A intolerância religiosa é um problema grave no Brasil. O que fazer?

A intolerância religiosa é um problema estrutural que afeta profundamente a sociedade brasileira e aponta para desigualdades históricas e sociais. De janeiro a junho de 2024, o Brasil registrou um aumento alarmante nos casos de intolerância religiosa. O Disque 100, canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos, contabilizou 1.227 ocorrências no primeiro semestre, um salto de mais de 80% em comparação ao mesmo período de 2023, quando foram registradas 681 denúncias. Esse número já representa quase o total de registros de todo o ano passado (1.482), com a média preocupante de quase sete casos por dia.

As denúncias refletem um padrão recorrente de vítimas: a maioria é composta por mulheres e pessoas negras. Dos casos registrados no primeiro semestre de 2024:

  • 60,5% das vítimas eram mulheres;
  • 32,4% eram homens;
  • 0,24% eram intersexo;
  • 6,84% não informaram ou não declararam o gênero.


As raízes do problema

A origem do problema está diretamente ligada ao período colonial e ao processo de colonização europeia, particularmente no contexto das Américas e do Brasil, de acordo com a análise da pesquisadora do ISER Carolina Rocha. Durante esse período, as populações africanas escravizadas e suas práticas culturais e religiosas foram hierarquizadas e inferiorizadas em relação aos valores europeus, predominantemente cristãos.

No verbete “Racismo Religioso”, a pesquisadora explica que a Igreja Católica Apostólica Romana desempenhou um papel crucial nesse processo, ao demonizar e criminalizar as práticas religiosas de matriz africana, associando-as à bruxaria e à idolatria. Esse enquadramento religioso e cultural serviu para justificar a exploração econômica, a violência e a desumanização das pessoas negras. 

Contudo, o termo “racismo religioso” ainda é objeto de construção e debate acadêmico. Pesquisadores como Carolina Rocha destacam que, embora a expressão seja frequentemente usada para descrever o preconceito e a violência direcionados contra adeptos de religiões de matriz africana, é preciso um esforço maior na produção de conhecimento sobre este conceito.

O fato é que mesmo com a formalização da liberdade religiosa na Constituição de 1891, as religiões afro-brasileiras continuam enfrentando perseguição e preconceito, muitas vezes intensificados por discursos de ódio promovidos por setores religiosos hegemônicos no país.

Outros grupos religiosos também sofrem com a intolerância

Embora as religiões de matriz africana sejam as mais afetadas, outros grupos também sofrem. Islâmicos, especialmente mulheres muçulmanas, frequentemente enfrentam agressões físicas e verbais. Judeus e sinagogas são alvos de atos de vandalismo e discursos antissemitas. Cristãos evangélicos, por sua vez, lidam com generalizações que os desqualificam como “alienados”, “ignorantes”, e os associam exclusivamente a práticas ultraconservadoras e charlatanismo, desconsiderando a diversidade interna do segmento e sua contribuição histórica para ações sociais e a defesa dos direitos humanos. Católicos também sofrem com a profanação de templos e imagens sagradas, muitas vezes usados como símbolos de resistência política e cultural.

Nos últimos anos, a intolerância religiosa tem sido intensificada pela instrumentalização política da religião, especialmente por movimentos de extrema-direita. Líderes religiosos de diferentes tradições se aliaram a pautas antidemocráticas, usando a retórica da “liberdade religiosa” para promover exclusivismo e atacar minorias. Este cenário, descrito pela pesquisadora e editora-geral do Bereia Magali Cunha aqui e aqui, representa uma ameaça à pluralidade religiosa e à convivência democrática.

Caminhos para a transformação

O aumento das denúncias é um alerta e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para mudanças. Políticas públicas voltadas à educação religiosa e ao respeito à diversidade cultural são essenciais para enfrentar a intolerância.

Datas do calendário cívico ajudam a reforçar o compromisso com a pluralidade, a diversidade e o respeito à liberdade de crença. Em 21 de janeiro, por exemplo, o país chama atenção para o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, oficializado pela Lei n.º 11.635, de 2007, em memória à Mãe Gilda, uma liderança religiosa do Candomblé que foi vítima de perseguição e intolerância religiosa até falecer em decorrência de um infarto, em 2000.

16ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, Copacabana. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Outra importante iniciativa é a Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, realizada anualmente no terceiro domingo de setembro na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. Este evento, organizado pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP) e pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), reúne praticantes de diferentes crenças e defensores da diversidade para denunciar casos de intolerância e racismo religioso. Esta ação é realizada em outras cidades do Brasil.

Medidas práticas incluem a criação e o fortalecimento de órgãos especializados, como a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (DECRADI), no Rio de Janeiro, e canais de denúncia, como o Disque 100. Iniciativas como o Observatório Mãe Beata de Iemanjá e a Comissão Parlamentar de Inquérito Contra a Intolerância Religiosa da Alerj   também mostram como políticas públicas voltadas ao monitoramento e denúncias contribuem para o enfrentamento do problema.

Além disso, é fundamental que o ambiente digital também seja monitorado para combater a disseminação de discursos de ódio e desinformação religiosa. Os dados do Observatório Nacional dos Direitos Humanos (ObservaDH) mostram que as denúncias de crimes de intolerância religiosa online triplicaram em seis anos, passando de 1,4 mil em 2017 para 4,2 mil em 2022. Embora o relatório com os dados consolidados de 2023 ainda não tenha sido divulgado,  as tendências dos últimos anos reforçam a relevância das redes sociais digitais como palco de propagação de discursos de ódio.

Por fim, outro ponto significativo é a implementação de campanhas educativas para promover o respeito à liberdade de crença, sobretudo em escolas e espaços religiosos, onde a conscientização pode moldar novas gerações mais tolerantes.

Referências

ISER 


https://religiaoepoder.org.br/artigo/tradicoes-das-raizes-de-matrizes-africanas-e-as-nacoes-do-candomble/


Carta Capital

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Foto de Capa: Tomaz Silva/Agência Brasil

Editora-geral do Bereia discute sobre fundamentalismos, crise da democracia e ameaça aos direitos humanos na América do Sul

Com a participação da editora-geral do Bereia Magali Cunha, a Casa de Leitura Dirce Côrtes Riedel, ligada à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), promoveu em 4 de novembro o Seminário de Altos Estudos “Fundamentalismos, crise da democracia e ameaça aos direitos humanos na América do Sul”. O evento faz parte da programação da instituição que busca incentivar o livro, a leitura e o debate de temas literários e acadêmicos.

Na apresentação de Magali Cunha, ela destacou a forma como o avanço dos fundamentalismos passa a ser um fenômeno social das últimas duas décadas que vai além da dimensão religiosa, adquire um perfil mais diversificado e assume um caráter político, econômico, ambiental e cultural. Conforme comentou, “fundamentalismos precisam ser entendidos não como um rótulo de conservadorismos extremos, mas como uma visão de mundo, uma interpretação da realidade, de uma matriz religiosa, que é recurso discursivo e de posturas também de quem não tem vínculo religioso. Esta visão de mundo orienta ações políticas, que fragilizam os processos democráticos e os direitos, especialmente os sexuais e reprodutivos e os das comunidades tradicionais, também as políticas de valorização da pluralidade”.

Outro aspecto que a pesquisadora chamou à atenção foi que a desinformação, popularmente denominada “fake news”, é estratégia-chave nos discursos dos fundamentalismos, com vistas ao convencimento do público. Segundo sua análise, “esta retórica usa o pânico moral, como é frequentemente checado pela equipe do Bereia, baseado no medo e no uso obrigatório da desinformação, principalmente notícias falsas, uma linguagem que gera identificação popular com padrões reacionários”.

Magali Cunha considera importante que temas como esses façam parte das pautas públicas, bem como de instituições que atuam no enfrentamento dos fundamentalismos e do desrespeito aos direitos humanos. “É preciso que ativistas por direitos nas mais diversas frentes, identifiquem com cuidado o lugar que a religião tem ocupado no cotidiano e na cultura, não apenas na política. É preciso admitir que a religião não cumpre um único papel, mas que seus papéis são plurais, e saber lidar com eles, valorizá-los para a superação dos retrocessos do uso da religião pelos grupos reacionários”, alerta.

Imagem de capa: Michal Jarmoluk / Pixabay

Site e políticos religiosos desinformam sobre projeto de saídas temporárias da prisão

O site Gospel Mais destacou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, com vetos, o Projeto de Lei 2253/2022, apresentado na Câmara de Deputados e aprovado no Congresso Nacional, em 20 de março abril deste ano, que alterou as regras de saídas temporárias de presos em regime semiaberto, conhecidas como ‘saidinhas’. 

Imagem: reprodução do site Gospel Mais

A manutenção dessas saídas temporárias em casos específicos, como a visita à família, gerou críticas de políticos evangélicos, como a vereadora evangélica Sonaira Fernandes (PL-SP) e os deputados federais Marco Feliciano (PL-SP) e Nikolas Ferreira (PL-MG), que acusam o governo de ser condescendente com criminosos. 

Imagem: reprodução do Instagram

A postagem da vereadora Sonaira Fernandes contém a seguinte legenda: 

“Agora cabe ao Congresso Nacional ter a decência e a coragem de derrubar o veto desse governo vergonhoso! Cobre o seu deputado!”. Sonaira Fernandes tem outras publicações desinformativas que questionam direitos prisionais, como Bereia já checou.

  Imagem: reprodução do X

Imagem: reprodução do X

A manchete utilizada por Gospel Mais, “Lula mantém saidinhas”, sugere a manutenção ampla das saídas temporárias e a ideia de que o Projeto de Lei  foi totalmente vetado pelo presidente. Bereia checou esta notícia.

Origem da “saidinha”

Popularizada nas mídias como “saidinha”, a saída temporária faz parte da Lei de Execução PenalLei nº 7.210, que entrou em vigor em 1984, após ter sido sancionada pelo general João Batista Figueiredo, último presidente da ditadura militar (1964-1985).

Na justificativa apresentada à época – ainda disponível no portal da Câmara dos Deputados -, o então ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel argumentou que as saídas temporárias “constituem notáveis fatores para atenuar o rigor da execução contínua da pena de prisão” e que os trabalhos de especialistas para dar forma ao projeto de lei “sintetizam a esperança e os esforços voltados para a causa universal do aprimoramento da pessoa humana e do progresso espiritual da comunidade”. Ou seja, a lei não perdia o fator de possibilitar a ressocialização dos presos.

O Projeto de Lei  nº 2.253, de 2022

O Projeto de Lei  nº 2.253, de 2022, de autoria do deputado federal Pedro Paulo (MDB/RJ), altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal – , e dispõe sobre a monitoração eletrônica do preso, além de prever a realização de exame criminológico para progressão de regime e restringir o benefício da saída temporária. 

 Uma das principais mudanças propostas pelo projeto foi a restrição mais rigorosa das saídas temporárias de presos, especialmente para aqueles em regime semiaberto. Antes, os presos podiam ser autorizados a sair temporariamente, sem a necessidade de monitoramento eletrônico e com menos critérios de elegibilidade. 

O projeto propôs critérios mais estritos para estas saídas, incluindo a necessidade de exame criminológico para determinar a adequação do preso para tais benefícios e tornou obrigatório o uso de tornozeleiras eletrônicas para todos os presos que fossem beneficiados com saídas temporárias, o que visa proporcionar um controle mais efetivo durante o período em que o detento está fora do estabelecimento penal.

Na forma como aprovada pela Câmara e o Senado, o projeto incluía a proibição completa das saídas temporárias para visitas familiares, agrupando-as com as saídas para atividades de convívio social. No entanto, essa parte específica do projeto foi vetada pelo presidente Lula.

Presidente sanciona com veto a “Lei das Saidinhas”

 O presidente Luiz Inácio Lula da Silva acatou a sugestão do ministro da Justiça e Segurança Pública Ricardo Lewandowski, e sancionou o PL 2.253,e praticou o seu direito de veto apenas ao trecho que proíbe a saída temporária para visita à família, avaliado como inconstitucional. 

O ministro Lewandowski defendeu o veto parcial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto que restringe as saídas temporárias de presos, com a proibição de visitas familiares para detentos em regime semiaberto. De acordo com o jurista, tal restrição violaria princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana e a individualização da pena, além do dever estatal de proteger a família. 

O ministro enfatizou que, apesar do veto a esse aspecto específico, todas as outras restrições propostas pelo Congresso, como a exigência de exame criminológico para progressão de regime e o uso obrigatório de tornozeleiras eletrônicas, foram mantidas. 

Além disso, o ministro da Justiça ressaltou que a preservação do convívio familiar para os detentos está alinhada com obrigações internacionais assumidas pelo Brasil, como as estipuladas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e pela Convenção Americana de Direitos Humanos.

A recomendação do ministério da Justiça à Câmara e ao Senado era de se manter apenas a saída para visitas à família, no entanto, durante a formulação do projeto de lei, a maioria dos parlamentares optou por incluir a proibição das saídas para visitas familiares no mesmo artigo que restringe as saídas para atividades sociais.  Esta dupla restrição em um único artigo impediu que o presidente realizasse um veto exclusivamente à proibição de visitas familiares, uma vez que a Constituição Federal não permite vetos parciais em dispositivos únicos.

A desinformação na matéria de Gospel Mais

A matéria de Gospel Mais destaca publicações dos políticos evangélicos Sonaira Fernandes, Marco Feliciano e Nikolas Ferreira. Bereia checou este conteúdo.

Sonaira Fernandes publicou trecho do pronunciamento do ministro Lewandowski, que explica a sugestão do veto pontual ao projeto de lei, mas omitiu os objetivos da sugestão e ofereceu engano ao afirmar “Lula veta a saidinha”.  A vereadora do Republicanos utiliza o pronunciamento que explica a inconstitucionalidade dos pontos vetados, mas cria uma publicação não verdadeira sobre a decisão do presidente Lula.

Marco Feliciano publicou conteúdo que insinua que o “diálogo cabuloso” entre o crime organizado e o PT surtiu efeito e afirma que o presidente Lula vetou “o trecho principal” do projeto de lei. O deputado do PL-SP mente ao afirmar que o texto principal foi vetado. Como verificado pelo Bereia, o projeto aprovado no Congresso Nacional foi mantido, tendo sido vetado apenas o trecho que proibia a saída para visita aos familiares. 

Ao vincular a decisão do presidente da República, baseada na Constituição Federal, ouvido o ministro da Justiça, defendida pela OAB , por especialistas e por organizações que atuam por direitos prisionais, a um suposto diálogo com o crime organizado, Marco Feliciano mente para promover pânico e desinformação e mobilizar seguidores contra esta ação.

Nikolas Ferreira utiliza a mesma retórica dos outros dois citados pelo Gospel Mais. Afirma que “Lula veta projeto e mantém saidinhas”,  o que representa desinformação sobre a verdadeira natureza do veto presidencial. No mesmo conteúdo, o parlamentar do PL afirma que “Lula defende bandido”, seguindo a linha dos políticos extremistas de direita de usar o imaginário que permeia a população e qualificar direitos prisionais como “defesa de bandidos”.

População carcerária no Brasil e saídas temporárias

Imagem feita com inteligência artificial por Daniel Reis

O Relatório de Informações Penais (RELIPEN), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, referente ao primeiro semestre de 2023, compila dados das Secretarias de Administração Prisional de todos os Estados e do Distrito Federal, além do Sistema Penitenciário Federal. 

Segundo o relatório, atualmente a população prisional totaliza 644.305 pessoas, distribuídas em diferentes regimes penais e enfrentando variadas condições de detenção.

 O regime fechado (336.340 presos), como esperado, contém a maioria dos detentos, refletindo a natureza das penas aplicadas para crimes mais graves ou para indivíduos com histórico criminal mais complexo. O regime semiaberto (118.328 presos) e o aberto (6.872 pessoas), que permitem mais liberdades aos detentos, representam uma menor parcela da população prisional, sendo opções para aqueles em fase de transição para reintegração à sociedade ou para penas mais leves.

No decorrer do primeiro semestre de 2023, o sistema penitenciário brasileiro permitiu que 120.244 detentos em regime semiaberto tivessem a oportunidade de saídas temporárias, destes, 7.630 não retornaram, o que equivale a 6,34% do total.  

Desmascarando mitos sobre a “saidinha”

Bereia consultou dados fornecidos pela organização não-governamental Conectas Direitos Humanos, que trabalha pela proteção e promoção dos direitos humanos tanto no Brasil quanto internacionalmente. A organização atua em diversas frentes, incluindo a luta contra a violência institucional, a defesa do espaço democrático, e a proteção dos direitos socioambientais​.

Conectas explica que a libertação temporária de presos, regulamentada pela Execução Penal do Brasil Direito (LEP), está frequentemente envolta em “mitos” (neste caso, entendidos como mentiras, enganos ou incompreensões) que alimentam inseguranças sociais. Além disso, equívocos e relatórios incompletos podem distorcer a percepção do público, particularmente no que diz respeito ao número de reclusos que não conseguem regressar à prisão e aos critérios de elegibilidade. Material Conectas esclarece mal-entendidos que são comuns neste tema das “saidinhas”: 

Mito 1: Todos os presos são elegíveis para libertação temporária 

Apenas os reclusos em instalações semi abertas são elegíveis para libertação temporária. Este benefício é reservado para aqueles que podem sair das instalações durante o dia para trabalhar e retornar à noite. Em São Paulo, por exemplo, 22% dos presos estão em regime semiaberto, normalmente com o cumprimento de pena por tráfico de drogas, roubos e furtos.

Mito 2: Libertação temporária é igual a perdão 

A libertação temporária não é um perdão ou uma anistia; não reduz a pena. Em vez disso, é um período pré-especificado, durante o qual os reclusos podem visitar as suas famílias, após o qual devem regressar à prisão. O não retorno é considerado fuga, e o preso fica sujeito à recaptura e às penalidades legais.

Mito 3: Elegibilidade imediata para indivíduos recentemente encarcerados 

A elegibilidade para libertação temporária exige que o preso tenha cumprido pelo menos um sexto da pena, se for um réu primário, ou um quarto, se for um réu reincidente, juntamente com um registro de bom comportamento.

Mito 4: Elegibilidade independentemente do crime cometido 

Os reclusos condenados por crimes violentos ou que representam uma ameaça grave enfrentam normalmente penas mais longas, o que afecta a sua elegibilidade para libertação temporária. Especificamente, desde 2019, a Lei de Execuções Penais já proíbe explicitamente a libertação temporária de reclusos condenados por crimes hediondos que resultem em morte.

Mito 5: A maioria dos presos não retornam após a libertação 

Dados de São Paulo, em setembro de 2023, mostram que dos 33.700 presos que receberam liberdade temporária, cerca de 4% não conseguiram retornar a tempo. Esses indivíduos são considerados fugitivos e perdem a elegibilidade para regimes semiabertos, após serem recapturados.

Mito 6: Aumento da criminalidade durante as libertações temporárias 

Não existem provas conclusivas que sugiram que as libertações temporárias conduzem a um aumento nas taxas de criminalidade. Esta afirmação resulta frequentemente de opiniões preconceituosas em relação aos indivíduos encarcerados, em vez de ser baseada em dados estatísticos.

Segundo a Conectas, à medida que a sociedade trabalha no sentido de sistemas de justiça criminal mais eficazes, por isso, avalia-se ser vital compreender e aperfeiçoar políticas como a libertação temporária. Para a organização, importa, ainda, garantir que estes programas sejam implementados de forma eficaz, o que pode levar a melhores resultados para os reclusos e para a sociedade, reduzindo a criminalidade e ajudando a uma reintegração bem sucedida.

O defensor público Diego Polachini, do Núcleo de Situação Carcerária (Nesc) da Defensoria Pública de São Paulo, concorda que casos pontuais de crimes durante uma saída temporária são usados como experiência geral em relação ao benefício. No entanto, segundo ele, isso não se comprova, e há “uma generalização incabível”.

“Muitos se baseiam nesse populismo penal, normalmente em ano de eleição, e nesse suposto medo que é incutido na população de essas pessoas poderem passar um fim de semana em casa. Tem o terror no WhatsApp de que vai ter a saída temporária, para todo mundo ficar em casa, e isso não é demonstrado em um aumento de criminalidade”, acrescenta.

Populismo penal: medo e desinformação

O que é sustentado por especialistas em direitos prisionais é que, para além destes mitos, é essencial considerar o propósito e os resultados do sistema de libertação temporária para que os vetos ao projeto de lei sejam compreendidos e como a reação de políticos como Sonaira Fernandes, Marco Feliciano e Nikolas Ferreira fomentam o medo e a desinformação. 

A política de liberdade temporária visa facilitar a reintegração dos reclusos na sociedade, mantendo os laços familiares e a estabilidade social, que são cruciais para reduzir as taxas de reincidência criminal.

Como Bereia verificou, a libertação temporária serve como uma componente crítica da reabilitação social dos reclusos. Ao permitir-lhes manter ligações com as suas famílias e comunidades, a política visa facilitar a transição de regresso à sociedade após a libertação total. 

A pesquisa também indicou que, apesar de oferecerem benefícios, o sistema de libertação temporária enfrenta desafios, o que inclui a percepção do público e a necessidade de mecanismos robustos de monitorização. Equilibrar estas preocupações com os objetivos de reabilitação da política requer avaliação e ajustamento contínuos.

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Bereia classifica a publicação do site Gospel Mais como enganosa. O presidente Lula não manteve as “saidinhas”, na forma como eram praticadas anteriormente ao projeto de lei aprovado no Congresso Nacional, para restrições. O presidente vetou apenas um dispositivo, que, segundo orientação do Ministério da Justiça, era inconstitucional, pois vedava visitas familiares, que foram incluídas no mesmo conjunto de “saídas para atividades sociais”. 

Além da chamada enganosa e do texto, que não oferece contexto e dados, ao replicar as publicações críticas de três políticos evangélicos , o Gospel Mais propaga desinformação, pois não informa sobre os objetivos do veto, voltados para a necessidade ressocialização.

Bereia entende que, ao confrontar desinformação (“mitos”, segundo o material citado) e fornecer informações precisas, podemos ajudar a mudar o discurso público para opiniões mais baseadas em evidências sobre estratégias correcionais. Esta mudança é crucial para o desenvolvimento de políticas de justiça criminal que não só garantam a segurança pública, mas também apoiem a reabilitação dos indivíduos e a saúde de suas famílias e das comunidades.

Referências de checagem:

Câmara dos Deputados.

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=493361 Acesso em 15 ABR 24

https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1980-1987/lei-7210-11-julho-1984-356938-exposicaodemotivos-149285-pl.html Acesso em 15 ABR 24

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2398266&filename=Tramitacao-PL%202253/2022%20(N%C2%BA%20Anterior:%20PL%20583/2011) Acesso em 15 ABR 24

Ministério da Justiça e Segurança Pública. https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/presidente-sanciona-com-veto-a-lei-das-saidinhas Acesso em 15 ABR 24

Secretária Nacional de Políticas Penais.

https://www.gov.br/senappen/pt-br/assuntos/noticias/senappen-lanca-levantamento-de-informacoes-penitenciarias-referentes-ao-primeiro-semestre-de-2023#:~:text=O%20n%C3%BAmero%20total%20de%20custodiados,estudar%2C%20dormem%20no%20estabelecimento%20prisional. Acesso em 15 ABR 24

https://www.gov.br/senappen/pt-br/servicos/sisdepen Acesso em 15 ABR 24

https://www.gov.br/senappen/pt-br Acesso em 15 ABR 24

https://www.gov.br/senappen/pt-br/pt-br/assuntos/noticias/depen-divulga-relatorio-previo-de-estudo-inedito-sobre-reincidencia-criminal-no-brasil/reincidencia-criminal-no-brasil-2022.pdf/view Acesso em 15 ABR 24 

https://www.gov.br/senappen/pt-br/assuntos/noticias/senappen-lanca-levantamento-de-informacoes-penitenciarias-referentes-ao-primeiro-semestre-de-2023/relipen Acesso em 15 ABR 24

Agência Brasil.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2024-04/lula-vai-vetar-proibicao-presos-de-visitarem-familiares Acesso em 15 ABR 24

https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-01/extincao-da-saidinha-nao-e-solucao-para-queda-na-criminalidade# Acesso em 15 ABR 24

Conectas. https://www.conectas.org/sobre-a-conectas/ Acesso em 15 ABR 24

G1.

https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/04/11/ministerio-da-justica-recomenda-veto-parcial-a-projeto-que-restringe-saidinha-de-presos-em-feriados.ghtml Acesso em 15 ABR 24

https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/04/16/defensoria-publica-da-uniao-critica-lei-que-restringe-saidinhas-e-diz-que-medida-pode-causar-instabilidade-em-presidios.ghtml Acesso em 15 ABR 24

https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/02/20/para-especialistas-acabar-com-saidinha-de-presos-em-feriados-atrapalha-a-ressocializacao.ghtml Acesso em 15 ABR 24

Unicef 

https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos Acesso em 15 ABR 24

Governo Federal 

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm Acesso em 15 ABR 24

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm Acesso em 15 ABR 24

Pastoral Carcerária https://carceraria.org.br/combate-e-prevencao-a-tortura/entidades-divulgam-nota-conjunta-referente-a-extincao-do-direito-as-saidas-temporarias Acesso em 15 ABR 24

OAB https://congressoemfoco.uol.com.br/area/governo/conselho-federal-da-oab-defende-veto-ao-pl-das-saidinhas/ Acesso em 15 ABR 24

Brasil de Fato https://cdn.brasildefato.com.br/documents/3ebc9bd6060d32914ca9c3f48bd36233.pdf Acesso em 15 ABR 24

Coletivo Bereia

https://coletivobereia.com.br/vereadora-faz-video-contra-evento-por-direitos-dos-presos-descontextualizando-fatos/ Acesso em 17 ABR 24

Jusbrasil

https://www.jusbrasil.com.br/artigos/os-direitos-humanos-sao-para-defender-bandidos/795222445 Acesso em 17 ABR 24

Foto de capa: Donald Tong/Pexels

Pronunciamento de lideranças do governo federal desinforma sobre o lugar das mulheres nas políticas públicas

Um pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão no Dia das Mães, 8 de maio de 2022, foi realizado pela esposa do presidente da República Michelle Bolsonaro. A declaração foi gravada ao lado da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Cristiane Brito, que assumiu a pasta em abril, em substituição a Damares Alves, que deixou o cargo para disputar as eleições deste ano. 

No vídeo, a primeira dama e a ministra afirmam que:

(…)o governo federal tem implementado uma série de ações que beneficiam as mães brasileiras: 

1 – hoje elas são prioridades no auxílio Brasil, nos programas habitacionais e em todos os processos de regularização fundiária. 

2 Trabalhamos também pela inclusão produtiva dessas mulheres. são bilhões de reais em crédito disponibilizado por meio do Programa Brasil Para Elas. Você, mulher, mãe, pode conhecer mais sobre essa iniciativa e sobre como acessar esses recursos no site gov. Br/Brasil 

3 para elas outra grande iniciativa para as mães está no Programa Renda e Oportunidade o que permite o reembolso de gastos com creche ou a liberação do FGTS para ajudar no pagamento de despesas com educação infantil. 

4 promoção da empregabilidade das mulheres com a qualificação em áreas estratégicas para que essa mulher cresça na profissão e o Apoio às mães no retorno da licença maternidade.

5 o governo federal lançou também o Programa Cuida Mais Brasil com foco na saúde da mulher e na saúde materno-infantil o que reduzir as taxas de mortalidade são mais de 170 milhões de reais investidos para oferecer cuidados as mulheres, antes, durante e depois da gravidez.

6 nessa mesma linha uma das novas estratégias que criamos para alcançar esse público é o Programa Mães do Brasil que promove políticas públicas destinadas à proteção integral da dignidade das mulheres a fingiam pará-las no Exercício da Maternidade desde a concepção até o cuidado com os filhos. Esse é um trabalho realizado em parceria com as prefeituras municipais que podem aderir ao programa por meio do site www.smdh. MG o ponto gov.br se a sua cidade ainda não aderiu cobre de seu gestor Municipal o acesso ao programa.

Bereia checou cada ponto citado no vídeo com base nas informações publicadas pelo próprio governo federal em suas mídias oficiais.  

Programa Auxílio Brasil

O Programa Auxílio Brasil substituiu o Programa Bolsa Família, a partir de  novembro de 2021. Os benefícios podem ser pagos cumulativamente, sem limite de quantidade por família. Podem receber os valores as famílias em situação de extrema pobreza; famílias em situação de pobreza; e famílias em regra de emancipação.

Famílias em situação de extrema pobreza são aquelas que possuem renda familiar mensal per capita de até R$105,00 e as em situação de pobreza, renda familiar mensal per capita entre R$105,01 e R$210,00. As famílias em situação de pobreza e em regra de emancipação podem ser atendidas pelo Programa apenas se possuírem em sua composição gestantes ou pessoas com idade até 21 (vinte e um) anos incompletos. Os benefícios do Programa são:

• Benefício Primeira Infância (BPI): pago por criança, no valor de R$130,00, para famílias que possuam em sua composição crianças com idade até 36 (trinta e seis) meses incompletos. 

• Benefício de Superação da Extrema Pobreza (BSP): valor calculado de forma que a renda per capita da família supere o valor da linha de extrema pobreza, fixada em R$105,00 mensais por pessoa.

• Benefício Composição Familiar (BCF): pago por pessoa, no valor de R$ 65,00, para famílias que possuam em sua composição: a) gestantes; b) nutrizes; e/ou c) pessoas com idade entre 3 (três) e 21 (vinte e um) anos incompletos. A família apenas receberá esse benefício relativo aos seus integrantes com idade entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos incompletos se estiverem matriculados ou concluído a educação básica. Para as gestantes o benefício será encerrado após a geração da 9ª (nona) parcela. Para a concessão do BCF às nutrizes é preciso que a família atualize no Cadastro Único a informação do nascimento da nova criança antes de ela ter completado 7 meses de vida. O pagamento do benefício se encerra após a sexta parcela.

Diferente do Bolsa Família que foi pago durante 18 anos, de outubro de 2003 a outubro de 2021, mas foi encerrado por decisão do governo Bolsonaro, o Auxílio Brasil não tem garantia de continuidade em 2023, o que reforça a tese de críticos ao programa de que Bolsonaro o teria criado visando as eleições.

A diferença para o Bolsa Família, como um programa permanente de transferência de renda, o programa tinha como objetivo contribuir para o combate à pobreza e à desigualdade no Brasil. Ele foi criado em outubro de 2003 e possuía três eixos principais: complemento da renda; acesso a direitos; e articulação com outras ações a fim de estimular o desenvolvimento das famílias.  Na base, o novo programa pretende atender o mesmo público do anterior: a população brasileira em extrema pobreza e pobreza. Porém, os valores de corte dos grupos foram atualizados. Enquanto o primeiro sobe de R$ 89 para R$ 100; o segundo, de R$ 178 para R$ 200. 

Programa Casa Verde e Amarela 

O Programa Casa Verde e Amarela substitui o Minha Casa Minha Vida, lançado em agosto de 2020 para pessoas com renda familiar bruta de até R$7 mil reais, com utilização de recursos do FGTS para financiamento habitacional contratado a partir de 26 de agosto de 2020. 

A medida provisória do programa Casa Verde e Amarela (MP 996/20) determina que tanto o contrato quanto o registro do imóvel sejam feitos, preferencialmente, em nome da mulher. Se ela for chefe de família, não precisará da concordância do marido. Prejuízos sofridos em razão da regra deverão ser resolvidos em causas de perdas e danos.

No caso de divórcio, a propriedade do imóvel comprado ou regularizado pelo programa durante o casamento ou união estável ficará com a mulher, independentemente do regime de bens (comunhão parcial ou total ou separação total de bens). A exceção é para operações financiadas com recursos do FGTS e quando a guarda dos filhos for exclusiva do homem. Nesta última situação, o imóvel será registrado em seu nome ou transferido a ele.

 A principal diferença para o Minha Casa Minha Vida é a divisão dos grupos de financiamento para compra do imóvel próprio. O antigo programa era composto por faixas de renda, o novo programa não será mais composto de faixas, mas sim em grupos. Na prática, na nova política habitacional do governo, deixa de existir a faixa mais baixa do programa Minha Casa Minha Vida, que não tinha juros e contemplava as famílias com renda de até R$ 1,8 mil. Essas famílias passam a ser atendidas pelo primeiro grupo – de pessoas com renda mais baixa – que tem taxas a partir de 4,25% (veja mais abaixo) – semelhante à que era oferecida pelo MCMV na faixa 1,5.

Regularização Fundiária

O Programa de Regularização Fundiária e Melhoria Habitacional, criado em dezembro de 2021, é integrante do Programa Casa Verde e Amarela e se inclui nas medidas do governo federal destinadas a mitigar as carências sociais do país, e coloca como objetivo enfrentar o tema da inadequação habitacional da população de baixa renda residente em núcleos urbanos informais, tanto no que se refere às construções quanto à posse de terra

Brasil para Elas

O Brasil para Elas, lançado em março deste ano, é uma estratégia nacional de empreendedorismo feminino sob a meta de desenvolvimento econômico e social do país.  O programa é uma iniciativa do Ministério da Economia com o objetivo da criação e da ampliação de negócios controlados por mulheres e a oferta de crédito para o empreendedorismo feminino.

No campo do crédito, o programa conta com uma atuação especial por parte dos bancos públicos. O Banco da Amazônia, por exemplo, tem taxas diferenciadas para mulheres. O Fundo de Aval das Micro e Pequenas Empresas (Fampe), administrado pelo Sebrae, cobre 80% e dá crédito assistido a empresas que tenham mulheres em seu quadro societário.A Caixa oferece crédito de capital de giro e o cartão Caixa Mulher sem anuidade.

Renda e Oportunidade e Programa Emprega + Mulheres e Jovens

O governo federal, por meio do Ministério do Trabalho e Previdência (MTP), lançou o Programa Renda e Oportunidade, em março de 2022: uma série de medidas de superação do desemprego e da crise da economia no país. O conjunto de ações promete gerar renda e aumentar o poder de compra dos brasileiros, especialmente entre os de menor renda. Nessa primeira etapa, foram três medidas provisórias e um decreto. Dentre os itens estão a Inserção e Manutenção de Mulheres e Jovens no Mercado de Trabalho – por meio de uma Medida Provisória e de um Decreto, o governo federal prevê medidas para impulsionar boas práticas na promoção da empregabilidade de mulheres e jovens.

Cuida Mais Brasil

O Programa Cuida Mais Brasil outro projeto do governo criado em 2022, com a Portaria nº 937, de 5 de maio, e o propósito de aprimorar a assistência à saúde da mulher e à saúde materno-infantil, no âmbito da Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde. O Cuida Mais Brasil declara considerar aspectos regionais de organização da Rede de Atenção à Saúde (RAS) no Distrito Federal, estados e municípios para levar, por meio de financiamento federal, ações complementares de apoio às equipes de Saúde da Família (eSF) e equipes de Atenção Primária (eAP).

Mães do Brasil

O Programa Mães do Brasil, criado em março de 2022, estabeleceu o objetivo de estimular a integração de políticas públicas e fomentar ações para a promoção dos direitos relativos à gestação e à maternidade, a fim de  garantir os direitos da criança nascida e por nascer, o nascimento seguro e o desenvolvimento saudável, bem como o de fomentar a inserção e a reinserção das mulheres mães no mercado de trabalho, a conciliação trabalho-família e a equidade e corresponsabilidade no lar. 

Como Bereia verificou, os Programas Auxílio Brasil e Casa Verde Amarela são versões de projetos já estabelecidos em governos anteriores, por isso, preveem de forma objetiva políticas voltadas para as mulheres, como os benefícios pagos às gestantes e nutrizes e o registro do imóvel serão feitos, preferencialmente, em nome da mulher. Entretanto, os novos programas, criados em 2022, último ano de mandato deste governo, apresentam medidas genéricas e difíceis de mensurar.   

Em uma análise já realizada pelo Bereia, apontando os dados disponíveis no Portal da Transparência no período de 2020 e 2021, mostra que o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos executou apenas R$ 253,2 milhões de um orçamento de R$ 673,7 milhões, o que corresponde a 38% do valor disponibilizado para a pasta. Em 2021, até a data da publicação da matéria, havia sido usado 18% do orçamento (dos R$ 618,6 milhões, R$ 110 milhões foram gastos pelo Ministério).

É um terço do total de recursos previstos no Orçamento da União, carimbados especificamente para este conjunto de políticas públicas e com emprego autorizado pelo Congresso Nacional. 

Além disso, levantamento feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), mostra que a execução financeira da promoção da igualdade racial, medida alocada no Ministério, comandado por Damares Alves até o fim de março, diminuiu mais de 8 vezes entre 2019 e 2021, segundo a pesquisa. Além disso, os recursos gastos com ações voltadas para as mulheres na pasta caíram 46% nesse mesmo período.

No final do pronunciamento oficial da primeira-dama, são mencionadas as mães quilombolas e ribeirinhas. Entretanto, o levantamento do INESC aponta ainda que, no caso dos povos indígenas, os dados mostram que o dinheiro executado pela Fundação Nacional do Índio (Funai), que deveria garantir a proteção territorial e fazer avançar a demarcação de terras, foi utilizado para beneficiar os invasores dessas terras. 

Os dados mostram que, nos últimos 3 anos, 45% dos recursos gastos na ação orçamentária destinada a proteger e demarcar os territórios indígenas foram destinados a indenizações e aquisições de imóveis – medida que beneficia ocupantes não indígenas e que, em 2021 foram gastos apenas R$ 164 mil em atividades de Reconhecimento e Indenização de propriedades Quilombolas, além de R$ 792,4 mil de compromissos assumidos em anos anteriores. Segundo o instituto, mesmo quando há recursos – como é o caso dos R$ 200 milhões advindos de créditos extraordinários para a ação de Distribuição de Alimentos a Grupos Populacionais Específicos – pouquíssimo dinheiro foi, de fato, autorizado para políticas públicas com essa finalidade (neste caso, R$ 18,8 milhões, menos de 10% do orçamento disponível).

Com base neste levantamento, Bereia considera o pronunciamento de Michele Bolsonaro e Cristiane Rodrigues Brito no Dia das Mães como impreciso, visto que mesmo com pontos específicos voltados às mulheres em políticas públicas como Auxílio Brasil e Casa Verde Amarela, que são versões de projetos implementados por governos anteriores, este segmento da população não foi prioridade no mandato deste governo federal. 

Além disso, os diversos programas e medidas provisórias e decretos apresentam conteúdo genérico. Se os programas de qualquer governo não forem alicerçados em medidas objetivas, técnicas e práticas e com indicadores de monitoramento, que possam avaliar sua eficácia, eficiência e efetividade, seus compromissos não passarão de retórica política. E no caso de ano eleitoral – muitas dessas medidas foram criadas neste ano de 2022, depois de muitas críticas de movimentos por direitos das mulheres e até processo judicial contra a ministra da Mulher – a imprecisão pode representar um falso compromisso assumido apenas para outros fins que não o benefício da população.

Referências de checagem:

Governo Federal, https://www.gov.br/cidadania/pt-br/auxilio-brasil Acesso em: 11 mai 2022.

Governo Federal, https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/habitacao/casa-verde-e-amarela Acesso em: 11 mai 2022.

 Governo Federal, https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/habitacao/casa-verde-e-amarela/regularizacao-fundiaria-e-melhoria-habitacional Acesso em: 11 mai 2022.

Câmara dos Deputados, https://www.camara.leg.br/noticias/712841-mulheres-terao-preferencia-no-registro-de-imoveis-do-casa-verde-e-amarela/ Acesso em: 11 mai 2022.

Agência Brasil, https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2022-03/governo-lanca-programas-de-protecao-e-incentivo-mulheres Acesso em: 11 mai 2022.

Governo Federal, https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-br/assuntos/rendaeoportunidade Acesso em: 11 mai 2022.

Diário Oficial da União, https://in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-1.116-de-4-de-maio-de-2022-397571891 Acesso em: 11 mai 2022.

Diário Oficial da União, https://in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-11.061-de-4-de-maio-de-2022-397571194 Acesso em: 11 mai 2022.

Ministério da Saúde. https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/cuida-mais-brasil Acesso em: 11 mai 2022.

Programa Renda e Oportunidade, https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-br/assuntos/rendaeoportunidade Acesso em: 11 mai 2022.

Governo Federal, https://www.gov.br/secretariageral/pt-br/noticias/2022/marco/governo-federal-cria-o-programa-maes-do-brasil Acesso em: 11 mai 2022.

Ministério da Saúde, https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/cuida-mais-brasil/PortariaCuidaMaisBrasil.pdf Acesso em: 11 mai 2022.

Portal da Transparência, https://portaldatransparencia.gov.br/ Acesso em: 20 de mai de 2022.

Brasil de Fato, https://www.brasildefato.com.br/2022/01/20/com-data-para-acabar-familias-de-pe-dizem-que-sem-auxilio-brasil-a-dificuldade-vai-aumentar Acesso em: 20 de mai de 2022.

Tenda, https://www.tenda.com/blog/minha-casa-minha-vida/entenda-as-diferencas-entre-o-casa-verde-e-amarela-e-o-minha-casa-minha-vida/#:~:text=Acima%20de%20tudo%2C%20uma%20das,faixas%2C%20mas%20sim%20em%20grupos Acesso em: 20 de mai de 2022.

G1, https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/12/10/minha-casa-minha-vida-e-casa-verde-e-amarela-entenda-as-diferencas-entre-os-programas.ghtml Acesso em: 20 de mai de 2022.

Foto de capa: TV Brasil

Nos EUA, igreja alega que Conselho negou construção de escola por perseguição religiosa

Circula em sites religiosos a notícia de que o governo estadunidense teria desaprovado um projeto de construção de uma escola privada cristã, ligada à Igreja hispânica Vida Real. O fato teria ocorrido na cidade de Somerville, em Massachusetts (EUA), e de acordo com as publicações, o impedimento para a abertura do colégio teve como base perseguição religiosa e étnico-racial. Ainda segundo a informação em circulação, o motivo do veto se deu por conta das crenças da igreja em relação a assuntos como ciência, sexualidade e saúde mental.

Os Estados Unidos proíbem escolas religiosas?

Nos Estados Unidos, escolas privadas podem, sim, ter ligações com instituições religiosas. A regulação e secularização do ensino se detêm apenas ao ensino público. O programa educacional público prevê autonomia para que cada estado possa construir sua base comum curricular, desde que siga os princípios legais estabelecidos pela Constituição estadunidense. Dentre eles, encontra-se a Primeira Emenda, que trata da separação entre Estado e religião:

 O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra, ou de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao Governo petições para a reparação de seus agravos. [p.07]

Seguindo essa Emenda, o Estado não deve intervir diretamente sobre o estabelecimento, ou mesmo proibição, do exercício religioso. Assim, o governo fica impedido de determinar uma religião oficial ou realizar interferências nas religiões, desde que sejam “privadas”. Em 1940 a Suprema Corte norte-americana decretou que não apenas o Governo Federal, como os estaduais e municipais devem acatar a decisão de um ensino público secularizado. De acordo com a decisão, o texto bíblico poderia continuar sendo lido nas escolas, se feito dentro de motivações seculares, sem o propósito de evangelizar: Defende-se que o objetivo primário de uma instituição deve ser aquele que não promova nem inibe a religião, e não devendo promover “envolvimento excessivo do governo com a religião”.

Contudo, escolas privadas se encontram fora das regularidades da primeira emenda, por se tratarem de instituições privadas. Elas podem, mesmo hoje, ter relações com instituições religiosas. Exige-se, no entanto, que o plano educacional da escola seja submetido e aprovado por órgãos educacionais regionais, a fim de manter a qualidade do ensino. Como resultado de pesquisa associada ao Pew Research Center, o pesquisador Gregory A. Smith, em seu livro  “Fé + Liberdade: religião nos EUA,  aponta que:

As escolas públicas formavam um número cada vez maior de jovens americanos, mas os cidadãos continuavam livres para enviar seus filhos — normalmente os meninos — para escolas dirigidas por denominações religiosas. Os católicos frequentemente construíam escolas paroquiais. Outras religiões seguiram o exemplo, fundando escolas que refletiam seus valores. Hoje, muitas congregações oferecem instrução religiosa suplementar para os alunos que frequentam a escola pública. As igrejas oferecem “escola dominical” ou aulas de catecismo. As mesquitas e as sinagogas oferecem oportunidades semelhantes para os americanos muçulmanos e judeus. Várias universidades americanas respeitadas começaram como faculdades religiosas. Entre as mais antigas está a Universidade de Princeton, fundada em 1746.  [p.38]

A decisão do Supremo Tribunal, 1940, se dirige majoritariamente para as escolas públicas. Ainda de acordo com o livro “Fé + Liberdade: religião nos EUA”, instituições de educação particulares podem exercer sua liberdade religiosa desde que respeitem os princípios constitucionais, como a defesa da liberdade de expressão individual e o direito ao culto e ao credo. Isto é, “Os alunos, no entanto, podem orar voluntariamente, sozinhos ou em grupos, desde que não obriguem outros a participar da oração e que não perturbem a escola” [p.39].

Escola cristã teve autorização negada

No último 30 de março, o Conselho Escolar de Somerville, Massachusetts, recusou que a Igreja Real Life International (Vida Real), formada majoritariamente por imigrantes e descendentes hispânicos, abrisse uma escola particular na cidade, com o nome de Real Life Learning Center (RLLC). Em carta aberta, publicada pela RLLC, a Igreja aponta que:

Apesar do desejo expresso da Vida Real de abrir o RLLC o mais rápido possível, o Comitê repetidamente impediu os esforços da Vida Real de fornecer educação religiosa privada para sua comunidade há mais de cinco meses. Ainda mais preocupante, o Comitê expressou hostilidade em relação às crenças religiosas de Vida Real, e vários membros do Comitê afirmaram que o desejo do RLLC de criar um currículo consistente com suas crenças religiosas é motivo para negar sua inscrição em escolas particulares.[p.02]

De acordo com o documento, os motivos para a não concessão do direito ao exercício educacional se deu graças à visão religiosa da escola, sua relação com as ciências e a psiquê humana. 

No entanto, segundo o pronunciamento municipal, a recusa se deu devido aos seguintes fatores:

Não há acomodações para alunos matriculados em educação especial, ou alunos não apresentem progresso acadêmico/cognitivo. Não há detalhes sobre avaliações ou como a escola usará avaliações para melhorar os resultados dos alunos. Não há detalhes sobre as formas como os funcionários serão apoiados. Não está claro como o processo de inscrição será resultar em um conjunto diversificado de candidatos. Não está claro se as instalações são adequadas para alunos mais jovens, e não está claro como são as instalações quando os alunos estão lá. A posição da escola sobre a homossexualidade e o criacionismo torna difícil ver como um currículo completo de ciências e saúde é possível. A abordagem da escola para serviços e aconselhamento estudantil parece desvalorizar a psicologia baseada em evidências e sua ênfase em abordagens enraizadas na crença de que a doença mental é causada pelo pecado e pelos demônios é não científico e nocivo. A escola não apresentou provas relacionadas com a segurança da planta física e solvência financeira. No geral, a escola foi totalmente contrária aos valores da SPS e à ideia de educar toda a criança como sendo inclusiva. [tradução livre, p. 03 e 04]

A decisão do Conselho de negar a criação da instituição de ensino se deu, portanto, com base na problemática relação que a instituição religiosa tem com questões ligadas aos direitos humanos, como destaca a carta, em questões como saúde mental, sexualidade e acessibilidade. Pode-se compreender que tal recusa alinha-se aos Direitos Humanos universais, sobre a preservação da qualidade de vida dos possíveis alunos matriculados.

1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Bereia classifica a informação como enganosa. A notícia insinua que a decisão do  Conselho Educacional se deve a perseguição religiosa, quando, na verdade, como exposto na própria carta publicada pela RLLC, a escola a ser construída teria seus processos pedagógico e metodológico norteados por uma visão religiosa, sob a negação princípios seculares previstos na Constituição dos Estados Unidos. Cai-se aqui em uma questão pertinente, isto porque o Estado não deve, de acordo com a Constituição, interferir na questão do ethos religioso de uma comunidade. Porém, em igual medida, não pode autorizar uma instituição educacional que se oponha aos direitos universais da vida e integridade humana.  

Bereia alerta leitores e leitoras para o uso de material enganoso, no Brasil, com o tema de “perseguição a cristãos”, com o objetivo de criar pânico moral com o público religioso. Este recurso que vem sendo utilizado em campanhas eleitorais no país, como já demonstrado em outras matérias aqui publicadas.

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Referências de checagem:

U.S. Senate: Constitution of the United States. https://www.senate.gov/civics/constitution_item/constitution.htm. Acesso em: 08 abr 2022.

Universidade Estadual de Londrina – tradução da Constituição dos EUA. http://www.uel.br/pessoal/jneto/gradua/historia/recdida/ConstituicaoEUARecDidaPESSOALJNETO.pdf. Acesso em: 08 abr 2022.

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/geral-48336499. Acesso em: 4 abr 2022.

Novos Alunos. https://novosalunos.com.br/entenda-como-funciona-a-grade-curricular-americana-no-ensino-bilingue/ Acesso em: 4 abr 2022.

First liberty.

https://firstliberty.org/wp-content/uploads/2022/03/Somerville-School-Board-Demand-Letter_Redacted.pdf Acesso em: 4 abr 2022.

https://firstliberty.org/. Acesso em: 4 abr 2022.

Oyez. https://www.oyez.org/cases/1970/89#:~:text=The%20statute%20must%20have%20a,secular%20legislative%20purposes%20because%20they. Acesso em: 4 abr 2022.

Pew Research Center. https://www.pewresearch.org/about/  Acesso em: 4 abr 2022.

Livro: Fé+ Liberdade: religião nos Estados Unidos. https://share.america.gov/wp-content/uploads/2020/01/Faith-Freedom_Religion-in-the-USA_Portuguese-Lo-Res.pdf. Acesso em: 4 abr 2022.

Gestão Escolar. https://gestaoescolar.org.br/conteudo/728/as-leis-brasileiras-e-o-ensino-religioso-na-escola-publica. Acesso em: 4 abr 2022.

UNICEF. https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos Acesso em: 4 abr 2022.

Igreja Vida Real. https://vidareal.net/ Acesso em: 4 abr 2022.

Senado Federal. https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/181796/000433550.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acesso em: 4 abr 2022.

Foto de capa: El País

Vereadora faz vídeo contra evento por direitos dos presos e descontextualiza fatos

Bereia recebeu indicação de leitores, pelo WhatsApp,  de solicitação de checagem de vídeo em que a vereadora Sonaira Fernandes (Republicanos-SP) faz críticas a uma convocação feita pelo ex-jogador de futebol e comentarista esportivo Vampeta para uma “manifestação pacífica” em defesa dos direitos dos presos marcada para o dia 3 de fevereiro passado.  

No vídeo publicado em mídias sociais, a vereadora também critica artistas e blogueiros que não identifica, e que, segundo ela, apoiaram a manifestação. Ela termina a fala dizendo que “bandido tem que receber tratamento de bandido”.

Imagem: reprodução do Twitter

Fernandes ambém cita o caso do assassinato de uma mulher pelo marido, dentro da prisão, em Presidente Prudente, que de fato ocorreu e foi cometido por um preso durante visita íntima da mulher, na Penitenciária 2 “Maurício Henrique Guimarães Pereira” em Presidente Venceslau (SP), em 13 de fevereiro. A vítima, de 41 anos, visitava o companheiro, de 39 anos, quando foi morta por ele.  No vídeo, Fernandes, depois de falar que o evento “em defesa dos direitos dos presos” havia sido apoiado por artistas, blogueiros e jogador de futebol, cita o assassinato da mulher na prisão para em seguida cobrar e acusar: “E eu estou aqui aguardando a mesma manifestação começando, é claro, pelos Direitos Humanos, pelo movimento feminista, seguindo os blogueiros, jogadores de futebol, das artistas em favor da vítima, da mulher que foi assassinada. Mas isso não interessa pra eles, é por isso que o silêncio reina. Hipocrisia é o nome disso. Bandido tem que receber tratamento de bandido!”

Quem é Sonaira

Sonaira Fernandes nasceu na Bahia, mas mudou-se para São Paulo em 2012. Fez o curso superior de Direito e um estágio na Polícia Federal , onde conheceu um escrivão da família Bolsonaro, que a indicou para participar do comitê da primeira campanha de Eduardo Bolsonaro para deputado federal em 2014, pelo Partido Social Cristão (PSC). Logo depois a advogada trabalhou no gabinete do deputado eleito e encaminhou sua carreira política, tendo sido eleita vereadora da cidade de São Paulo em 2020, pelo partido Republicanos.           

Manifestações pacíficas

As manifestações a que Soraia Fernandes se refere de fato aconteceram em     3 de fevereiro em todo o país. Sobre elas, o R7 Notícias informou: “Famílias de presos e organizações sociais realizam protestos pacíficos contra maus-tratos e torturas no sistema penitenciário, na manhã desta quinta-feira (3 de fevereiro de 2022), em cidades de todo o país”. 

O site disse ainda, que de acordo com os manifestantes, o intuito dos atos era “denunciar as condições de precariedade enfrentadas pelos detentos nos presídios brasileiros”.

Entre as reivindicações dos manifestantes estava também “uma alimentação com mais qualidade e maior quantidade, aumento do horário do banho de sol e atendimento médico mais rápido”.

Situação carcerária no Brasil     

Dados governamentais mostram que o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, com 773 mil pessoas encarceradas e perde apenas para os Estados Unidos e Rússia, que ocupam o primeiro e segundo lugar, respectivamente.

Para o pastor e advogado Evandro Machado, que atua como coordenador da Pastoral Carcerária da Igreja Metodista na Primeira Região Eclesiástica do Rio de Janeiro, “o sistema carcerário no Brasil é de fato o que tem sido relatado pela imprensa”. Segundo o correspondente internacional Jamil Chade nos últimos anos, informes das Nações Unidas, Anistia Internacional, Human Rights Watch, Conectas e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, “denunciaram a superlotação crônica nas prisões do país. Algumas chegaram a sinalizar que determinadas situações poderiam ser consideradas como degradantes e equivalentes à tortura.”

Imagem: EBC

O pastor acrescenta que  “dizer que o preso sofre com a ausência de assistência em material de higiene pessoal, isso é o mínimo. O preso está tutelado pelo Estado e depende do Estado”. Para Machado, “a Lei de Execução Penal é a base legal do Sistema Penitenciário e ela determina alguns fatores sob os quais deve se dar a execução da pena, como por exemplo, o tamanho da unidade celular, que deve ter seis metros para cada preso; deve haver medidas para integrar esse indivíduo ao convívio social, ou seja, atividades laborativas, educacionais.”

O pastor metodista disse ainda ao Bereia que quem quiser entender o sistema é só olhar a arquitetura prisional que designa bem qual é o real objetivo da pena de prisão. “Por exemplo, os presídios devem oferecer espaços para atividades de convívio, de trabalho, de educação, que mostram que realmente há uma preocupação com o indivíduo, quando ele concluir o cumprimento da pena. Agora, se você só vê guarita, parece que a única preocupação do presídio é o acautelamento do preso, é o isolamento social, que pode ser entendida como uma forma de vingança da sociedade ofendida”, denuncia o advogado. E conclui: “O cumprimento da pena se dá hoje, no Brasil, da forma mais desrespeitosa, na mais absoluta ilegalidade”.  

O drama da mulher presidiária

A situação piora quando se trata da mulher. De acordo com o coordenador da Pastoral Carcerária, “até no cumprimento de pena ela é mais discriminada. A mulher vive no mais absoluto abandono”.  De acordo com Machado existem mulheres que quando os homens são presos os acompanham e lhes dão apoio durante todo o cumprimento da pena  e há muitos filhos que são gerados na cadeia. “No entanto, no caso da mulher, a primeira coisa que o companheiro faz quando ela é presa é abandoná-la completamente, entre outras questões”, relata.

Segundo o pastor e advogado, “o crime que mais incide sobre a mulher é o tráfico de drogas, sempre na baixa hierarquia do tráfico e presa sem arma”. Ele explica que houve uma mudança em 2018, no Código do Processo Penal e que também, no entendimento da Jurisprudência dos Tribunais Superiores, se a mulher tem filhos até 12 anos, e se é presa por crime não violento, ela pode responder em liberdade até a sentença. “Mas em um grande número de casos os tribunais desrespeitam isso, porque eles dizem que o tráfico é uma violência de ordem subjetiva”, afirma Machado.

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Bereia considera o conteúdo do vídeo da vereadora Sonaira Fernandes ENGANOSO. Ainda que a vereadora fale de convite para a manifestação e      faça críticas ao evento que de fato ocorreu, o que diz respeito à sua opinião, que deve ser livre, ela usa as mídias sociais para convencer seus seguidores com o uso de fatos – manifestação e feminicídio em presídio – associando-os sem contextualizar as situações que em nada se relacionam.  Além disso, invoca sensacionalismo e usa de teores distorcidos que instigam julgamentos negativos de pessoas e instituições. Fernandes apela para uma compreensão vingativa em relação a pessoas presas, negadora delas como sujeitos de direitos. Nessa noção, presidiários, apesar de já estarem cumprindo pena de seus delitos, não teriam mais direitos como pessoa humana.

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REFERÊNCIAS:

Jornal Brasil Online. https://www.jornalbrasilonline.com.br/2022/01/isso-que-ouvir-vampeta-faz-convocacao.html. Acesso em: 19 fev 2022.

Conectado News. https://www.conectadonews.com.br/noticia/16398/ex-jogador-vampeta-convoca-seguidores-para-manifestacao-em-favor-do-direito-dos-presos?fbclid=IwAR0Ds_RPoVWhx5gAuIMGZTLURxNFTWbOzslzdzsXCDlwBXS1C3O-X8gWcew. Acesso em: 19 fev 2022.

R7. https://noticias.r7.com/sao-paulo/familias-e-ongs-protestam-contra-maus-tratos-em-presidios-03022022. Acesso em: 19 fev 2022

G1. https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/02/03/manifestantes-pedem-melhorias-na-alimentacao-mais-banho-de-sol-e-atendimento-medico-rapido-para-presos-do-estado-de-sp.ghtml. Acesso em: 20 fev 2022.

BBC News. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-58851195#:~:text=O%20Brasil%2C%20que%20ocupa%20a,primeiro%20e%20segundo%20colocados%2C%20respectivamente. Acesso em: 20 fev 2022.

Pleno News. https://pleno.news/brasil/politica-nacional/vampeta-convoca-protesto-a-favor-de-presos-e-gera-revolta.html?fbclid=IwAR1Yh3eNS_nlRy3lSaHX_orulvB3FVEJVr3fD0N7OGN3iYAY0mS6wZg_rB. Acesso em: 19 fev 2022.

Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=FHKRACF3PvA&t=25s. Acesso em: 20 fev 2022.

UOL Notícias. https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2022/02/03/em-10-anos-ninguem-nas-prisoes-federais-foi-punido-por-tortura-no-brasil.htm. Acesso em: 10 mar 2022.

G1. https://g1.globo.com/sp/presidente-prudente-regiao/noticia/2022/02/14/mulher-e-morta-pelo-companheiro-durante-visita-intima-na-penitenciaria-2-de-presidente-venceslau.ghtml. Acesso em: 20 fev 2022.

Câmara Municipal de São Paulo. https://www.saopaulo.sp.leg.br/vereador/sonaira-fernandes/ Acesso em: 14 mar 2022.

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Foto de capa: Breno Fortes/CB/D.A Press

A sabatina de André Mendonça pelo Senado – Parte 1: violência de gênero

* Matéria atualizada em 08/12/21 às 13:56

Como parte do rito oficial para assumir uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal, o ex-Advogado Geral da União e ex-Ministro da Justiça André Mendonça passou por sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal. Durante sua exposição inicial e nas respostas aos senadores, Mendonça fez diversas afirmações, que foram checadas pelo Bereia. Nesta parte da cobertura é apresentado o primeiro dos temas mais destacados.

Violência de gênero

André Mendonça respondeu perguntas da relatora do processo de indicação na CCJ Eliziane Gama (Cidadania/MA), sobre o enfrentamento da violência contra mulheres no Brasil. O sabatinado ressaltou o trabalho dele no governo de Jair Bolsonaro, à frente do Ministério da Justiça e citou operações da Polícia Federal e políticas de aglutinação que incluíram a proteção de crianças e de idosos.

“Como ministro da Justiça, fizemos as maiores operações da história no combate da violência contra a mulher, atuando na vida e na integridade física das mulheres. Agrego a isso grandes operações para proteção de idosos e crianças vítimas de pedofilia. Ressalto, também nesse contexto, que como Ministro da Justiça e Segurança Pública, aprovei um protocolo inovador de investigação de crime de feminicídio, consensuado por todos os órgãos de segurança pública do país e depois submetido à bancada feminina do Congresso Nacional.”

Na conclusão deste bloco de respostas, Mendonça destacou: “Feminicídio (morte por conta do gênero feminino) é um ato covarde. O destrato em relação às mulheres é um ato covarde. Nesse sentido meu compromisso é, diante de situações como essas, aplicar a Lei de forma plena e rigorosa.”

 Operação Resguardo

Ao citar ter realizado as maiores operações no combate à violência contra a mulher, quando esteve à frente do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, André Mendonça referiu-se à Operação Resguardo, da Secretaria de Operações Integradas, iniciada em 1 de janeiro de 2021 e concluída, simbolicamente, no Dia Internacional da Mulher do mesmo ano. A operação integrou o MJSP com as Unidades da Federação e o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, no combate à violência contra a mulher. Foram investigadas mais de 46 mil denúncias apuradas nos diversos canais municipais, estaduais e federais. 

Como resultado, foram registrados mais de 9,1 mil presos, decorrentes de flagrantes e mandados de prisão expedidos pela Justiça; cumpridos cerca de 56 mil medidas protetivas, com mais de 168 mil vítimas atendidas, 1.226 armas apreendidas e realizadas cerca de 70 mil visitas e diligências realizadas pelas polícias civis. Ao todo, mais de 16 mil policiais civis atuaram, de forma conjunta, na busca de suspeitos de ameaças, tentativas de feminicídio, lesão corporal, descumprimentos de medidas protetivas, estupro, importunação, entre outros crimes.

A importância desta operação, de fato uma das maiores já realizadas pelo governo federal no combate à violência física contra mulheres, foi reconhecida por lideranças políticas de oposição. A deputada estadual de Goiás Delegada Adriana Accorsi (PT), que foi candidata à Prefeitura de Goiânia, por exemplo, afirmou que a ação “mostra a possibilidade das Forças de Segurança combaterem, com rigor, a violência cometida contra meninas e mulheres”. Ela acrescentou que “Operações desse tipo, que acontecem de maneira simbólica no dia 8 de março, são muito importantes. Esperamos esse rigor todos os anos, pois a impunidade é um mal que estimula o cometimento desses crimes”.

Protocolo nacional de investigação

É verdade também que André Mendonça atuou na aprovação do Protocolo Nacional de Investigação e Perícias nos Crimes de Feminicídio, em parceria com o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, publicado no Diário Oficial, em 22 junho de 2020. O protocolo prevê a uniformização dos procedimentos das polícias civis e de órgãos de perícia oficial de natureza criminal nos estados e no Distrito Federal (DF). Esta atuação conjunta tem por objetivo contribuir para a prevenção e a repressão aos crimes com o fortalecimento de ações que envolvam morte de mulheres decorrente de discriminação e de violência doméstica e familiar.

O protocolo determina a instauração imediata de inquérito policial nos casos de mortes violentas, com vítimas mulheres. Além disso, o texto estabelece que os atendimentos relacionados às ocorrências de feminicídio devem ter prioridade na realização de perícias.

Aglutinação de demandas, menos eficácia

Com relação à inclusão de idosos e de crianças vítimas de pedofilia nos programas governamentais de combate à violência citados positivamente por André Mendonça, dados divulgados pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) dizem que a aglutinação destas demandas causou perda na execução de políticas para mulheres. No estudo “O Brasil com baixa imunidade”, o INESC mostra que o governo federal dispõe de R$425 milhões alocados no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Porém, até meados de maio de 2020, o ministério havia executado somente R$11,3 milhões, o equivalente a 2,6% do que estava disponível.

Uma nota técnica da consultoria da Câmara confirmou a baixa execução orçamentária para políticas públicas destinadas exclusivamente às mulheres: mostra que apenas R$ 5,6 milhões de um total de R$ 126,4 milhões previstos na Lei Orçamentária de 2020 foram efetivamente gastos com políticas públicas específicas para mulheres, sem contar os “restos a pagar” de anos anteriores.

O Plano Plurianual (PPA) 2020-2023 do governo de Jair Bolsonaro, excluiu o “Programa 2016: Políticas para as Mulheres: Promoção da Igualdade e Enfrentamento a Violência”, que era destinado somente às mulheres, e criou o “Programa 5034: Proteção à Vida, Fortalecimento da Família, Promoção e Defesa dos Direitos Humanos para Todos”, a que André Mendonça se referiu, que é um guarda-chuva para execução de políticas do ministério destinadas às mulheres, aos idosos e a pessoas com deficiência. “Ocorreu a fusão dos programas, o que pode dificultar o acompanhamento dessas políticas públicas e levar a uma redução da transparência”, diz a nota técnica da consultoria da Câmara. A palavra “mulher” aparece em apenas um objetivo da aglutinação, que coloca ênfase clara no conceito de família.

“O desenho que vinha sendo construído desde 2004 mudou radicalmente e agora adquire um viés mais conservador”, critica o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em  relatório lançado no início deste ano que faz um balanço do orçamento do governo federal. 

Um levantamento de 2021, exclusivo da revista AzMina, mostra que entre janeiro de 2019 e julho de 2021, o governo federal  não gastou R$ 376,4 milhões dos R$ 1,1 bilhão disponíveis para dez rubricas que têm as mulheres como público-alvo no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e no Ministério da Saúde. É um terço do total de recursos previstos no orçamento da União, carimbados especificamente para este conjunto de políticas públicas e com emprego autorizado pelo Congresso Nacional. 

Entre os valores que não foram utilizados, está a maior parte dos recursos que deveriam construir e equipar Casas da Mulher Brasileira pelo país – estrutura que agrega uma série de serviços especializados para atendimento da mulher em situação de violência, como delegacia, juizado, promotoria e abrigamento de curta duração. Desde 2019, dos quase R$ 115 milhões disponíveis para essa política pública, apenas R$ 1 milhão foi efetivamente gasto. Para a Rede Cegonha, a estratégia de planejamento reprodutivo e atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério do Ministério da Saúde, dos R$ 270 milhões autorizados, apenas R$ 182 milhões foram desembolsados e R$ 89 milhões ficaram pelo caminho. 

Dados fornecidos pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública à revista Azmina, via Lei de Acesso à Informação, revelam outra face do descaso com a garantia de direitos das mulheres: recursos deste ministério destinados a dois importantes projetos estão caindo drasticamente desde 2019. Chamou a atenção das jornalistas o programa chamado Protejo, que paga bolsas a jovens em situação de violência doméstica como incentivo para frequentarem cursos de capacitação em diferentes áreas gastou, ao todo, R$ 3,3 milhões no primeiro semestre de 2021. Em 2019, essa política pública recebeu investimentos de R$ 64,7 milhões.

Já o Projeto Mulheres da Paz que também concede bolsas, mas neste caso para mulheres líderes de comunidade que atuam como mediadoras de conflitos em suas regiões, teve gastos sete vezes menores em 2021 do que no primeiro ano de mandato de Bolsonaro: R$ 184,7 milhões (em 2019) contra R$ 25.460,00 (até julho deste ano).

Respostas imprecisas

André Mendonça discorreu sobre seu trabalho como Ministro da Justiça e Segurança Pública, e incorreu em imprecisão.

Primeiramente, as ações descritas – a Operação Resguardo e o Protocolo de Investigações – esbarram em uma política do governo federal que é a ampliação do acesso a armas de fogo pela população. Já em 2019, no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, que tem como projeto o armamentismo, uma audiência da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados abordou o tema.  A Comissão ouviu especialistas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, do Núcleo Especializado em Diversidade e Igualdade Racial da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, do Grupo Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Ministério Público do Estado de São Paulo. Todas as representações afirmaram que a ampliação do porte e posse de armas de fogo poderia aumentar os riscos para as mulheres e impactar os índices de feminicídio. 

As especialistas na audiência mostraram como a presença de uma arma de fogo aumenta em cinco vezes a chance de ocorrência de homicídio ou suicídio. Foi afirmado que as políticas públicas do governo para a área não são baseadas nos dados e estatísticas disponíveis. Na audiência a representante do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, então liderado por Sérgio Moro, foi a única a discordar da avaliação. “O simples desarmar não é a solução dos nossos problemas”, avaliou a servidora do ministério Thaylize Rodrigues.

Em 2021 esta indicação se comprovou com os resultados da mais recente edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em julho de 2021, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com dados colhidos em 2020, um ano depois da audiência da Câmara Federal. O relatório mostra que o Brasil praticamente dobrou em um ano o número de armas registradas em posse de cidadãos, ao mesmo tempo em que as mortes violentas cresceram, a despeito do maior isolamento social durante a pandemia. Dados do Sinarm, sistema da Polícia Federal que cadastra posse, transferência e comercialização de armas de fogo, em 2020 houve 186.071 novos registros, um aumento de 97,1% em um ano. A maioria desses registros é de cidadãos privados.

Enquanto especialistas em segurança pública apontam que a facilitação no acesso a armas favorece a violência, o governo federal justifica que as políticas armamentistas visam a desburocratização, a clareza das normas e “adequar o número de armas, munições e recargas ao quantitativo necessário ao exercício dos direitos individuais”.

Segundo o Anuário, o Brasil teve um aumento de 4% no número de mortes violentas intencionais em 2020, em comparação com 2019. Neste grupo, 1.350 mulheres foram mortas em episódios classificados como feminicídio, com uma alta de 0,7% em relação a 2019.

Em segundo lugar está o descaso do governo federal, que inclui o Ministério da Justiça e da Segurança Pública sob a liderança de André Mendonça, com os gastos com políticas de enfrentamento da violência contra a mulher. O Plano Plurianual (PPA) é uma lei elaborada a cada quatro anos e, de acordo com a Constituição Federal de 1988, estabelece, de forma regionalizada, diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas relativas aos programas de duração continuada.​ Caso o governo não aplique os recursos de forma adequada, o STF tem que atuar para que cumpra o que lhe cabe, o que deverá ser uma demanda sobre o novo ministro da corte André Mendonça.

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O então candidato à vaga no STF André Mendonça apresentou como respostas à inquirição da senadora Eliziane Gama realizações do trabalho dele como ministro da Justiça e da Segurança Pública em duas frentes. No entanto, Bereia classifica estas respostas como imprecisas pois a questão do enfrentamento da violência contra mulheres exige abordagem mais ampla da parte de um ministro da Corte que deve garantir o cumprimento das bases constitucionais do país, como a verificação acima mostra. 

Referências de checagem:

Ministério da Justiça e Segurança Pública. https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/operacao-resguardo-mira-combate-a-crimes-de-violencia-contra-a-mulher-no-brasil Acesso em: 08 dez 2021.

Assembleia Legislativa do Estado de Goiás. https://portal.al.go.leg.br/noticias/115795/adriana-accorsi-aplaude-operacao-policial-que-prendeu-em-goias-quase-100-homens-por-violencia-domestica Acesso em: 08 dez 2021.

Imprensa Nacional. http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-340-de-22-de-junho-de-2020-262969693 Acesso em: 08 dez 2021.

Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/junho/protocolo-padroniza-investigacao-de-crimes-de-feminicidio Acesso em: 08 dez 2021.

Inesc. https://www.inesc.org.br/obrasilcombaixaimunidade/ Acesso em: 08 dez 2021.

Câmara dos Deputados. https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/estudos/2020/ET16_Violncia_MUlher.pdf Acesso em: 08 dez 2021.

Azmina. https://azmina.com.br/reportagens/bolsonaro-nao-usou-um-terco-dos-recursos-aprovados-para-politicas-para-mulheres-desde-2019/%20  Acesso em: 08 dez 2021.

Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/noticias/560955-projeto-permite-concessao-de-porte-de-arma-de-fogo-por-decreto-presidencial Acesso em: 08 dez 2021.

https://www.camara.leg.br/noticias/599507-para-especialistas-ampliacao-do-porte-de-armas-de-fogo-pode-aumentar-riscos-para-mulheres/ Acesso em: 08 dez 2021.

Fórum Brasileiro de Segurança Pública. https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/ Acesso em: 08 dez 2021.

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Foto de capa: Marcos Oliveira / Agência Senado

Governo da Nicarágua fecha canais de TV, incluindo o único cristão

*colaborou Magali Cunha

Na última semana, ganhou destaque em sites de notícias gospel a retirada do ar do canal Enlace, único canal de Tv cristão por satélite na Nicarágua. O fato ocorreu em 10 de novembro de 2021, três dias após as conturbadas eleições presidenciais no país que resultaram na reeleição de Daniel Ortega (Frente Sandinista de Libertação Nacional), há 14 anos consecutivos no poder. 

O processo eleitoral, que envolveu o Reverendo Guillermo Osorno, representante do canal, candidato pelo partido Caminho Cristão Nicaraguense (CCN), foi marcado pela prisão de sete adversários de Ortega e denúncias por parte da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). A legitimidade das eleições nicaraguenses foi contestada em Assembleia da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 12 de novembro, o que levou o país a anunciar sua retirada da organização.

Canal Enlace teve a licença de operação cancelada por órgão governamental 

De acordo com o veículo local Nicaragua Investiga, o governo de Ortega cancelou não só a licença de operação do canal Enlace, como também a da Rádio Nexo, ambos pertencentes ao ex-presidenciável Reverendo Guillermo Osorno.

O cancelamento ocorreu logo após Osorno denunciar irregularidades no processo eleitoral da Nicarágua, bem como pedir a libertação de presos políticos. Em coletiva de imprensa realizada em 9 de novembro, na sede nacional do CCN, o pastor afirmou não reconhecer a vitória de Ortega e sugeriu a convocação de novas eleições. Ele foi um dos dos seis candidatos que concorreram à presidência do país nas eleições de 7 de novembro, que mantiveram no poder por mais cinco anos o regime de Daniel Ortega e de sua vice-presidente e também esposa Rosario Murillo.

No mesmo dia do pronunciamento de Guillermo Osorno contra o governo, membros do Instituto Nicaraguense de Telecomunicações (Telcor), órgão responsável por supervisionar os meios de comunicação na Nicarágua, inspecionaram as instalações do canal de TV e da rádio. Segundo Abraham Osorno, filho do pastor, “Às seis da tarde recebemos a carta de notificação onde nos diziam que, após a fiscalização, o cancelamento da licença de exploração era meritório, sem nos darem detalhes do porquê”.

 Atualmente dirigido por Nahima Díaz, filha do diretor da Polícia Nacional Francisco Díaz e cunhada do filho de Daniel Ortega, o Telcor alegou que foram encontradas anomalias na operação dos veículos midiáticos. Conforme comunicado publicado pelo Canal Enlace, foram apresentadas ao escritório do Instituto evidências que comprovavam a normalidade das operações do canal, que ainda assim teve sua licença cancelada.

O Canal Enlace e a frequência da Rádio Nexo foram atribuídos ao Reverendo Osorno em 1991, sob o governo de Violeta Chamorro. O canal saiu do ar em 12 de novembro e até a conclusão desta checagem, a programação continuava a ser transmitida por meio de seu website.

Outros meios de comunicação censurados no regime Ortega-Murillo

Imagem: Voz de America

Com a suspensão, Enlace e Nexo se juntam a inúmeros veículos de comunicação censurados pelo regime de Ortega desde sua volta à presidência, em 2007. Neste período, o governo do país ordenou o confisco ou fechamento de pelo menos 20 veículos de comunicação. Entre eles estão o Canal 12, jornal Metro e jornal El Nuevo Diario. Outros meios foram vítimas de ataques e censura, é o caso do canal 100% noticias, jornal Confidencial, e La Prensa, cujo gerente-geral foi detido pelo regime há mais de 100 dias.

A situação da imprensa na Nicarágua preocupa o Comitê para a Proteção de Jornalistas, já que o país vem apresentando um crescente número de ataques à jornalistas e invasão de redações.

De revolucionário a governante “mão de ferro”

A postura assumida pelo presidente da Nicarágua Daniel Ortega torna perplexo quem acompanhou sua trajetória.  Ele se tornou líder do país pela primeira vez, em 1981, dois anos depois da Revolução Sandinista (1979), que livrou o país da ditadura do general Anastásio Somoza e filhos, que durou 32 anos. Naquele ano, Ortega foi eleito coordenador do Conselho de Administração.  Em 1984, ele ganhou as eleições presidenciais e ocupou a presidência até 1990. Voltou ao poder em 2007 e se manteve no cargo até o presente. Desde então, analistas de várias tendências consideram que houve um desmantelamento do Estado nicaraguense em nome de um governo que ganhou “mão de ferro”.

Matéria do jornal alemão DW, de 23 de novembro, traduzida para o IHU On Line, ainda não confirmava, até o fechamento do texto, a prisão de Edgard Parrales, que foi embaixador da Nicarágua na Organização dos Estados Americanos no primeiro governo de Daniel Ortega. Ele foi capturado na segunda-feira, 22 de novembro,  por desconhecidos em frente à sua casa em Manágua. Parrales, de 79 anos, havia participado  em um programa de televisão em que se falou da decisão do governo nicaraguense de retirar o país da OEA. Não era a primeira vez que o ex-padre, que um dia se somou às fileiras sandinistas e ocupou vários cargos depois da ditadura de Somoza, se pronunciava publicamente fazendo críticas ao regime de Daniel Ortega. Assim como Ernesto e Fernando Cardenal e Miguel d’Escoto, Parrelas foi suspenso, em 1984, do exercício sacerdotal da Igreja Católica por abraçar a Teologia da Libertação. 

A matéria do DW afirma que figuras que outrora apoiaram o sandinismo, agora são perseguidas. “Edgard Parrales foi preso por pessoas que não usavam uniforme de polícia, e não havia uma ordem de prisão contra ele. Então foi como um sequestro”, disse Barbara Lucas, do Informationsbüro Nicarágua, uma associação alemã com sede em Wuppertal que leva mais de quatro décadas informando sobre esse país. “A prisão de Edgard Parrales é outro sinal de que qualquer um que se pronunciar publicamente está arriscando sua liberdade. E este senhor tem 79 anos, isso é um perigo para sua vida”, destaca.

As coisas mudaram muito desde os tempos da revolução sandinista, na qual muitos religiosos tomaram partido contra Somoza até o presente. Quando os protestos de 2018 explodiram, foi a Igreja Católica nicaraguense que intercedeu ante o governo. “Foi um forte apoio para a população, sobretudo para os jovens que estavam sendo tratados com uma violência terrível. Havia certo respeito pela Igreja Católica. Muitos cardeais se colocaram a favor do povo, mas também houve palavras de mediação. Intercediam também para que o governo da Nicarágua cessasse com a violência desnecessária”, disse Betina Beate, diretora do departamento de América Latina de Misereor, uma organização de ajuda ao desenvolvimento do episcopado alemão.

Barbara Lucas afirma que na Nicarágua “existe uma ditadura, um estado policial”, sem liberdade de expressão. “Para mim, pessoalmente, é um caminho muito doloroso, porque nos anos 1980 havia muita esperança, muitos sonhos, muito idealismo, e aos poucos vimos como os espaços para uma sociedade justa e mais solidária foram fechando”, diz. Mesmo assim, ela acredita que a Igreja ainda tem um papel importante. “Mas, neste momento, é um papel um pouco abaixo da superfície, porque atuar em público pode ser muito perigoso”, estima, e lembra o que acabou de acontecer com Edgard Parrales.

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Bereia classifica como verdadeiro o cancelamento do Enlace, único canal cristão de TV por satélite da Nicarágua. A retirada do ar se deu em um momento de grandes tensões políticas no país, que acaba de sediar um complexo processo eleitoral, e vai ao encontro de medidas autoritárias perpetuadas pelo governo de Ortega no que se refere à imprensa local. 

Referências:

Enlace. https://www.enlace.org/ Acesso em: 23 nov 2021.

Radio Nexo. https://nexo895fm.com/ Acesso em: 23 nov 2021.

CNN Latinoamérica. https://cnnespanol.cnn.com/2021/11/02/daniel-ortega-presidente-nicaragua-orix/ Acesso em: 23 nov 2021.

Nicaragua Informa.
https://nicaraguainvestiga.com/politica/65431-telcor-cancela-la-licencia-para-operar-a-enlace-canal-21-y-a-radio-nexos/ Acesso em: 23 nov 2021.

100% Noticias. https://100noticias.com.ni/politica/111306-camino-cristiano-desconoce-resultados-electorales/ Acesso em: 23 nov 2021.

https://100noticias.com.ni/politica/111329-telcor-cancela-licencia-enlace-canal-21-nicaragua/
Acesso em: 23 nov 2021.

Confidencial.
https://www.confidencial.com.ni/nacion/el-conflicto-con-la-nueva-directora-de-telcor-nahima-diaz-flores/ Acesso em: 23 nov 2021.

Instituto Nicaraguense de Telecomunicaciones y Correos.
https://www.telcor.gob.ni/Default.asp Acesso em: 23 nov 2021.

La Prensa.
https://www.laprensa.com.ni/2021/11/10/politica/2908875-cancelan-canal-de-television-y-emisora-radial-a-guillermo-osorno Acesso em: 24 nov 2021.

Voz de America.
https://www.vozdeamerica.com/a/nicaragua-gobierno-cancela-dos-medios-ligados-candidato-presidencial/6308904.html Acesso em: 24 nov 2021.

Nicaragua Investiga
https://nicaraguainvestiga.com/politica/65674-dictadura-daniel-ortega-saca-senal-abierta-enlace-canal-21/?fbclid=IwAR1XjyC5j5NT4duK9T7A4Guav6YJDfMMfy34z5jamO4LyPncgm4z-t-t8Z8 Acesso em: 24 nov 2021.

G1.
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/11/08/nicaragua-daniel-ortega-conquista-quarto-mandato-consecutivo-na-nicaragua-pais-e-um-estado-policial-sem-separacao-de-poderes-diz-cidh.ghtml Acesso em: 25 nov 2021.

Voz de America.
https://www.vozdeamerica.com/a/centroamerica_nicaragua-canal12-represion-daniel-ortega/6067991.html Acesso em: 25 nov 2021.

Confidencial.
https://www.confidencial.com.ni/nacion/gobierno-ha-ordenado-cierre-de-medios-de-comunicacion-en-nicaragua/ Acesso em: 25 nov 2021.

El Pais.
https://brasil.elpais.com/internacional/2021-05-20/regime-de-daniel-ortega-volta-a-atacar-e-deter-jornalistas-na-nicaragua.html Acesso em: 25 nov 2021.

La Prensa.
https://www.laprensa.com.ni/2018/04/20/nacionales/2407433-periodistas-de-nicaragua-cierran-filas-por-haberse-censurado-100-noticias Acesso em: 25 nov 2021.

El Pais.
https://brasil.elpais.com/internacional/2021-11-03/ataques-a-imprensa-na-america-latina-geram-buracos-negros-de-informacao-diz-cpj.html Acesso em: 25 nov 2021.

https://brasil.elpais.com/internacional/2021-08-03/ortega-e-murillo-selam-uma-eleicao-sob-medida-para-si-na-nicaragua.html Acesso em: 25 nov 2021.

Swiss Info.
https://www.swissinfo.ch/spa/nicaragua-elecciones_onu-y-cidh—falta-de-libertades–marcan-el-proceso-electoral-de-nicaragua/47085230 Acesso em: 25 nov 2021.

Piauí. https://piaui.folha.uol.com.br/nem-covid-nem-oposicao-nem-eleicao/ Acesso em: 25 nov 2021.

El Pais.
https://brasil.elpais.com/internacional/2021-11-13/america-rechaca-as-eleicoes-da-nicaragua-nao-tem-legitimidade-democratica.html Acesso em: 25 nov 2021.

CNN Latinoamérica.
https://cnnespanol.cnn.com/2021/11/19/nicaragua-retiro-definitivo-oea-orix/ Acesso em: 25 nov 2021.

Deutsche Welle.
https://www.dw.com/pt-br/nicar%C3%A1gua-prende-s%C3%A9timo-pr%C3%A9-candidato-%C3%A0-presid%C3%AAncia/a-58635877 Acesso em: 26 nov 2021.

Instituto Humanitas Unisinos.

http://www.ihu.unisinos.br/614312-nicaragua-do-sonho-ao-pesadelo-sandinista Acesso em: 26 nov 2021.

http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/612085-analise-da-realidade-da-nicaragua Acesso em: 26 nov 2021. 

http://www.ihu.unisinos.br/614773-nicaragua-igreja-um-reduto-de-critica-na-mira-do-regime Acesso em: 26 nov 2021.

http://www.ihu.unisinos.br/578631 Acesso em: 26 nov 2021.

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Imagem de capa: Reuters

Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos é investigada por gastar pouco

Circula em sites de notícias evangélicos e mídias sociais de apoiadores do governo críticas sobre notícia a respeito de investigação do Ministério Público Federal (MPF) que envolve os baixos investimentos feitos pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), atualmente comandado pela pastora batista Damares Alves. O MPF não costuma comentar oficialmente o andamento de inquéritos, e não respondeu a questionamentos de jornalistas nesse sentido.

A informação também foi compartilhada nos perfis oficiais da ministra na internet. Em 18 de outubro de 2021, ela afirmou por meio de seu perfil no Instagram ainda não ter sido comunicada sobre a abertura do inquérito. O deputado federal Dr. Jaziel (PL-CE) e as deputadas Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP) foram alguns dos parlamentares que repercutiram a investigação do MPF e defenderam a ministra. O discurso de Damares Alves e apoiadores nas mídias sociais é de que “gastar pouco” deveria ser entendido como benéfico. 

Imagem: reprodução do Twitter

Sobre a investigação

Segundo as informações da imprensa, o inquérito pretende apurar a baixa execução orçamentária do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos nos anos de 2020 e 2021. De acordo com dados disponíveis no Portal da Transparência, no ano passado o MMFDH executou apenas R$ 253,2 milhões de um orçamento de R$ 673,7 milhões, o que corresponde a 38% do valor disponibilizado para a pasta. Já em 2021, até o momento, 18% do orçamento foi realizado (dos R$ 618,6 milhões, R$ 110 milhões foram gastos pelo Ministério).

Mesmo afirmando não ter sido comunicada do inquérito, Damares Alves procurou se justificar, dizendo que “todo nosso orçamento do ano passado está devidamente executado, devidamente empenhando (sic). Nossa execução passou de 98%, o que foi publicamente anunciado.” A ministra justificou que “só recebe dinheiro para a próxima etapa da obra após medição e conferência do que já foi feito”.

Menos políticas públicas de proteção

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos é o órgão responsável pela defesa dos Direitos Humanos no Brasil. Encarregado de formular políticas públicas de inclusão, o MMFDH tem papel fundamental na promoção da igualdade racial, defesa dos direitos da pessoa idosa, mulheres, crianças e adolescentes, Pessoas Com Deficiência, indígenas e população LGBTQIA+ no país.

A baixa execução do orçamento, mesmo com verba disponível, pode impactar projetos e programas governamentais, como o de proteção às mulheres e combate à violência de gênero. Damares Alves afirma que “o orçamento está garantido, empenhado e o dinheiro na conta, mas em nossa gestão, o valor só é liberado, a ordem de pagamento só é feita fase por fase da realização da obra, do projeto ou do programa, com a devida prestação de contas e com relatórios”. No entanto, esta não é a primeira vez que o MPF pede esclarecimentos à pasta quanto à execução de políticas públicas de responsabilidade do Ministério.

Em 2020, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão vinculado ao MPF, requereu ao Ministério informações sobre políticas públicas voltadas à proteção dos direitos das mulheres, especialmente no contexto da pandemia. Apesar do aumento da violência no período de isolamento social, com uma denúncia a cada cinco minutos, o MMFDH registrou o menor gasto da década com ações de proteção à mulher, segundo levantamento feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). 

Já em setembro deste ano, a PFDC solicitou informações sobre a execução orçamentária do Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), que sofreu atrasos de pagamentos e corte de pessoal, colocando em risco a proteção de ativistas.

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Bereia classifica como enganosa a afirmação de que a Ministra do MMFDH é alvo de investigação pelo MPF por gastar pouco, o que seria uma virtude da pasta. Caso se confirme a informação de que há um inquérito em andamento, Damares Alves será investigada por possível baixa execução do orçamento do Ministério, tendo em vista que o um menor investimento da pasta impacta diretamente projetos e programas governamentais o voltados para o auxílio às populações vulneráveis. Ou seja, gastar menos do que o orçado e planejado para a pasta não necessariamente significa uma economia sem custos para a população e representa negligência com os deveres e responsabilidades que devem ser assumidos pelo poder público em relação a direitos de minorias sociais.

Referências

Último Segundo. https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2021-10-17/damares-inquerito-mpf-orcamento.html Acesso em: 27 out 2021.

Poder 360. https://www.poder360.com.br/brasil/damares-critica-investigacao-do-mp-por-nao-ter-gasto-verba-disponivel/ Acesso em: 27 out 2021.

Instagram. https://www.instagram.com/p/CVJsTOVgEPk/ Acesso em: 22 out 2021.

Portal da Transparência http://portaldatransparencia.gov.br/ Acesso em: 24 out 2021.

Ministério Público Federal

http://www.mpf.mp.br/pfdc/noticias/pfdc-pede-a-ministra-damares-dados-sobre-acoes-para-a-protecao-de-mulheres-no-contexto-da-covid-19 Acesso em: 22 out 2021.

O Globo. https://oglobo.globo.com/celina/dia-internacional-da-mulher-2021-em-ano-de-aumento-da-violencia-contra-mulher-damares-usa-apenas-14-do-orcamento-menor-gasto-da-decada-24907681 Acesso em: 22 out 2021.

https://oglobo.globo.com/brasil/alem-de-orcamento-mpf-questiona-pasta-de-damares-por-acoes-voltadas-protecao-de-mulheres-defensores-25240066 Acesso em: 22 out 2021.

Poder 360

https://www.poder360.com.br/brasil/damares-critica-investigacao-do-mp-por-nao-ter-gasto-verba-disponivel/ Acesso em: 22 out 2021.

O Tempo

https://www.otempo.com.br/politica/governo/damares-reage-a-inquerito-do-mpf-sem-mencionar-os-motivos-da-investigacao-1.2557220 Acesso em: 22 out 2021.

Governo Federal

https://www.gov.br/mdh/pt-br/damares-alves Acesso em: 22 out 2021.

Politize!

https://www.politize.com.br/ministerio-da-mulher-familia-e-direitos-humanos/ Acesso em: 22 out 2021.

O Globo – Celina

https://oglobo.globo.com/celina/dia-internacional-da-mulher-2021-em-ano-de-aumento-da-violencia-contra-mulher-damares-usa-apenas-14-do-orcamento-menor-gasto-da-decada-24907681 Acesso em: 24 out 2021.

UOL – Universa

https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/10/18/mpf-investiga-minsterio-de-damares-por-nao-gastar-verba-que-tem-disponivel.htm Acesso em: 24 out 2021.

O Globo

https://oglobo.globo.com/brasil/alem-de-orcamento-mpf-questiona-pasta-de-damares-por-acoes-voltadas-protecao-de-mulheres-defensores-25240066 Acesso em: 25 out 2021.

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Foto de capa: Isac Nóbrega/PR

Campanha Primavera para a Vida 2021 debate fake news dentro das comunidades de fé

Lançamos a 21ª edição da Campanha Primavera para a Vida, que aborda o caminho da verdade como um princípio cristão que produz paz e justiça e denuncia os danos que a cultura de produzir e difundir “Fake News” (expressão sofisticada para o termo “mentira”) tem causado na sociedade, de modo mais particular em comunidades de fé.

A live de lançamento contou com a participação da editora-geral do Bereia, Magali Cunha, da pastora Romi Bencke e da ativista Ana Gualberto, além de diversos membros do movimento ecumênico.Como parte da campanha lançamos também a publicação “Buscar a Verdade: Um Compromisso de Fé”, que traz conteúdos para debate e difusão da aplicação do princípio da verdade. Você pode baixar a publicação aqui.

A campanha, que promovemos desde 2001, busca articular o diálogo com as Igrejas, fortalecendo o compromisso ético com a promoção e garantia dos Direitos Humanos, contribuindo para a formação das lideranças clérigas, leigas e das comunidades de fé, disponibilizando estudos bíblico-teológicos inspirados em demandas sociais vivenciadas pela organização.

Bereia participa de evento mundial sobre Comunicação para Justiça Social

Entre 13 e 15 de setembro ocorre o Simpósio Comunicação para Justiça Social na Era Digital, organizado pela Associação Mundial para Comunicação Cristã (WACC, na sigla em inglês) e pelo Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Diante de representantes de 120 países, o Bereia será apresentado como um caso para estudo e foi classificado como alto interesse, por ser considerado uma ação inédita. Nossa editora-geral, Magali Cunha, também vai compartilhar os resultados da pesquisa Fundamentalismos, crise na democracia e ameaça aos direitos humanos na América do Sul. A apresentação será no dia 14 e poderá ser acompanhada no canal do CMI, às 11h30 (horário de Brasília): https://www.oikoumene.org/live .

O simpósio examinará como a justiça social e a injustiça se assemelham na era digital, especialmente para as pessoas e comunidades marginalizadas. Também abordará como o “espaço público” mudou – ou não – com as oportunidades digitais, bem como os desafios contínuos de desequilíbrios de poder e censura. Juntos, os participantes desenvolverão uma visão de uma sociedade mais digital – e humana – e as ações que podem ser realizadas nessa direção.

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Foto de capa: Albin Hillert/LWF

Jesus e os Direitos Humanos

O professor Peter Pal Pelbart tem empenhado suas pesquisas na análise psíquico-política da conjuntura brasileira. Segundo ele, estamos em guerra: “Guerra contra os pobres, contra os negros, contra as mulheres, contra os indígenas, contra os craqueiros… guerra contra o Brasil. ”

De fato, essa análise faz bastante sentido em nosso atual contexto: terrorismo, repressão policial, territórios empobrecidos e criminalizados, negros, mulheres e jovens exterminados, infância cada vez mais vulnerabilizada e muitas mães chorando a saudade inconsolável dos seus queridos e queridas.

É neste contexto que nasceu o livro ‘Jesus e os Direitos Humanos’, organizado e coordenado pelos teólogos Ronilso Pacheco e João Luiz Moura. A iniciativa é do Usina de Valores, projeto liderado pelo Instituto Vladimir Herzog. A obra reúne nove artigos que relacionam passagens bíblicas e as mensagens de Jesus com a busca contemporânea por justiça, igualdade e defesa dos direitos civis e sociais.

A pergunta que norteou a elaboração desse livro foi: mas afinal, o que a religião tem a ver com a realidade brasileira? Quais são as inteligências produzidas pelas muitas expressões religiosas brasileiras que podem nos ajudar a (re)pensar a (re)construção dos direitos humanos no Brasil?

Entre as escritoras e os escritores que assinam os textos estão Caio Marçal, teólogo e pedagogo; Andreia Fernandes, pastora e teóloga; Pastora Kátia Ezoite e Pastor Jairo dos Santos; André Guimarães, educador popular e ativista da Teologia Negra no Brasil; Géssica Dias, assistente social e membra da Igreja Batista de Coqueiral, em Recife; Henrique Vieira, teólogo, ator e pastor; Kleber Lucas, cantor e pastor; José Marcos, teólogo e psicólogo; João Luiz Moura, pedagogo e mestre em Ciências da Religião.

Os autores e autoras têm um comprometimento radical com a luta por um mundo mais justo, belo e bom. Aproveite da leitura e espalhe essas sementes por onde for e puder.

Paz e Bem.

Deputado Federal da Bancada Evangélica defende trabalho infantil após vitória olímpica

Ao comemorar a vitória olímpica da skatista maranhense Rayssa Leal, 13 anos, durante a madrugada de 26 de julho, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) publicou um posicionamento em defesa do trabalho infantil.

As crianças brasileiras de 13 anos não podem trabalhar, mas a skatista Rayssa Leal ganhou a medalha de prata na Olimpíadas… Ué! É pra pensar… Parabéns a nossa medalhista olímpica! E revisão do Estatuto da Criança e Adolescente já!”, declarou em sua mídia social, momentos após a conquista de Rayssa. 

E, na tarde do mesmo dia citou um artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade.” 

Eu defendo a revisão deste artigo no Estatuto da Criança e Adolescente, se atentem para a palavra QUALQUER no texto da lei.

Reprodução do Twitter

Créditos: Reprodução/ Wander Roberto /COB

Rayssa, mais conhecida como Fadinha, conquistou a medalha de prata na modalidade skate street nas Olimpíadas de Verão de Tóquio 2020. O feito aconcedeu o posto de medalhista mais jovem do Brasil durante suas participações nos Jogos Olímpicos.

Reprodução do Twitter

Sóstenes Silva Cavalcante é filiado ao Partido Democratas (DEM) e atualmente está em seu segundo mandato como deputado federal, reeleito pelo estado do Rio de Janeiro para 2019-2023. Além de teólogo e especialista em Gestão Pública, o deputado é pastor da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, presidida pelo pastor Silas Malafaia, seu maior apoiador. Cavalcante é vice-presidente da Frente Parlamentar Evangélica.

O número de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil chegou a 160 milhões em todo o mundo – um aumento de 8.4 milhões de meninas e meninos nos últimos quatro anos, de 2016 a 2020, de acordo com o mais recente relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).  Além destas crianças, outras 8,9 milhões correm o risco de ingressar nessa situação até 2022 devido aos impactos da Covid-19.

O trabalho infantil é condenado no Brasil e internacionalmente por conta das consequências físicas, econômica e psicológicas que afetam crianças. Elas estão altamente expostos a situações de risco, acidentes e problemas de saúde relacionados ao trabalho. O cansaço, distúrbios de sono, irritabilidade, alergia e problemas respiratórios prejudicam o crescimento e causam deformidades. 

Trabalho infantil

Do ponto de vista psicológico os prejuízos estão em assumir responsabilidades para além da idade adequada, o que se somam a muitos abusos cometidos com os crimes de tráfico e exploração sexual. O trabalho também afeta a capacidade da criança para frequentar a escola e aprender, tirando dela a oportunidade de realizar plenamente seus direitos à educação, lazer e desenvolvimento. Estudos comprovam que uma vida saudável ajuda na transição para a fase adulta bem-sucedida, com trabalho digno, após a conclusão da escolaridade.

O que diz a legislação

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, reconhece os direitos das crianças dentro do princípio da proteção integral:

Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A Constituição ainda proíbe o trabalho de pessoas menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.

O artigo 403 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) , por sua vez, estabelece também a idade mínima para o trabalho aos 16 anos.

Além desta legislação a vedação ao trabalho infantil é reafirmada no Estatuto da Criança e do Adolescente, um conjunto de dispositivos que regula os direitos de crianças e de adolescente brasileiros, instituído em 13 de julho de 1990. No Capítulo V: Do Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho, Artigo 60 e 68:

Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz. 

Art. 68. O programa social que tenha por base o trabalho educativo, sob responsabilidade de entidade governamental ou não-governamental sem fins lucrativos, deverá assegurar ao adolescente que dele participe condições de capacitação para o exercício de atividade regular remunerada. 

§ 1º Entende-se por trabalho educativo a atividade laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecem sobre o aspecto produtivo. 

A afirmação do deputado Sóstenes Cavalcante 

Segundo Ariel Alves, jurista da OAB-SP, seção de Direitos Humanos, especializado em direito de crianças e adolescentes, a visão do deputado é totalmente distorcida ao fazer uma comparação  esdrúxula e inoportuna. “Praticar esportes e ser vítima de exploração do trabalho infantil são situações totalmente diferentes. A criança não é forçada a praticar esportes. Ela pratica por vontade e pelo prazer de praticar esportes. Na exploração do trabalho infantil não existe vontade e prazer, e sim a necessidade imposta pelas condições sociais e econômicas da família na qual a criança está inserida.” 

Alves reforça que o trabalho infantil é proibido para todas as crianças e adolescentes com menos de 16 anos, exceto como menores aprendizes, a partir dos 14 anos.

“Muitas vezes o trabalho infantil, além de prejudicar o desenvolvimento saudável, o lazer e os estudos das crianças,  acaba sendo porta de entrada para a exploração sexual, o consumo e tráfico de drogas e a criminalidade juvenil, principalmente quando o trabalho ocorre nas ruas ou durante as noites. Bem diferente das práticas esportivas, que costumam ser portas de entrada para o desenvolvimento físico e psicológico saudável e para a inclusão social”, conclui.

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Com base na apuração, Bereia conclui que o conteúdo publicado pelo deputado Sóstenes Cavalcante em suas mídias sociais é enganoso. O deputado é contra a legislação brasileira que defende a formação saudável de crianças até 14 anos, livres da exploração do trabalho, e para defender sua posição, expõe para seus seguidores uma equivalência enganosa que coloca a prática esportiva e o trabalho como iguais, usando a medalha olímpica obtida por Rayssa Leal, de 13 anos, como argumento. A participação de crianças em competições oficiais é feita mediante concessões e autorizações dos pais e não se enquadra como trabalho, visto que não existe o cumprimento de carga horária. Estas práticas seguem protocolos específicos como os que existem para atividades remuneradas permitidas por lei como o de Menor Aprendiz.

Referências de checagem 

Artigo 60 da Lei nº 8.069 de 13 de Julho de 1990 https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10610536/artigo-60-da-lei-n-8069-de-13-de-julho-de-1990 Acesso em: [27 Jul 2021]

Unicef. https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/trabalho-infantil-aumenta-pela-primeira-vez-em-duas-decadas-e-atinge-um-total-de-160-milhoes-de-criancas-e-adolescentes-no-mundo Acesso em: [28 Jul 2021]

Consequências do trabalho infantil.  https://livredetrabalhoinfantil.org.br/trabalho-infantil/consequencias/  Acesso em: [28 Jul 2021]

Cidade e Escola Aprendiz

https://www.cidadeescolaaprendiz.org.br/o-ministerio-da-saude-nas-acoes-de-prevencao-erradicacao-trabalho-infantil/ Acesso em: [27 jul 2021]

Constituição Federal.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: [31 jul 2021]

Consolidação das Leis do Trabalho. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452compilado.htm Acesso em: [31 jul 2021]

Estatuto da Criança e do Adolescente. https://www.gov.br/mdh/pt-br/centrais-de-conteudo/crianca-e-adolescente/estatuto-da-crianca-e-do-adolescente-versao-2019.pdf Acesso em: [31 jul 2021]

Ativista de direitos humanos é ridicularizada em postagem em mídia social

* Com colaboração de Bruno Cidadão

* Matéria atualizada em 23 de outubro de 2020 às 21h28 para acréscimo de informações.

Em 13 de outubro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) postou em seu perfil no Twitter Uma imagem com frase atribuída à diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil Jurema Werneck, que teria dito: “Se os traficantes atiram, tem que criar uma estratégia que evite que eles atirem”. Sobre isso, o músico Roger Rocha Machado comentou em tom irônico, “Jênio”, e Eduardo Bolsonaro republicou comentando: “A Rota da @PMESP [Polícia Militar do Estado de São Paulo] tem a estratégia certa para isso!”. Essa última frase se refere à defesa que a família Bolsonaro faz de que a polícia possa matar quando se confronte com criminosos, conforme amplamente noticiado pela imprensa, em diferentes momentos: em 2015, 2017, 2018, e 2019.

A foto original da ativista não tem relação com essa declaração. Em uma busca reversa pelo TinEye, que consiste em usar uma imagem para encontrar outras fotos como resultado relacionado, é possível descobrir que a primeira utilização da fotografia é de dezembro de 2017, em matéria do site MercoPress a respeito da violência policial no Brasil, em que Jurema não diz a frase que lhe foi atribuída na foto publicada no Twitter. Outra busca reversa a partir da imagem publicada por Roger, pelo Google Imagens, aponta o resultado mais antigo para 28 de setembro de 2020. Isso significa que a publicação mais antiga da foto editada com essa suposta fala de Werneck foi feita nessa data pelo perfil FamíliaDireitaBrasil (@Brazilfight).

Por meio de monitoramento no TweetDeck, Bereia não encontrou respostas de Werneck às críticas postadas com as imagens.

Visão da Anistia Internacional  sobre a criminalidade no Rio de Janeiro

Jurema Werneck é diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil. A instituição é uma organização não-governamental internacional fundada em 1961, presente em mais de 150 países, com foco na promoção e defesa dos direitos humanos, por meio de campanhas e ações. De acordo com o site da organização, a Sede brasileira foi inaugurada em 2012, mas a Anístia já tinha ações envolvendo o país em décadas passadas, como o Relatório sobre Tortura no Brasil, publicado em 1972, durante a ditadura militar. Ainda segundo o site da ONG, as ênfases de atuação no Brasil dizem respeito à segurança pública, direitos indígenas, direito à moradia e à terra. 

Em entrevista ao jornal Le Monde Diplomatique Brasil em outubro de 2017, Jurema Werneck afirmou que “as medidas adotadas no Rio de Janeiro nos últimos anos seguiram um modelo militarizado de repressão ao comércio varejista de drogas ilícitas nas favelas e periferias a partir de incursões periódicas nessas áreas”. De acordo com a diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, o modelo “não só não reduziu a criminalidade como foi um elemento propulsor de violência, resultando em milhares de pessoas mortas todos os anos em operações policiais, inclusive policiais no exercício de suas funções”.

Para Werneck, a escalada de violência que atinge o Rio “é consequência da ausência completa de política de uma segurança pública efetiva e estratégica  que foque na prevenção e não na repressão”. Ela também criticou a posição de alguns veículos de comunicação que definem a situação do Rio de Janeiro como “estado de guerra”. “Não estamos em guerra. Precisamos afirmar isso claramente. O que temos aqui é o crime organizado fortemente armado e uma falta de vontade política e visão estratégica para combater a criminalidade e garantir segurança pública para todas as pessoas. A narrativa da guerra é uma tentativa de naturalizar a violência armada e nos fazer aceitar um estado de exceção de direitos”, afirmou.

Entrevistada por Bereia, Werneck afirma que o discurso de “guerra às drogas” é falso e que a violência no Rio de Janeiro se reproduz em outras cidades do país.

A violência nas favelas e comunidades do Rio de Janeiro é reproduzida nas periferias de outras cidades. O Estado brasileiro tem um histórico de levar para esses lugares um aparato de segurança no falso discurso da “guerra às drogas”, mas é incapaz de colocar em prática políticas públicas que combatam à desigualdade, à falta de saneamento básico, às injustiças sociais que acompanham o povo brasileiro desde sempre, sobretudo os pobres, pretos e periféricos.

Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil

Em artigo publicado originalmente no jornal El País em agosto de 2020, a Anistia se manifestou sobre a segurança pública no Rio de Janeiro. A instituição menciona a decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) – a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635 – que impediria a polícia do Rio de Janeiro de agir diante da violência.

De acordo com a Anistia, a informação é falsa, por identificar e reduzir as favelas e seus moradores ao crime e por afirmar que as ações policiais são necessárias e inevitáveis. Também, segundo a organização, existe a intenção de desacreditar a determinação do Supremo, colocando a população contra a decisão que julgou a ADPF 635.

De acordo com o organismo, o STF manteve todas as prerrogativas do governo do estado para cumprir seu dever de assegurar a segurança dos cidadãos do Rio. Entretanto, não admite a utilização de aparato de segurança contra a população das favelas e a violência decorrente de ações policiais.

A organização argumenta ainda que, de acordo com o artigo 144 da Constituição Federal, é dever do Estado preservar a vida dos cidadãos e garantir a segurança. No entanto, o modelo de segurança pública subordinada à ideia de enfrentamento armado e violência excessiva das forças policiais descumpre a Constituição.

A Anistia conclui o texto defendendo a urgência de criação de outra política de segurança pública para o Rio de Janeiro. Esta deve estar embasada no uso da inteligência, no respeito às leis, na garantia da vida de todos os cidadãos e no exercício democrático do controle e fiscalização das ações policiais pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública e pela sociedade e com uma lista de assinaturas de instituições que apoiaram a decisão do STF.

O que defende Werneck?

Bereia ouviu Jurema Werneck que, além de negar ter dito a frase a ela atribuída, considerou aprofundar o assunto com a reportagem e contextualizar o trabalho dela através da Anistia Internacional em relação à violência no Brasil. Questionada se disse que “se os traficantes atiram, tem que criar uma estratégia para evitar que eles atirem”, Werneck nega e diz:

Tenho falado que a polícia não deve atirar a esmo, produzindo mais riscos e mortes. E há anos a Anistia Internacional tem defendido uma política de segurança baseada em inteligência, com investimentos em prevenção e investigações e que promova treinamento constante das forças de segurança para evitar que mais mortes ocorram. E que os agentes do Estado sigam os protocolos previstos nas leis internacionais de respeito aos direitos humanos. Acho que a questão importante é essa e a sociedade civil e as autoridades públicas precisam unidas defenderem a proteção de todos e todas.

Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil

Para Wenerck, acusar a Anistia Internacional de ser uma organização de esquerda é descabido porque a pauta principal do movimento é a defesa dos direitos humanos, independente de qual posição político-partidária sejam as pessoas. Ela menciona ainda que o movimento promove pesquisas e análises sobre uso de mídias sociais.

Ao redor do mundo atuamos sempre na defesa dos direitos humanos, independente de que espectro ideológico esteja no poder. Não somos de direita, nem de esquerda: somos defensores dos direitos humanos de toda e qualquer pessoa. Inclusive promovemos pesquisas e análise sobre os usos das redes sociais. Recentemente constatamos que o Twitter ainda não está fazendo o suficiente para proteger as mulheres contra a violência e agressões morais online, apesar de reiteradas promessas nesse sentido. O Twitter Scorecard (Cartão de Pontuação do Twitter) foi uma nova análise feita pela Anistia Internacional e avalia o histórico da empresa de mídia social na implementação de uma série de recomendações para o combate à violência moral contra mulheres na plataforma, desde que a Anistia chamou a atenção primeiro para a escala desse problema em seu relatório Toxic Twitter, de 2018. O Twitter precisa fazer muito mais para combater o problema. A empresa implementou plenamente apenas uma de dez recomendações concretas apresentadas, tendo feito progresso limitado em termos do aumento da transparência sobre como lida com denúncias de abusos. Nesta análise sobre o comportamento das pessoas no Twitter foram identificados padrões racistas e sexistas que ridicularizam e atacam mulheres, principalmente as mulheres negras.

Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil

Em relação à violência em comunidades e a atuação policial, Werneck considera que “a polícia deve mesmo evitar tiroteios” e que é “preciso reduzir a quantidade de armas e munições em circulação, pois já está provado que quanto mais armas, mais mortes”. A ativista dos direitos humanos continua:

E como armas e munições não são fabricadas dentro das favelas, há muito que podem e devem fazer para evitar inclusive que as armas cheguem lá. A segurança pública no Brasil precisa preservar vidas e não o contrário. Todos devem ter o direito básico à vida garantidos. O Estado brasileiro se recusa a investir recursos em inteligência e em articulação entre instituições de modo a impedir que tenhamos esta quantidade crescente de mortes em tiroteios.

Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil

Perguntada sobre o fato de declarações em defesa dos direitos humanos serem comumente utilizadas por grupos políticos de direita para acusar as organizações e ativistas de defenderem bandidos, Jurema Werneck é enfática. “É mais fácil criticar o trabalho de quem atua por uma causa do que empenhar esforços para transformar a realidade que vivemos”, declara. Para ela, as autoridades públicas “ocupam os cargos que estão para atuar pelo interesse público e, nós enquanto Anistia Internacional também”. Werneck finaliza lembrando que o trabalho da Anistia Internacional foi reconhecido mundialmente quando, em 1977, a organização ganhou o Prêmio Nobel da Paz.

Acredito que é fundamental que todo mundo se una para resolver os graves problemas que são a injustiça, a desigualdade e a violência. Líderes comprometidos com valores da ética, da justiça e da inclusão é o que precisamos. Já há sofrimento e morte demais. Precisamos mudar o caminho da história e agir para que todas e todos possam viver com dignidade. Esse também é o papel que se espera de autoridades públicas. A Anistia Internacional recebeu um dos mais reconhecimentos mundiais por seu trabalho por direitos humanos, o Prêmio Nobel da Paz, em 1977. E só teremos paz plenamente no mundo, quando todos os direitos humanos forem garantidos.

Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil

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O Coletivo Bereia conclui que a frase atribuída a Jurema Werneck, reproduzida pelo deputado Federal Eduardo Bolsonaro, é falsa.  A própria Jurema Werneck nega que tenha dito a frase, além de não haver fonte de pronunciamento público pela diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil com este conteúdo. A circulação deste meme, com frase insignificante atribuída a uma ativista de direitos humanos, sugere a intenção dos criadores de conteúdo falso de levar a audiência ao escárnio e à desqualificação da ação da Anistia Internacional, e, ao mesmo tempo, levantar o apoio a ações violentas da polícia. Isto por conta de as manifestações de Werneck e da instituição da qual ela faz parte defendem uma política de segurança pública que preserve a vida dos cidadãos e sejam centradas na prevenção e não na repressão que só faz aumentar mais o nível de violência.

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Foto de Capa: Agência O Globo/Reprodução

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Referências de checagem

Revista Exame, https://exame.com/brasil/bolsonaro-defende-que-a-pm-mate-mais-no-brasil/. Acesso em: 21 de out. 2020.

Jornal O Globo, https://oglobo.globo.com/brasil/policial-que-nao-mata-nao-policial-diz-bolsonaro-22118273. Acesso em: 21 de out. 2020.

Diário do Nordeste, https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/pais/bolsonaro-parabeniza-pms-que-mataram-assaltante-no-rio-1.2034228. Acesso em: 16 out 2020.

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