Sites gospel repercutem que decisão judicial sobre programação em rádio e TV é perseguição religiosa

Circula por sites de notícias gospel a recente decisão da Justiça Federal do Rio de Janeiro sobre o tempo destinado à comercialização nas grades de programação das emissoras de rádio e televisão pertencentes aos grupos Band Rio e Record. 

A sentença trata ainda do tempo televisivo dedicado pelas emissoras e retransmissoras às igrejas. O caso tem sido classificado como censura e perseguição religiosa por algumas personalidades do meio em seus perfis nas mídias sociais.

Imagem: reprodução do Instagram

O que dizem as sentenças

A decisão da Justiça Federal foi proferida em duas ações civis públicas movidas pelo Ministério Público Federal (MPF), e está respaldada na Lei Geral de Radiodifusão, Decreto nº 88.067.

Segundo o Decreto, concessionárias e permissionárias de serviços de radiodifusão devem limitar a 25% o tempo destinado à publicidade comercial no horário da programação diária. Esta restrição inclui o espaço comercializado para entidades religiosas ou sem fins lucrativos.

Conforme apurado pelo MPF em inquérito, em 2019 a Band destinava até 25,98% de sua programação diária à veiculação remunerada de conteúdos produzidos por terceiros, enquanto a Record comercializa em média 28,19% de seu tempo televisivo semanalmente. 

No que diz respeito aos conteúdos religiosos, a retransmissora da Rede Bandeirantes no Rio tem 20,38% da grade ocupada por programas desta natureza, enquanto a Record, emissora da Igreja Universal do Reino de Deus, cede 20,83% de sua programação para programas idealizados por essa mesma Igreja. 

Sendo assim, ambas as emissoras foram condenadas a reduzir o período total comercializado em suas grades para os 25% previstos em lei, o equivalente a seis horas diárias, cabendo à União fiscalizar o cumprimento da decisão.

O descumprimento da Lei Geral de Radiodifusão pela Band Rio e pela Record foi apontado,  em 2019, pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro e o resultado do julgamento – datado de abril de 2021 – foi divulgado pelo MPF-RJ em 23 de maio passado.

Para a Juíza Federal Frana Mendes, responsável pelo caso da Band Rio, “ainda que os programas religiosos comercializados pela emissora de TV não se refiram a publicidade de marca, produto, ou ideia, há verdadeira comercialização de grade mediante contratos de caráter sinalagmático e de inegável intuito lucrativo, já que recebe a mesma contraprestação financeira pela cessão do tempo de sua programação” [p.06].

Já o Juiz Federal Alberto Nogueira Júnior, que decidiu sobre o caso da Record, afirmou que “todas as prestadoras de serviços de radiodifusão estão sujeitas ao mesmo limite de tempo máximo de 25% de comercialização, independentemente de qualquer ligação com entidades ou ideologias religiosas” [p.06].

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Bereia classifica o conteúdo que circula em sites gospel com este assunto como enganoso. Apesar de substancialmente verdadeiro, haja vista que realmente houve deliberação sobre o tempo comercializado na grade das emissoras Band e Record, tal decisão não diz respeito somente a programas religiosos, mas sim ao tempo total destinado a conteúdos pagos por terceiros, que está sendo desrespeitado. Portanto, não se trata de um caso de perseguição religiosa ou censura, como alegam algumas personalidades religiosas repercutidas nos sites gospel, mas, sim, do cumprimento da regulamentação dos meios de comunicação, prevista em lei.

Referências de checagem:

Planalto.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d52795compilado.htm Acesso em: 7 jun 2022 

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/D88067.htm#art1 Acesso em: 7 jun 2022

Jota.

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2022/05/sentenca-band.pdf Acesso em: 7 jun 2022

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2022/05/sentenca-record-compactado.pdf Acesso em: 7 jun 2022

UOL.

https://www.uol.com.br/splash/noticias/2022/05/24/justica-condena-band-rio-e-record.htm#:~:text=A%20R%C3%A1dio%20e%20Televis%C3%A3o%20Bandeirantes,religiosas%20ou%20sem%20fins%20lucrativos Acesso em: 7 jun 2022

Veja. https://veja.abril.com.br/coluna/veja-gente/justica-condena-duas-emissoras-por-tempo-televisivo-excessivo-para-igrejas/ Acesso em: 7 jun 2022

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Foto de capa: Pixabay

Eleições 2020: Bispo Marcelo Crivella recorre a conteúdos falsos em debate na TV

Em um dos debates promovidos pela Rede Bandeirantes de TV com candidato/as a Prefeituras de 14 cidades do Brasil, na noite de 1 de outubro, o atual prefeito do Rio de Janeiro Bispo Marcelo Crivella (Republicanos), da Igreja Universal do Reino de Deus, recorreu a conteúdos falsos para confrontar debatedora.

Crivella que tenta a reeleição fez uso de mentiras já na primeira pergunta direta que deveria fazer a outro/a candidato/a. Ele escolheu a deputada estadual do PSOL Renata Souza, para indagar o que ela faria, caso vença as eleições, a respeito da “ideologia de gênero nas escolas” e do combate às drogas entre alunos.

Renata Souza respondeu com uma crítica ao prefeito da cidade, acusando-o de negligenciar a pandemia. Na réplica, Crivella retomou a pergunta e acusou:

“Se o PSOL ganhar a eleição nossas crianças vão ter uma coisa que tinham que ter em casa, orientação sexual. Vai ter kit gay na escola e vão induzir à liberação das drogas. Esse é o perigo do PSOL e por isso ela não quer tocar no assunto”.

Na tréplica, Renata Souza retomou a crítica que tinha feito:

“Estou falando de gente que morreu e o senhor quer falar do que o professor quer ensinar na escola? O professor tem que ter debate pedagógico, tem que ter autonomia”.

Ideologia de gênero e kit gay: duas falsidades político-religiosas

O prefeito Marcelo Crivella, que encontra dificuldades para se reeleger no pleito de 2020 por conta denúncias de corrupção, conseguiu se blindar na Câmara de Vereadores contra dois pedidos de impeachment em um período de 15 dias (casos de propina à Prefeitura e “Guardiões do Crivella). Porém, na Justiça o candidato à reeleição tem encontrado mais obstáculos: em 24 de setembro, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) decidiu por unanimidade, por 7 votos a 0, declará-lo inelegível até 2026 por abuso de poder político e conduta vedada a agente público. A defesa de Crivella está recorrendo da decisão e, por isso, ele pode disputar o pleito. Caso seja eleito, precisará de uma liminar para derrubar a decisão do TRE.

Enquanto briga para permanecer candidato, Marcelo Crivella participa dos debates recorrendo a conteúdos que fizeram sucesso entre o público cristão, durante a campanha de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018.

Os dois temas, “ideologia de gênero” e “kit gay”, são objeto de estudos no Brasil e no exterior e de investigações sobre desinformação como estratégia para conquistar apoios políticos, com recurso a valores religiosos, para interferência de líderes e grupos em temas de interesse público.

A estratégia é embasada em terrorismo verbal, impondo o medo de que valores caros a pessoas religiosas, como a família, seriam destruídos. Da mesma forma, toca na questão da sexualidade, aspecto da vida humana tratado de forma frágil por grupos cristãos, frequentemente embasado em repressão e pouco em educação, conforme abordado no clássico estudo “Protestantismo e Repressão”, de Rubem Alves (Editora Ática, 1979). O recurso ao tema da educação e das crianças, como elementos que estariam em risco numa “guerra a inimigos da família”, é usado insistentemente neste tipo de desinformação sem que haja evidências do terror indicado.

O Coletivo Bereia já publicou matérias sobre estes dois temas abordados pelo candidato Marcelo Crivella, que podem ser acessadas aqui: O Presidente do Brasil e a falaciosa ideologia de gênero, “Kit Gay” continua sendo alvo de políticos de direita e Não há dúvida: a existência de um “kit gay” organizado por Fernando Haddad é falsa.

Sobre a acusação que relaciona o PSOL e seus partidários ao tráfico de drogas, agências de verificação de conteúdos já produziram checagens como: É falso que PT e PSOL entraram na justiça para reduzir escopo de atuação da PRF, Post falso sobre ‘relação’ de Marielle Franco com Marcinho VP continua a circular 2 anos após assassinato e É #FAKE que Freixo chamou traficante Elias Maluco, encontrado morto na prisão, de ‘grande amigo e ídolo’

Perguntada pelo Coletivo Bereia sobre o que significa Marcelo Crivella usar deste tipo de conteúdo mentiroso para atacar uma adversária, a antropóloga, pesquisadora em Política e Religião, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do ISER Profa. Christina Vital afirma que “Crivella não foi o único a tentar produzir medos nos cidadãos sobre seus adversários. No entanto, diferente dos outros, mobilizou pânicos morais. A sua única intervenção mais detida sobre o tema da educação foi na pergunta que fez à candidata Renata Souza, do PSOL. A um só tempo ele retoma uma pauta das eleições presidenciais de 2018 e outra muito forte na produção da Base Comum Curricular Nacional”.

A Profa. Christina Vital acrescenta que:

“o pertencimento religioso de vários candidatos e candidatas no debate emergiram de um modo menos caricato do que vimos em outras campanhas. Isso chama atenção no sentido de que foi naturalizada aquela identidade e as menções a Deus e à Bíblia não precisavam ser expostas de modo virulento”.

“Este ponto torna mais interessante o pleito: qual ou quais serão então as cartas na manga dos concorrentes à prefeitura? Se a religião não servir como apelo exclusivo de um ou outro, quais serão as estratégias narrativas mais utilizadas? Acompanhemos. Crivella ficou fora do tom ao trazer supostamente valores religiosos daquele modo antigo, como acusação. Foi démodé!”, avalia a antropóloga ouvida pelo Coletivo Bereia.

O cientista político da Fundação Joaquim Nabuco e pesquisador em Política e Religião Prof. Joanildo Buriti foi entrevistado sobre o tema pelo Coletivo Bereia e avalia:

Há muito me acostumei com a forma desabusada como muitos líderes evangélicos inventam consequências ou perigos de certas coisas sem qualquer preocupação com os fatos. Mas não faziam isso no espaço público. Reservaram aos sermões, palestras e aulas de escola bíblica. Não admira que, numa conjuntura que favorece o uso destemperado e aleivoso da linguagem, esse estilo se torne parte do debate público. Não começou com Crivella. Mas ele parecia ter mais compostura em outros tempos. Não há nenhuma evidência de que jamais tenha existido o tal kit gay, nem que a chegada de uma liderança de esquerda à prefeitura signifique que haverá indução à liberação de drogas. Esta nunca foi uma prática de gestores de esquerda até hoje no país. Por que seria agora? Parece que, confrontado com o que foram os pontos fracos de sua gestão, o atual prefeito sente-se em maior segurança recorrendo a um velho estilo de “denúncia do mal” que implica no ataque ad hominem e na transformação de mentiras em verdades.

Bereia classifica a afirmação do candidato Marcelo Crivella à reeleição para a Prefeitura do Rio de Janeiro como falsa. Para retomar a credibilidade com apoiadores religiosos, diante dos casos de corrupção relacionados à sua gestão, o bispo recorre a conteúdos falsos que foram eficazes na campanha eleitoral de 2018, para desqualificar adversários, buscando resultado semelhante.

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Foto de Capa: TV Bandeirantes/Reprodução

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Referências

Rede Bandeirantes Rio, Debate com Candidatos à Prefeitura, https://www.youtube.com/watch?v=dc8g6NmHruI. Acesso em 2 out 2020

Correio Braziliense, https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2020/09/4877815-destinos-cruzados-de-witzel-e-crivella.html. Acesso em 2 out 2020

Tribunal Regional Eleitoral, https://www.tre-rj.jus.br/site/gecoi_arquivos/noticias/arq_166319.jsp?id=166319 Acesso em 2 out 2020

Revista Piauí, https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2019/11/19/kiy-gay-coletanea/ Acesso em 2 out 2020