo em línguas como inglês, espanhol, coreano, árabe, russo, japonês, turco, alemão e francês. Juntos, eles receberam R$ 7,9 mil do governo. O relatório exibido à CPMI dá destaque ao canal russo Get Movies, que sozinho recebeu R$ 1,4 mil.
Quase R$ 4 mil foram destinados a canais religiosos
Canais religiosos estão em quinto lugar entre as categorias que mais veicularam anúncios da Nova Previdência no período de 6 de junho a 13 de julho. Eles trouxeram mais de 285 mil acessos para a campanha em prol da reforma da Previdência.
Dos 500 canais que mais receberam repasses, 33 eram ligados à temática religiosa (6,6%). Juntos, eles receberam R$ 3.976,50.
Só o canal do cantor gospel Leandro Borges apresentou as propagandas do governo mais de 32 mil vezes. Considerado um fenômeno da música no meio evangélico, Leandro tem mais de 2,5 milhões de inscritos na plataforma e recebeu R$ 489,20 de dinheiro público pela campanha.
Em 2018, o cantor gravou um vídeo em que declara apoio ao senador bolsonarista Arolde de Oliveira (PSD). Arolde é dono do MK, um dos maiores grupos empresariais evangélicos do país, que inclui uma gravadora (MK Music), a MK News e outras empresas de mídia. Leandro não tem contrato com a MK Music, mas a MK News gerencia o YouTube do senador Flávio Bolsonaro, que também veiculou anúncios da Secom no período, mas poucas vezes (48). O canal é apontado entre os gastos irregulares da secretaria no relatório da CPMI das Fake News.
Entre os 500 canais mais influentes na campanha da Nova Previdência no YouTube está o da Renascer Praise. A banda gospel, ligada à igreja evangélica Renascer em Cristo, gerou mais de 5 mil visualizações para o governo por um valor de R$ 82,55. Comandada pelo apóstolo Estevam Hernandes e pela bispa Sônia Hernandes, a Renascer mantém a Rede Gospel, uma emissora de TV que recebeu R$ 402,7 mil em anúncios da Secom durante o governo Bolsonaro. A igreja acumula uma dívida de mais de R$ 30 milhões com a Receita Federal.
Pelo WhatsApp, um integrante da equipe de divulgação do cantor Leandro Borges informou que a publicidade do canal dele no YouTube “é administrada por uma empresa da Suíça chamada BELIEVE” e que “ele não tem relações com anunciantes, uma vez que esse gerenciamento é feito pela empresa”. A reportagem da Pública não conseguiu contato com a igreja Renascer em Cristo.
Agência gastou quase R$ 6 milhões em divulgação da Previdência no Google
A campanha da reforma da Previdência, que custou mais de R$ 71 milhões em diversas ações, envolveu sete agências de publicidade contratadas pelo governo. Os gastos, contudo, ficaram concentrados em uma agência, a Artplan – empresa que se tornou a maior beneficiada por contratos com a Secom na gestão atual.
Segundo a Pública apurou, o governo fechou mais de R$ 69 milhões em contratos com a Artplan para a campanha da Previdência. A agência foi a única que registrou gastos no sistema de anúncios do Google a respeito da Previdência, além de gastos no Facebook e em outras redes sociais.
Além da propaganda sobre as mudanças na Previdência, a Artplan fechou contratos para ações nas redes sociais nas campanhas de combate à violência contra a mulher e “Pátria Voluntária”, ambas ligadas ao Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos; e de divulgação das medidas anticrime, do Ministério da Justiça.
A proximidade da Artplan com o secretário Fabio Wajngarten já foi motivo de críticas ao governo. A Folha de S.Paulorevelou que a agência presta serviços para uma empresa da qual Wajngarten é sócio, a FW Comunicação, que tem como clientes emissoras de TV como Record e Band. Segundo a reportagem, a empresa de Wajngarten atua junto à Artplan averiguando se anúncios comprados pela agência foram efetivamente veiculados.
A Artplan já foi denunciada pelo MP por envolvimento em esquema de desvio de dinheiro, além de ter levantado suspeitas de favorecimento em licitações. A Pública questionou a agência sobre os valores gastos no sistema de anúncio do Google. A Artplan respondeu que “fez a intermediação da compra entre Secom e Google, referente ao pacote ‘Formas Inovadoras de Comunicação’”, comercializado pela plataforma, mas que “o suporte e distribuição da campanha foram executados pelo próprio Google, respaldados pelas políticas da sua plataforma”.
Além da Artplan, a Secom fechou contratos para anúncios em redes sociais com a Calia Y2, agência que, antes da gestão de Wajngarten, era a que mais recebia verbas públicas da secretaria. A Calia Y2 fechou contratos para ações em redes sociais em duas campanhas que passam imagem “positiva” do governo Bolsonaro, como revelou a Pública em reportagem, e atuou na divulgação no Google para as campanhas “Dia da Amazônia”, para “mostrar como o Brasil defende e conserva o bioma”; e “Brasil no Exterior”, para melhorar a imagem do governo Bolsonaro no exterior. Foi a empresa responsável pela “Proteger Vidas e Empregos”, em substituição à campanha “O Brasil não Pode Parar”, vetada pela Justiça. Custou R$ 5,3 milhões aos cofres públicos, por intermédio da Secom.
A reportagem questionou a Secom sobre a segmentação utilizada nos anúncios da Previdência e sobre outras campanhas veiculadas no Google, mas não obteve resposta até a data de publicação.