Apoiadores da reeleição de Jair Bolsonaro continuam a enganar sobre suposta ameaça do PT às igrejas
* Com colaboração de Heloísa Carvalho e Luis Henrique Vieira
Perfis de mídias sociais em campanha pela reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) atuam para garantir apoio do segmento cristão evangélico por meio de desinformação baseada em terrorismo verbal (busca de convencimento com imposição do pânico). Um dos temas mais fortes neste sentido nas eleições de 2022 é a ideia de que o Partido dos Trabalhadores (PT), que está à frente nas pesquisas com a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e as esquerdas em geral, ameaçam a existência das igrejas no Brasil. Em várias postagens se propaga que, caso vençam, Lula, o PT, as esquerdas, vão silenciar os cristãos e fechar as igrejas.
A mais recente postagem mostra o vídeo de uma marcha na qual manifestantes gritam “Igreja fascista tu tá na nossa lista”. Ao vídeo foi adicionado o título “Passeata do PT ameaça igrejas”. Legendas usam do pânico para convencer: “Olha o absurdo que nos espera se, acontecer o inesperado” e “‘Nicaraguar’ o Brasil não é uma opção” (esta última, em referência à perseguição que o atual governo da Nicarágua tem imposto a lideranças da Igreja Católica no país que lhe tem feito críticas).
Origem do vídeo
Bereia checou que este vídeo já havia sido utilizado por apoiadores de Jair Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018. Ele foi publicado no Facebook, em 15 outubro de 2018, pelo pastor da Igreja da Trindade Franklin Ferreira, em postagem contra esquerdas e pastores progressistas. No conteúdo, o pastor critica a disseminação de ódio contida na frase gritada por manifestantes em marcha, diante da Catedral da Fé da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), em Porto Alegre (RS).
A pesquisa que Bereia fez das origens do vídeo indica que ele foi produzido por fiéis da Catedral da Fé, em outubro de 2018, com o registro de um momento em que manifestantes passam em frente ao templo e gritam a frase que classifica a igreja como ” fascista”.
Em 9 de outubro de 2018, há a publicação de um pastor da IURD em seu perfil pessoal no Facebook, que reproduz o vídeo com a legenda:
“Estamos sendo CHAMADOS DE FACISTAS!!
Bispo, por três vezes lá em Porto Alegre, tivemos que fechar a catedral durante passagem de manifestantes da esquerda. Nas três vezes tivemos que pintar de novo a fachada, porque deixaram frases como essa. Podemos usar agora, mostrando o que eles pretendem em relação a nós. Repare que a frase cantada é “igreja fascista, tu tá na nossa lista”.
A manifestação em Porto Alegre ocorreu no contexto das marchas antifascistas, em oposição à candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), durante o segundo turno daquele pleito, disputado também por Fernando Haddad (PT). O jornal Sul 21 cobriu uma das marchas, organizada pela Frente Povo Sem Medo para protestar contra os casos de violência verbal e física de apoiadores do candidato dirigida a militantes de esquerda.
Os gritos contra a IURD, apoiadora de Jair Bolsonaro, registrados em vídeo, ocorreram em uma dessas manifestações. Como o pastor indica na publicação do Facebook, eles passaram a ser usados para contrapor a afirmação de que os discursos de ódio partiam da candidatura de Bolsonaro.
A falsa perseguição a igrejas
O uso do tema da perseguição a cristãos pelas esquerdas e pelo PT em campanha eleitoral não é novo, remonta às eleições de 1989, quando o PT lançou Lula candidato pela primeira vez, usado por apoiadores de Fernando Collor de Mello. Usava-se o imaginário da ameaça comunista relacionada ao PT e o discurso de que fecharia as igrejas para apoiar Collor, que as protegeria.
Este tema como campanha não foi tão usado em eleições posteriores e foi retomado com mais força somente mais recentemente, nas eleições municipais de 2020, sob o rótulo do termo “cristofobia”. Bereia publicou material sobre a circulação desta desinformação naquele ano. Como não havia casos a serem explorados no Brasil, onde cristãos livremente professam sua fé, os discursos lançaram mão de casos como o da queima de um templo católico no Chile, em 2020. O fato foi manipulado por candidaturas de direita, como exemplo do que poderia acontecer no Brasil governado por partidos de esquerda.
Bereia aprofundou a abordagem e publicou artigo que explica que “cristofobia” é tema inventado para explorar o imaginário cristão de perseguição e ganhar com isto adesão a certas causas e extrapolar a liberdade de expressão, uma vez que não existe este tipo de ação sistemática no Brasil.
O caminho aberto para a abordagem do tema da perseguição a igrejas como estratégia de convencimento de campanhas de direita está sendo trilhado em 2022 com os discursos em torno da reeleição de Jair Bolsonaro. São muitas as postagens de conteúdo em mídias sociais que afirmam que Lula e as esquerdas vão fechar igrejas e perseguir cristãos.
Mesmo contrapondo tal conteúdo com afirmações de que durante os mandatos do PT não houve qualquer sinal de animosidade contra grupos religiosos, especialmente cristãos, a Coligação Brasil da Esperança, que tem o ex-presidente Lula como candidato, protocolou representação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra materiais publicados pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) com a temática.
A ministra Carmem Lúcia tratou o caso e determinou, em 5 de setembro de 2022, a remoção dos vídeos nas mídias sociais do deputado nos quais afirmava que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT (Partido dos Trabalhadores) “apoiam invasões de igrejas e perseguição de cristãos”.
Tais abordagens também foram disseminadas por personagens públicas como o deputado federal Marco Feliciano (PL-SP), o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, entre outras, como pode ser encontrado em várias matérias do Bereia.
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Bereia classifica as postagens com o vídeo intitulado “Passeata do PT ameaça igrejas” como enganosas. O vídeo é de 2018 e registra um ocorrido no contexto das disputas do segundo turno das eleições daquele ano. Representa um ato de intolerância religiosa que é pontual, contextual, referente a uma personagem específica, a IURD, e não a todas as igrejas.
Quem faz uso deste vídeo em 2022 quer fazer crer que tal manifestação ocorreu neste momento, por isso não indica data e local do ocorrido, muito menos as circunstâncias. Isto é característico da propagação de desinformação. Não há registro de qualquer manifestação organizada contrária a igrejas na campanha eleitoral de 2022.
Bereia alerta leitores e leitoras sobre a desinformação sobre perseguição a igrejas e cristãos no Brasil. Tal prática não existe e não é projeto de qualquer partido político. A Constituição do Brasil assegura a liberdade de crença e de culto para todas as religiões. Atos de intolerância contra qualquer grupo religioso devem ser repudiados e denunciados. Afirmações em postagens em mídias sociais sobre a existência de ameaças a igrejas e “cristofobia” (perseguição sistemática) no país não são verdadeiras e são desenvolvidas para campanhas de convencimento por meio do pânico.
Referências de checagem:
Sul 21. https://sul21.com.br/ultimas-noticias-politica-areazero-2/2018/10/marcha-antifascista-reune-milhares-contra-bolsonaro-no-centro-de-porto-alegre/ Acesso em: 7 set 2022.
Tribunal Superior Eleitoral. https://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/5134 Acesso em: 7 set 2022.
Coletivo Bereia.
https://coletivobereia.com.br/incendio-de-igrejas-no-chile-nao-e-caso-de-perseguicao-a-cristaos/ Acesso em: 7 set 2022.
https://coletivobereia.com.br/cristofobia-uma-estrategia-preocupante/ Acesso em: 7 set 2022.
Poder 360. https://static.poder360.com.br/2022/09/decisao-carmen-lucia-eduardo-bolsonaro.pdf Acesso em: 7 set 2022.
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Foto de capa: Google Street View