Deputado Federal dissemina suspeitas de fraude na apuração de votos das eleições municipais
Circulam nas mídias sociais mensagens que colocam em dúvida a apuração das eleições municipais de 2020. Os boatos foram compartilhados pelo portal gospel Pleno News na matéria “‘A apuração das eleições foi bizarra’, diz Eduardo Bolsonaro”. A matéria retoma um tuíte do deputado federal (Republicanos/SP) Eduardo Bolsonaro, que cita o blogueiro Oswaldo Eustáquio.
O Coletivo Bereia verificou cada parte do conteúdo da postagem do deputado Eduardo Bolsonaro e a pesquisa é exposta a seguir.
- “Manutenção de percentuais durante toda a contagem em SP”: INCONCLUSIVO
Tanto os perfis de Eduardo Bolsonaro quando de Oswaldo Eustáquio afirmaram que em diferentes momentos da apuração (respectivamente, nas parciais 0,39%, 37,77%, 57,77% e 99,7%) as porcentagens totais dos candidatos se mantiveram inalteradas. O deputado chega a postar no dia 18 de novembro em seu Twitter, prints de solicitações via LAI (Lei de Acesso à Informação) ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com o pedido de explicação sobre os resultados. Segundo eles, Bruno Covas permaneceu com 32%, Boulos com 20%, Márcio França com 13% e Russomano com 10% em todas as etapas da eleição.
Segundo o deputado, um dos indícios de fraude nas urnas seria de que, em diferentes momentos da apuração, os candidatos paulistas teriam o seu percentual de votos variando apenas na casa centesimal. O deputado, no entanto, não vincula as fotos que serviriam de prova para corroborar com a denúncia. O esclarecimento do TSE, previsto para até o dia 08 de dezembro, indicará se o comportamento apontado é coerente com os dados nos softwares. Diversas das demais dúvidas do deputado são respondidas nos links do contrato de licitação e nota explicativa sobre o funcionamento dos supercomputadores, já disponíveis para acesso público.
2. “Supercomputadores terceirizados que contam os votos”: ENGANOSO
É fato que os supercomputadores usados para computação dos dados das eleições sejam terceirizados pela empresa Oracle e o contrato existe desde 1996, quando o Brasil passou a adotar o modelo de urnas eletrônicas. A contagem era feita em apuração pulverizada nos estados (Tribunais Regionais Eleitorais – TREs) até 2019. A partir de 2020, a apuração passou a ser concentrada no TSE. O contrato de licitação e a nota explicativa sobre o funcionamento dos supercomputadores estão disponíveis no site do órgão. A afirmação de Eduardo Bolsonaro soa alarmante para gerar desconfiança, mas o deputado federal nunca mostrou preocupação desde 2014, quando garantiu a sua eleição, sendo reeleito em 2018 pelo mesmo processo.
3. “Demora sem explicação sobre parada de contagem por horas em SP”: FALSO
Há algumas informações falsas na declaração: a parada de contagem não foi exclusiva em São Paulo, mas ocorreu em todo o Brasil, dado o mesmo problema técnico. Também, houve explicação em coletiva de imprensa com o Presidente do TSE no próprio dia, quando foram expostos os motivos técnicos para atraso. A parada em questão se deu graças à mudança no cálculo e na totalização de votos: até as eleições de 2018, cada um dos 27 Tribunais Regionais Eleitorais era responsável pela totalização dos votos em seus estados; a partir destas eleições de 2020, no entanto, o sistema passou a ser feito unicamente pelo TSE, centralizado, em uma estratégia de proteção de dados.
O presidente do TSE explicou que devido à pandemia de covid-19, houve atraso na entrega do equipamento que realizaria a contagem de votos, e assim, não foi possível realizar todos os testes para garantir que o equipamento aguentaria o volume de dados no intervalo de tempo comum.
Portanto, houve explicação sobre a demora na contagem e a parada ocorreu em todo o Brasil, uma vez que a contagem era centralizada.
4. “TSE diz que não houve ataque hacker, depois hackers divulgam dados do TSE”: FALSO
Tentativas de desacreditar o sistema eleitoral como um todo têm aparecido com recorrência nos últimos anos. Ocorreu nas eleições de 2018, quando houve uma média de dois conteúdos falsos sobre fraude nas urnas desmentidos por dia sobre fraude nas urnas. Nas eleições dos Estados Unidos de 2020, o atual presidente estadunidense Donald Trump foi censurado no Twitter por fazer acusações falsas contra o sistema eleitoral do país. Bereia cobriu ecos desta desinformação aqui no Brasil. Não importa o sistema, as redes de desinformação sempre se articulam para desacreditar as eleições.
No caso brasileiro o país já tinha passado por situação preocupante com o ataque hacker ao STJ. No dia 3 de novembro um ataque hacker foi realizado contra os sistemas do STJ, agindo como um ransomware – nesta modalidade de ataque, o atacante insere um vírus no sistema (através de e-mails ou outras formas) que vão criptografar, ou esconder, todos os arquivos da organização; apenas o atacante tem a chave para descriptografar as informações, e é com ela que barganha. Tais ataques, esclarecemos, não permitem que o hacker tenha acesso aos dados. Como todas as informações do STJ possuem backup, o ataque não gerou maiores problemas. O movimento aumentou as suspeitas do eleitorado e criou um terreno fértil para a proliferação de fake news. Porém, a própria dinâmica das urnas eletrônicas impede hackeamento externo, como explica o TSE em site oficial:
“Muito se fala da possibilidade de hackers invadirem as urnas no dia da votação, mas a urna eletrônica não é vulnerável a ataques externos. Esse equipamento funciona de forma isolada, ou seja, não dispõe de qualquer mecanismo que possibilite sua conexão a redes de computadores, como a Internet. Também não é equipado com o hardware necessário para se conectar a uma rede ou mesmo qualquer forma de conexão com ou sem fio. Vale destacar que o sistema operacional Linux contido na urna é preparado pela Justiça Eleitoral de forma a não incluir nenhum mecanismo de software que permita a conexão com redes ou o acesso remoto.”
TSE
Portanto, para que um ataque hacker acontecesse em urnas eletrônicas seria necessária uma conexão com a internet. Como esclarecido pelo TSE, não existe ligação de urnas eletrônicas com a rede. O Tribunal ainda explica de outra forma a impossibilidade de ataques internos à operação das urnas: é a metáfora dos generais bizantinos. O problema, que consiste em “como fazer com que duas partes tenham segurança em uma troca de mensagem”, é respondido ao aumentar ao máximo a dificuldade para possíveis leitores interceptar a mensagem.
Assim, o TSE, por meio de diversos códigos divididos por múltiplos agentes dentro do órgão, garante a segurança e a não violação dos dados das urnas ao tornar o processo de acessá-las essencialmente impossível – ou tão custoso que nem os ganhos com um possível hackeamento valeriam o esforço.
É verdade que houve tentativa de hacker ao sistema do TSE no domingo das eleições, 15 de novembro, o que foi confirmado pelo órgão no dia seguinte. No entanto, os dados acessados eram de arquivo (do período eleitoral de 2001 a 2010) e não tinham qualquer relação com as eleições de 2020.
Bereia classifica a postagem do deputado federal Eduardo Bolsonaro como falsa, de acordo com os resultados da pesquisa exposta acima. Ele dissemina desinformação, faz uso de pânico moral (terrorismo verbal produzido para criar aversão social a pessoa ou grupo) e induz seguidores a suspeitarem de fraude no processo de apuração do primeiro turno das eleições municipais realizado em 15 de novembro.
Eduardo Bolsonaro repercute o conteúdo produzido por Oswaldo Eustáquio, blogueiro que foi preso pela Polícia Federal (PF) em Campo Grande (MS), em junho deste ano, como resultado das investigações da Operação Lume. O inquérito apura financiamento e organização de atos antidemocráticos para a volta da ditadura militar e o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 17 de novembro, dois dias depois das eleições, Eustáquio foi preso novamente por estar descumprindo as medidas cautelares impostas pelo STF depois de ter sido colocado em liberdade em julho.
Bereia verificou dois dos diversos conteúdos falsos publicados por Eustáquio, que se declara jornalista evangélico. Em abril de 2020, o blogueiro inventou que Adélio Bispo, autor da facada contra o presidente Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018, teria ligação com o ex-deputado federal (PSOL/RJ) Jean Wyllys. Já em novembro de 2020, Oswaldo Eustáquio espalhou mentiras sobre o candidato a prefeito de São Paulo Guilherme Boulos.
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Foto de capa: TSE/Reprodução
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Referências
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ITS, https://itsrio.org/pt/artigos/ataque-ao-stj-e-sinal-de-alerta/. Acesso em 23 nov 2020.
O Globo, https://blogs.oglobo.globo.com/sonar-a-escuta-das-redes/post/bolsonaristas-espalham-onda-de-desinformacao-sobre-fraude-nas-eleicoes-apos-tentativa-de-ataque-hacker-ao-tse.html. Acesso em 23 nov 2020.
O Globo, https://oglobo.globo.com/brasil/eleicoes-2020/tse-admite-atraso-na-apuracao-mas-diz-que-problema-nao-afetara-resultado-24748131. Acesso em 23 nov 2020.
Piauí, https://piaui.folha.uol.com.br/fake-news-mais-de-dois-boatos-de-fraude-nas-urnas-desmentidos-por-dia/. Acesso em 23 nov 2020.
TriboCripto, https://www.youtube.com/watch?v=wvtoZgS6kKY. Acesso em 23 nov 2020.
TSE, Contrato de licitação, https://www.tse.jus.br/transparencia/licitacoes-e-contratos/contratacoes-diretas-2020/oracle/contrato-tse-n-22-2020/rybena_pdf?file=https://www.tse.jus.br/transparencia/licitacoes-e-contratos/contratacoes-diretas-2020/oracle/contrato-tse-n-22-2020/at_download/file. Acesso em 23 nov 2020
TSE, Nota técnica, https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/nota-tecnica-eleicoes-2020-1o-turno/rybena_pdf?file=https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/nota-tecnica-eleicoes-2020-1o-turno/at_download/file. Acesso em 23 nov 2020
TSE, https://www.tse.jus.br/o-tse/escola-judiciaria-eleitoral/publicacoes/revistas-da-eje/artigos/revista-eletronica-eje-n.-6-ano-4/por-que-a-urna-eletronica-e-segura. Acesso em 23 nov 2020.
TSE, https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Novembro/tentativas-de-ataques-de-hackers-ao-sistema-do-tse-nao-afetaram-resultados-das-eleicoes-afirma-barroso. Acesso em 23 nov 2020.