As informações disponíveis na mídia e redes sociais sobre o protesto contra o assassinato do refugiado político congolês de Moïse Kagambe, num quiosque da Barra da Tijuca/RJ, em 24 de janeiro de 2022, tiveram uma dupla conotação. De um lado, visibilizar a indignação que o ato brutal contra o trabalhador informal, que ironicamente procurou segurança no Brasil ao fugir da guerra em seu país, e a necessidade de manifestar o grau de barbárie que se instalou como uma forma de solução de conflitos. De outro lado, marcar o posicionamento político dos presentes no ato – organizado pelo vereador da Câmara de Curitiba/PR Renato Freitas (PT), em 5 de fevereiro e 2022 –, denunciando o racismo e violência estrutural entranhadas na sociedade brasileira, bem como a urgente necessidade de sua superação. Porém, o ato que tinha forte potencial de indignação acabou sendo confusão.
Segundo declarações do próprio organizador, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito, erguida por escravos em 1737, foi escolhida por ser considera símbolo de resistência contra a escravidão em solo brasileiro. Numa primeira leitura, a opção simbólica foi uma evocação histórica acertada pelo peso político e religioso que possa ter. Porém, durante o protesto vieram à tona acusações à Igreja Católica sobre os resquícios de racismo religioso que a acompanham, revelando a longa convivência do cristianismo com a escravidão, uma das diversas dimensões que o termo encerra. Tanto o aspecto simbólico quanto os conteúdos (racismo religioso, racismo estrutural, violência, perda de humanidade) do protesto são válidos e legítimos, mas, talvez a performance na ocupação da igreja não tenha tido o impacto desejado. Isso porque, protestos em espaços sagrados têm sua própria lógica e a eficácia política advêm do uso da linguagem religiosa (por exemplo vigílias frente à igreja, silêncios prolongados, velas e cruzes, procissões etc.).
Além disso, forma parte do impacto desses atos as articulações com os grupos religiosos, como por exemplo, neste caso, a pastoral do imigrante, pastoral do negro, pastorais sociais. Tudo isso, contribui para angariar adesão à “causa”, legitimidade no uso do espaço e reverbera entre os fiéis e a sociedade a performance que tem como palco o espaço sagrado. Constata-se no protesto liderado pelo vereador um duplo barulho: uma contradição entre os conteúdos da denúncia do racismo religioso e a escolha assertiva da igreja como palco performático. Essa colisão neutralizou o objetivo principal do ato e o protesto rumou por caminhos contrários e indesejados, até para os organizadores. Todavia, estão por vir as consequências e o seu desfecho, possivelmente com repercussões jurídicas, administrativas e processuais para seus envolvidos.
Sem dúvida que, uma das reações institucionais é a de preservação patrimonial, zelo pelo uso do espaço sagrado, o que é válido e legítimo. Muitas vezes a defesa desse espaço (territorial e simbólico) obriga seus guardiões (sacerdotes e bispos) a invocar o direito à defesa da liberdade religiosa e reagir perante possíveis ameaças de profanação, depredação. Mesmo assim, seguramente, que tanto o pároco quanto a Arquidiocese concordam que o assassinato de Moïse Kagambe foi um ato de barbárie e uma afronta à convivência entre seres humanos. Certamente a adesão a toda manifestação de indignação é endossada pela Igreja Católica, pois isso a faz coerente com a ética cristã que prega, e, ao mesmo tempo alinha-se com o Papa Francisco que não cansa de denunciar os atos de xenofobia e de racismo que sofrem os refugiados nos diversos países, o que não exclui o Brasil da listagem.
Fora das repercussões no âmbito eclesiástico e judiciário, o ato de protesto traz uma revelação que nos lembra cenários anteriores acerca do clima pré-eleitoral. O crescente ambiente de polarização social, propiciando enfrentamentos nas esferas públicas, religiosas e familiares vem em crescendo desde 2014, elevando a temperatura em 2018. Este ano parece não se vislumbrar diferente. A produção de desinformação, conteúdos falsos, incentivo ao ódio, deslegitimarão das instituições democráticas, descrédito dos mecanismos democráticos tem sido a tônica que pauta a pandemia e o clima da contenda no acesso ao Planalto. Evidentemente que, o ganho político que o protesto possa gerar dependerá do contexto eleitoral, ora pode ser objeto de inúmeras distorções que mirem o público religioso, nutrindo imaginários de ameaça e agressão religiosa, ora pode ser apenas um incidente episódico que cai no esquecimento.
No entanto, o interessante é observar como o fato provocou certas reações e posicionamentos das pessoas nas mídias sociais. Muitas ficaram indignadas diante do que se denominou como “invasão” e cujos argumentos trazem à tona o pensamento ultraconservador, político e religioso, que percorre suas reações. Assim, percebe-se como é gerado, imediatamente, um posicionamento de um nós contra eles, sejam eles do Partido dos Trabalhadores ou de outras alas da Esquerda. As acusações perpetuam clichês que desqualificam seus militantes como sendo baderneiros, desordeiros, arruaceiros etc. Até aqui nenhuma novidade, pois são termos já presentes nos idos anos de 1989, no primeiro pleito eleitoral pós-ditadura militar. O novo, onde emerge um alerta, é quando se passa de um posicionamento antagônico, próprio da arena política, para uma identificação do outro como inimigo, seja indivíduo seja coletivo, com uma motivação inerente à linguagem bélica. No campo religioso esse inimigo assume conotação teológica, sendo demonizado. Tal passagem, política e religiosa, se torna perigosa porque situações de violência estrutural, como a que vivemos, o inimigo deve ser eliminado de qualquer forma e a qualquer custo. Assim, um pensamento polarizado leva identificar e classificar os outros sob o prisma da ameaça o que muitas vezes se concretiza em agressão (física, verbal, simbólica, moral) como forma ofensiva de defesa, muitas vezes justificada religiosamente.
Há um outro elemento interessante nessas reações contra o manifesto na Igreja de São Benedito: invocar a perseguição aos cristãos como objetivo do ato político. Em países como na Índia, Coreia do Norte, Afeganistão, Argélia, entre outros, onde os cristãos são minorias, frequentemente se verifica hostilidade e perseguição a eles. Não é o caso do Brasil, que é histórica, demográfica e culturalmente cristão, contudo, há um imaginário de perseguição religiosa que as elites pastorais e influencers religiosos vem cultivando nos últimos anos sob o mote de cristofobia. Entretanto, as acusações de uma perseguição cristofóbica, na verdade, esconde a justificativa de uma ofensiva contra grupos considerados inimigos da religião cristã. De acordo com essa lógica cristofóbica existem grupos que conspiram contra o cristianismo e impedem os fiéis o direito de exercer sua liberdade religiosa e/ou a possibilidade de impor a moralidade cristã como moralidade pública a ser assumida na sociedade brasileira, independente de serem todos seus membros religiosos de outros credos ou de não ter religião. Evidentemente que, há um elemento comum na desqualificação da esquerda política e na cristofobia: a manifestação de uma alteridade tida como inimiga. De tal forma que, identificar o antagônico e/ou o diferente (religioso ou não) como inimigo que deve ser eliminado, promover ódio entre pessoas e grupos diferentes, resolver de forma violenta atritos e problemas comuns, valorizar a linguagem violenta, machista e homofóbica são alguns dos traços ideológicos caracterizam grupos de ultradireita, cada vez mais atuantes internacionalmente. Desgraçadamente, esses traços devem nos acompanhar na atual conjuntura sociopolítica-eleitoral.
Enfim, se é verdade que o ato de protesto diante do trágico fim do asilado Moïse Kagambe descortinou finas nuances políticas, religiosas e ideológicas, também é certo que a evocação simbólica de São Benedito pode inspirar o fortalecimento da indignação: mecanismo eficaz contra a naturalização da violência que como suave torpor adormece consciências.
Artesãos, comerciantes, mulas, notáveis, letrados, bêbados, eruditos, ciganos, prostitutas, rabinos, professoras, viajantes, camponeses, padres, soldados, estrangeiros, mulheres, mendigos, taberneiros, mães, aldeões, sábios, crianças, jovens todos disputam seu lugar na vigorosa narrativa de Ivo Andric (1892-1975), que desenha o vibrante percurso do povo na cidade de Vichegrad. Entre lendas e mitos, que embaralham a realidade, o autor sérvio nos adentra na história da Ponte sobre o rio Drina (Agradeço a meu amigo de origem croata Mário Franulovic Campos, que me apresentou a bela prosa poética do premiado Nobel de literatura Ivo Andric, diplomata e escritor balcânico).
Construída pelo piedoso vizir Mekhmed paxá Sókolovitch (1505-1579), no apogeu do império Otomano, a ponte não apenas une Oriente ao Ocidente, Sarajevo a Belgrado, ela trafega fluxos de pessoas, mercadorias, projeto de cidade. Ela também impõe nos habitantes um espírito de concessões, com seus ganhos, e retraimento, com seus estremecimentos. Nessa tensão, inerente as comunidades que se erguem nas fronteiras, nos limites geográficos e culturais se ergue uma sociabilidade, um estilo de vida.
Nos acontecimentos históricos, ao longo de três séculos na região balcânica, o autor desvenda como na comunidade serão moldados, nas pessoas, sentimentos, anseios, temores, esperanças, modos de ver e de perceber a vida. Ele adentra nos receios que afloram quando sérvios, bósnios, turcos, suábios, húngaros, ciganos, dividem uma franja de território, de como o sentimento de pertença engenha nos cidadãos estratégias para sobreviverem dignamente num mesmo lugar.
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Para Andric, a ponte testemunha como cada geração fabula em torno da eterna busca de uma convivência em comum, do simples direito de sentir a brisa do rio sob noites inundadas de estrelas, sonhar com as colheitas, aspirar a progredir nos negócios, ver os filhos crescerem. É na ponte que a sociabilidade se tece, as sucessivas mudanças se mostram, as desavenças se ventilam, os olhares apaixonados se encontram, as raivas extravasam, os exércitos passam, as ocupações se proclamam, a música envolve. Enfim, na ponte, a diversidade é querida e temida.
O escritor abre janelas de sol, nas quais se vislumbra de tempos em tempos, em que é possível o respeito à diferença étnica e a possibilidade de oportunidades para os cidadãos, mesmo sem esconder receios, desconfianças e distanciamentos que se impõem quando judeus, muçulmanos e cristãos dividem um fragmento de território em ambos lados do rio Drina.
A ponte se impõe quase como eterna por estar desde sempre acompanhando as vicissitudes naturais (inundações, secas, tempestades) e humanas (invasões, guerras). O autor fabula em torno da universalidade do comportamento humano que revela uma alma capaz do mais nobre ato como da pior vazão de instintos, em qualquer latitude. Assim discorre, quando a primeiro conflito mundial implode no início do século XX:
“As pessoas dividiram-se em perseguidos e perseguidores. Aquele animal faminto que vive dentro do homem e que não ousa revelar-se até que sejam eliminados os obstáculos dos bons costumes e das leis havia sido libertado agora. O sinal havia sido dado, as barreiras eliminadas. Como frequentes vezes acontece na história da humanidade, foram autorizadas tacitamente a violência e a pilhagem, incluindo o assassinato, sob a condição de que fossem executadas, em nome de interesses superiores, sob o amparo de palavras de ordem, contra um número limitado de pessoas, com determinados nomes e convicções”
Andric, Ivo. Ponte sobre o rio Drina. São Paulo: Grua, 2020. p. 441
Desde a ponte Drina, a personagem que reflete sobre perseguidos e perseguidores assiste ao massacre de seus vizinhos sérvios que dias antes tinham feito compras no mercado, fumado um tabaco, divido uma aguardente, jogado cartas. Num piscar de olhos, passaram de cidadãos a réus, de vizinhos a inimigos.
Numa outra latitude e temporalidade, um século depois, na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul/Brasil, numa quinta-feira 19 de novembro de 2020 (véspera do feriado nacional do Dia da Consciência Negra), num piscar de olhos, um cidadão negro, vizinho, cliente, vira inimigo. A rede de supermercados Carrefour foi o palco em que João Alberto Silveira Freitas (40 anos) se envolve em discussão, vira alvo de suspeita, é conduzido fora da loja e, na sequência, foi brutalmente agredido, por policiais à paisana, a serviço da empresa Vector Segurança Patrimonial.
O assassinato de João Alberto desvela, como sugere Andric, as consequências de remover “os obstáculos dos bons costumes e das leis”, da afirmação do politicamente correto, dos entraves sociais da barbárie, da indignação que naturaliza a violência. O espancamento ensandecido, até a morte, viralizou nas mídias sociais, ocupou coberturas de jornais da rádio e da TV (aberta e fechada), debates trouxeram à tona o racismo estrutural como traço endêmico da sociedade brasileira.
Naquela noite, se espetacularizou esse “animal faminto” que, cego, responde ao comando interiorizado de manter a ordem a qualquer custo. Os seguranças-policiais não apenas brigavam ferozmente, numa luta entre “machos” que ofendidos repunham a “honra” atingida. Os agressores transbordaram uma violência gratuita, desproporcional à possível “ofensa” da contenda ou à desobediência das normas, ainda a eventuais transgressões patrimoniais. Seus socos desferiam um ódio acumulado a um inimigo intangível, mas agora concretizado no corpo negro subjugado, eliminado.
Crime com a conotação racista porque além do emprego da violência física, precedido da agressão verbal, manifesta ódio e intolerância, manifesta violência desproporcionada contra uma pessoa-população. Ato que expressa o racismo presente nas estruturas subjetivas dos agressores policiais, por sua vez, também, replicam a violência objetivada no cotidiano das ruas, como as cifras registram: “79% dos mortos por policiais, em 2019, eram pretos e pardos, os mesmos contabilizam 75,7% como alvo dos homicídios entre 2008 e 2018”, dados que mostram fatos e reforçam os argumentos de análises sociais e científicas (Segundo o Fórum Nacional de Segurança Pública).
Mas, se o ódio e a intolerância compõem o racismo que, por um lado, manifesta instintos de “animais famintos”, por outro lado, são fruto de sociabilidades que hierarquizam as relações entre diferentes, naturalizam a desigualdade em função da cor da pele, negam o acesso a oportunidades que equilibrem o poder e a igualdade nas relações sociais. Porém, sociabilidades podem ser subvertidas porque são historicamente construídas, como foi a construção da ponte sobre o rio Drina, que impulsionou a vida da comunidade multiétnica e racial de Vichegrad. Nela era possível, de tempos em tempos, sonhar com a convivência comum em prol dos ensejos cidadãos e de segurar os limites da barbárie.
Sociedades antirracistas não eliminam as tensões, mas geram musculatura social capaz de negociar os conflitos decorrentes das diferenças, promover a equidade e oportunidade, respeitar as crenças, afirmar o valor da diversidade, independente de gênero e orientação sexual, propiciar o conhecimento que amplia mentes e corações, estimula o contato com a diversidade.
Porém, para que não se torne em retórica vazia, o antirracismo só tem um caminho: conhecimento-educação e organização coletiva. Sob esses dois locus é possível alicerçar sociabilidades desafiadoras que erguem pontes, ampliam fronteiras, abrem janelas, modulam autênticas relações humanas, neutralizam narrativas que empoderam práticas racistas e de barbárie.
O texto reproduz matéria do Portal Guia-me, que sintetiza a entrevista que o Ministro de Relações Exteriores Ernesto Araújo deu à rede de TV CNN, em 22 de setembro passado. Araújo defendeu a relevância do discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, no qual abordou o combate à cristofobia. Na entrevista, o ministro afirmou que o conceito existe e o presidente não foi o primeiro a usar.
Araújo acrescentou à CNN que existe uma conscientização pequena ao redor do mundo acerca da cristofobia e chama a atenção para essa realidade em países cuja maioria da população é cristã e onde, às vezes, o cristianismo é atacado e outras religiões não são.
Ele se referiu ao discurso de Bolsonaro na ONU que incluiu o tema da liberdade religiosa e mencionou o conceito de cristofobia, em defesa dos cristãos que sofrem perseguição.
De acordo com a matéria, parte da imprensa teria repercutido negativamente o discurso do presidente do Brasil, alegando a inexistência de cristofobia no Brasil. Folha Gospel destaca que o ministro acredita que o Brasil é um país majoritariamente cristão, por isso tem responsabilidade em defender os cristãos perseguidos ao redor do mundo (em torno de 260 milhões, número apontado pela ONG Cristã Portas Abertas e reproduzido no Folha Gospel).
Na edição publicada pela Folha Gospel, o ministro Araújo avalia que, em um país como o Brasil, que apresenta a porcentagem de 90% de cristãos, o cristianismo é responsável por parte da sua identidade e da sua essência, o que levaria as autoridades brasileiras a assumirem a responsabilidade de chamarem a atenção para a questão.
A matéria traz a citação do ministro à CNN, referente a um estudo enviado ao Ministério de Relações Exteriores do Reino Unido, que aponta que 80% dos perseguidos por religião no mundo são cristãos. Araújo, segundo a síntese publicada pela Folha Gospel, defende o uso do termo “cristofobia”, já que islamofobia é utilizado para definir a perseguição aos muçulmanos. “Isso precisa ter um nome, para que as pessoas se conscientizem disso”, destacou, de acordo com a edição da Folha Gospel.
Ernesto Araújo afirmou à CNN, segundo a matéria reproduzida, que o discurso do presidente nas Nações Unidas não se limitou à diplomacia, mas foi “relevante, inovador e corajoso”. “Falar de cristofobia pode incomodar algumas pessoas, mas vamos chamar atenção para isso”, disse o ministro na entrevista.
A síntese publicada pela Folha Gospel destaca que o ministro foi questionado por jornalistas da CNN sobre o discurso de Jair Bolsonaro não ter contemplado brasileiros de outras religiões, e ele esclareceu que o presidente não deixou de olhar para as outras religiões, pois defende a liberdade religiosa para todos. A matéria destacou, novamente, que Araújo ressaltou que, pelo fato do Brasil ser um país cristão, as autoridades se sentem responsáveis por chamar a atenção sobre a intolerância religiosa. “Não excluímos ninguém, mas queremos recuperar a identidade nacional, não queremos ser um país genérico”, afirmou o ministro à CNN.
O discurso do presidente Bolsonaro na ONU
Em seu discurso de abertura da 75° Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que durou pouco mais de quatorze minutos, o presidente Jair Bolsonaro destacou a covid-19 e o desemprego, como dois problemas a serem resolvidos e apontou a imprensa brasileira como agente disseminador de pânico entre a população. Falou sobre as medidas tomadas pelo governo federal no âmbito da pandemia, como o auxílio emergencial.
Bolsonaro falou ainda sobre a Amazônia e o Pantanal e a propagação de “desinformação” sobre os incêndios que devastaram os dois ecossistemas, que segundo o presidente, começaram na área em que índios e caboclos mantém plantações, sendo que estas áreas já se encontram desmatadas e comentou sobre o derramamento de óleo venezuelano em 2019 na costa brasileira.
Ao afirmar que “a liberdade é o bem maior da humanidade”, Bolsonaro faz uso do tema da liberdade religiosa e do combate à cristofobia e afirma que “o Brasil é um país cristão e conservador, e tem na família a sua base”.
Sobre o conteúdo do discurso do presidente Bolsonaro na ONU, o projeto Aos Fatos verificou 41 afirmações, tendo avaliado 12 delas como verdadeiras e 29 como desinformação, entre 11 falsas, 7 imprecisas, 6 insustentáveis, 4 contraditórias e uma exagerada. O tema da cristofobia não foi verificado.
A doutora em Ciências da Comunicação, pesquisadora sobre religião e política, jornalista e editora-geral do Coletivo Bereia Magali Cunha afirma que o discurso de Bolsonaro na ONU se revelou recheado de falácias, ou seja, informações falsas, estrategicamente utilizadas para passar a impressão de serem verdadeiras.
A apresentação do tema da “cristofobia” como uma das grandes questões a serem enfrentadas no mundo, representou, para Magali Cunha, um forte aceno aos apoiadores do presidente, tanto católicos quanto evangélicos brasileiros e não é dirigida como “apelo à comunidade internacional”, como faz parecer.
De acordo com a editora-geral do Coletivo Bereia, o termo “cristofobia” não se aplica ao Brasil, por conta dos cristãos serem ampla maioria religiosa e, não haver nesse contexto, perseguição à religião cristã, como ocorre em outros países. Casos de perseguição religiosa a este grupo no país são pontuais, reflexos da ignorância e do preconceito contra evangélicos e de situações, como atentados a símbolos e templos católico-romanos por extremistas evangélicos.
São as religiões de matriz africana que sofrem perseguição religiosa recorrente no Brasil, conforme apontam relatórios elaborados pelo governo federal, fruto de histórica demonização destas religiões por conta da hegemonia cristã exclusivista e do racismo estrutural, por serem expressões de fé da cultura negra. Segundo Magali Cunha, a estratégia discursiva adotada pelo presidente visa a ampliação de forças fundamentalistas anti-direitos de minorias sociais. Para isso, o governo brasileiro tem buscado assessoria de juristas fundamentalistas entre católicos e evangélicos. A atuação da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) com o ministro Ernesto Araújo em pautas internacionais, é um exemplo.
O professor da Universidade de Brasília (UNB) e coordenador do grupo de pesquisa sobre Filosofia da Religião na instituição, Agnaldo Cuoco Portugal, afirmou em entrevista ao Portal Congresso em Foco que o discurso de combate ao ódio contra cristãos não é necessariamente novo. “Já vi o Papa Francisco falando desta perseguição. O patriarca de Moscou também. Aí faz sentido a estas autoridades falar contra a perseguição de cristãos”, disse, referindo-se ao líder da Igreja Católica Apostólica Romana e a Cirilo I, líder da Igreja Ortodoxa Russa.
O discurso bolsonarista mostra que não se trata apenas da interferência da religião na política, mas também da interferência da política na religião. Qualquer uma das duas manobras, pondera Agnaldo, é perigosa. “O chefe de nação defender determinada religião incorre no perigo de aumentar sua legitimidade política. E é algo perigoso numa democracia por conta de sua laicidade- o Estado não pode tomar uma posição religiosa, em detrimento de uma ou outra expressão”, explicou.
O conceito de cristofobia
Em entrevista ao Coletivo Bereia, o teólogo e pastor batista Irenio Chaves analisou o uso do termo “cristofobia”.
Não existe cristofobia no Brasil. Esse termo foi usado para descrever a perseguição a cristãos em países dominados por outros fundamentalismos e regimes extremistas, muitas vezes com martírio, desterro e violência. Não é o nosso caso. Não resta a menor dúvida de que há uma herança histórica de preconceito a protestantes, que vem diminuindo e quase desaparecendo, que é aquele que diz que todo o crente é sem entendimento e de classes sociais inferiores.
Irenio Chaves
Ouvida por Bereia, a professora de Antropologia da Religião na Unicamp Brenda Carranza explica que o uso do termo “cristofobia” pode estar relacionado às falas do Deputado Marco Feliciano em reação à Parada Gay em São Paulo. “Utilizar pública e aleatoriamente o termo Cristofobia é pavimentar a ideia de que existe um ódio contra o cristianismo. Tal ódio, segundo os disseminadores do termo, é nutrido por minorias sociais, étnicas e demográficas (entre elas comunidades LGBTQ+, movimentos sociais, indígenas, negros, pobres e feministas) que ameaçam o moral e costumes cristãos e acalentam desejos de atacar os cristãos”, afirma a pesquisadora. Em 2015, o então Presidente da Câmara Eduardo Cunha tentou votar com urgência um projeto de lei sobre cristofobia. O PL se encontra na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e teve relatório favorável em 2019.
No entanto, o pastor Irênio Chaves interpreta que o aumento de antipatia a segmentos fundamentalistas do evangelicalismo brasileiro acontece devido a um alinhamento deles a uma mensagem política e social imbuída de discurso de ódio, obscurantismo e negacionismo.
“Infelizmente, esse discurso é assumido por lideranças que têm acesso a grandes somas de dinheiro, a uma grande quantidade de pessoas e ao uso de mídias e redes sociais. Infelizmente, essa realidade tem favorecido o fortalecimento da extrema direita, como sinônimo de ‘conservadorismo’, e a divisão nas comunidades, com perseguição e ataques aos que pensam diferente. Se podemos falar em alguma ‘cristofobia’ no Brasil, é o que parte de fundamentalistas contra esses cristãos que querem colocar em prática a mensagem de amor e acolhimento de Jesus no contexto atual.”
Irênio Chaves
O pesquisador e mestre em Ciência das Religiões, Nelson Lellis, ouvido por Bereia, explica que o conceito é impossível de ser aplicado no Brasil:
O conceito Cristofobia diz sobre intolerância religiosa aos cristãos, o que é impossível sua aplicação no Brasil. Cristãos católicos ainda são a maioria; os evangélicos, em crescimento constante, protagonizarão esse cenário em 2032. O atual governo possui vários atores cristãos no poder. O presidente se declara cristão e frequenta missas e cultos. Como o Brasil pode ser cristofóbico? O fato é que as religiões de matriz africana continuam em primeiro lugar como foco de intolerância religiosa. Os principais “perseguidores” são evangélicos. Além de demonizarem sua teologia, destroem terreiros e apedrejam membros desses segmentos. O uso do termo “cristofobia” faz parte de uma tarefa propagandista política conservadora do atual governo. Seu intento é garantir a pauta “Deus, pátria e família”, um mote já bastante conhecido e defendido por igrejas bolsonaristas.
Nelson Lellis
Em entrevista ao Portal O Povo o padre Rafhael Maciel, sacerdote eleito pelo Papa Francisco como Missionário da Misericórdia, disse que o termo cristofobia se refere à aversão ou ridicularização pública de uma pessoa, em razão de sua fé em Jesus Cristo. “A igreja é repleta de mártires, vários santos no passado foram perseguidos porque acreditavam em Cristo. Naqueles primeiros tempos, não chamávamos de cristofobia”, esclarece o padre, recordando que a perseguição contra os cristãos se tornava testemunho de fé.
O sacerdote reconhece que o termo também é empregado para mascarar discursos que negam o extremismo religioso por parte de cristãos. O padre Rafhael salienta que assim como existem preconceitos de raça ou sexual, existem preconceitos ligados à questão religiosa.
Também entrevistado pelo portal O Povo, Christian Dennys, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e estudioso sobre religião há 25 anos, afirma que o conceito de cristofobia tem sido utilizado por supremacistas de direita para afirmar que maiorias cristãs são vítimas “das esquerdas”. Segundo o pesquisador, o termo ganhou novo significado com a midiatização (via mídias sociais) e a judicialização (através de bancadas evangélicas).
“‘Cristofobia’ não existe: mas pode virar uma lei para incriminar, de forma hedionda, quem atente contra a pregação de um ‘neopentecostal’- ultimamente tornado sinônimo do verdadeiro evangélico cristão”, comenta o professor. No entendimento de Dennys, o discurso da cristofobia é instrumento de revanchismo usado por grupos de extrema direita.
Dentro das esferas evangélicas o termo cristofobia tem sido utilizado para se referir a perseguições sofridas por adeptos do cristianismo em diversos países, principalmente onde são minoria. Há inúmeros relatos de prisões, violência e assassinatos de cristãos na Ásia, em países do Oriente Médio e da África.
No Brasil o termo tem sido usado para se referir a episódios de preconceito e discriminação contra evangélicos, embora não exista no país um sistema estruturado de perseguição violenta contra esse segmento religioso.
Entrevistado pela BBC Brasil, Marco Cruz, secretário-geral da ONG Portas Abertas, disse que não dá para falar em “cristofobia” no Brasil. “Há casos isolados de preconceito, mas, no nosso contexto, não consideramos que exista no Brasil uma perseguição estruturada e sistemática contra cristãos, como em outros países. Nós podemos expressar nossa fé livremente, ninguém é expulso de algum local por ser cristão, nenhuma pessoa morre ou é presa no Brasil por ser cristã”, afirma.
Magno Paganelli, doutor em história social pela Universidade de São Paulo (USP), disse à BBC Brasil que embora as religiões afro-brasileiras sofram mais com a discriminação, acredita que de fato existe cristofobia no Brasil, “se você considera o rigor do conceito de islamofobia, lgbtfobia e afins”, afirma.
Liberdade religiosa e perseguição de cristãos ao redor do mundo
“Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.”
Além de instituições religiosas como Porta Abertas e Ajuda à Igreja que Sofre, que colocam atenção à perseguição de cristãos, há organizações, como Pew Research Center, órgão de pesquisa estadunidense, que olham a questão de forma ampla, para além do Cristianismo, e têm publicado levantamentos anuais a respeito das restrições à liberdade de qualquer crença ao redor do mundo.
O pesquisador Brian Grim expôs a metodologia do estudo do Pew Research Forum em um TEDx: mede-se tanto as restrições governamentais quanto as hostilidades sociais relacionadas à liberdade religiosa ou de crença. De forma geral, 52 países (26% do total) impunham grandes ou muito grandes restrições governamentais à crença em 2017. Já os países com grandes ou muito grandes hostilidades sociais relacionadas à religião somavam 56.
Ao separar por religião, o estudo aponta o Cristianismo como confissão mais alvo de restrições em 2017. São 143 países em que cristãos sofrem alguma forma de assédio (termo usado pela pesquisa). Logo atrás vêm o islamismo, com 140 países em que restrições são impostas a seus praticantes. A pesquisa nota que essas religiões são mais alvejadas porque também são os maiores grupos religiosos do mundo.
Cristãos sofrem restrições em todos os 20 países do Oriente Médio e Norte da África e em 75% dos países da região Asiática do Pacífico. Já muçulmanos têm algum tipo de restrição em 95% do Oriente Médio e Norte da África e 93% da Europa. Vale lembrar a explicação de Grim: esses dados levam em conta todo tipo de restrição (governamental ou social): desde a prefeitura de Moscou restringir a 4 o número de mesquitas em seu território até o Paquistão punir o crime de blasfêmia com prisão ou pena capital. Ainda que o estudo avalie a gravidade das restrições por país, não o faz por religião.
Por último, é importante notar que o tema da liberdade religiosa voltada para cristãos faz parte de uma das prioridades da política externa estadunidense sob Donald Trump, como um aceno político ao apoio que recebe desse segmento religioso . A Casa Branca já publicou uma Ordem Executiva tratando do tema em 2020 e o Departamento de Estado dos EUA deixa público relatórios sobre o assunto produzidos desde 2017. A menção de Bolsonaro à liberdade religiosa e à cristofobia faz parte de um alinhamento brasileiro à política externa norte-americana nessa questão, buscando acenar também a seus apoiadores cristãos. inserir esta referência
O cristianismo como elemento formador da identidade brasileira
Em seu discurso, Bolsonaro disse que o Brasil é um país cristão, ponto reafirmado por Ernesto Araújo. No entanto, esta afirmação é enganosa, pois, apesar da predominância numérica cristã, o Brasil é um país com ampla pluralidade de religiões, e não pode ser chamado de cristão.
A predominância cristã tem relação com a colonização por Portugal, uma nação que esteve no regime do Padroado. De acordo com Eduardo Navarro, livre-docente do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade de São Paulo, nesse regime, a Igreja Católica assistia o direito ou incumbia o dever aos reis de Espanha e Portugal de evangelizar as terras colonizadas. Além disso, os patronos também podiam nomear bispos e comandar missionários em seu território.
Durante o Império de Pedro I e Pedro II, o Brasil manteve o Catolicismo Romano a religião oficial do Estado, ainda que permitisse outras práticas (como a protestante muitas vezes trazida por imigrantes como alemães luteranos na região sul ou ingleses anglicanos), sem autorização de erguer-se templos. Foi apenas com a Proclamação da República em 1889 que o país tornou-se laico, o que não mudou o caráter hegemônico do catolicismo entre os brasileiros. Os símbolos tradicionais dessa vertente do cristianismo ainda se fazem presentes no espaço público, como os crucifixos em prédios da Justiça.
No entanto, o cristianismo não é o único elemento formador da identidade brasileira. A cultura indígena tem marcas profundas na religiosidade popular e a cultura africana dos que foram trazidos como escravizados durante séculos também se faz presente entre os brasileiros, seja na culinária, música e também na religião. Em 2010, 0,3% da população brasileira se declarava umbandista ou candomblecista. Além disso, 8% da população se diz sem religião, 2% segue o espiritismo e há uma pluralidade de religiões de diferentes origens presentes no país, conforme o Censo de 2010.
Nesse sentido, ainda que cristãos sejam a maioria, o Estado é laico e, portanto, não favorece nem persegue credos específico e deve garantir que todos tenham plena liberdade de crer e de não crer , conforme definem os Artigos 5º e 19 da Constituição Federal de 1988:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
VI – e inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
Art. 19 “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; II – recusar fé aos documentos públicos; III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”
Constituição Federal de 1988
O Coletivo Bereia classifica a matéria da Folha Gospel como imprecisa. O texto que reproduz matéria de outro veículo gospel, o Portal Guiame, faz uma edição de conteúdos da entrevista concedida pelo Ministro das Relações Exteriores do Brasil à CNN que atua como promoção da fala do político e, por sua vez, do tema da cristofobia, na linha de uma assessoria de imprensa, sem contextualização das diversas afirmações do político apresentadas de forma imprecisa. Além disso, a matéria da Folha Gospel ainda acusa veículos de imprensa de repercutirem negativamente o discurso de Jair Bolsonaro na ONU, sem informar quais foram estes veículos e o que disseram exatamente. Com isso, Folha Gospel (e o Portal Guia-me) produz desinformação e animosidade do público contra veículos de imprensa em geral, tendo transformado o tema, tratado pelo ministro de forma vaga, em título da matéria.
O presidente Jair Bolsonaro, no dia 22 de setembro de 2020, lançou no seu discurso de abertura do encontro anual da Organização das Nações Unidas (ONU), um termo que teve repercussão na imprensa nacional e internacional. Após fazer digressões sobre a situação econômica do país, a crise ambiental, as consequências da pandemia, relações internacionais, com foco na Venezuela, o Sr. Presidente pronuncia a seguinte frase: “faço um apelo a toda a comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia”. O discurso continua em direção ao Oriente Médio, prestando solidariedade ao Líbano, atingido recentemente por uma explosão portuária e acenando para parcerias com o Estado de Israel. O discurso é encerrado com uma frase que declara o Brasil, um Estado laico, como sendo: “um país cristão e conservador e [que] tem na família sua base. Deus abençoe todos”.
Essa frase aparentemente solta, pronunciada por um chefe de Estado numa congregação mundial das nações, não é leviana e não pode passar despercebida. Como não passou pela reverberação de seus efeitos que se encontra na imprensa, em geral, e nas redes sociais, em particular. Cabe uma ponderação reflexiva sobre o que é e pode vir a ser uma cristofobia no Brasil. Será feita de forma catequética, que via perguntas e respostas, ajuda a focar na argumentação.
Mas, o que é cristofobia?
É uma narrativa cristã construída a partir de um sentimento de perseguição, ameaça e/ou ataque. Usado sem essas situações reais de perseguição que pode ser seguida de morte, ameaça a direitos de expressão religiosa e de ataque físico e simbólico a templos, igrejas, pessoas. O termo pode ser utilizado como uma estratégia retórica que afirma supremacia de uma maioria cristã e justifica perseguição para aqueles que não são maiorias demográficas, simbólicas e políticas. Enquanto estratégia retórica e sem base real e fundamento o termo “cristofobia” se torna um preconceito com suas consequências discriminatórias.
O termo pode ser aplicado ao Brasil?
NÃO.
O Brasil é um país com maioria histórica, demográfica e simbolicamente cristã. É o Cristianismo sua matriz cultural, a orientação de seu código de costumes e o horizonte jurídico que impregna direitos fundamentais garantidos por lei na Constituição de 1988. Ainda que por diversos motivos, entre eles de cunho político, tanto no passado remoto quanto no recente, tenham-se registrado perseguições a pessoas que se confessam cristãs, atualmente isso não é um fato. Mesmo assim, no passado essa perseguição não era explicitada como sendo uma perseguição religiosa em massa, nem se colocava o sistema jurídico, policial e/ou militar para a perpetrar. Atualmente o Brasil não pode ser enquadrado entre os países como a Índia e no Oriente Médio, nos quais existe, em diferentes graus, essa perseguição por motivos religiosos. Contudo, dentro do Cistianismo e fora não tem sido referido como cristofobia e sim como perseguição aos cristãos, como o próprio Papa Francisco se referiu no seu discurso à ONU em ocasião do seu 75º aniversário, na mesma data do pronunciamento do Sr. Presidente Bolsonaro.
Por que, então, utilizar o termo no Brasil?
A resposta é muito interessante e deve ser colocada no contexto do uso retórico. Assim, cristofobia pode ser aproximadamente datado às intervenções públicas do deputado federal Marco Feliciano, na Câmara dos Deputados desde 2011, conhecidamente por suas atitudes homofóbicas, quem perante as passeatas gay em São Paulo, desde 2015, vem reagindo de forma acusatória, indicando que essas manifestações são expressões de aberrações morais e desvios de comportamentos. Utilizar pública e aleatoriamente o termo cristofobia é pavimentar a ideia de que existe um ódio contra o cristianismo. Tal ódio, segundo os disseminadores do termo, é nutrido por minorias sociais, étnicas e demográficas (entre elas comunidades LGBTQ+, movimentos sociais, indígenas, negros, pobres e feministas) que ameaçam o moral e costumes cristãos e acalentam desejos de atacar os cristãos.
Cristofobia pode ser um termo perigoso?
SIM.
Porque, de um lado, coloca na pauta religiosa, social e da mídia um fenômeno que não existe no Brasil nem na América Latina. De outro lado, porque como todo preconceito esconde as diferenças internas que há nos grupos que ele estigmatiza, justifica sua exclusão e reforça uma visão de serem ameaçadores para a ordem moral estabelecida por um tipo de interpretação cristã. Que dito seja, não é consenso no Cristianismo, nem católico nem evangélico, pois ambos segmentos são profundamente plurais. Mais ainda, e aqui entra o elemento perigoso: ele justifica ameaçar, atacar e criminalizar aqueles que são alvo de sua perseguição em nome de uma inversão criada por esses grupos que reverberam o termo. Dito de outra forma: cristofobia é um álibi para perseguir a quem se disse perseguido. Álibi que historicamente sempre foi nefasto para a sociedade e a religião, basta lembrar a Inquisição e ler a História.