O relator do pedido de cassação da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), o deputado católico Diego Garcia (Republicanos-PR), um dos líderes da Frente Parlamentar Católica Romana, apresentou neste 2 de dezembro, parecer que absolve a parlamentar e mantém o seu mandato na Câmara Federal.
Zambelli está presa na Itália desde julho passado, depois de fugir do Brasil após ser julgada e condenada por crimes de acesso ilegal e falsificação de dados contra o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Na sessão de apresentação do relatório, Diego Garcia leu as 140 páginas do parecer em que, contrariamente ao inquérito judicial, ao parecer da Procuradoria Geral da República e ao julgamento pelo STF, afirma que não há provas contra a parlamentar. O deputado católico também alegou que o ministro do STF Alexandre de Moraes realiza perseguição política contra Zambelli. “O ministro que julgou o caso foi também vítima dos ataques”, reproduz no documento o deputado.
Argumento já derrubado pela justiça
O discurso que acusa o ministro Moraes de perseguição é conteúdo antigo, utilizado em várias manifestações públicas de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), quando era questionado por atuações irregulares na Presidência e espalhado nas mídias sociais.
O argumento de ter sido o ministro juiz e vítima também foi usado durante os trabalhos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou os ataques aos prédios dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, como defesa dos agentes da tentativa de golpe de Estado.
O tema também foi judicializado e apresentado ao STF como Ação de Impedimento, impetrada pelos advogados de Jair Bolsonaro, que pedia que Alexandre de Moraes fosse retirado da ação contra a tentativa de golpe de Estado. O pedido foi julgado improcedente, em período bem recente, no final de 2024, com relatoria do então ministro Roberto Barroso. Os advogados alegavam que o ministro Moraes, ao acolher as medidas cautelares requeridas pela Polícia Federal na Petição 12100, teria reconhecido sua condição de vítima dos episódios sob investigação, que envolviam, entre os planos, o de matar o ministro.
O deputado Diego Garcia, portanto, baseia seu relatório em um argumento derrubado na mais alta corte do país. Por maioria, o Plenário confirmou a decisão do ministro Luís Roberto Barroso (presidente) na Arguição de Impedimento (Aimp) 165 que havia rejeitado o pedido para retirar o ministro da relatoria. Em seu voto, Barroso afirmou que a simples alegação de que o ministro Alexandre de Moraes seria vítima dos delitos em apuração não representa seu automático impedimento para a relatoria da causa, pois os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de tentativa de golpe de estado têm como sujeito passivo toda a coletividade, e não uma vítima individualizada. “Se fosse acolhida a tese da defesa, todos os órgãos do Poder Judiciário estariam impedidos de apurar esse tipo de criminalidade contra o Estado Democrático de Direito e contra as instituições públicas”, afirmou.
O ministro Barroso destacou que, anteriormente, o STF já havia rejeitado questões preliminares que buscavam afastar o ministro Alexandre de Moraes de processos que apuram os atos antidemocráticos do 8 de janeiro. Além disso, os fatos narrados pela defesa de Bolsonaro não caracterizam, minimamente, as situações legais que comprometeriam a imparcialidade do julgador, já que não demonstram de forma clara, objetiva e específica a situação de parcialidade.
Em sua manifestação, a Procuradoria-Geral da República (PGR) afirmou que não foram apresentados elementos que comprovem as alegações do ex-presidente. O único voto vencido foi o do ministro André Mendonça. Ele considerou que, embora os crimes investigados afetem toda sociedade, o ministro Alexandre de Moraes sofreria, direta e imediatamente, consequências graves e tangíveis (como prisão ou até mesmo morte) se o plano fosse bem sucedido. Isso, a seu ver, o tornaria “diretamente interessado”, configurando um dos requisitos para o impedimento.
Fonte desqualificada
Ao absolver Carla Zambelli de cassação, o relator deputado Diego Garcia alegou que as provas apresentadas no julgamento eram insuficientes e se baseou nas declarações em mídias sociais e para a imprensa de um ex-assessor de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral Eduardo Tagliaferro. O homem disse que Zambelli era alvo preferencial da investigação no STF, o que reforçaria a alegação de perseguição.
O deputado católico, em seu relatório, desqualifica as provas que embasaram o julgamento da deputada Zambelli e recorre às declarações públicas de um homem que se tornou réu na Justiça.

Formado em Engenharia Civil e Direito, com mestrado em Inteligência Artificial, Eduardo Tagliaferro foi nomeado por Alexandre de Moraes, em agosto de 2022, para chefiar a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quando o ministro presidiu esta corte. O órgão é responsável por monitorar conteúdos digitais e apoiar investigações sobre desinformação.
Tagliaferro passou a integrar o “núcleo de inteligência” do TSE criado por Moraes, com o objetivo de mapear redes de desinformação e garantir segurança durante o período eleitoral — inclusive em colaboração com polícias estaduais. Em maio de 2023, ele foi exonerado após ser preso sob acusação de violência doméstica e disparo de arma de fogo. Em abril de 2025, a Polícia Federal (PF) indiciou o ex-assessor por suposto vazamento de mensagens e dados sigilosos dos gabinetes de Moraes, acusações que apontam violação de sigilo funcional, com o objetivo de prejudicar investigações em torno de desinformação. Em 13 de novembro de 2025, o STF decidiu, por unanimidade, receber a denúncia e tornar Tagliaferro réu. Ele agora responde a três acusações: violação de sigilo funcional, coação no curso do processo e obstrução de investigação penal.
Por que a Mesa Diretora da Câmara pediu a cassação de Zambelli?
Carla Zambelli está presa na Itália desde julho passado, porque fugiu do Brasil logo após ser condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ter participado da invasão dos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), crime que envolveu acesso ilegal e inserção de dados falsos. Ela recebeu a pena de dez anos de prisão, esgotados os recursos judiciais. Porém ela fugiu do país e a prisão preventiva dela foi pedida pelo STF. Depois de passar pelos Estados Unidos, Zambelli foi localizada e detida em Roma, com base em mandado internacional.
A Justiça italiana decidiu mantê-la presa enquanto avalia um pedido de extradição enviado pelas autoridades brasileiras, justificado como “grave risco de fuga” caso seja colocada em liberdade. Já há um parecer favorável. Além da condenação por invasão ao sistema do CNJ, a deputada do PL responde por outro processo no STF relativo a porte ilegal de arma e constrangimento ilegal, referente à perseguição pública de um homem que a questionou na véspera das eleições de 2022. Este caso também reforça a justificativa da prisão.
O processo de cassação do mandato da deputada do PL começou oficialmente logo após a condenação definitiva STF, em junho de 2025, que, além da prisão, indicou a perda do mandato. A cassação, segundo a Constituição Nacional, deve ser encaminhada pela Câmara Federal. Após receber a comunicação do STF,a Mesa Diretora da Câmara apresentou uma representação à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados (CCJ) que notificou a parlamentar e deu início à tramitação do processo.
O relatório foi apresentado por Diego Garcia cinco meses depois e deverá ser votado. Quando a tramitação na CCJ terminar, o caso segue para o plenário da Câmara. São necessários 257 votos (de um total de 513 parlamentares) para ocorrer a perda de mandado determinada pela Justiça.
Reações negativas
Há, nas mídias sociais, muitas reações negativas do público ao relatório de Diego Garcia, já que este caso se soma ao de Eduardo Bolsonaro e de Alexandre Ramagem, também do PL, foragidos do Brasil, que permanecem como deputados, assim como Carla Zambelli, com todos os custos e situações implicados.

O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ) afirmou no plenário da CCJ que estão querendo criar uma “bancada dos deputados foragidos”. Ele alegou que a Mesa Diretora da Câmara devia ter afastado os já condenados em julgamentos Carla Zambelli e Alexandre Ramagem e tornado réu Eduardo Bolsonaro. Para Farias, a Câmara toma “caminho da desmoralização” por conta de “corporativismo”. O deputado afirma que recorrerá à Justiça que já apresentou à Câmara uma decisão jurídica sobre o caso Zambelli e esta deve ser cumprida e não interpretada pelos deputados.
Referências:
Câmara https://www.camara.leg.br/noticias/1229017-relator-recomenda-manutencao-do-mandato-de-carla-zambelli-decisao-e-adiada/ Acesso 04 dez 2025
STF
https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-rejeita-impedimento-do-ministro-alexandre-de-moraes-em-investigacoes-contra-ex-presidente-jair-bolsonaro/ Acesso 04 dez 2025
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6846719 Acesso 04 dez 2025
UOL
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2024/08/14/quem-e-eduardo-tagliaferro-chefe-da-area-do-tse-contra-fake-news-que-agiu-a-mando-de-moraes.htm Acesso 04 dez 2025
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2025/04/02/pf-indicia-ex-assessor-de-moraes-por-vazar-dados-para-imprensa.htm?uol_app=placaruol%3Ft%3Ft%3Ft%3Ft Acesso 04 dez 2025
Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2025/07/7213534-carla-zambelli-e-presa-na-italia-apos-inclusao-na-lista-vermelha-da-interpol.html Acesso 04 dez 2025
Portal da AGU
https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/ministerio-publico-da-italia-da-parecer-favoravel-a-extradicao-de-carla-zambelli Acesso 04 dez 2025
O Globohttps://oglobo.globo.com/blogs/malu-gaspar/post/2025/12/fora-do-pais-eduardo-bolsonaro-e-ramagem-incluiram-r-80-milhoes-em-emendas-no-orcamento-de-2026.ghtml Acesso 04 dez 2025



