Caso Charlie Kirk: mentiras e uso político em torno do atentado circulam em ambientes religiosos

A morte do ativista ultraconservador estadunidense Charlie Kirk, vítima de um atentado, no último 10 de setembro, durante um evento em universidade nos Estados Unidos, gerou reações calorosas do presidente Donald Trump, repetidas por políticos ultraconservadores brasileiros. Eles manifestaram indignação em publicações nas redes digitais e responsabilizaram a violência à esquerda política. Bereia investigou o caso e concluiu, a partir de verificações já realizadas, que essa associação é falsa.
Quem é Charlie Kirk?
Charlie Kirk foi um evangélico ativista ultraconservador estadunidense, fundador e líder da organização estudantil Turning Point USA [Ponto de Virada EUA], criada em 2012 para difundir pautas ultraconservadoras em universidades dos Estados Unidos. A Turning Point USA tem uma frente cristã denominada TPUSA FAith (Fé TPUSA) para disseminar essas pautas com um público das igrejas.
Aos 18 anos, Kirk iniciou o movimento que hoje conta com forte presença em mídias digitais e eventos voltados a jovens simpatizantes da extrema direita e do ultraconservadorismo. Entre as pautas defendidas por ele estão:
Fervoroso defensor de Donald Trump: mobilizava eleitores jovens para o movimento “Make America Great Again” e questionava a legitimidade das eleições de 2020, alegando fraudes.
Imigração restritiva: apoiava políticas anti-imigranção para os EUA como construção de muros na fronteira e deportações em massa, enfatizando esta forma de nacionalismo.
Direitos às Armas: Defendia o armamentismo argumentando que o porte de armas de civis é essencial para autodefesa e contra um potencial “governo tirânico” e como uma defesa dos direitos dados por Deus.
Oposição a políticas de inclusão: Criticava iniciativas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI), chamando-as de discriminatórias e contrárias à meritocracia. Era contra o reconhecimento de identidades de gênero fluidas e políticas transgênero.
Defesa da submissão das mulheres: Apregoava que mulheres deveriam renunciar à educação e à carreira de trabalho para se concentrarem em ter uma vida de dona de casa submissa.
Posição radical antiaborto: Defendia restrições ao aborto, alinhado com valores cristãos ultraconservadores, promovendo a proteção da vida desde a concepção, fechando-se a qualquer direito relacionado à interrupção da gravidez, o que comparava ao Holocausto.
Posição racista: era contra o movimento Black Lives Matter, desacreditava a figura de Martin Luther King, negava a atrocidade da escravidão alegando que africanos eram voluntários e fazia pronunciamentos depreciativos de pessoas negras, como seres amaldiçoados por Deus.
Livre mercado e governo limitado: advogava por menos regulamentações governamentais, redução de impostos e promoção do capitalismo de livre mercado.
Negacionismo climático e ideias conspiracionistas: minimizava a crise climática, chamando-a de exagero, e promovia ideias como “marxismo cultural” e “globalismo” como ameaças à cultura americana.
Apoio a Israel: Defendia as ações violentas do Estado Israel, especialmente na tomada da Palestina e se posicionava como pró-sionismo.

Kirk apresentava um podcast diário e acumulava milhões de seguidores nas plataformas digitais. Ele ficou conhecido por promover debates públicos em campi universitários e abordar temas como identidade de gênero, mudanças climáticas, fé e valores familiares. O Turning Point teve participação ativa no apoio ao atual presidente dos EUA Donald Trump, e a outros candidatos do partido Republicanos nas eleições de 2024 naquele país.

Charlie Kirk era um evangélico vinculado à Dream City Church [Igreja da Cidade do Sonho], localizada em Phoenix, estado Arizona (EUA). A denominação é uma megaigreja do ramo pentecostal das Assembleias de Deus, que pratica ativismo político conservador que dá espaço a eventos com figuras do movimento ultraconservador estadunidense. Um deles é Freedom Night in America [Noite da Liberdade na América], que aborda fé e política, dando voz a ativistas do ultrconservadorismo cristão, como Kirk, e pautas do Partido Republicano.
A organização Turning Point liderada por Charlie Kirk lançou, em convênio com a Dream City Church, a Academia Turning Point, uma escola particular de linha educacional ultraconservadora que rechaça conteúdo que trate do enfrentamento ao racismo e dos direitos de gênero. Há também parceria na realização da Strong Church Dream Conference [Conferência Sonho Forte da Igreja] voltada para fomação de líderes religiosos e militantes políticos ultraconservadores.
O que aconteceu?
O ativista foi baleado no último 10 de setembro, enquanto participava de um evento universitário na Utah Valley University (UVU), no estado de Utah. O disparo atingiu seu pescoço durante o evento “The American Comeback Tour”. Ele foi levado em estado crítico para o hospital regional de Timpanogos, onde teve sua morte confirmada.
Logo após o anúncio da morte de Charles Kirk, o presidente dos EUA Donald Trump fez acusações ao que chamou de “esquerda radical” como responsável pela morte do jovem influenciador. Sem provas, Trump estimulou aliados da extrema direita mundial a honrarem Charlie Kirk, a quem classificou de “mártir da verdade”.
Em entrevista ao programa de TV Fox and Friends, que teve algumas edições apresentadas por Kirk, Trump afirmou: “Vou te dizer algo que vai me deixar encrencado, mas não me importo. Os radicais na direita muitas vezes só são radicais porque não querem ver crimes. (…) Eles estão preocupados com a fronteira, eles não querem toda essa gente entrando e queimando nossos shoppings. Não querem que eles atirem no nosso povo no meio da rua”, disse o presidente, sem esclarecer a que incidentes se referia. “O problema são os radicais da esquerda. Eles são cruéis e terríveis e politicamente astutos, porque embora digam que querem esportes para homens e mulheres, na verdade querem transgêneros para todo mundo, querem fronteiras abertas.”
Ao contrário do que apregoou o presidente Trump, de acordo com as investigações que se sucederam, o suspeito de assassinar Charlie Kirk é Tyler Robinson, de 22 anos, criado em uma família branca, conservadora, cristã e apoiadora do presidente Donald Trump. Entrevistas da CNN com familiares indicam que o jovem teria se envolvido mais recentemente com política, embora não tenham apontado uma ideologia específica. Há indícios de que ele faça parte da comunidade “Exército Groyper”, grupo alternativo de extrema direita ligado a ideias do supremacista branco Nick Fuentes e opositor de Kirk. Os “groypers” consideravam Kirk “moderado demais”. Segundo o escrivão do condado onde Robinson reside, ele nunca votou, não é filiado a qualquer partido e está atualmente registrado para votar.
Políticos ultraconservadores brasileiros exploram o caso
O chamado de Donald Trump aos radicais na direita repercutiu entre políticos brasileiros. Alguns manifestaram tristeza e pesar nas redes digitais, enquanto outros exploraram politicamente a situação para acusar opositores.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) comentou em uma postagem no X em 10 de setembro: “Mais um conservador vítima do ódio e da intolerância”.

Imagem: Post de Eduardo Bolsonaro sobre a morte de Charlie Kirk. Fonte: X
Em outra publicação mais recente, o deputado compartilhou um vídeo com imagens de atentados e acrescentou a legenda: “(…) E quando não executam seus adversários, botam seus juízes corruptos para prendê-los. Eis alguns exemplos dessa violência, cujas vítimas sempre são de direita”.

No Instagram, o deputado federal Gustavo Gayer (PL-MG) publicou um vídeo sobre o ativista, com a legenda: “A esquerda mata, a esquerda é doente”.

Imagem: Post do deputado federal Gustavo Gayer sobre a morte de Charlie Kirk. Fonte: Instagram
O professor de Teologia Franklin Ferreira, reitor do Seminário Martin Bucer, afirmou em seu perfil no Instagram que a morte de Kirk teria sido motivada por opositores ideológicos, e acrescentou que grupos de esquerda utilizam métodos para “calar e destruir quem pensa diferente”.

Imagem: Post do professor Franklin Ferreira. Fonte: Instagram
Relações com o ex-presidente Bolsonaro
A atuação de Charlie Kirk, de fato, ultrapassava o cenário estadunidense. Em relação ao Brasil, em 2023, o ativista entrevistou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para o seu podcast e organizou um evento em Miami no qual o político brasileiro foi palestrante. A aproximação rendeu destaque a Kirk entre conservadores no Brasil, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que frequentemente mencionava o trabalho do líder da Turning Point USA em manifestações públicas.
Naquele mesmo período, Jair Bolsonaro permaneceu por três meses na Flórida, após deixar a Presidência do Brasil, entre a virada de 2022 para 2023. Nesse intervalo ocorreram a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os atos violentos contra a democracia ocorridos em 8 de janeiro de 2023, em Brasília.
No começo de fevereiro daquele ano, um mês após a posse de Lula, Bolsonaro participou do evento “Power to the People”, promovido pela Turning Point USA. No discurso, falou sobre sua trajetória política, defendeu pautas ultraconservadoras e destacou o que chamou de realizações de seu governo. Ao final, Kirk fez perguntas sobre os riscos de o Brasil “se tornar uma Venezuela” e sobre os desafios do governo Lula.
Em março de 2025, Kirk utilizou seu programa de rádio para solicitar que o governo de Donald Trump aplicasse sanções e tarifas contra o Brasil, em retaliação à condução do Judiciário brasileiro no julgamento da chamada “trama golpista”, no Supremo Tribunal Federal, que tinha Jair Bolsonaro como um dos réus.. O ativista classificou o processo contra Bolsonaro como “chocante e horrível”.
A esquerda mata a direita no Brasil? Dados negam esta afirmação
A afirmação da responsabilidade da esquerda política no caso Kirk não se sustentou diante do resultado das investigações nos EUA, que apontaram o suspeito – um jovem branco cristão ligado a um movimento ultraconservador. Além disso, não é preciso pesquisa muito densa para apurar que atentados e episódios de violência política não sao exclusividade da esquerda e não atingem apenas pessoas de direita. Estes casos decorrem do ódio e da intolerância presentes nas relações sociais, independentemente da ideologia.
Para a psicóloga doutora em Psicologia Social Rebecca Maciel, atentados e episódios de violência política não são fenômenos exclusivos de uma ideologia. Ela explica que emoções como raiva e nojo fazem parte da experiência humana, mas o ódio é algo construído, resultado da combinação de sentimentos com crenças que levam a pessoa a considerar certos grupos ou ideias como repulsivos e passíveis de eliminação.
Segundo Maciel, embora as emoções sejam majoritariamente reativas (por exemplo, a raiva surge quando algo nos afeta), a forma como transformamos essa energia pode variar: pode gerar agressão ou ser canalizada para mudanças sociais positivas.
Ela ressalta ainda que a motivação por trás dos ataques é fundamental para compreender se se trata de um atentado, e lembra que a crença no extermínio do diferente e na agressão como opção é mais frequente em determinados grupos, mas não está restrita a uma ideologia. Maciel cita o ativista islâmico negro estadunidense Malcolm X, assassinado em 1965: “Não confundir a reação do oprimido com a violência do opressor”, e reforça a importância de analisar contexto e intenções em episódios de violência política.
Nos Estados Unidos, ao longo da história, diversos presidentes e figuras políticas foram alvo de violência armada. Dos 46 presidentes norte-americanos desde a independência, em 1776, quatro foram assassinados enquanto exerciam o cargo: Abraham Lincoln (1865), James A. Garfield (1881), William McKinley (1901) e John F. Kennedy (1963). Além disso, outros 16 atentados foram registrados contra presidentes e candidatos, incluindo Theodore Roosevelt (1912), Franklin D. Roosevelt (1933), Harry S. Truman (1950), Gerald Ford (1975) e Ronald Reagan (1981).
Ativistas e líderes políticos daquele país também sofreram violência, como o islâmico negro Malcolm X (1965), Robert F. Kennedy (1968) e Martin Luther King Jr. (1968), que era pastor batista e defensor dos direitos civis dos negros no país. Neste 2025, em 14 de junho, a senadora estadual do Partido Democrata Melissa Hortman e o marido foram assassinados a tiros na casa em que moravam, no estado de Minnesota.
Um levantamento do Instituto Cato, credenciada organização estadunidense sem filiação partidária, revela que o discurso adotado por Trump de que “lunáticos de esquerda” são os maiores responsáveis por esses crimes não condiz com a realidade dos números.
De acordo com o estudo, entre 1° de janeiro de 1975 e 10 de setembro de 2025, 620 pessoas foram assassinadas por terrorismo político nos Estados Unidos. Neste período, 391 pessoas foram mortas por grupos ou pessoas ligadas ao terrorismo de direita, e 65 por terroristas de esquerda. Desde 2020, foram 44 mortos por motivações da direita, e 18, da esquerda. Em 2025, foram registradas 24 mortes no total, incluindo a de Charlie Kirk.
Casos recentes no Brasil
No Brasil, atentados políticos têm ocorrido há séculos e envolvem diferentes motivações. Em 1889, meses antes da Proclamação da República, o imperador D. Pedro II foi alvo de um atentado, sem ser atingido. O terceiro presidente do Brasil, Prudente de Morais, sobreviveu a uma tentativa de assassinato em 1897.
Um caso muito destacado na história ocorreu 1954, quando o principal opositor do presidente Getúlio Vargas, o jornalista e futuro governador da Guanabara (atual cidade do Rio de Janeiro) foi alvo de um atentado, em 5 de agosto, no bairro de Copacabana. Quem acabou morrendo foi o major da Aeronáutica Rubens Vaz. O ataque fracassado, cuja investigação levou ao mandante, o chefe da guarda presidencial Gregório Fortunato, provocou a derrocada política de Getúlio Vargas, que cometeu suicídio, 19 dias depois.
Em 25 de julho de 1966 uma bomba explodiu no saguão do Aeroporto de Guararapes, em Recife (PE), e matou o vice-almirante Nelson Gomes Fernandes, o jornalista e secretário de governo de Pernambuco Edson Régis de Carvalho e deixou 14 feridos. O alvo era o então ministro do Exército e futuro presidente da República, general Artur da Costa e Silva, que não estava no terminal.
Durante a década de 1980, o presidente José Sarney foi alvo de uma tentativa de ataque que envolveu um sequestro de avião, levado a cabo por um homem, isoladamente, para atingir o Palácio do Planalto e “prestar contas” com aquele a quem culpava pela crise econômica em que o país se encontrava.
Atualmente, episódios de violência política também revelam que o ódio e a intolerância não se restringem a um único campo ideológico. Casos emblemáticos ilustram esta realidade.
Em 2018, a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes foram assassinados no Rio de Janeiro. O crime, de grande repercussão nacional e internacional, atingiu uma liderança reconhecida pela defesa dos direitos humanos e pela luta contra a violência policial. Investigações levaram ao mandante, seis anos depois, o deputado federal Chiquinho Brazão (RJ), vereador à época, que acabou expulso do partido de direita ao qual era filiado, o União Brasil.
Ainda em 2018, ano eleitoral, o então candidato à Presidência Jair Bolsonaro foi alvo de uma facada durante ato de campanha em Juiz de Fora (MG). As investigações apontaram que o agressor Adélio Bispo, preso em seguida, agiu sozinho e foi declarado inimputável pela Justiça por transtorno mental, decisão que não teve contestação da defesa de Bolsonaro.
No mesmo contexto eleitoral de 2018, em 7 de outubro, o ativista negro e mestre de capoeira Môa do Katendê (Romualdo Rosário da Costa) foi assassinado após uma discussão política. Ele teria defendido o voto no PT e irritou eleitores de Jair Bolsonaro (PSL) em um bar na periferia de Salvador. Um dos homens desferiu doze facadas no capoeirista.
Quatro anos depois, em 2022, também ano eleitoral, o guarda municipal e tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT) Marcelo Arruda foi morto a tiros, em Foz do Iguaçu (PR), durante a comemoração de seu aniversário em uma festa dedicada ao candidato do partido Lula. O autor dos disparos, um ex-policial penal, declarado apoiador do então presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro, ficou indignado com o tema da festa, depois de descobrir o evento por meio de câmeras de segurança e ter retornado armado após uma discussão com o aniversariante.
No segundo turno das eleições para presidente e governadores naquele 2022, a deputada federal reeleita Carla Zambelli (PL-SP), foi filmada ameaçando um homem com uma arma nos Jardins, bairro da zona central de São Paulo. Segundo testemunhas, o homem havia debochado criticamente da deputada, que revidou com a ameaça armada. O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou a deputada, em agosto passado, a cinco anos de prisãoe regime semiaberto, por porte ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal com emprego de arma de fogo. Ela já havia sido condenada em outro processo por invasão ao sistema eletrônico do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A deputada esteve foragida na Itália, onde foi presa e terá extradição ao Brasil julgada.
Neste setembro de 2025, o STF julgou a tentativa de golpe contra o processo eleitoral de 2022 que incluía o plano denominado “Punhal Verde Amarelo”. Nele, o general do Exército Mário Fernandes confessou ter elaborado um esquema para impedir a posse do governo eleito em 2022, que previa o assassinato do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente na chapa, Geraldo Alckmin, e do ministro Alexandre de Moraes (STF). Fernandes foi condenado junto com outros integrantes do chamado Núcleo 2 da tentativa de golpe de Estado, acusados de redigir a “minuta do golpe”, monitorar autoridades e tentar impedir o voto de eleitores em 2022.
Violência política e eleitoral se agrava no Brasil
Pesquisa desenvolvida pela organização Terra de Direitos, intitulada “Violência Política e Eleitoral no Brasil”, mostra que entre 1° de novembro de 2022 e 27 de outubro de 2024 foram registrados 713 casos de violência política. Somente em 2024, foram 558. Até 2018, uma pessoa era vítima desta violência a cada oito dias. O relatório identifica quea, após as eleições de 2018, com a ocupação de uma direita extremista dos poderes Executivo e Legislativo, o ano de 2022 alcançou o recorde com o registro de um caso a cada 27 horas.
Nas últimas eleições gerais, 2022, houve pelo menos cinco homicídios motivados por política em um intervalo de quase três meses. Os crimes se intensificaram com a proximidade do primeiro turno. Entre os cinco casos, quatro ocorreram entre 4 de setembro e 4 de outubro de 2022 — média de um assassinato por semana desde a reta final das eleições.
Naquele ano, além do caso tesoureiro do PT no Paraná Marcelo Arruda assassinado por um bolsonarista, em sua festa de aniversário, houve outros casos apontados na pesquisa de Terra de Direitos. Em 7 de setembro, o petista Benedito Cardoso dos Santos foi morto pelo bolsonarista Rafael Silva de Oliveira, em Confresa (MT). Em 24 de setembro, Antônio Carlos Silva de Lima, eleitor de Lula, foi esfaqueado por Edmilson Freire da Silva, em Cascavel (CE), depois de discussão em um bar. Dois dias depois, Ianário Pereira Souza Rocha, motorista da candidata a deputada estadual Sabrina Veras (MDB), foi morto a tiros em evento político em Fortaleza (CE). Em 4 de outubro, o estilista bolsonarista José Roberto Gomes Mendes foi assassinado pelo amigo, o petista Luiz Antonio Ferreira da Silva, em Itanhaém (SP), depois de discussão e agressões físicas em uma mesa de almoço.
De acordo com informações mais recentes do Grupo de Investigação Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Giel/Unirio), dos 338 casos de violência política no terceiro trimestre de 2024, 76 resultaram em morte.
De acordo com o doutor em Direito Constitucional e professor associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Rubens Beçak, crimes contra a vida de políticos devem ser punidos “com todas as tintas possíveis, e tudo aquilo que a legislação de cada país permite”.
“É claro que a legislação estadunidense é diferente da brasileira, mas no direito brasileiro, os crimes dessa natureza podem ser entendidos, depois de apurada a fase de inquéritos, e transformados numa ação penal, como crimes hediondos. Assim, eles são punidos e têm um tratamento bastante diferenciado”, afirma.
“A gente muitas vezes acha que esse é um fenômeno do Brasil, dos Estados Unidos, mas nós observamos que isso acontece no mundo todo e em uma intensidade muito grande. E agride o nosso senso moral de ser humano, de que sempre existem possibilidades de tirar as diferenças na discussão, no debate, de formas muito mais inteligentes, sem que nós tenhamos que recorrer à violência, que muitas vezes se dá na intolerância e leva até a morte de pessoas como Charlie Kirk”, conclui.
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De acordo com a checagem do Bereia, é falso afirmar que pessoas de esquerda sejam odientas ou que promovam o ódio. Os exemplos demonstram que atentados e violência política não são exclusivos de um espectro ideológico. Apesar de se acumularem por responderem a estímulos em uma dada atmosfera política, como demonstrado nas pesquisas nos Estados Unidos e no Brasil, estas práticas estão fortemente relacionadas a questões de saúde mental, transtornos psicológicos, ao cultivo do ódio, à intolerância e a conflitos sociais mais amplos. Toda ação violenta e letal é humana e condenável.
Em 18 de julho de 2024, o Bereia já havia checado a afirmação do ex-presidente Jair Bolsonaro de que “só os conservadores sofrem atentados”, feita após o ex-presidente dos EUA Donald Trump ter sido alvo de um atirador em um comício na Pensilvânia, dias antes, em 13 de julho. A verificação já havia demonstrado que atentados contra líderes políticos não são exclusivos de um espectro ideológico.
Entretanto, chama a atenção e merece reflexão a constatação da pesquisa do Instituto Cato, nos Estados Unidos, onde aconteceu o assassinato de Charlie Kirk, que mostra que metade dos crimes desse tipo foram causados por autores alinhados às direita política. Embora no Brasil não haja pesquisa com a mesma metodologia, o levantamento de Terra de Direitos revela um aumento dos casos de mortes por motivação política depois de 2018, com o fortalecimento do poder político da direita extremista no país.
Referências:
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