Site gospel noticia relatório sobre déficit em estatais com imprecisões e sensacionalismo

O site gospel Pleno.News noticiou, em 12 de outubro passado, que, em 2024, as empresas estatais acumulam um “rombo” de R$7,2 bilhões – o maior déficit da série histórica, registrada pelo Banco Central desde 2002. A publicação, intitulada “Déficit histórico: Estatais têm rombo de R$7,2 bilhões, em 2024”,  cita o canal  de TV CNN Brasil como fonte da informação, e destaca que tais perdas podem aumentar o endividamento do país por levar o Executivo a cobrir esses custos.

A notícia da CNN Brasil referida, de 10 de outubro, destaca que o “rombo” de R$7,2 bilhões é o maior em 22 anos e é composto pelas contas negativas de estatais federais e estaduais, que acumulariam, respectivamente, R$3,3 bilhões e R$3,8 bilhões. A matéria explica, ainda, que os dados sobre o déficit foram divulgados por um relatório de estatísticas do Banco Central, e este resultado se dá quando os gastos superam o fluxo de entrada no caixa das empresas. Outros veículos como O Globo e Infomoney divulgaram o mesmo conteúdo

Imagem: reprodução/Pleno.News

A notícia publicada pelo Pleno.News tem os mesmos poucos dados em quatro parágrafos, como a matéria da CNN, e não oferece elementos informativos complementares para o público religioso, que é alvo deste veículo, e não compreende as implicações de tais questões econômicas. Bereia checou. 

Cenário complexo exige cautela

Bereia apurou que os resultados negativos das empresas estatais no acumulado de 2024 estão longe de ser uma novidade: a lei que estabelece as regras do orçamento deste ano definiu que o déficit poderia chegar a R$ 7,3 bilhões. Desse modo, a informação divulgada pelo Banco Central mostra que as perdas das estatais estão muito próximas do limite estabelecido pelo governo, o que pode despertar um sinal de alerta quando um contexto maior não é considerado.

A última edição do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (documento que acompanha o cumprimento das metas fiscais do Executivo), publicada em 23 de setembro passado, projeta que os investimentos do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) devem equilibrar as contas das estatais e mudar o cenário que, num primeiro momento, pode parecer catastrófico. 

O orçamento de 2024, aprovado pelo Congresso no ano anterior, prevê que R$ 5 bilhões do PAC sejam abatidos das contas das estatais, fazendo com que, segundo as expectativas do governo, o déficit fique em R$ 4 bilhões e a meta fiscal seja alcançada. Além disso, outros fatores podem influenciar no resultado individual das empresas e transformar o prejuízo em lucro, como foi visto em 2023.

Em novembro do último ano, o jornal O Globo publicou uma lista de estatais deficitárias que poderiam precisar de socorro do Tesouro Nacional para não fechar o ano no vermelho. De acordo com a matéria, a empresa Hemobrás, que desenvolve e produz medicamentos hemoderivados, amargaria um prejuízo de R$ 352,86 milhões em 2023, dado que não se confirmou: a estatal registrou lucro recorde de R$ 326,5 milhões.

A Dataprev, empresa que fornece tecnologia de dados para o funcionamento de programas sociais, superou uma estimativa de déficit de R$ 198,29 milhões e alcançou o maior lucro de sua história: R$ 598,6 milhões. Essas diferenças entre o que foi estimado e o que de fato se concretizou mostram que o assunto é complexo e demanda atenção e cautela por parte da imprensa.

Em entrevista ao Bereia, o mestre em Teoria Econômica pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) Presley Vasconcellos aponta para fatores que podem explicar casos como os da Dataprev e Hemobrás: 

“A diferença entre o déficit previsto em novembro de 2023 e o lucro de algumas estatais no fechamento do ano pode ser explicada por uma combinação de previsões conservadoras, melhora no desempenho operacional, recuperação econômica, reconhecimento tardio de receitas, e políticas de gestão de dívidas e custos. Além disso, o contexto macroeconômico mais favorável no final do ano, com controle de inflação e eventuais ganhos extraordinários, pode ter contribuído para reverter a expectativa de déficit em resultados positivos.”

Vasconcellos explica, ainda, que as estatísticas fiscais são construídas a partir dos dados de fluxo de caixa das empresas, e fatores relacionados à gestão financeira, políticas públicas e contexto econômico podem ajudar a explicar os resultados negativos das estatais. Além disso, é importante considerar que cada empresa tem as suas particularidades, visto a diversidade de setores em que atuam.

A situação das estatais brasileiras

As estatais federais brasileiras compõem um conjunto diverso, no qual podem ser encontradas empresas de porte global, como a Petrobras, até empresas que atuam regionalmente, como a central de abastecimento CeasaMinas. Como característica comum,  elas foram criadas com o objetivo de atender ao interesse público.

Em julho deste ano, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) publicou o Relatório Agregado das Empresas Estatais Federais, que organiza e  consolida os principais dados contábeis, econômicos, e operacionais respectivos à atuação das empresas controladas pela União em 2023.

Alguns pontos do balanço foram destacados, como a riqueza produzida pelas estatais no ano anterior – registrada como seu Valor Adicionado Bruto – contabilizando R$ 627,1 bilhões, o que equivale a 5,75% de todo o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

Em conjunto, o lucro líquido que as estatais apresentaram foi de R$ 197,9 bilhões. De acordo com o Relatório, no ano de 2023, as empresas federais pagaram R$ 128,1 bilhões em dividendos e Juros sobre Capital Próprio (JCP) a seus acionistas. A União recebeu R$ 49,4 bilhões em pagamentos nessa modalidade.

Ao final de 2023, as estatais geraram mais de 400 mil empregos, com atuação em praticamente todo o território nacional, e contavam com ativos que, somados, chegavam à casa dos R$ 6 trilhões.

Imagem:  reprodução/Relatório Agregado das Empresas Estatais Federais (MGI)

Além da lógica do lucro

As estatais geram, por definição, valor à sociedade brasileira e operam em diversas frentes de atuação que, embora importantes para o desenvolvimento do país, ultrapassam a lógica estritamente mercadológica, baseada na geração de lucro. Como exemplo, temos o acesso universal a atendimento médico gratuito e a prestação de serviços financeiros em agências dos Correios.

Combinado ao seu papel de prestação de serviços públicos fundamentais e de estímulo ao desenvolvimento do país, é possível também verificar, quantitativamente, a importância das estatais na economia brasileira.

Para compreender a dinâmica de funcionamento das estatais, foi elaborada a Demonstração de Valor Adicionado, que é um demonstrativo contábil – obrigatório para todas as sociedades por ações desde 2007 – que indica o quanto uma empresa gera de riqueza e como a distribui na sociedade. Esse demonstrativo ajuda a compreender a atividade das estatais e como elas contribuem para o crescimento da nação. 

Imagem: gráfico elaborado pelo Bereia com base no Relatório Agregado das Empresas Estatais Federais 2024 

Abordagem rasa pode gerar equívocos 

Diante de cenários complexos, como é o caso da economia e da gestão pública, abordagens rasas que não contextualizam os dados devidamente podem gerar no público uma percepção de que empresas estatais são ineficientes e altamente deficitárias, ou que o governo em questão é corrupto ou não faz uma boa gestão da coisa pública.

Sobre a abordagem da imprensa a respeito das estatísticas fiscais do Banco Central, Presley Vasconcellos comenta que, apesar da análise técnica estar correta, falta clareza para apontar a natureza dos déficits, que podem ser entendidos pelo leitor como uma “falência” das empresas.

“A abordagem se torna tendenciosa para indicar o “rombo”, enquanto que na verdade estamos falando de um déficit em que pode, em muitos casos, ser justificado por aumento do investimento para ampliação da atuação. Há uma enorme diferença na tratativa nesse cenário. Há um sensacionalismo em associar gasto a desperdício, enquanto que investimento é um ato necessário, em diversos casos.” 

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Bereia classifica a publicação do Pleno.News como imprecisa. A matéria se baseia em dados da emissora de TV CNN, que, por sua vez, lançou mão de estatísticas publicadas pelo Banco Central. Como Bereia verificou, os dados são verdadeiros, porém, carecem da devida contextualização e explicações sobre as causas, as implicações e as consequentes ações do Estado diante de tal situação. 

A produção de conteúdo desta forma, caracteriza a informação imprecisa, que desinforma, neste caso, por dois fatores: 1) a ausência de elementos que expliquem devidamente o tema ao público que não o domina, o que gera conclusões e avaliações equivocadas sobre o que é divulgado; 2) o título sensacionalista com o termo “rombo” que estimula avaliações críticas à gestão do Estado relacionadas a  corrupção e incompetência. 

Bereia alerta leitores e leitoras a não consumirem notícias que tratem de temas complexos, como os relacionados a economia, em poucos parágrafos, sem apuração de dados e avaliações de especialistas que contextualizem o que se quer informar.

Referências de checagem:

CNN Brasil

https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/estatais-tem-rombo-de-r-72-bi-em-2024-o-maior-em-22-anos/  Acesso em 14 OUT 24

https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/estatais-devem-fechar-o-ano-com-rombo-de-quase-r-6-bilhoes-tesouro-pode-ter-que-bancar-deficit/ Acesso em 14 OUT 24

Banco Central do Brasil. https://www.bcb.gov.br/estatisticas/estatisticasfiscais Acesso em 14 OUT 24

Poder 360. https://www.poder360.com.br/economia/estatais-federais-devem-ter-prejuizo-de-r-56-bilhoes-em-2023/  Acesso em 14 OUT 24

YouTube. https://youtu.be/7DbR69zRQyY?si=zg247vVAu31AOCJs Acesso em 14 OUT 24

G1. https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/06/07/governo-federal-tem-atualmente-134-estatais-veja-lista.ghtm Acesso em 14 OUT 24

Senado Federal. https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/535500/RAF11_DEZ2017_pt08.pdf Acesso em 14 OUT 24

Terra Investimentos. https://blog.terrainvestimentos.com.br/estatais-quais-sao-as-empresas-controladas-pelo-governo-disponiveis-na-bolsa/ Acesso em 14 OUT 24

Biblioteca Digital. https://bibliotecadigital.economia.gov.br/handle/777/162 Acesso em 14 OUT 24

O Globo.

oglobo.globo.com/economia/noticia/2023/11/17/rombo-das-estatais-veja-a-lista-de-empresas-publicas-que-precisam-do-tesouro-para-fechar-as-contas.ghtml Acesso em 14 OUT 24

https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2023/08/08/governo-quer-descontar-r-5-bi-do-novo-pac-da-meta-de-resultado-das-estatais.ghtml Acesso em 17 OUT 2024

Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Relatório Agregado das Empresas Estatais Federais. https://www.gov.br/gestao/pt-br/central-de-conteudo/relatorios-das-estatais/relatorio_empresas_estatais_federais_2024.pdf Acesso em  OUT 

Telesintese. https://telesintese.com.br/lucro-da-dataprev-cresce-142-e-alcanca-r-5986-milhoes-em-2023/ Acesso em 17 OUT 24

UOL Notícias. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2024/01/16/hemobras-tem-em-2023-lucro-recorde-de-r-3265-milhoes-7294-maior-que-em-2022.htm#:~:text=A%20Hemobrás%20 Acesso em 17 OUT 24

Infomoney. https://www.infomoney.com.br/politica/com-rombo-de-r-72-bilhoes-em-2024-estatais-acumulam-pior-deficit-em-22-anos/ Acesso em 18 OUT 24

Foto de capa: Kevin Schneider / Pixabay

Supostos feitos de Jair Bolsonaro configuram um dos temas com mais desinformação em espaços religiosos

Levantamento do Bereia a partir de suas checagens no período eleitoral iniciado em 2021 até o primeiro turno realizado em 2 de outubro passado, mostra que supostos feitos do governo Jair Bolsonaro estiveram entre os temas com mais conteúdo falso e enganoso circulante em espaços digitais religiosos. 

Desde 2019 circulam diversos conteúdos desinformativos em mídias e meios religiosos a respeito de realizações do governo de Jair Bolsonaro. Desde execução de obras públicas à gestão da pandemia, passando pela criação de mecanismos financeiros como o Pix, foram várias falsidades publicadas a respeito de ações do Poder Executivo.

Pronunciamentos do presidente da República em eventos ou à imprensa contendo desinformação também foram reproduzidos nos meios religiosos. 

Bereia oferece aqui uma seleção de checagens sobre supostos feitos de Jair Bolsonaro no comando da nação:

Realizações do governo

Vídeo atribui a Bolsonaro obras em estradas no MT feitas também por outros governos
https://coletivobereia.com.br/video-atribui-a-bolsonaro-obras-em-estradas-no-mt-feitas-tambem-por-outros-governos/

É enganoso que trecho de ferrovia em GO seja obra do governo Bolsonaro
https://coletivobereia.com.br/e-enganoso-que-trecho-de-ferrovia-em-go-seja-obra-do-governo-bolsonaro/

Mídias religiosas repercutem afirmação de Bolsonaro de que acabou com o Movimento Sem Terra
https://coletivobereia.com.br/midias-religiosas-repercutem-afirmacao-de-bolsonaro-de-que-acabou-com-o-movimento-sem-terra/

Apoiadores do governo mentem sobre Pix ser de Bolsonaro, causar prejuízo a bancos e ser ameaçado por Lula
https://coletivobereia.com.br/apoiadores-do-governo-mentem-sobre-pix-ser-de-bolsonaro-causar-prejuizo-a-bancos-e-ser-ameacado-por-lula/

Presidente Jair Bolsonaro não criou lei que transformou o 31 de Outubro de Dia das Bruxas em Dia do Evangelho
https://coletivobereia.com.br/presidente-jair-bolsonaro-nao-criou-lei-que-transformou-o-31-de-outubro-de-dia-das-bruxas-em-dia-do-evangelho/

Deputado da Bancada Evangélica afirma que apenas Bolsonaro comprou vacinas
https://coletivobereia.com.br/deputado-da-bancada-evangelica-afirma-que-apenas-bolsonaro-comprou-vacinas/

Governo Bolsonaro não criou cinco universidades federais
https://coletivobereia.com.br/governo-de-jair-bolsonaro-nao-criou-cinco-universidades-federais/

É verdade que Bolsonaro interfere na Receita Federal para tentar beneficiar igrejas
https://coletivobereia.com.br/e-verdade-que-bolsonaro-interfere-na-receita-federal-para-tentar-beneficiar-igrejas/

Ministro apresenta números descontextualizados sobre redução de violência no país em 2021
https://coletivobereia.com.br/ministro-apresenta-numeros-descontextualizados-sobre-reducao-de-violencia-no-pais-em-2021/

É falso que ‘novo presidente’ da Petrobras tenha demitido 300 funcionários da companhia
https://coletivobereia.com.br/e-falso-que-novo-presidente-da-petrobras-tenha-demitido-300-funcionarios-da-companhia/

Vídeo engana ao comparar dois trechos diferentes da Transamazônica para elogiar governo Bolsonaro
https://coletivobereia.com.br/video-engana-ao-comparar-dois-trechos-diferentes-da-transamazonica-para-elogiar-governo-bolsonaro/

Deputado Pastor Marco Feliciano infla lucro das estatais
https://coletivobereia.com.br/deputado-pastor-marco-feliciano-infla-lucro-das-estatais/

Pastor e deputado Marco Feliciano desinforma ao falar de inflação
https://coletivobereia.com.br/pastor-e-deputado-marco-feliciano-desinforma-ao-falar-de-inflacao/

Diretor da OMS elogia gestão brasileira no andamento da vacinação, segundo deputado evangélico
https://coletivobereia.com.br/diretor-da-oms-elogia-gestao-brasileira-no-andamento-da-vacinacao-segundo-deputado-evangelico/

PIB não cresceu 20% em 2019 e fala de Senador Humberto Costa ainda será avaliada
https://coletivobereia.com.br/pib-nao-cresceu-20-em-2019-e-fala-de-senador-humberto-costa-ainda-sera-avaliada/

Tweets de Onyx Lorenzoni enganam sobre enfrentamento da pandemia e CPI da covid-19
https://coletivobereia.com.br/tweets-de-onyx-lorenzoni-enganam-sobre-enfrentamento-da-pandemia-e-cpi-da-covid-19/

Pronunciamentos do presidente

Bolsonaro distorce informações na Cúpula do Clima
https://coletivobereia.com.br/bolsonaro-distorce-informacoes-na-cupula-do-clima/

Bolsonaro repete mentiras em pronunciamento com tom religioso
https://coletivobereia.com.br/bolsonaro-repete-mentiras-em-pronunciamento-com-tom-religioso/

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Foto de capa: Antônio Cruz/Agência Brasil

Deputado Pastor Marco Feliciano infla lucro das estatais

O deputado pastor Marco Feliciano (PL/SP) publicou em seu perfil no Twitter um suposto balanço das estatais brasileiras em 2021. De acordo com o parlamentar, as estatais tiveram lucro de um trilhão de reais em 2021.

Imagem: reprodução do Twitter

Como a publicação não cita fontes para os dados, Bereia checou as informações. O deputado Marco Feliciano publicou o conteúdo após o lançamento do  Relatório Agregado das Empresas Estatais Federais de 2021, pelo Ministério da Economia. 

Empresas estatais são aquelas em que o governo detém parte ou todo o capital social. No Brasil, as empresas estatais são classificadas como empresas públicas (quando 100% do capital pertence ao Poder Público) e sociedades de economia mista (quando parte do capital é negociado por entes privados na forma de ações). 

Bereia verificou que o deputado pastor Marco Feliciano publicou uma simplificação dos dados de um denso relatório, e de uma conjuntura complexa do país. Feliciano ainda apresentou uma informação enganosa sobre o lucro das estatais brasileiras. O que ele afirma ser lucro de 1 trilhão de reais, na verdade é a receita bruta destas companhias. Além disso, busca atingir políticos opositores de governos passados ao distorcer essas informações. 

O que diz o Ministério da Economia

De acordo com o Relatório Agregado das Empresas Estatais Federais de 2021, o resultado líquido das estatais federais no exercício de 2021 foi um lucro de R$187,7 bilhões, o triplo do valor apurado no exercício de 2020 (R$60,6 bilhões) e o maior desde 2008. Desse total, 98% é composto pelo resultado líquido dos grupos Petrobras (R$ 107,3 bilhões; 57%), BNDES (R$ 34,1 bilhões; 18%), BB (R$ 19,7 bilhões; 10%), Caixa (R$ 17,3 bilhões; 9%) e Eletrobras (R$ 5,7 bilhões; 3%). 

No exercício de 2021, as empresas estatais brasileiras pagaram R$ 101 bilhões a título de dividendos, R$43 bilhões destinados à União e R$58 bilhões a outros acionistas. 

Diversos fatores explicam o lucro das estatais, como a alta do preço do petróleo e a política de preços (dolarizada) praticada desde o governo de Michel Temer, no caso da Petrobras. Com a economia em crise, os bancos estatais abriram a torneira do crédito, especialmente para o agronegócio e a indústria. Mais empréstimos, com juros cada vez mais altos, mais crise e mais clientes – que significam mais retorno sobre o capital. 

Função social das estatais 

Constitucionalmente, as estatais brasileiras devem servir ao interesse da população, bem como respeitar os contratos e acordos comerciais, proporcionando segurança jurídica para fornecedores, colaboradores e investidores. Essas empresas englobam uma enorme cadeia produtiva em diversos setores econômicos e gera empregos, impostos e investimentos estratégicos em todo o país. 

O capítulo terceiro da Lei das Estatais (N°13.303, de 2016) determina que toda estatal deve respeitar uma função social:

CAPÍTULO III

DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA PÚBLICA E DA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA

Art. 27.  A empresa pública e a sociedade de economia mista terão a função social de realização do interesse coletivo ou de atendimento a imperativo da segurança nacional expressa no instrumento de autorização legal para a sua criação.

§ 1o  A realização do interesse coletivo de que trata este artigo deverá ser orientada para o alcance do bem-estar econômico e para a alocação socialmente eficiente dos recursos geridos pela empresa pública e pela sociedade de economia mista, bem como para o seguinte:

I – ampliação economicamente sustentada do acesso de consumidores aos produtos e serviços da empresa pública ou da sociedade de economia mista;

II – desenvolvimento ou emprego de tecnologia brasileira para produção e oferta de produtos e serviços da empresa pública ou da sociedade de economia mista, sempre de maneira economicamente justificada.

§ 2o  A empresa pública e a sociedade de economia mista deverão, nos termos da lei, adotar práticas de sustentabilidade ambiental e de responsabilidade social corporativa compatíveis com o mercado em que atuam.

A política de desvalorização das estatais

Na direção contrária ao que publicou o deputado Marco Feliciano, a política econômica do atual governo não valoriza as estatais. O governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) privatizou 36% das estatais brasileiras durante os então três anos e meio de mandato. Quando Bolsonaro assumiu a Presidência, a União controlava 209 empresas. Hoje, após a desestatização da Eletrobras, o número baixou para 133. Este número mostra que a quantidade de empresas controladas pelo governo federal caiu de 209 para 133 em quase quatro anos.

Os dados foram divulgados pelo secretário especial de Desestatização do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, em 14 de junho de 2022, ou seja, são recentes. De acordo com Mac Cord, “a finalização da operação da Eletrobras vai fazer com que a gente atinja a marca de redução de um terço das estatais”.

Mesmo com o protesto de movimentos populares contra o avanço da privatização, o ministro de Minas e Energia Adolfo Sachsida classificou a desestatização da Eletrobras como um feito histórico.

Fato é que grande parte das ações da Eletrobras foram vendidas pelo governo para investidores. Assim, o governo deixa de ser acionista controlador da companhia. O controle da empresa, agora, é majoritariamente privado.

A privatização e venda de ações também ocorreu no caso da da BR Distribuidora, antiga subsidiária da Petrobras. Em 2019 e 2021 – ou seja, durante o governo Bolsonaro – a Petrobras reduziu sua participação na empresa, que passou a ser 100% privada e até mudou de nome. Passou a chamar-se Vibra Energia.

Por meio da Petrobras também foi vendida a TAG (Transportadora Associada de Gás), que agora opera alugando seus dutos à estatal,  a Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo) e outras companhias. O governo também tinha a intenção de privatizar os Correios, mas não conseguiu

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Bereia conclui que o deputado Marco Feliciano divulgou informações enganosas. A publicação distorce as informações do Relatório Agregado das Empresas Estatais Federais e apela para o ufanismo e ataque a adversários políticos no contexto da campanha eleitoral de 2022. O deputado associa o lucro das estatais a ações do governo federal, porém a política econômica em curso se baseia no descarte dessas empresas. , 

O deputado faz uso, ainda, dos dados sobre a receita das estatais e os expõe como  o lucro líquido delas, omite os valores distribuídos aos acionistas e não menciona os fatores externos e internos, alheios às políticas governamentais, que proporcionaram o lucro das empresas. 

Marco Feliciano também omite o sistema de preços praticado pela Petrobras (a empresa com maior lucro entre as estatais) desde o governo Temer, que proporciona o aumento dos lucros e redução do endividamento da companhia, ao custo do o aumento no preço dos combustíveis que afeta toda a economia do país, com peso sobre a população, com a elevação no preço dos transportes, alimentos, entre outros.

Referências de checagem:

Brasil de Fato. https://www.brasildefato.com.br/2022/06/14/bolsonaro-ja-privatizou-um-terco-das-estatais Acesso em: 11 jul 2022

Reconta aí. https://recontaai.com.br/opinaai/sergio-mendonca Acesso em: 11 jul 2022

Ministério da Economia. https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/empresas-estatais-federais/transparencia/publicacoes-2/raeef Acesso em: 12 jul 2022

Senado. https://www12.senado.leg.br/tv/programas/agenda-economica/2022/03/brasileiro-paga-a-preco-de-dolar-os-combustiveis-produzidos-com-petroleo-nacional Acesso em: 12 jul 2022

Isto é. https://www.istoedinheiro.com.br/estatais-entenda-por-que-o-lucro-extraordinario-no-ultimo-ano-nao-e-merito-do-governo/ Acesso em: 12 jul 2022

 Lei das Estatais. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm Acesso em 12 jul 2022

Fundação Getúlio Vargas https://fgvenergia.fgv.br/noticias/alta-de-preco-do-petroleo-deve-impactar-combustiveis-no-pais Acesso em: 12 jul 2022

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-08/ministro-defende-privatizacao-dos-correios-em-pronunciamento Acesso em: 13 jul 2022

O Estado de São Paulo. https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,privatizacao-correios-engavetada-eleicoes-ausencia-lideranca-governo-senado,70004030586 Acesso em: 13 jul 2022

Foto de capa: Wikicommons