Site religioso repercute carta sobre suposta morte decorrente da vacina AstraZeneca

O site Pleno.News divulgou a seguinte matéria, em 19 de setembro: “Mãe que perdeu o filho após vacina escreve carta a Queiroga”. A mãe em questão é Arlene Ferrari Graf, e a carta que foi destinada ao Ministro da Saúde Marcelo Queiroga, chama atenção para os supostos perigos da vacinação contra a covid-19. Bruno Oscar Graf, 28 anos, faleceu no dia 24 de agosto deste ano, vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) decorrente de uma trombose. 

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Na carta, Arlene Graf acredita que a vacina da AstraZeneca, que combate a covid-19, é que pode ter causado o óbito do filho. Ele foi vacinado em 14 de agosto – dez dias antes da morte – no Centro de Vacinação do Parque Vila Germânica, Blumenau-SC. 

Arlene Ferrari publicou em sua conta no Twitter, em 14 de setembro, uma carta aberta endereçada ao Ministro da Saúde Marcelo Queiroga.  Arlene afirma que exames enviados à Espanha foram conclusivos ao afirmar que seu filho faleceu em decorrência da vacina AstraZeneca. O site Pleno News reproduziu o conteúdo publicado por Ferrari sem apuração do conteúdo. 

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Produção no Brasil e estudos científicos 

A vacina Oxford/AstraZeneca contra a covid-19  foi lançada no Brasil em 17 de janeiro de 2021, após aprovação de uso emergencial autorizado pela  da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A Agência concedeu o registro definitivo em 12 de março e é a vacina produzida no país pela Fundação Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro (Fiocruz). Entre os efeitos colaterais previstos e disponíveis para consulta no site da Fundação, estão dores de cabeça, enjoos (náuseas), dores nas articulações ou dores musculares. 

O imunizante não aumenta o risco de um distúrbio raro de coagulação sanguínea após a segunda dose, conforme mostra estudo publicado na revista científica Lancet

O estudo afirma que o distúrbio é raro e ocorreu em 2,3 por milhão em pessoas que receberam uma segunda dose da vacina, segundo a pesquisa, liderada e financiada pela própria AstraZeneca. O número é comparável ao que é encontrado em uma população não vacinada. O resultado do estudo foi amplamente divulgado nas mídias noticiosas como BBC, CNN Brasil, O Globo e Agência Brasil.e até pelo próprio Pleno.News, em matéria de 28 de julho de 2021. 

De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz,  um estudo de pesquisadores da Universidade de Oxford indica que o risco de ocorrer trombose venosa cerebral (CVT, no acrônimo em inglês) em pessoas contaminadas com Covid-19 é consideravelmente maior do que nas que receberam vacinas baseadas na tecnologia de RNA mensageiro (mRNA), como os imunizantes da Pfizer, Moderna e Oxford/AstraZeneca, produzida no Brasil pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). 

A Fiocruz – produziu um série de vídeos tirando dúvidas sobre a vacina contra covid-19 São perguntas e respostas a partir das principais questões recebidas nas redes. As dúvidas são respondidas pela pesquisadora da instituição Margareth Dalcolmo. 

Movimentos antivacina e teorias da conspiração

Movimentos organizados antivacina e grupos adeptos a teorias das conspiração têm se aproveitado de casos semelhantes para propagar a desinformação e gerar pânico. Sites sensacionalistas e “blogueiros” em busca de cliques e alcance embarcam em temas que possam gerar o maior engajamento possível. Desde o início da pandemia de covid-19, uma profusão de notícias falsas tomou conta das redes sociais digitais. 

Arlene Ferrari compartilhou diversas informações sem fontes ou sem qualquer embasamento científico, e suas publicações também foram reproduzidas milhares de vezes. Arlene participou de audiência pública na Câmara de vereadores de Goiânia  e lives em redes sociais digitais e o caso de Bruno Graf foi tema do  programas de debate 4 por 4, pró-governo federal brasileiro, comandado por Luís Ernesto Lacombe e participação de Guilherme Fiuza, Rodrigo Constantino e Ana Paula Henkel.

Reprodução do Twitter
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Uma das pautas da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 no Senado Federal é a investigação da negação da eficácia de vacinas presente entre autoridades federais, como o Presidente da República, que levou a políticas como o retardo na aquisição de imunizantes e compras em número insuficiente.  

Pleno.News, mídia digital religiosa que atua no apoio ao governo federal,  produziu a matéria sem recorrer a qualquer estudo científico, declaração de especialista da área ou nota oficial de órgãos de saúde que sustentem as afirmações de Arlene Graf. O site gospel apenas reproduziu a carta aberta e utilizou de título para induzir leitores/as a concluírem que a vacina Oxford/AstraZeneca foi a responsável pela morte do jovem Bruno Graf. O fato do mesmo veículo já ter publicado matéria sobre o estudo que desconstrói a versão  de mortes decorrentes da vacina reforça a intencionalidade em desinformar no tocante a este caso. 

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Bereia classifica a matéria do site Pleno. News como imprecisa. O site toma como verdade o conteúdo divulgado pela mãe do jovem falecido sem realizar a básica demanda de apurar dados para dar forma à notícia. Além disso, faz uso de título que leva leitores/as a crerem que mãe perdeu filho após ele ter tomado a vacina contra covid-19 e cria pânico em torno da vacinação, sem oferecer dados comprovados, o que pode gerar rejeição à imunização da população. A pesquisa empreendida pelo Bereia leva em conta a dor da mãe que perdeu o filho e busca explicações, mas não encontrou elementos científicos que comprovem que um indivíduo tenha morrido em decorrência da vacina. Bilhões de pessoas já receberam vacinas pelo mundo e os casos de covid-19 têm caído drasticamente, demonstrando a eficácia esperada.

Referências:

Fiocruz. https://agencia.fiocruz.br/anvisa-autoriza-uso-emergencial-da-vacina-da-fiocruz Acesso em: 26 set 2021.

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/saude/audio/2021-03/anvisa-aprova-registro-definitivo-da-vacina-de-oxford Acesso em: 26 set 2021.

Fiocruz. https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/bula-vacina-covid19_bio.pdf Acesso em: 26 set 2021.

YouTube. https://www.youtube.com/playlist?list=PLQ_83_lsoGE6c2nkBKSCJhGpha6FDaYTs Acesso em: 26 set 2021.

The Lancet. https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(21)01693-7/fulltext Acesso em: 23 set 2021. 

Fiocruz. https://portal.fiocruz.br/noticia/risco-de-trombose-por-covid-19-e-maior-do-que-por-vacinas Acesso em: 23 set 2021.  

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56671034 Acesso em: 22 set 2021.

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/saude/segunda-dose-da-astrazeneca-nao-aumenta-risco-de-coagulos-sanguineos-diz-estudo/ Acesso em: 22 set 2021.

O Globo. https://oglobo.globo.com/saude/segunda-dose-de-vacina-da-astrazeneca-nao-aumenta-risco-de-trombose-mostra-estudo-25129939  Acesso em: 22 set 2021.

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/saude/audio/2021-07/estudo-aponta-que-2a-dose-da-astrazeneca-nao-aumenta-risco-de-trombose Acesso em: 22 set 2021.

El Pais. https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-13/diretor-da-pfizer-escancara-atraso-letal-do-governo-bolsonaro-na-compra-de-vacinas.html Acesso em: 27 set 2021.

Pleno.News. https://pleno.news/saude/coronavirus/estudo-2a-dose-da-astrazeneca-nao-aumenta-risco-de-trombose.html Acesso em: 22 set 2021.

Programa 4 por 4. https://twitter.com/vejaocentro/status/1437404416752111623 Acesso em: 22 set 2021. 

Youtuber católico omite informações sobre vacina contra a covid-19 para propagar medo de efeitos

O youtuber paranaense, que se identifica como jornalista católico, Bernardo P. Kuster, fez uma postagem no Twitter, em 6 de abril de 2021, para reforçar conteúdos que circulam nas mídias sociais sobre a vacina contra a covid-19, da empresa AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford (denominada Covishield), causar trombose venosa. Ele afirma que a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) teria confirmado isto e tem legitimidade para ser acreditada.

Foto: Print do Twitter

Em janeiro passado despontaram na Europa conteúdos que relacionavam a vacina da AstraZeneca, que vem sendo utilizada no Brasil, a casos de trombose venosa. 

As mensagens ganharam  força com a publicação de um relatório pela EMA que confirma a possibilidade de “casos raros de trombose venosa” como efeito colateral da vacina AstraZeneca/Oxford. Um trecho de entrevista sobre o tema, pelo presidente do Comitê de Avaliação de Vacinas da EMA Marco Cavaleri, ao jornal italiano Il Messaggero, foi utilizado em matéria publicada pelo site Brasil sem Medo, no qual Bernardo Kuster é diretor de opinião (de acordo com biografia dele publicada no Twitter). 

A EMA, de fato, declarou no relatório que pode haver relação entre acidentes vasculares raros e a vacina AstraZeneca, mas mesmo assim recomendou a continuidade de aplicação do imunizante, o que foi omitido na matéria do site Brasil sem Medo, indicada por Bernardo Küster.

A vacina causa trombose?

De acordo com a Sociedade Brasileira de Trombose e Hemostasia (SBTH) a trombose (TVP) é definida pelo bloqueio da circulação sanguínea provocada por um coágulo de sangue. Que também pode ser chamado de trombo, do qual se origina o nome da doença. “A trombose pode ocorrer e veias ou em artérias. Quando esse trombo se desprende do local da trombose e percorre a circulação até atingir os pulmões ocorre o que chamamos de embolia pulmonar (TEP), quadro potencialmente grave”, descreve a SBTH.

De acordo com a EMA, o bloco europeu identificou 222 casos de trombose entre 35 milhões de vacinados até 4 de  abril. Isso representa a incidência de uma ocorrência em cada 175 mil imunizados. De acordo com o porta-voz da Sociedade Espanhola de Cirurgia Vascular Rodrigo Rial, um dos fatores de risco que pode afetar especialmente mulheres jovens é o uso de pílulas anticoncepcionais que aumento a possibilidade de trombose. Uma em cada mil mulheres que tomam a pílula podem desenvolver trombose, ainda que não sejam todas pílulas que geram esse risco

Diante dessa situação, ainda que com o aval da EMA pela continuidade do uso da vacina, alguns países decidiram interromper a aplicação (como a Dinamarca). Outros, como a Alemanha, optaram por restringir a aplicação do imunizante apenas às pessoas acima dos 60 anos, uma vez que os casos incidem em pessoas abaixo dessa idade. Na Europa, outros países já manifestaram a intenção de receber as doses não aplicadas pela Dinamarca.

Posição da Anvisa sobre os casos de trombose relacionadas a vacina

Diante dos primeiros relatos de trombose e embolia pulmonar na Europa, ainda em março de 2021, a Anvisa recomendou a continuidade do uso do imunizante por considerar que seus benefícios superam os riscos, na linha do que declarou a EMA. Naquele momento, a agência destacou que o lote que deu início às suspensões na Europa não era aplicado no Brasil.A agência brasileira pediu que os casos raros de coágulos sejam citados na bula do imunizante,. 

De acordo com o comunicado da Anvisa, foram registrados 47 casos suspeitos de eventos troembólicos com mais de 4 milhões de doses da vacina Oxford/Astrazeneca aplicadas no país. “Apesar disso, até o momento, não foi possível estabelecer causalidade, ou seja, a relação direta entre a vacina e os eventos tromboembólicos relatados. Até o presente momento, não foram identificados fatores de risco específicos para a ocorrência do evento adverso”, afirma.

Vacinação no Brasil 

A campanha de vacinação contra a covid-19 começou em 17 de janeiro de 2021, logo após a autorização emergencial do uso dos imunizantes CoronaVac (Sinovac e Instituto Butantan) e Covishield (Oxford/Astrazeneca, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz no Brasil). Essa última recebeu o registro definitivo em 12 de março. Apesar do Governo Federal ter adquirido doses de outras vacinas como as da Pfizer e da Janssen, a campanha brasileira dependia totalmente dos imunizantes Covishield e CoronaVac até o momento da publicação desta matéria. 

No entanto, a CoronaVac representa 80% das doses aplicadas no país até 29 de março. A partir de microdados do SUS, o cientista de dados e divulgador científico do grupo interdisciplinar Infovid Thomas Conti levantou que de todas as 18,4 milhões aplicadas até aquele dia, 14,7 milhões tinham vindo do Instituto Butantan.

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Bereia classifica como enganosa a postagem do youtuber católico Bernardo Küster que recorre ao discurso do medo na oposição à vacinação contra a covid-19. O youtuber faz uso de informação parcial sobre a posição da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), omitindo que a instituição, apesar de reconhecer o risco de trombose como efeito colateral,  ainda recomenda o imunizante. A não  informação de que agências reguladoras defendem a continuidade da aplicação da vacina AstraZeneca/Oxford porque os benefícios superam os riscos  torna conteúdos sobre o tema enganosos pois omitem pareceres fundamentais sobre a vacina Oxford/Astrazeneca.   

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Referências

European Medicines Agency, https://www.ema.europa.eu/en/news/astrazenecas-covid-19-vaccine-ema-finds-possible-link-very-rare-cases-unusual-blood-clots-low-blood. Acesso em: 20 de abril de 2021.

Il Messaggero, https://www.ilmessaggero.it/salute/focus/astrazeneca_vaccine_news_trombosi_italia_ema_effetti_collaterali_donne_eta_under_60-5879110.html. Acesso em: 9 de abril de 2021.

Sociedade Brasileira de Trombose e Hemostasia (SBTH), http://sbth.org.br/trombose-e-hemostasia/. Acesso em: 9 de abril de 2021.

El País Brasil, https://brasil.elpais.com/ciencia/2021-04-14/por-que-a-trombose-apos-as-vacinas-da-astrazeneca-e-janssen-afeta-mais-as-mulheres.html. Acesso em: 20 de abril de 2021.

O Globo, https://oglobo.globo.com/celina/como-lidar-com-risco-pequeno-mas-letal-de-desenvolver-trombose-por-causa-de-pilula-23624500. Acesso em: 20 de abril de 2021.

BBC Brasil, https://www.bbc.com/portuguese/geral-56814282. Acesso em: 20 de abril de 2021.

Agência Brasil, https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-03/anvisa-recomenda-continuidade-do-uso-da-vacina-covishield-da-oxford. Acesso em: 12 de abril de 2021.

Poder 360, https://www.poder360.com.br/coronavirus/anvisa-pede-que-bula-da-vacina-da-astrazeneca-cite-casos-raros-de-coagulo/. Acesso em: 12 de abril de 2021.

Anvisa, https://static.poder360.com.br/2021/04/comunicado-anvisa-alteracao-rotulo-astrazeneca-7-abr-2021.pdf. Acesso em: 12 de abril de 2021.

Agência Brasil, https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-01/anvisa-decide-autorizacao-emergencial-para-uso-de-vacinas. Acesso em: 12 de abril de 2021.

G1, https://g1.globo.com/bemestar/vacina/noticia/2021/03/12/anvisa-aprova-registro-definitivo-da-vacina-de-oxford-no-brasil.ghtml. Acesso em: 12 de abril de 2021.

Thomas Conti, https://twitter.com/ThomasVConti/status/1378012261558726658. Acesso em: 12 de abril de 2021.

Bolsonaro repete mentiras em pronunciamento com tom religioso

No dia que o Brasil atingiu um novo recorde de mortes diárias pela covid-19, com 3.158 óbitos, o Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez um pronunciamento em cadeia nacional a respeito da pandemia no país. Apesar de mudar o discurso em relação às declarações anteriores e passar a defender a vacinação, o chefe do executivo fez declarações imprecisas, enganosas e também falsas em suas declarações.

Mentiras sobre as ações do Governo Federal contra a covid-19

Após reconhecer que o país sofre com a circulação de uma nova variante do coronavírus, o Presidente Jair Bolsonaro afirmou o seguinte: “Desde o começo, eu disse que tínhamos dois grandes desafios: o vírus e o desemprego. E, em nenhum momento, o governo deixou de tomar medidas importantes tanto para combater o coronavírus como para combater o caos na economia, que poderia gerar desemprego e fome.”

Apesar de ter afirmado que o Brasil tinha que combater o vírus e o desemprego, o Governo Federal deixou, desde o início da pandemia, de tomar medidas para conter a propagação da doença no país. Em primeiro lugar, o Presidente, diversas vezes, minimizou a gravidade da doença. Em março de 2020, ele chegou a dizer que, devido a seu histórico de atleta, não teria nada além de uma “gripezinha”. Já no começo de março de 2021, com mais de 260 mil mortos no país, Bolsonaro criticou as políticas de distanciamento social e questionou: “Chega de frescura, de mimimi, vão ficar chorando até quando?” Temos que enfrentar os problemas”.

Outra reclamação de Bolsonaro era de que o Supremo Tribunal Federal (STF) o teria deixado de “mãos atadas” para agir contra a pandemia. Bereia já verificou como falsa essa afirmação, que já foi desmentida também pelo STF. Além disso, o auxílio emergencial adotado em 2020 foi aprovado depois de pressões  no Congresso que levou o Governo Federal a determinar o valor de R$ 600. Inicialmente, a equipe econômica pretendia distribuir um valor menor, de R$ 200.

Presidente engana a respeito do ritmo de vacinação no país

Em seguida, o Presidente afirmou que o Brasil é o quinto país que mais vacinou no mundo e completou: “Temos mais de 14 milhões de vacinados e mais de 32 milhões de doses de vacina distribuídas para todos os estados da Federação, graças às ações que tomamos logo no início da pandemia.” Mencionar que o Brasil é o quinto país que mais vacinou no mundo sem ponderar este dado com a proporção da população vacinada é uma forma enganosa de transmitir a informação. O site Our World in Data informa que o Brasil chegou ao quinto lugar absoluto, mas ocupa a 71ª posição de vacinação proporcional à população (6,64%), em 22 de março. O melhor exemplo de vacinação na America Latina até agora é do Chile

Bolsonaro também é impreciso ao falar do número de vacinados e doses distribuídas para os estados. De acordo com o próprio Ministério da Saúde, já foram distribuídas 29,9 milhões de doses da vacina contra a covid-19 e o número de pessoas imunizadas com a primeira dose chegam a 11,7 milhões, além de 3,6 milhões já receberam a segunda dose até 22 de março.

Verdades e omissões sobre a aquisição das vacinas

Em seguida, o presidente elencou os investimentos de seu governo para aquisição das vacinas: “Em julho de 2020, assinamos um acordo com a Universidade Oxford para a produção, na Fiocruz, de 100 milhões de doses da vacina AstraZeneca e liberamos, em agosto, 1 bilhão e 900 milhões de reais. Em setembro de 2020, assinamos outro acordo com o consórcio Covax Facility para a produção de 42 milhões de doses. O primeiro lote chegou no domingo passado e já foi distribuído para os estados. Em dezembro, liberamos mais 20 bilhões de reais, o que possibilitou a aquisição da CoronaVac, através do acordo com o Instituto Butantan. Sempre afirmei que adotaríamos qualquer vacina, desde que aprovada pela Anvisa. E assim foi feito.”

É verdadeiro que o Governo Federal assinou termos para produção de doses da vacina AstraZeneca/Oxford em julho de 2020. Também é verdade que em agosto o Governo editou Medida Provisória para liberação de R$ 1,9 bi a respeito da vacina. Em dezembro essa MP foi aprovada e virou lei. 

Quanto ao Covax Facility, é correto que o Governo Federal assinou acordo em setembro para ingresso no consórcio. O que o Presidente omitiu no seu discurso é que o Governo optou por adquirir vacinas para 10% da população em vez de 20%, o que corresponderia a 84 milhões de doses. Conforme o pronunciamento de Bolsonaro, o primeiro lote vindo do consórcio chegou ao Brasil no domingo  21 de março. 

A respeito da compra da CoronaVac (Sinovac/Instituto Butantan), a liberação de R$ 20 bilhões de fato veio em 17 dezembro de 2020. No entanto, a declaração a respeito da aprovação da Anvisa é falsa porque desconsidera a campanha contra a CoronaVac promovida pelo próprio Presidente.

Em 21 de outubro, em entrevista à Rádio Jovem Pan, no programa Os Pingos nos Is, Jair Bolsonaro negou que compraria o imunizante após pergunta do jornalista sobre o que seria feito caso a vacina fosse aprovada pela Anvisa. “A da China nós não compraremos, é decisão minha. Eu não acredito que ela transmita segurança suficiente para a população”, afirmou o Presidente.

O discurso mudou depois do Governador de São Paulo João Dória (PSDB) anunciar, em 7 de dezembro, que começaria a vacinação em 25 de janeiro de 2021. Em 13 de janeiro, o Presidente ironizou a eficácia do imunizante mas afirmou que compraria a CoronaVac. Dois dias depois, o Governo Federal solicitou as seis milhões de doses do imunizante. Porém, logo após a aprovação emergencial pela Anvisa, a vacinação começou em São Paulo

Por fim, ao afirmar que pediu antecipação das doses da vacina fabricada pela Pfizer, o Presidente também omitiu a recusa do Governo às propostas anteriores da farmacêutica feitas em setembro de 2020. Assim como no caso da CoronaVac, foram três recusas. Em uma das ofertas da Pfizer três milhões de doses poderiam ter sido entregues até fevereiro de 2021. O Governo Federal chegou a justificar a recusa pela “frustração” que um acordo causaria aos brasileiros. Em fevereiro de 2021, o imunizante teve aprovação definitiva pela Anvisa.

Exageros sobre cronograma de vacinação

Ao final do discurso, Bolsonaro afirmou: “Quero tranquilizar o povo brasileiro e afirmar que as vacinas estão garantidas. Ao final do ano, teremos alcançado mais de 500 milhões de doses para vacinar toda a população. Muito em breve, retomaremos nossa vida normal.”

Além da necessária aprovação pela Anvisa sem a qual os imunizantes não são aplicados, o cronograma de entregas de doses tem sido constantemente redimensionado. O Ministério da Saúde confirma que garantiu 562 milhões de imunizantes para 2021. No entanto, no último dia 23 de março a previsão de vacinas entregues em abril caiu de 57,1 milhões para 47,3 milhões. A pasta justifica que as mudanças são feitas de acordo com a produção dos fabricantes.

Declaração de solidariedade às famílias enlutadas

Alterando a postura zombeteira com a doença, com pessoas doentes e com mortos, o pronunciamento de Bolsonaro teve manifestação de condolências àqueles que perderam familiares por conta da pandemia. Logo no início, reconheceu que a nova variante da covid-19 tem tirado a vida de muitos brasileiros. Na parte do final do discurso, o Presidente afirmou em tom religioso: “Solidarizo-me com todos aqueles que tiveram perdas em suas famílias. Que Deus conforte seus corações!”

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Bereia conclui que o discurso do Presidente Jair Bolsonaro no dia 23 de março foi enganoso. Ele enganou sobre dados referentes à vacinação e omitiu pontos importantes do processo de compra de vacina a fim de transmitir a mensagem de que a situação brasileira quanto às vacinas é melhor do que de fato está. Por fim, ele mente quanto à sua postura na condução da pandemia e exagera a respeito do cronograma de vacinação, que tem sofrido reduções.

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Foto de Capa: Youtube/Reprodução

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Referências

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Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/site-gospel-desinforma-ao-noticiar-que-cidades-ignoram-decreto-presidencial-sobre-abertura-de-igrejas/. Acesso em: 24 de março de 2021.

Correio, https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/stf-desmente-que-impediu-governo-federal-de-atuar-na-pandemia/. Acesso em: 24 de março de 2021.

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G1, https://g1.globo.com/bemestar/vacina/noticia/2021/02/23/anvisa-concede-registro-definitivo-a-vacina-da-pfizer.ghtml. Acesso em: 24 de março de 2021.

Correio Braziliense, https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/03/4910627-ministerio-da-saude-divulga-cronograma-com-nova-reducao-de-vacinas-para-marco.html. Acesso em: 24 de março de 2021.

Governo Federal, https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/ministerio-da-saude-fecha-acordo-com-pfizer-e-janssen-para-mais-138-milhoes-de-doses-de-vacinas-covid-19. Acesso em: 24 de março de 2021.

CNN Brasil, https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2021/03/23/ministerio-da-saude-preve-10-milhoes-de-doses-de-vacinas-a-menos-em-abril. Acesso em: 24 de março de 2021.

Vacina contra Covid-19 não usa células de bebês abortados como afirma site gospel

No dia 16 de novembro, o portal evangélico de notícias Gospel Prime publicou a matéria “Vacina com células de bebês abortados levam crise ética aos cristãos”. Apesar do título sugerir que vacinas são produzidas com células retiradas diretamente de bebês abortados, o texto logo explica que a crise ética diz respeito ao uso de linhagem de células derivadas de fetos abortados.

Para tratar desse tema, a matéria faz referência ao Instituto Charlotte Lozier. A instituição foi fundada em 2011, na Virgínia (EUA), e nomeada em homenagem à Dra. Charlotte Denman Lozier (1844-1870), destacada por sua luta pelos direitos das mulheres e por sua dedicação à medicina. “O Instituto reúne médicos, sociólogos, estatísticos e pesquisadores, para desenvolverem estudos sobre questões relacionadas à vida. Desta forma, o Instituto se empenha em trazer a ciência para a formulação de políticas e para a promoção do debate com o objetivo de promover a cultura e a política da vida”, diz o site institucional.

As linhagens de células utilizadas por vacinas que o CLI (sigla do Instituto Charlotte Lozier, em inglês) vê como antiéticas são duas. A HEK-293 originou-se de tecido renal colhido de um feto abortado legalmente na Holanda, em 1973, como informa o portal UOL. Já a linhagem PER.C6 advém de material da retina de um feto também legalmente abortado em 1985, utilizado por um laboratório da Johnson & Johnson. De acordo com a revista de divulgação científica Science, a vacina contra a covid-19, desenvolvida pela Universidade de Oxford, em parceria com a farmacêutica Astrazeneca, utiliza as células HEK-293 e a Janssen, uma subsidiária da Johnson, faz uso da PER.C6. Ambas fazem parte da iniciativa Warp Speed, do Governo Federal Americano, para produção de vacinas contra a covid-19.

O uso de células derivadas de fetos abortados não provoca novos abortos

A matéria do Gospel Prime direciona um link para uma lista do CLI que indica quais materiais são utilizados tanto no desenvolvimento quanto na produção de vacinas. No entanto, o CLI deixa mais claras suas considerações sobre o uso das linhagens derivadas de fetos abortados em outra publicação.

“O uso de células de fetos abortados eletivamente para a produção de vacinas torna esses cinco programas de vacina COVID-19 [citados na nota] potencialmente controversos e poderia reduzir a disposição de alguns de usar a vacina”. 

CLI

Em defesa de alternativas que façam esse uso de células humanas, a nota escrita pelos doutores James Sherley e David Prentice conclui:

“A adesão aos mais elevados padrões éticos da ciência e da medicina serve a toda a humanidade, porque valoriza a dignidade de cada vida humana e respeita a consciência de todos, sem exploração de nenhum grupo.”

James Sherley e David Prentice

Linhagens celulares desenvolvidas a partir de tecidos humanos são comuns em pesquisas científicas. A HEK-293 é a mais comum, mas a PER. C6 (também de origem fetal) e a HeLa (feita com tecido retirado de mulher adulta) são exemplos de outras linhagens usadas. As culturas servem para que os cientistas compreendam como determinada substância age nas células humanas sem a necessidade de colocar em risco vidas de pacientes.  

No caso das vacinas, as células da linhagem servem como “pequenas fábricas” para que os vírus atenuados possam se multiplicar e não fazem parte da composição do produto final. Em entrevista ao Projeto Comprova, a imunologista, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia Cristina Bonorino esclareceu que “as células (embrionárias) não entram na composição da vacina. Apenas a proteína produzida por elas, ou o vírus replicado nelas, que sai da célula e fica no meio de cultura, é coletado e purificado para a formulação vacinal”. Já que não é mais necessário tecido fetal para que as células se multipliquem, o uso de cultura HEK-293 não provoca novos abortos.

O debate ético entre instituições cristãs

Como o próprio texto do Gospel Prime cita, o tema suscita um debate ético entre cristãos. Ouvido pela revista Science, o pesquisador do CLI David Prentice considera que outras tecnologias alternativas ao uso de HEK-293 estão disponíveis. Por outro lado, a Vatican’s Academy for Life (Academia do Vaticano pela Vida) encoraja a aplicação de vacinas alternativas. A matéria do portal católico Crux Now informa que, em 2005, o Vaticano orientou católicos a pedirem a seus médicos a não utilização de vacinas produzidas com linhagens derivadas de células de fetos abortados, bem como pedirem o desenvolvimento de métodos alternativos às empresas farmacêuticas. 

No entanto, a Igreja Católica afirmou que é moralmente lícito tomar as vacinas para evitar o risco às crianças e à população como um todo. Conforme informa a reportagem do Crux Now, uma atualização da declaração foi feita em 2017, na qual afirma o seguinte: “As características técnicas de produção das vacinas mais comumente utilizadas na infância nos levam a excluir que exista uma cooperação moralmente relevante entre quem usa essas vacinas hoje e a prática do aborto voluntário.” O mesmo documento considera também como obrigação moral garantir uma cobertura vacinal necessária para proteção de outras pessoas. 

Em entrevista à Agência Católica de Informações (ACI), o professor de Biodireito na Universidade Católica Argentina (UCA) Jorge Nicolás Lafferriere dá quatro condições para que um católico possa tomar “vacina de origem remota ilícita” [termo usado pelo site católico]: não haver “alternativa eticamente aceitável”; haver “perigo proporcional e urgente”; expressão de desacordo com a vacina de ‘origem ilícita’; cobrança que o sistema de saúde coloque à disposição outros tipos de vacina.

Apesar de Gospel Prime publicar uma manchete enganosa, a matéria também mostra a posição de cristãos que aceitam o uso de linhagens derivadas de fetos abortados em algum processo de desenvolvimento da vacina. É o caso do médico Craig Delisi em entrevista ao canal americano Christian Broadcasting Network. Ele explica a controvérsia e oferece uma analogia também citada no Gospel Prime: “Se alguém foi assassinado e era doador de órgãos, como cristãos, não devemos hesitar em tomar o coração dessa pessoa para o vovô, ou a córnea ou o rim dessa pessoa. Só porque houve um ato mau que precedeu algo e algo bom veio disso”.

Além disso, de acordo com a revista Science, o governo Trump restringiu o uso de tecidos de fetos de abortos eletivos em pesquisa biomédica. No entanto, a medida de 2019 não impediu a utilização de linhagens de células proveniente de fetos abortados, como a HEK-293 e a PER.C6. 

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Com a verificação dos dados apresentados por Gospel Prime, Bereia conclui que a matéria é enganosa. O site utiliza o tema do aborto, caro aos cristãos, para confundir os leitores e leitoras em prol de aumentar resistências às vacinas. Cabe ressaltar que o título da matéria contradiz seu conteúdo ao mencionar “célula de bebês abortados” porque, na verdade, o debate bioético está centrado no uso de linhagens de células derivadas ao aborto – discussão mencionada na reportagem. Levando-se em conta que muitos leitores/as leem apenas títulos para tirar conclusões sobre conteúdos, esse tipo de desinformação contribui para a confusão sobre as vacinas, um tema essencial para o enfrentamento do novo coronavírus no Brasil.

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Foto de Capa: Pixabay/Reprodução

Referências:

Instituto Charlotte Lozier: https://lozierinstitute.org/about/. Acesso em: 20 nov. 2020.

Portal UOL: https://noticias.uol.com.br/comprova/ultimas-noticias/2020/07/24/tuite-engana-ao-afirmar-que-vacinas-usam-celulas-de-fetos-abortados.htm. Acesso em: 21 nov. 2020.

Revista Science, https://www.sciencemag.org/news/2020/06/abortion-opponents-protest-covid-19-vaccines-use-fetal-cells. Acesso em: 20 nov. 2020.

Instituto Charlotte Lozier: https://lozierinstitute.org/update-covid-19-vaccine-candidates-and-abortion-derived-cell-lines/. Acesso em: 20 nov. 2020.

Instituto Charlotte Lozier: https://lozierinstitute.org/an-ethics-assessment-of-covid-19-vaccine-programs/. Acesso em: 20 nov. 2020.

Projeto Comprova: https://projetocomprova.com.br/publica%C3%A7%C3%B5es/tuite-engana-ao-afirmar-que-vacinas-usam-celulas-de-fetos-abortados/. Acesso em: 21 nov. 2020.

Crux Now: https://cruxnow.com/vatican/2019/03/vaticans-academy-for-life-encourages-parents-to-vaccinate-children/. Acesso em: 20 nov. 2020.

Academy for Life, http://www.academyforlife.va/content/pav/en/the-academy/activity-academy/note-vaccini.pdf. Acesso em: 21 nov. 2020.

Agência Católica de Informações: http://www.acidigital.com/noticias/vacina-para-o-coronavirus-especialista-explica-os-limites-eticos-indicados-pela-igreja-29252. Acesso em: 20 nov. 2020.

Christian Broadcasting Network: https://www1.cbn.com/cbnnews/health/2020/november/should-christians-take-a-vaccine-that-was-developed-using-cells-from-aborted-babies. Acesso em: 21 nov. 2020.