Site gospel manipula conteúdo antigo para ligar casos recentes de violência na Nigéria à religião islâmica

Veículos religiosos alinhados ao extremismo de direita no Brasil continuam explorando o tema da violência contra cristãos na Nigéria, seja por meio da reprodução de informações antigas como se fossem atuais, seja por meio da falta de contextualização de fatos para estabelecer outro sentido a eles. Bereia identificou que em abril passado, o portal gospel Pleno.News reproduziu dados sobre ataques na região central de Plateau, na Nigéria, publicados em 2023, pelo jornal Gazeta do Povo, como se fossem atuais, e ainda atribuiu o caso a um ataque de islâmicos a cristãos.

Imagem: matéria PlenoNews de 2025

Imagem: matéria Gazeta do Povo 2023

Ambas as matérias são marcadas pela descontextualização e a exploração de dados superficiais sobre a violência contra populações de determinadas áreas na Nigéria, como se fossem ações de motivação religiosa, exclusivas contra cristãos. Bereia tem observado, no monitoramento sobre a veiculação de tais conteúdos, como eles servem como combustível para a propagação de medo em relação a uma possível perseguição a cristãos no Brasil, que vem sendo denominada politicamente como “cristofobia”.

Bereia checou o conteúdo e apurou dados sobre a realidade da Nigéria, permeada por conflitos e tensões que afetam grupos religiosos.

Conflitos e tensões na Nigéria: marcas de um histórico conturbado

Como os muitos países da África, depois de sofrer invasões e explorações diversas do território, por séculos povoado e governado por reinos e impérios, a região onde se localiza hoje o Estado da Nigéria, foi colonizada pela Grã-Bretanha no final do século 19.  O país tornou-se independente em 1960, mas anos depois teve que enfrentar uma guerra civil e vários golpes militares. O comando da nação foi assumido alternadamente por governos civis democraticamente eleitos e por ditaduras militares. As eleições presidenciais de 2011 foram as primeiras consideradas razoavelmente livres e justas. 

A Nigéria se tornou uma potência importante do continente africano, especialmente por contra do petróleo. O país é habitado por mais de 500 grupos étnicos, entre os maiores estão os hauçás, os ibos e os iorubás. Do ponto de vista das religiões, o país é dividido igualmente entre os islâmicos. A maioria dos cristãos vive no sul e nas regiões centrais, e os islâmicos se concentram mais ao norte. Uma pequena parcela da população pratica as religiosidades tradicionais e locais denominadas ibo e iorubá, que tem marcas nas diversas expressões culturais e nas vivências das duas principais religiões do país.

Nestas décadas do século 21, a Nigéria ainda enfrenta o desafio de manter a unidade nacional diante de divisões étnicas e religiosas. Nas últimas décadas, milhares morreram em ataques de grupos extremistas autoidentificados islâmicos jihadistas, estabelecidos no nordeste do país, especialmente o Boko Haram, que também sequestra estudantes para exigir resgates ou usá-los em atentados. Movimentos separatistas, como o do Delta do Níger e o que defende a independência da região de Biafra, ganharam força. 

Sobre os conflitos na região de Plateau, áreas de Bokkos e Bassa

A matéria do Pleno.News, em abril de 2025, que reproduz informações de notícia da Gazeta do Povo, de dezembro de 2023, refere-se a ataques ocorridos no estado de Plateau, região central da Nigéria. Bereia apurou que ataques foram, de fato, registrados, naquela localização, em 14 de abril deste ano, porém com informações divergentes. 

Em entrevista ao Bereia, o executivo do Programa de Promoção da Paz na África do Conselho Mundial de Igrejas e pastor da Convenção de Igrejas Batistas da Nigéria Dr. Ibrahim Wushishi Yusuf reforçou que o norte da Nigéria continua sofrendo ataques violentos de extremistas e terroristas muçulmanos, como o Boko Haram. 

Segundo Yusuf, alguns pastores de gado criminosos, da etnia Fulani,  também realizam atos de violência nas comunidades. “Vão de aldeia em aldeia matando e sequestrando pessoas para pedir resgate. A maioria das comunidades no planalto, Takum, sul de Kaduna e Benue — que são predominantemente cristãs — sofreram mais em alguns desses ataques de abril passado. Algumas comunidades de Katsina, Zamfara, Yobe e Maiduri, com maioria muçulmana, também tiveram vítimas como consequência disso”.

O pastor batista confirmou o ataque em 14 de abril passado, que causou a morte de 51 pessoas do povo Irigwe, em Zikke, distrito de Kwall, área de governo local de Bassa. Yusuf relatou ao Bereia que milícias Fulani atacaram na madrugada daquela segunda-feira, 14 de abril, em operação que durou cerca de 90 minutos, contra homens e mulheres, crianças e idosos. Mais de dez pessoas ficaram gravemente feridas e receberam atendimento em diferentes centros médicos. Para agravar a destruição contra aquela comunidade, muitas casas e propriedades foram incendiadas pelos agressores, prática que é comum nesse tipo de ataque.

Ibrahim Wushishi Yusuf calcula que este foi o quarto ataque às mesmas comunidades, vitimando pessoas sem distinção da afiliação religiosa. “Ambas as religiões, cristã e muçulmana, sofreram com as ações desses criminosos. Existem muçulmanos bons e moderados na Nigéria que amam e pregam a paz”.

Em manifesto divulgado no próprio 14 de abril de 2025, que relata o ocorrido em Bassa, e expõe os nomes dos 51 mortos e suas idades, que variam entre 3 e 69 anos, o secretário nacional de Comunicação do Movimento Juvenil Irigwe  Joseph Chudu Yonkpa declara:

Como povo, todos os nossos esforços para amplificar nossa voz e mostrar ao mundo o genocídio contínuo em nossa terra têm sido ignorados. Mais de 30 pessoas foram mortas no último mês em ataques e emboscadas separados, totalizando quase 100 mortes entre dezembro de 2024 e hoje, com destruição incalculável de lavouras e propriedades. Esses ataques são excessivos, e o povo Irigwe está profundamente preocupado se realmente é considerado cidadão da Nigéria, pois nossos agressores continuam a mutilar e destruir nosso povo com impunidade e sem que os criminosos sejam presos.

Nunca passamos por algo tão grave quanto o assassinato dessas 51 pessoas em nossa terra. Estamos clamando por ajuda do governo, de organizações não governamentais, de organizações da sociedade civil e de pessoas solidárias, para que não apenas condenem essa situação, mas se juntem a nós na exigência de justiça por todos os nossos irmãos assassinados, cujas vidas foram interrompidas pelas milícias Fulani.

Exigimos que um comitê independente seja criado pelo Comando de Defesa Nacional para investigar todas as formas de genocídio na terra Irigwe, prender os responsáveis, seus financiadores e cúmplices, com a esperança de trazer a justiça que nosso povo merece.

Também apelamos à NEMA, à PLASEMA, ao Ministério dos Assuntos Humanitários, a empresas e pessoas solidárias que venham em socorro ao nosso povo, pois suas casas, negócios, lavouras e, em alguns casos, os provedores das famílias foram afetados por esses ataques renovados.

Continuaremos a buscar justiça para nosso povo dentro dos limites da lei e oramos para que Deus conceda descanso às almas de nossos entes queridos.

Bereia levantou informações oferecidas pela rede de comunicação pública alemã Deutsche Welle (DW) de que os casos estão inseridos em um contexto de impunidade contra a violência mortal em áreas rurais. Os ataques são motivados por frequentes disputas de terra entre os pastores/criadores de gado, da etnia islâmica Fulani, e agricultores, não exclusivamente, mas majoritariamente, cristãos.

Segundo o DW, o aumento populacional na Nigéria ocasiona um crescimento no número de terras destinadas à agricultura, porém, as mudanças climáticas interferem na disponibilidade de terras para pastagens. Esta situação evidencia a natureza econômica, climática, étnica e política do conflito, longe de ter motivações religiosas. 

Em uma entrevista ao portal de notícias do Vaticano, em 2018, o padre missionário salesiano na Nigéria Roberto Castiglione falou sobre a violência em Plateau. “A polícia não é eficiente. Os pastores Fulani avançam armados e querem obrigar, com o medo e ameaças, as populações locais a abandonarem suas terras para depois tomar posse e reivindicar a propriedade”. 

O mau uso da ideia de perseguição religiosa na Nigéria

A afirmação de que “A violência religiosa é um problema grave” na Nigéria é um dos dez “mitos” desmentidos pelo projeto de pesquisa Nigeria Watch, uma base de dados que monitora a violência letal, os conflitos e a segurança humana na Nigéria, desde 2006. No relatório sobre os principais mitos acerca da violência no país, a iniciativa rebate a ideia de uma “oposição irredutível” entre um “Norte muçulmano” e um “Sul cristão”.

A análise é categórica ao declarar que “identificar a religião como a causa de confrontos fatais é bastante complexo. A violência que envolve questões religiosas ou que opõe muçulmanos e cristãos pode ser política, econômica ou social, como no caso das disputas de terra e dos conflitos entre pastores/criadores de gado no estado de Plateau. Essa é a razão pela qual, ao estudar o papel da religião na violência, é mais preciso focar nos detalhes dos atores rotulados como ‘cristãos’ ou ‘islâmicos’”. 

Um segundo levantamento do Nigeria Watch também aponta o estado de Plateau como um dos que registram maior número de mortes devido a conflito de terras, e destaca as questões entre fazendeiros e pastores de animais, e os conflitos étnicos da região. O documento do projeto de pesquisa, que trata do “mito” da violência religiosa, inclui dados que mostram que os confrontos com morte entre organizações islâmicas e cristãs são muito raros. O texto reforça que os incidentes fatais, com ao menos uma organização político-religiosa, envolvem principalmente o grupo jihadista Boko Haram (BH), classificado como organização islâmica terrorista, que age contra as forças de segurança do país. 

A iniciativa de pesquisa ressalta que a violência religiosa na Nigéria não é apenas inter-religiosa e mostra que o Boko Haram mata principalmente muçulmanos. O documento do Nigeria Watch destaca que é simplista considerar que confrontos letais entre cristãos e muçulmanos têm o potencial de segregar o país. Outras formas de intolerância também resultam em violência fatal na Nigéria, como a “caça às bruxas”, com falsas alegações de bruxaria contra expressões religiosas locais. Tais acusações, em alguns casos, são difundidas por pastores evangélicos do ramo pentecostal, e apoiadas por discursos que reforçam a crença em formas culturais locais de superstição.

Iniciativa de promoção da paz 

O pastor Yusuf revelou ainda, ao Bereia, que, em 2012, foi realizada uma visita de líderes inter-religiosos, promovida pelo Conselho Mundial de Igrejas e pelo Instituto para o Pensamento Islâmico Royal Aal al-Bayt, um centro de estudos islâmicos com sede na Jordânia, ligado à família real daquele país, que frequentemente colabora com líderes religiosos cristãos e muçulmanos em iniciativas de diálogo e reconciliação. Nessa visita foi identificada a necessidade de apoiar o Conselho Cristão da Nigéria e a organização Jama’atul Nasril Islam, que representa muçulmanos e cristãos nacionais.

Como resultado, foi fundado um centro inter-religioso como espaço de cooperação em enfrentamento às ações dos extremistas. Como integrante do Conselho Mundial de Igrejas, pastor atuante na Nigéria, Yusuf tornou-se responsável pelo centro inter-religioso, situado em Abuja, norte da Nigéria. 

“Supervisiono a iniciativa de construção da paz na África desde o ano passado, em meio a muitas dificuldades para oferecer apoio. São necessárias várias respostas, mas o centro continua enfrentando problemas de financiamento. O Conselho Mundial de Igrejas tem tentado conseguir financiamento para permitir uma atuação mais eficaz do centro diante dos conflitos violentos contínuos no norte da Nigéria”, afirmou o pastor batista.

Foto: Conselho Mundial de Igrejas

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Bereia conclui que veículos de imprensa gospel no Brasil têm destacado enganosamente apenas cristãos como vítimas dos ataques violentos na Nigéria, como ocorreu com a matéria do Pleno.News, publicada em abril passado. Há apenas a reprodução de informações enviadas por grupos do exterior ou levantadas por veículos brasileiros, sem apuração e sem contextualização sobre as razões dos conflitos. 

O mau tratamento do tema acaba produzindo material inusitado como o texto que repete, em 2025, dados publicados em 2023, inflando o número de mortos no atentado em questão.  O conteúdo termina por produzir a propagação de pânico e de intolerância, ao fortalecer um discurso de perseguição religiosa contra cristãos, por parte de islâmicos. 

Além do conteúdo disseminado no Brasil omitir a informação sobre islâmicos serem também vítimas dos ataques que não têm motivação religiosa, silencia também sobre  iniciativas de paz e reconciliação no país, realizadas e financiadas em conjunto por cristãos e islâmicos.

Diferentemente do que tem sido propagado no Brasil, a quase totalidade dos conflitos que envolvem grupos extremistas como o Boko Haram e Fulani na Nigéria, não se trata de ataques religiosos, nem tampouco de perseguição religiosa nacional. As motivações para os casos têm fundamentalmente caráter político, econômico, étnico e cultural, ou seja, os atos são praticados por grupos extremistas, com interesses específicos diversos e que têm uma identidade religiosa. 

Veículos de notícias religiosos e não religiosos no Brasil têm o dever de contextualizar e produzir informação completa e digna sobre estas situações para que não haja promoção de intolerância nem uso sensacionalista do tema por parte de quem faz política com uso da religião, para evitar equívocos e se possa produzir solidariedade com a população nigeriana que sofre com tamanha violência.

Referências da checagem

Deutsche Welle

https://www.dw.com/en/nigeria-amnesty-condemns-government-after-deadly-attack/a-72245453 Acesso em 23 ABR 25

Vatican News
https://www.vaticannews.va/pt/mundo/news/2018-07/nigeria-pastores-fulani-salesianos.html Acesso em 30 ABR 25

Nigeria Watch
https://www.nigeriawatch.org/index.php Acesso em 23 ABR 25

https://www.nigeriawatch.org/media/html/Nigeria_Watch_10_MythFinal.pdf Acesso em 23 ABR 25

https://www.nigeriawatch.org/media/html/File/NW10Myths2023.pdf Acesso em 23 ABR 25

Carta Capital
https://www.cartacapital.com.br/educacao/o-avanco-do-terror-na-nigeria/ Acesso em 30 ABR 25

BBC News Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cvgeyw81y12o Acesso em 23 ABR 25

Grupo de Estudos e Pesquisas em Segurança Internacional do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília
http://www.gepsi.unb.br/index.php?option=com_content&view=article&layout=edit&id=28&Itemid=599 Acesso em 30 ABR 25

Cristofobia: como surgiu e por que não utilizar

Na Câmara dos Deputados, o termo foi mencionado oficialmente pela primeira vez em 2012 e ganhou destaque nas discussões políticas e religiosas no país, tendo como “embaixador” o deputado federal evangélico Marcos Feliciano (PL-SP).

A expressão ganhou força com o governo de Jair Bolsonaro, tornando-se parte de uma narrativa alinhada à direita cristã dos EUA, que busca consolidar poder político por meio da narrativa de perseguição religiosa.

A professora da Unicamp Brenda Carranza explica que o termo é utilizado como estratégia retórica por políticos para reafirmar a supremacia da maioria cristã e justificar a perseguição contra as minorias sociais.

Além de precário do ponto de vista conceitual, a professora alerta que a expressão também é utilizada para propagar a ideia falsa que essas minorias, entre elas as comunidades LGBTQ+, nutrem ódio contra o cristianismo, com supostas ameaças à moral e costumes cristãos.

Apesar de rejeitado entre pesquisadores da Religião e Ciências Sociais, políticos eleitos nas últimas eleições continuam a utilizar o termo para desinformar, entre eles Hélio Lopes (PL-RJ), Magno Malta (PL-ES), Bia Kicis (PL-DF), Nikolas Ferreira (PL-MG) e Julia Zanatta (PL-SC). É o que aponta a apuração do Bereia feita com a ferramenta LupaScan, sistema criado pela Agência Lupa que monitora as redes sociais dos políticos eleitos em busca de desinformação.

Nesse carrossel, Bereia fez um compilado de cinco motivos contrários a utilização do termo, de acordo com especialistas:

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Saiba mais: Leia tudo o que Bereia já publicou sobre o termo aqui

Eleições 2024: Candidatos com identidade confessional, conhecidos por espalharem desinformação, divulgam apoio de lideranças religiosas

Ao longo da campanha para as eleições municipais, lideranças religiosas têm se mobilizado para prestar apoio público a candidaturas que se mostram alinhadas com suas pautas e ideais. Tal prática é uma estratégia comum na política, que se repete a cada pleito.

Nesta matéria, Bereia verifica candidatos com histórico de publicar desinformação que estão entre os que recebem a benção de pastores e outras figuras de destaque no meio cristão. Do monitoramento da equipe Bereia em mídias sociais, são destacados os casos de Guilherme Kilter (Curitiba/PR), Dentinho (Passos/MG), Alana Passos (Rio de Janeiro/RJ), Pastor Dinho Souza (Serra/ES) e Sonaira Fernandes (São Paulo/SP). 

Esses candidatos e candidatas fazem uso de sensacionalismo e desinformação para mobilizar eleitores e se apoiam na retórica religiosa e na proximidade, em algum grau, com lideranças eclesiásticas, para validar sua candidatura. 

Guilherme Kilter

O influenciador digital evangélico e candidato a vereador de Curitiba, pelo Novo, Guilherme Kilter, 22 anos, se apresenta nas mídias como cristão, de direita e a favor da família. 

Imagem: Reprodução/Facebook

Membro da Primeira Igreja Batista de Curitiba, Kilter conta ter sido “convidado a entrar na política” pelo ex-deputado federal Deltan Dallagnol (Novo-PR, cujo mandato foi cassado em 2023), que também é evangélico batista e mantém relações com lideranças eclesiásticas. Ele também se compara com o destacado político extremista de direita, deputado federal  Nikolas Ferreira (PL-MG), pela pouca idade e semelhança de posicionamentos, por ter iniciado a carreira política como vereador. Kilter declara querer  se tornar “o Nikolas Ferreira do Paraná“.

Entre as lideranças evangélicas, Guilherme Kilter conta com o apoio do pastor Paschoal Piragine Jr., que também é seu tio. Ele é presidente da Convenção Batista Brasileira, pastor emérito da Primeira Igreja Batista de Curitiba, e pastor interino da Primeira Igreja Batista de Niterói. Pirajine Jr. se destacou nas mídias sociais, em 2010, ao empreender ferrenha campanha contra a eleição da candidata do Partido dos Trabalhadores a presidente da República Dilma Rousseff, com uso de discursos de pânico moral e terrorismo verbal. Em outras campanhas eleitorais, o pastor também atuou na mesma direção.

Imagem: Gazeta do Povo, 29/09/2016

Na comunicação em redes digitais, além de frequentemente publicar imagens com essas figuras mais conhecidas de políticos com os quais quer ser relacionado, Guilherme Kilter utiliza também fotos de si mesmo na igreja para se afirmar como cristão e conservador. 

Além disso, também faz publicações sobre as polêmicas atuais, alinhado com os demais perfis e influenciadores ligados à extrema direita. Ele se engajou recentemente, por exemplo,na onda de difamações contra a boxeadora olímpica argelina Imane Khelif, que foi checada por Bereia. Também publicou desinformação sobre a legalização do aborto pelo governo Lula, que foi verificada como falsa pelo G1

Imagem: Reprodução/Instagram

Dentinho

Luis Carlos do Souto Junior, mais conhecido como Dentinho, se apresenta como um vereador com princípios de direita e está no terceiro mandato como parlamentar no município de Passos (MG). Em seu perfil no Instagram, o candidato do Progressistas (PP), à reeleição, ostenta fotos com grandes nomes do seu campo político, como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o deputado federal Nikolas Ferreira, que prestou apoio ao candidato por meio de um vídeo para sua campanha. 

Em 2023, Dentinho virou notícia ao ser indiciado, em apenas 15 dias, por xenofobia, racismo e produção de fake news. De acordo com a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), o vereador cometeu o primeiro crime em novembro de 2022, após o fim do segundo turno das eleições, ao afirmar, em uma publicação nas mídias sociais, que “Bolsonaro também é f*da, foi falar na Bahia que ia gerar um milhão de empregos… Assustou o povo!”. A declaração insinua que a população baiana não votou em Bolsonaro por não gostar de trabalhar. O delegado Felipe Capute, que assina o indiciamento, entendeu que a fala de Dentinho é ofensiva ao povo da Bahia e resulta em uma exposição discriminatória.

A segunda denúncia também está relacionada com o último pleito eleitoral: Dentinho teria usado panfletos para divulgar conteúdo falso contra o então candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo a PCMG, o vereador cometeu crime eleitoral previsto no art. 323 de Lei 4737, que dá pena de detenção de dois meses a um ano para quem “Divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado”. Em resposta ao G1, o vereador negou que tenha cometido os crimes dos dois casos.

Imagem: Reprodução/Instagram

Alana Passos 

Alana Passos é militar do Exército e foi deputada estadual do Rio de Janeiro de 2018 a 2022. Em sua entrada na política, pelo PSL, recebeu 106.253 votos (1,38% do total) e foi a mulher mais votada do estado, um sucesso que não se repetiu no pleito seguinte: a candidata recebeu apenas 0,45% dos votos e ficou fora da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) porque o seu então novo partido, PTB, não teve quociente eleitoral.

Nas eleições municipais deste ano, Alana Passos é candidata a vereadora na capital fluminense pelo Partido Liberal (PL) e ostenta o apoio do pastor Joel Serra, idealizador do Movimento Cristão Conservador, em fotos e no vídeo de sua campanha. A militar também esteve no gabinete do pastor da Igreja Batista Atitude Josué Valandro Jr e posou ao seu lado em uma publicação no Instagram.

Imagem: Reprodução/Instagram

A primeira vez em que Alana Passos foi associada à propagação de conteúdo falso foi

em julho de 2020, quando o Facebook excluiu, dentre outras contas, os perfis AlanaOpressora, artilhariadobem, tvanticomunismobrasil e Fabio Muniz por “criação de pessoas fictícias fingindo ser repórteres, publicação de conteúdo e gerenciamento de páginas fingindo ser veículos de notícias”.

De acordo com a rede social, as contas seriam ligadas a um ex-assessor de Alana Passos, que afirmou, em nota à BBC News Brasil, que “Quanto a perfis de pessoas que trabalharam no meu gabinete, não posso responder pelo conteúdo publicado. Nenhum funcionário teve a rede bloqueada por qualquer suposta irregularidade. Estou à disposição para prestar qualquer esclarecimento, pois nunca orientei sobre criação de perfil falso e nunca incentivei a disseminação de discursos de ódio”.

Em buscas no perfil da candidata no Facebook, Bereia identificou a propagação de conteúdo falso e enganoso sobre “ideologia de gênero”, um dos termos mais explorados nos materiais de desinformação que circularam em espaços digitais religiosos nas últimas eleições. Em junho de 2018, Alana publicou um vídeo que, retirado de contexto, deixa a entender que a deputada federal Erica Kokay (PT-DF) confessa que defende o incesto e a destruição da famiilia patriarcal. 

Imagem: Reprodução/Facebook

O site Boatos.org já havia checado o vídeo em 2017, e chamou a atenção para o sentido da fala da deputada petista: segundos antes do recorte que viralizou ela diz “Por isso, eles querem romper a laicidade do Estado e implementam uma construção de ideologia de gênero, que ela é uma tentativa de sair do discurso essencialmente religioso e fazer a ponte com o discurso ideológico da extrema direita neste país. Porque aí eles dizem…”. Dessa forma, a candidata divulgou um conteúdo que tem elementos verdadeiros, mas foi apresentado de forma distorcida para produzir no receptor uma percepção da fala que é enganosa.

Já em 2021, a então deputada estadual usou a mesma rede para compartilhar a informação falsa de que um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) sugeriu que a exposição à pornografia poderia ser positiva para crianças. A imagem usada na publicação exibe a logo do R7, portal de notícias do Grupo Record, como forma de gerar credibilidade para a afirmação, que já foi verificada pela coluna Fato ou Fake, do portal G1. Por meio de um comunicado, o UNICEF reafirmou sua posição de que nenhuma criança deve ser exposta a conteúdo nocivo, e explicou que um artigo publicado em abril de 2021 teve interpretações incorretas e diferentes do que a instituição defende.

Imagem: Reprodução/Facebook

Pastor Dinho Souza 

Evandro De Souza Ferreira Braga, conhecido como Dinho Souza, é pastor da igreja evangélica Povo da Cruz, no município de Serra (ES). É filiado ao PL e concorre a vereador nas eleições deste ano. Ganhou destaque na imprensa nacional por um fato polêmico: em abril de 2022, a igreja que pastoreia promoveu a rifa de uma espingarda calibre 12  a fim de reformar a sala das crianças. A “ação entre irmãos”, como dizia o informativo, foi celebrada pelo pastor, que declarou sentir orgulho do ato. 

O fato serviu para projetar Souza para as mídias e noticiários. Ele seguiu a cartilha da desinformação religiosa monitorada pelo Bereia ao propagar ideias de perseguição religiosa contra cristãos no Brasil e de eleger as esquerdas como inimigas da fé cristã.  

Imagem: reprodução/ Instagram

O pastor, que concorre a vereador da Câmara de Serra, alinhou discurso com  a extrema-direita e ficou marcado pela sua posição pró-armas, pelo discurso contra diversidade de gênero e pela defesa contra o aborto, até mesmo em casos de estupro, direito assegurado por lei.

Além disso, Dinho Souza atacou setores do segmento evangélico. No domingo em que se comemorava a Páscoa, o religioso xingou o artista Timóteo Oliveira, membro da igreja Anglicana, e o acusou de ser um “black block gospel”, devido a representação da figura de Jesus negro em uma de suas artes. O caso rendeu uma nota de repúdio assinada pela coordenação do Movimento Negro Evangélico Nacional.

Instituições evangélicas ligadas ao campo conservador também estiveram na mira do pastor. Em 2023, Dinho Souza atacou a Associação de Pastores Evangélicos da Serra (APES) em um dos seus discursos. Apesar de toda polêmica, os episódios não o impediram de ganhar apoiadores do mundo político e religioso como pastor Anderson Silva,  padre Kelmon, o senador Magno Malta (PL-ES), a deputada federal Bia Kicis (PL-DF), o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) e o pastor da Igreja Batista Vale da Benção e desembargador aposentado Sebastião Coelho.

Sonaira Fernandes

Ex-secretária da Mulher do estado de São Paulo, Sonaira Fernandes é evangélica e busca seu segundo mandato como vereadora na capital paulista. Muito próxima do ex-presidente Jair Bolsonaro e de sua família (com quem começou a trabalhar em 2014), a candidata é a principal indicação do ex-presidente nestas eleições. Sonaira também é apoiada pelo governador Tarcísio de Freitas e chegou a ser cotada para vice de Ricardo Nunes na sua busca pela reeleição, mas acabou ficando fora da chapa.

Sonaira Fernandes é muito atuante nas mídias sociais e exibe visitas a igrejas e fotos com pastores de diferentes denominações. Em apuração no perfil da candidata no Instagram, Bereia verificou que a candidata visitou 24 igrejas evangélicas desde o início de agosto, ostentando o apoio de líderes da Igreja Renascer em Cristo e de diferentes Assembleias de Deus, dentre outras igrejas.

A forte influência de Fernandes no meio evangélico a levou ao “palco” da Marcha para Jesus deste ano e uma de suas falas sobre o evento foi checada pelo Bereia. A candidata repercutiu a declaração do líder da Igreja Renascer em Cristo apóstolo Estevam Hernandes, de que exista uma perseguição às igrejas no Brasil. Em seu perfil no X, Sonaira publicou que “Em plena época de Igreja perseguida, a 32ª Marcha para Jesus ficou marcada como uma das maiores da história”.  

Imagem: reprodução/X

A retórica do medo da perseguição religiosa é comum em conteúdo desinformativo, e na referida apuração Bereia concluiu que “que é falsa a afirmação de que haja perseguição aos cristãos no Brasil, e que as alegações de fechamento de igrejas e perseguição são estratégias de desinformação usadas por políticos e líderes religiosos para manipular o medo e influenciar o eleitorado, distorcendo a realidade e criando uma falsa sensação de vitimização.”

No mesmo sentido, dois meses antes das eleições presidenciais de 2022, Sonaria compartilhou um vídeo de imagens editadas do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva em um encontro de lideranças religiosas de matriz africana. Na legenda, a vereadora disse:

“Lula já entregou sua alma para vencer essa eleição. Não lutamos contra a carne nem o sangue, mas contra os principados e potestades das trevas. O cristão tem que ter a coragem de falar de política hoje, para não ser proibido de falar de Jesus amanhã.”

O caso foi abordado pelo Bereia na reportagem “Cristofobia e intolerância religiosa: as fake news como estratégia política para enganar cristãos na campanha eleitoral 2022”, que destaca que o conteúdo publicado pela vereadora não se trata apenas de desinformação, mas é também um uso da intolerância religiosa para campanha política. A matéria ressalta, ainda, que a tentativa de associar Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT) ao fechamento de igrejas evangélicas e a perseguição religiosa acontece desde 1989, e tais “notícias” nunca apresentam fontes ou informações factíveis.

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Bereia alerta leitores e leitoras a atentarem a candidaturas que mobilizam identidade religiosa e lançam mão de desinformação, conteúdo com base em mentiras e falsidades, como estratégia de campanha.

Referências

Boatos.org

https://www.boatos.org/politica/erika-kokay-defende-incesto.html . Acesso em 11 set 2024

BBC News Brasil

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53354358. Acesso em 11 set 2024

O Globo

https://oglobo.globo.com/blogs/lauro-jardim/post/2024/09/eleicoes-sp-cla-bolsonaro-opera-envios-no-zap-a-favor-de-candidata-favorita-a-vereadora.ghtml . Acesso em 23 set 2024

G1

https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2021/06/10/e-fake-que-unicef-sugira-em-relatorio-que-pornografia-e-positiva-para-criancas.ghtml. Acesso em 11 set 2024

https://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2023/03/01/policia-civil-indicia-vereador-de-mg-por-financiar-panfletos-com-fake-news-durante-eleicoes-contra-lula.ghtml Acesso em 18 set 2024

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/eleicoes/2018/noticia/2018/10/08/deputados-estaduais-sao-eleitos-no-rj-veja-lista.ghtml . Acesso em 12 set 2024

UNICEF

https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/e-fake-noticia-que-circula-no-whatsapp-e-em-sites-sobre-unicef-e-pornografia Acesso em 12 set 2024

Poder 360

https://www.poder360.com.br/governo/facebook-exclui-contas-falsas-ligadas-a-gabinetes-da-familia-bolsonaro/. Acesso em 12 set 2024

Estado de Minas

https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2023/03/02/interna_politica,1463688/vereador-mineiro-e-indiciado-por-produzir-fake-news-contra-lula.shtml. Acesso em 18 set 2024

https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2023/02/18/interna_politica,1459294/policia-civil-indicia-vereador-de-passos-por-racismo-e-xenofobia.shtml. Acesso em 18 set 2024

https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2023/03/02/interna_politica,1463688/vereador-mineiro-e-indiciado-por-produzir-fake-news-contra-lula.shtml. Acesso em 18 set 2024

Instagram

https://www.instagram.com/dentinhovereador/. Acesso em 18 set 2024

https://www.instagram.com/reel/C6UzOCzJvUM/. Acesso em 18 set 2024

https://www.instagram.com/reel/C-_IxWfpIii/. Acesso em 18 set 2024

https://www.instagram.com/p/DAQo7LqOviA/?igsh=dWs5NmUzcHo4NDMy. Acesso em 23 set 2024 

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https://www.instagram.com/p/C_6dIaTSEJk/?igsh=ZmFrajVxNW9qYmRk. Acesso em 23 set 2024

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https://www.instagram.com/p/C-JT_sHv3IA/?igsh=dzc1czIwaHp3eG5k. Acesso em 23 set 2024

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https://www.instagram.com/p/C_irGqWxhhl/ . Acesso em 25 set 2024

TSE

https://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/codigo-eleitoral-1/codigo-eleitoral-lei-nb0-4.737-de-15-de-julho-de-1965. Acesso em 18 set 2024

Youtube

https://www.youtube.com/watch?v=gPrpqkJMTyM. Acesso em 11 de set 2024

UOL

https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/apuracao/1turno/votos-por-estado/rio-de-janeiro/deputado-estadual/. Acesso em 12 de set 2024

Bereia

https://coletivobereia.com.br/ideologia-de-genero-e-um-dos-temas-explorados-por-quem-produz-desinformacao-em-espacos-religiosos-nestas-eleicoes/ . Acesso em 12 set 2024

https://coletivobereia.com.br/cristofobia-e-intolerancia-religiosa-as-fake-news-como-estrategia-politica-para-enganar-cristaos-na-campanha-eleitoral-2022/ . Acesso em 24 set 2024

https://coletivobereia.com.br/eleicoes-2024-religiosos-e-politicos-usam-falsa-perseguicao-a-igrejas-no-brasil-como-tema-de-campanha-durante-marcha-para-jesus-de-sp/ . Acesso em 24 set 2024

Conteúdo busca enganar católicos sobre evento na Catedral de Brasília para criticar governo federal

Bereia recebeu de leitor um vídeo com alto nível de circulação em grupos católicos no WhatsApp, que alardeia que o altar da Catedral Católica de Brasília “virou terreiro de Umbanda”, em evento promovido “pela ‘1ª´(sic) dama Janja”. O texto afirma ser uma grave profanação de um templo católico e atribui o caso à “situação geral do país” que “piora a cada dia”. A publicação ainda pede que quem recebe o conteúdo envie “para amigos católicos que fizeram o L ou foram isentões”.

Tela de celular com publicação numa rede social
Descrição gerada automaticamente com confiança média

O radar do Bereia identificou nesse conteúdo elementos comuns a falsidades que circulam pelas mídias sociais: 1) não tem identificação do autor ou autora da postagem nem data; 2) não tem fonte (de onde veio o vídeo); 3) é um recorte de 23 segundos de um vídeo sem  o contexto do ocorrido; 4) há o pedido de compartilhamento para mais pessoas (estratégia para que a desinformação viralize de forma espontânea e orgânica).

Bereia verificou que o mesmo recorte de vídeo foi divulgado na conta do X/Twitter do ex-presidente da Fundação Palmares (nomeado durante o governo de Jair Bolsonaro) Sérgio Camargo, e teve centenas de milhares de visualizações, com milhares de curtidas e compartilhamentos. Na publicação Camargo atribui a cerimônia na Catedral a o “governo petista” e cobra que católicos exijam “posicionamento da CNBB, caso a entidade seja contrária ao que se viu”.

Imagem: X/Twitter

Outros perfis de mídias sociais divulgaram protestos com o uso do mesmo recorte de vídeo, alguns com centenas de milhares de visualizações.


Interface gráfica do usuário, Site
Descrição gerada automaticamente

Imagem: x/Twitter

Imagem: Youtube

A noite na Catedral 

Bereia checou que o evento, acolhido na Catedral Católica de Brasília, foi realizado em 9 de novembro de 2023, como parte da programação do III Congresso Internacional de Direito do Seguro e IX Fórum de Direito do Seguro José Sollero Filho, realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS). O congresso foi sediado no Superior Tribunal de Justiça, sob a coordenação do ministro Paulo Dias Moura Ribeiro.

A noite cultural do evento do IBDS/STJ, na Catedral Católica de Brasília, foi a apresentação da Orquestra Mundana Refugi. O grupo é formado por 22 músicos brasileiros e imigrantes refugiados vindos do Irã, Guiné, Congo, Turquia, Cuba, China, Síria, Venezuela, França e Palestina. A orquestra apresenta repertório com composições próprias, músicas tradicionais e homenagens a compositores brasileiros, lançando mão de instrumentos entre os tradicionais piano, saxofone, flauta e bateria até os mais diferentes como bouzouki, kanun árabe, alaúde e rebab. 

Tela de celular com publicação numa rede social
Descrição gerada automaticamente com confiança média

Imagem: cartaz eletrônico de divulgação da apresentação da Orquestra Mundana Refugi na Catedral de Brasília.

O evento, com entrada franca, lotou a Catedral e foi noticiado pela revista eletrônica Metrópoles, pelo Correio Brasiliense, pelo Jornal de Brasília, pelo Portal Terra e pela Agência Brasil. Segundo a matéria do Metrópoles “os brasilienses ficaram encantados com o talento do grupo e conheceram um pouco dos ritmos e estilos de diferentes países. Duas obras do fotógrafo Sebastião Salgado foram expostas ao lado do palco e chamaram atenção por representar a luta pela proteção dos povos originários”.

O programa teve participação do cantor Renato Braz e do acordeonista Toninho Ferragutti, indicado três vezes ao Grammy Latino. Entre os presentes estiveram autoridades como o ministro do STJ Moura Ribeiro e o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar Paulo Teixeira. 

Com dois integrantes da orquestra originários da Palestina, o show em Brasília foi oportunidade de expressão de um pedido pela paz no Oriente Médio, para que cessem os ataques e que sejam devolvidos os reféns judeus, o que constou dos discursos proferidos. 

Bereia verificou, portanto, que a programação na Catedral não tem qualquer relação com o governo federal ou com a esposa do presidente da República Rosângela da Silva (Janja).

Altar profanado?

Na programação, de fato, ocorreu um momento, ao final, com uma dança relacionada à cultura africana. Porém, tanto a Arquidiocese quanto o maestro da Orquestra Mundana Refugi Carlos Antunes, explicaram, respectivamente, em nota oficial e carta, que ela ocorreu de forma imprevista, fora da programação, espontaneamente, da parte de duas pessoas africanas que estavam na audiência, como forma de agradecimento. 

A Arquidiocese também corrigiu as postagens críticas à Igreja e nega que haja “elementos concretos que caracterizem, moralmente e canonicamente, profanação do templo”.

Diz a nota da Arquidiocese de Brasília:

1- Nosso objetivo, ao aceitar o evento na Catedral, foi sensibilizar a comunidade de Brasília a respeito dos refugiados e migrantes, uma vez que a orquestra Mundana Refugi é um grupo musical composto por músicos brasileiros e por imigrantes e refugiados. Seu nome faz referência ao fato de acolher instrumentistas e vocalistas de todas as partes do mundo (“mundana”), refugiados no Brasil (“refugi”);

2- O acordo do evento em questão, previa somente a apresentação de coro e orquestra, algo comumente presente em nossas igrejas, com temas tradicionais de diversos países. No entanto, mesmo no fato ocorrido inesperadamente, não há elementos concretos que caracterizem, moralmente e canonicamente, profanação do templo;

3- Ao final da apresentação, ocorreu uma manifestação espontânea por parte de uma pessoa presente na plateia, surpreendendo não só a nós, mas, também, aos organizadores e ao maestro responsáveis pelo evento, gerando o episódio divulgado (cf. nota em anexo);

4- Reafirmamos que, em todo momento, a Catedral de Brasília conduziu com a devida prudência o que foi previamente acordado.

A carta do maestro Carlos Antunes, entre outros pontos, detalha o ocorrido:

Não havíamos programado realizar qualquer ato de dança como parte da apresentação musical, pois todos sabíamos que essa regra fora estabelecida como condição fundamental pela Catedral. Assim, com relação à dança espontânea que ocorreu ao final da última música, por parte de dois expectadores (sic) africanos, somente podemos imaginar, e isso foi dito por ambos ao se despedirem, que o fizeram em agradecimento ao espetáculo pois para eles ouvir música de seu país naquele templo espetacular foi muito emocionante, alegre e inesquecível. 

Suas manifestações foram feitas sem o nosso conhecimento. Isso faz parte da sua cultura e não demonstra, de forma alguma, desrespeito para com a religião católica. Tenho inúmeros amigos dançarinos africanos da religião católica e eles mencionaram-me suas boas emoções com o ocorrido. Acho importante reiterar que não havíamos combinado a dança, embora ela ocorra ocasionalmente nas nossas apresentações, como outras intervenções espontâneas do público.

(…)

Quando fomos surpreendidos pela dança dos expectadores (sic), ao final da música, fiz um sinal para a Mariama, nossa integrante, cantora africana, para que fosse lá, educadamente, e ocupasse o lugar deles, para que não continuassem ocupando o espaço e voltasse para cantar.

Ela de forma respeitosa fez exatamente isso. Chegou, fez alguns movimentos e ele se retirou. Ela em seguida voltou para cantar e terminamos a canção. Foi exatamente isso que ocorreu. O primeiro senhor que entrou para dançar, de forma muito cordial, me abordou e disse, ao final, que estava muito feliz por estarmos ali naquele momento”.

***
Bereia classifica a publicação que circula em grupos católicos de WhatsApp e em mídias sociais sobre o evento cultural, ocorrido na Catedral de Brasília, em 9 de novembro como ENGANOSO. Anonimamente, como, propagadores de desinformação agem frequentemente, e sem dados que permitam às pessoas verificarem o ocorrido de forma honesta, foi utilizado um vídeo do final da apresentação da Orquestra Mundana Refugi, para criticar a Arquidiocese de Brasília, a esposa do presidente da República Rosângela da Silva (Janja) e o governo federal. 

Como checado pelo Bereia: 

1) a apresentação musical não tem qualquer relação com o governo federal ou com a esposa do presidente da República. Foi parte da programação de um evento realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), sediado no Supremo Tribunal de Justiça; 

2) o recorte do vídeo, divulgado sem explicação do que trata, refere-se ao final da apresentação musical da Orquestra Mundana Refugi, momento em que pessoas da plateia, de origem africana, espontaneamente se digiram à frente para dançar em agradecimento ao que presenciaram; 

3) a palavra oficial da Igreja Católica em Brasília é que, ancorada na moral e nos Cânones da Igreja, não houve profanação do templo com a manifestação espontânea das duas pessoas africanas.

Bereia alerta para o uso da fé cristã e do cuidado que fiéis têm com suas igrejas para se fazer política e atacar instituições religiosas, outras instituições e governos. Alerta também para a intolerância religiosa estimulada com a propagação do vídeo, sem a devida explicação do que foi uma dança da cultura africana, porém com as observações maldosas, por escrito e em vídeos, de que o altar da Catedral foi “transformado em terreiro de Umbanda” e “profanado”. Há outro aspecto em curso com a publicação, que é o racismo, uma vez que a dança foi realizada por pessoas negras, africanas, e as acusações que foram proferidas têm relação com este perfil.

Referências

Supremo Tribunal de Justiça https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Institucional/Educacao-e-cultura/Eventos/III-Congresso-Internacional-de-Direito-do-Seguro.aspx Acesso em 20 nov 2023

Youtube https://www.youtube.com/watch?v=IwZDDe1hlFA&pp=ygURZGlyZWl0byBkbyBzZWd1cm8%3D Acesso em 20 nov 2023 

IBDS https://www.ibds.com.br/18719-2/ Acesso em 20 nov 2023

Instagram https://www.instagram.com/omrefugi/ Acesso em 20 novv 2023

Metrópoles https://www.metropoles.com/colunas/claudia-meireles/orquestra-mundana-refugi-se-apresenta-em-show-emocionante-na-catedral Acesso em 20 nov 2023

Correio Brasiliense  https://www.correiobraziliense.com.br/diversao-e-arte/2023/11/6653001-catedral-recebe-orquestra-mundana-refugi-nesta-quinta-9-11.html Acesso 20 nov 2023

Jornal de Brasília https://jornaldebrasilia.com.br/entretenimento/eventos/orquestra-mundana-refugi-se-apresenta-na-catedral/ Acesso em 20 nov 2023

Portal Terra https://www.terra.com.br/esportes/orquestra-que-reune-brasileiros-e-refugiados-se-apresenta-em-brasilia,0ffcbbaf88502674cbab95f8f6195cbdll9vnvw7.html Acesso em 20 nov 2023

Agência Brasil https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-11/orquestra-que-reune-brasileiros-e-refugiados-se-apresenta-em-brasilia Acesso em 20 nov 2023 

Arquidiocese de Brasília https://arqbrasilia.com.br/nota-de-esclarecimento-2/ Acesso em 20 nov 2023Carta do Maestro Carlos Antunes https://arqbrasilia.com.br/wp-content/uploads/2023/11/Nota-de-Esclarecimento-Apresentac%CC%A7a%CC%83o-Mundana-Refugi.pdf  Acesso em 20 nov 2023

Foto de Capa: reprodução do Youtube

Deputada Bia Kicis usa recorte de vídeo para acusar PSOL de agir contra mulheres na política à direita

Um vídeo da deputada federal católica Bia Kicis (PL-DF)  viralizou em espaços digitais de religiosos. Trata-se de um recorte de fala da deputada, em reunião realizada na Câmara dos Deputados, uma sessão da Comissão Especial para votação do parecer do relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 9/23 , conhecida como PEC da Anistia. 

O texto, apresentado pelos deputados Paulo Magalhães (PSD-BA) e Hugo Motta (Republicanos-PB), prevê a anistia aos partidos políticos que não repassaram os percentuais mínimos de destinação de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para as candidatas mulheres nas eleições do ano passado. A PEC propõe que esses partidos não serão multados e que o descumprimento da legislação não implique na perda do mandato de candidatos eleitos ou acarretar inelegibilidade.

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Imagem: reprodução do Instagram

O que Bereia verificou 

Logo após uma intervenção da deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS), no trecho 19’40”, Bia Kicis diz: “Me espanta ver uma deputada que diz que defende as mulheres, que é um partido que defende tanto as mulheres, mas que na verdade não consegue cumprir […]  a gente tem que entender o objetivo da Lei, o escopo da Lei, o escopo da lei da cota feminina […]  é botar mulher na política[…]  Aí o que aconteceu no Ceará? Mulheres foram eleitas com seus próprios votos, pessoas saíram de casa […] . Depois que elas já estão diplomadas exercendo seus mandatos vem uma decisão com base na lei que é pra colocar mulher e diz o seguinte: Não, como teve outras mulheres que parece que foram laranjas – a gente não sabe se foram, né – mas parece que foram laranjas, que não se elegeram, não se elegeram, olha só, então nós vamos retirar aquelas que foram eleitas e vamos colocar homens no lugar delas. Gente, isso não faz o menor sentido […] então, tô assistindo aqui uma deputada do PSOL, brigando pra, em nome da defesa da cota feminina, tirar mulheres que foram eleitas […] é o cúmulo! É cúmulo! Isso desafia a lógica você querer com base num argumento de que não foi cumprida a cota feminina que, por isso, você vai retirar as mulheres que foram eleitas com seus próprios votos…”.

Os fatos e a fala da deputada do PSOL Fernanda Melchionna (RS)

No trecho da transmissão da sessão da comissão (16’30” em diante), a deputada Fernanda Melchionna, que falou antes da deputada Kicis, denunciou o desvirtuamento trazido pela PEC 09/23, concernente às políticas afirmativas de inserção das mulheres na política, em razão da cota de gênero, estabelecida em Lei. 

Nas palavras críticas de Melchionna à PEC, foi dito: “nós pedimos a votação nominal como parte dos requerimentos de obstrução diante da PEC da vergonha, da PEC da autoanistia que, infelizmente, tramita nesta casa.” 

A deputada do PSOL, citou as ações movidas contra o Partido Liberal (PL), no Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, sobre denúncias de “candidaturas laranjas” nas eleições de 2022 (prática ilegal, comum em eleições, de lançamento de candidatos sem o objetivo de ocupar vagas eletivas, mas  para preencher cotas ou para o partido receber financiamento). 

A deputada do PSOL no Rio Grande do Sul, lembrou a comprovação das denúncias e a condenação do partido por conta das “candidaturas laranjas” no Ceará, com a cassação da chapa de deputados, em primeira e em segunda instância,  por fraude à cota de gênero. O caso pode ser confirmado na página do TRE-CE.

Na verificação feita pelo Bereia, da gravação da transmissão da reunião citada por Bia Kicis em sua postagem, acessada diretamente no canal oficial da Câmara Federal, não se observou, em qualquer trecho, menção da deputada Melchionna que defendesse a substituição de mulheres eleita, por homens, conforme alegou Bia Kicis em sua fala, viralizada nas mídias sociais. 

Sete candidatas “laranja”

Fernanda Melchionna reproduziu, aos presentes na reunião, os depoimentos das mulheres que foram usadas pelo PL no Ceará, que, na alegação da deputada, “descobriram pela imprensa ou por parentes que eram candidatas. Sete candidatas laranja, com declaração delas próprias de que não deram seus nomes, que não eram candidatas e que foram usadas no verdadeiro laranjal no Ceará”. 

Melchionna afirma que, em depoimento, uma das “candidatas” a sra. Marlucia disse: “Eu não sabia. Me botaram, eu não sabia”. Segundo a parlamentar, a Sra. Marlucia, ao ser questionada, durante depoimento, se queria ser candidata, respondeu que “não queria, que não foi fazer foto para ser candidata, que ficou sabendo por um primo do marido e que sabia e não queria se candidatar.” 

A parlamentar encerrou essa parte da fala na Comissão Especial, com a denúncia da gravidade do uso de candidatas laranja acionadas para burlar a Lei e descumprir a cota de gênero. Nesse sentido, a deputada do PSOL afirmou que a condenação da Justiça em Primeiro e em Segundo Grau, no Ceará, se mostra “importantíssima para combater o uso de candidatas laranjas, descumprindo a cota de gênero, desrespeitando a histórica luta das mulheres […] e essa condenação colocou uma responsabilização  sobre o conjunto da chapa, porque é assim que tem que ser tratado. Os partidos não podem usar as mulheres achando que não vão ser condenados ou responsabilizados”, disse aos presentes.

A denuncia de um “jabuti” inserido na PEC 09/23

No prosseguimento da sua fala, de encaminhamento contrário à votação do texto do relator, Fernanda Melchionna menciona, com tom de indignação, o fato de que, além de manter a anistia aos partidos no caso das candidaturas de negros e negras,  e de transformar o piso de 30% das candidaturas femininas em teto, o relator da PEC 09/23, deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP), inseriu no texto final “um jabuti gigante” (jargão parlamentar que se refere à inserção de artigos em projetos de lei  que não têm relação com o objeto da proposta para atender interesses). 

O “jabuti”, segundo a deputada, tenta garantir a revogação da decisão tomada pela Justiça do Ceará. “É uma vergonha! E como é que não tem impedimento se o relator é de um partido que vai ser beneficiado com quatro cadeiras que obviamente foram anuladas diante do expediente criminoso de uso de candidatas laranjas”, criticou a deputada do PSOL.

Ao finalizar o encaminhamento contra a votação do texto do relator, Melchionna concluiu dizendo ter aproveitado o requerimento que fez para que haja votação nominal para dizer que a PEC 09/23 “tem impedimento, tem conflito de interesse, além de jabuti, além de uma vergonha, além de uma tentativa de autoanistia que já era objetivo original da PEC, aqui, de revogar uma decisão judicial no tapetão” (trecho no minuto 19’35’’). Verifica-se que foi logo após este momento que a deputada Bia Kicis fez a da defesa da PEC 09/23 e acusou a deputada do PSOL de atuar para retirar o mandato de mulheres de direita para substituir com homens de esquerda,  o que representa distorção do conteúdo da fala anterior, como se pode verificar. 

Bereia recorreu à avaliação da procuradora regional da República, coordenadora do GT Violência Política de Gênero da Cice-PGE/MPF, Raquel Branquinho sobre a situação denunciada por Fernanda Melchionna na Câmara Federal. Em artigo, a procuradora diz: “o mesmo Parlamento que promulgou uma legislação que representa, nos últimos 25 anos, um microssistema jurídico de políticas afirmativas em prol de maior representatividade feminina, vem, ao longo do tempo e principalmente nestes últimos anos, concedendo, por meio de Emendas Parlamentares, sucessivas anistias que aniquilam ou neutralizam a finalidade dessas medidas e seu modo de execução. Dessa forma fragilizam iniciativas que visam a uma maior participação feminina na vida política do país e aportam em reflexos positivos para a sociedade.”

—-

Após verificar  o contexto do vídeo que mostra as falas dos integrantes da Comissão Especial instalada para discutir e votar o texto do relator da PEC 09/23, Bereia considera o conteúdo postado em mídias sociais pela deputada Bia Kicis (PL-DF) enganoso. A publicação usou trecho gravado de reunião parlamentar que, de fato existiu, porém, as afirmações sobre falas dos parlamentares do PSOL, especialmente da deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RJ) foram distorcidas. 

Diferentemente da fala enganosa de Bia Kicis, o que se observou na análise dos fatos e nas publicações de instituições que se posicionaram em relação a PEC 09/23, ocorreu o contrário, a firme defesa da inserção da mulher no exercício parlamentar em consolidação às políticas afirmativas conforme estabelecido em lei. Foi identificado, no discurso de Fernanda Melchiona, a denúncia contra a PEC em discussão, que, se aprovada, manterá o uso de mulheres como “laranjas”, por partidos. A prática, trazida na denúncia com o caso da Justiça Eleitoral no Ceará, envolve o Partido Liberal, de direita, ao qual está vinculada Bia Kicis. A postagem viralizada e checada pelo Bereia, é um recorte de discussão mais ampla, que uma vez conhecida, desmente a acusação da deputada católica que atua para defender seu partido e a PEC em  discussão recorrendo a desinformação.

Bereia incentiva que o leitores e leitoras exerçam sempre uma leitura crítica dos discursos presentes nas redes sociais digitais que se apresentam de forma recortada e descontextualizada, em busca de informações de qualidade, completas e contextualizadas.

Referências

JOTA. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/campanhas-eleitorais-a-pec-09-2023-e-seus-reflexos-sociais-19042023. Acesso em 19 set 2023

YOUTUBE.  PEC 9/23 – Cota Mínima de Recursos dos Partidos – Votação do parecer do relator – 13/09/2023  https://www.youtube.com/watch?v=ogtscyUxNLs . Acesso em 19 set 2023

TRE-CE. TRE-CE cassa chapa de deputados estaduais do PL por fraude à cota de gênero. https://www.tre-ce.jus.br/comunicacao/noticias/2023/Maio/tre-ce-cassa-chapa-de-deputados-estaduais-do-pl-por-fraude-a-cota-de-genero. Acesso 20 set 2023

MPF. MPF alerta para retrocesso em PEC de anistia a partidos que não repassaram mínimo de recursos a mulheres. https://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/mpf-alerta-para-retrocesso-em-pec-de-anistia-a-partidos-que-nao-repassaram-minimo-de-recursos-a-mulheres. Acesso 20 set 2023