Eu gostaria de ter escrito este texto com uma defesa do termo fake news. Os argumentos estavam desenhados na minha cabeça, com as bases conceituais e teóricas para embasar, antes de me dar conta de que seria desnecessário. A realidade segue em frente para mostrar que aqueles que brigam com ela, mais cedo ou mais tarde, são relegados para escanteio da produção intelectual e prática.
Não desmereço os argumentos contra o uso do termo. São, muitas vezes, bem embasados – na teoria e na experiência concreta. O mais recente que ouvi veio de um professor que falou que fake news seriam uma banalização do processo, e que deveríamos chamá-las pelo que “realmente são: mentiras”. Este mesmo argumento já ouvi de cientistas políticos – mais em conversas do que no seio de artigos ou dissertações. “Se é fake, não pode ser news” é o mais comum.
Este último parte de um pressuposto que soa mais como um elogio à profissão do que uma observação empírica da realidade: a de que a verdade factual é inerente ao formato “news”, ou “notícia”. O que faz sentido para deslegitimar o termo “fake news”. Seria uma contradição. Porém, o termo segue sendo empregado, não apenas por políticos que querem desvalidar seus oponentes ou a imprensa (que não é, idealmente, aliada ou oponente de nenhum deles), mas também por consumidores de informações e notícias cotidianamente.
Em meu experimento, que pode ser lido na íntegra aqui, coloquei diversos indivíduos em espaços assíncronos (grupos virtuais semiprivados) e pedi que compartilhassem comigo as fake news que recebessem. Pretendia entender o que tomavam por fake news, para além dos limites acadêmicos. O que encontrei foi toda uma variedade de produtos informacionais, de peças de comunicação, que mostram como essa visão elitista de “não vamos chamar de fake news” é mais uma demagogia acadêmica do que um olhar para a concretude.
Piadas envolvendo variantes linguísticas, listas de frutas boas para enfermidades, memes, argumentos históricos, críticas a personalidades, toda uma gama de conteúdos foi chamada de “fake news” por quem não mergulha nas reflexões teóricas do assunto. É assim que o termo é lido no cotidiano por quem consome esse mesmo conteúdo. E é por isso que querer abolir o termo “fake news” é mais um desserviço acadêmico baseado no ego do que um primar pela qualidade do debate.
Quando tentamos abolir as adoções e empregos de um termo, estamos nos cegando para toda a discursividade e todos os sentidos que aquele termo assume no contexto social dado. É uma imposição de cima para baixo, que não apenas não vai ter efeito algum, como vai aumentar o abismo entre a ciência e o cotidiano, entre o falar dos acadêmicos e as conversações que constroem os hábitos. E cega, claro, os cientistas para as mil maneiras como o termo e suas acepções serão tratados na concretude das relações humanas.
A expressão está aí, é empregada e assim como quem quis abolir a palavra “shopping” quando do começo de sua adoção, está fadado a ser enxergado como uma nota de rodapé curiosa, alguém que tentou parar a inevitável roda do tempo. Nós lembramos, comentamos, mas no fim das contas, ele não vingou – uma pena, tinha um ponto, mas não viu o todo.
O que podemos observar pela adoção do termo “fake news” é que o “news” deixa de estar associado, no entendimento popular, a uma ética na e para a informação, e passa a ser visto como um formato, replicado, em que a adoção ou não de uma ética para com a verdade determinará o emprego desse agora sufixo “fake”. São as formas de atribuir essa ética, às formas de discutir os formatos inerentes às “news”, os contextos de acusação de “isso são fake news” que deveriam interessar nossa visão sobre o assunto.
A adoção usada por Lucia Santaella e Eugênio Bucci tem sido uma das melhores que vejo até o momento – não se negam nem se demoram na discussão sobre a adoção do termo “fake news”, mas procuram observar os contextos em que o termo é empregado para, a partir deles, traçar uma teoria. Desinformação, pós-verdade, e as discussões que os envolvem são essenciais – esses são termos que se desenvolvem nas pesquisas levando em consideração que “fake news” é usado e circula de dentro para fora da academia sem imposição. Também são construídos na dialética.
Enfim, acredito ter expressado os incômodos que tenho com a relutância da adoção de fake news (sem itálico, sem aspas, um produto comunicacional em si) como termo. Agora, no campo da crença, realmente não vejo necessidade de grandes esforços para vencer essa discussão. Basta me recostar e assistir o termo gradativamente tomar as produções científicas e leigas, agregar-se aos dicionários e receber cada vez melhores abordagens – cada vez mais desprovidas de ego que recusam a enxergar a falta de crédito em que as instituições caíram a ponto de “news” poder, sim, comportar o adjetivo “fake”.