Carla Zambelli: Entre desinformação e polêmicas, a prisão de uma deputada católica conservadora

A trajetória política da deputada Carla Zambelli (PL-SP) é marcada pela ascensão no ativismo da extrema direita e os constantes embates judiciais e mentiras articuladas. Conhecida por sua atuação polarizadora e por ser uma propagadora de desinformação, suas publicações foram checadas inúmeras vezes pelo Bereia (só no ano passado foram mais de cinco checagens). 

Esta matéria oferece um perfil aprofundado da deputada que se declara católica, buscando entender as nuances de sua trajetória e atuação. Além do episódio que a levou à fuga – a condenação judicial pelo crime de invasão de sistemas digitais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) –, a parlamentar ainda responde a outros processos criminais, como o notório caso da arma em punho em via pública para perseguir um opositor. Zambelli, recentemente presa na Itália, onde estava foragida, não é estranha aos holofotes da controvérsia. 

Ascensão e atuação política

Nascida em Ribeirão Preto (SP), em 3 de julho de 1980, Carla Zambelli Salgado de Oliveira, depois de integrar o grupo feminista Femen, no início dos anos 2010, acabou   emergindo no cenário nacional como líder do movimento “Nas Ruas”. Esta foi uma das articulações que organizaram manifestações pelo impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, com discurso contra a corrupção, em 2016. 

Essa atuação conferiu visibilidade a Zambelli, impulsionando-a para a política partidária. Na trilha da intensificação dos movimentos ultraconservadores que ganharam força no período pós-impeachment, foi eleita deputada federal, em 2018, pelo Partido Social Liberal (PSL). Carla Zambelli se estabeleceu como uma voz proeminente da extrema direita no Congresso Nacional, alinhada às pautas ultraconservadoras e como apoiadora de frente do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022). Na campanha eleitoral de 2022, junto com outros deputados, deixou o PSL, se filiou ao União Brasil, e, no mesmo ano, passou a integrar o Partido Liberal (PL), com Jair Bolsonaro, que pleiteava a reeleição, e outros apoiadores.

A atuação parlamentar de Carla Zambelli é caracterizada pelo apoio irrestrito às políticas do ex-presidente Jair Bolsonaro, de quem é considerada uma das mais fiéis aliadas. Ela se posiciona firmemente contra o que denomina “ideologias de esquerda”, na defesa de valores como a “família tradicional”, a “liberdade individual” e o “armamento civil”.

Sua influência transcende o Congresso Nacional, alcançando uma base de seguidores engajada nas redes sociais, onde suas publicações frequentemente geram debates acalorados. Zambelli utiliza essas plataformas para disseminar suas ideias, criticar opositores e mobilizar seus apoiadores, consolidando-se como uma figura-chave na polarização política brasileira. Sua presença nas mídias segue o padrão estratégico de outros parlamentares da direita extremista. Nesses espaços, a deputada frequentemente se manifesta sobre temas polêmicos, na maior parte das publicações com desinformação,  o que gera  engajamento e, por vezes, reações adversas. A deputada é reconhecida por sua retórica incisiva e pela disposição em confrontar adversários políticos e críticos.

Nas eleições de 2018, Carla Zambelli foi eleita deputada federal pelo PSL-SP como uma das mais votadas do país, e em outubro de 2022, foi reeleita repetindo o feito, sendo a segunda mais votada do estado de São Paulo e a terceira mais votada do país.

Controvérsias, crimes e embates judiciais


A trajetória de Carla Zambelli é indissociável de uma série de polêmicas e processos judiciais. Entre os casos de maior repercussão, destacam-se:

Calúnia contra deputado federal: Em 2018, a associação Brasil nas Ruas, presidida por Zambelli, foi processada pelo então deputado federal Jean Willys (PSOL-RJ) por danos morais, ao publicar conteúdo calounioso nas mídias sociais que acusavam o parlamentar de crime de pedofilia. Após ser condenada a pagar R$ 40 mil reais de indenização a Willys, Zambelli, recém-eleita deputada, afirmou que o valor seria pago por meio de valores arrecadados com seus eleitores, pois ela já tinha destino para seu novo salário de deputada.

Citação no “Inquérito das fake news”: Carla Zambelli e um grupo de outros seis deputados do PSL, passaram a ser investigados no Inquérito nº 4.781, aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O inquérito investiga a propagação de conteúdo falso, calunioso, ameaçador e roubo de publicação sem os devidos direitos autorais, contra os membros da Suprema Corte e seus familiares. Segundo os autos, este grupo publicou cerca de duas postagens por dia em mídias sociais em um período de três meses, com desinformação ou mencionando o STF de forma crítica e ameaçadora. Parte do grupo era o deputado Daniel Silveira (RJ) que acabou preso em fevereiro de 2021, por ações radicalizadas por meio de vídeos. 

Rompimento com a ex-deputada Joice Hasselmann (PSL-SP): a relação com a ex-deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), uma importante líder do partido na legislatura 2019-2022, inicialmente de aliança, deteriorou-se em um rompimento público e trocas de acusações, evidenciando tensões internas entre apoiadores do então presidente da República Jair Bolsonaro.

Uso de arma em via pública: em outubro de 2022, às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais, Zambelli foi flagrada perseguindo e ameaçando um homem negro, que lhe fez oposição, com uma arma em punho em São Paulo. O incidente gerou ampla repercussão e resultou em investigações que a tornou ré de um processo judicial em curso no STF. 

Mandato cassado: em janeiro de 2025, por decisão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), a deputada federal, que foi reeeleita em 2022, teve mandato cassado e direitos políticos suspensos por oito anos por divulgar conteúdo falso sobre o processo eleitoral brasileiro. Como coube recurso, o processo ainda segue em julgamento.

Invasão de sistemas do CNJ: em processo instaurado pela Polícia Federal a deputada foi julgada e condenada pelo STF a dez anos de prisão por invadir sistemas digitais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Com a ajuda de um hacker contratado, ela inseriu documentos falsos. Antes da efetivação da prisão, Carla Zambelli fugiu do país e fez uso de passaporte italiano para se refugiar na Itália. Incluída na lista de procurados da Interpol, foi presa em 29 de julho passado.


Processos contra a Wikipédia: Zambelli moveu ações judiciais contra a plataforma digital colaborativa Wikipédia, em razão de informações contidas na biografia em verbete com o seu nome , buscando a remoção de conteúdos que considerava difamatórios (menções sobre suposta prática de prostituição).


Esses episódios, entre muitos outros, delineiam a imagem de uma política combativa, mas constantemente envolvida em disputas e conduta questionável diante da  legalidade de várias ações. A lealdade de Zambelli à base política de Jair Bolsonaro é um traço marcante de sua atuação, e suas polêmicas frequentemente se entrelaçam com a defesa das pautas e do legado do ex-presidente. Porém, o caso da perseguição armada a um homem pelas ruas de São Paulo, às vésperas do segundo turno das eleições de 2022, abalaram ainda mais a figura de Carla Zambelli no grupo “bolsonarista” e no PL. O episódio, fartamente reportado em vídeos, é considerado um importante elemento para a queda de votos em Bolsonaro naquele pleito, dada a associação estreita da deputada com o  então presidente.

Desinformação como identidade 

Além dos embates judiciais, Carla Zambelli é  frequentemente associada à disseminação de informações falsas e imprecisas, utilizadas especialmente para manipular  temas sensíveis, gerar apoio ao extremismo direita e fazer oposição ao atual governo federal. Uma seleção das mais recentes lista:

Uma destacada situação para gerar apoios à pauta moral extremista, checada pelo Bereia em 2020, foi a alegação de que a apresentadora Xuxa Meneghel lançaria um livro para estimular a homoafetividade entre o público infantil. Zambelli, outros parlamentares e sites gospel utilizaram essa informação para atacar a artista. A apuração do Bereia indicou que a notícia era imprecisa, pois, embora Xuxa realmente fosse lançar um livro, o tema da homossexualidade era um entre outros que abordavam a necessidade de superação de preconceitos, a discriminação e o julgamento social perante as escolhas, condições ou vontades das pessoas.

Um exemplo de desinformação para política de oposição, também checado pelo Bereia,   foi a manipulação de conteúdo sobre os incêndios no Pantanal, em junho de 2024. Em publicação nas redes, a deputada divulgou dados sobre a devastação do bioma, atribuindo responsabilidade ao governo federal, sobretudo ao presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Com isso, ela omitiu as causas climáticas e as próprias ações governamentais  para combater o problema. O Bereia classificou a publicação como imprecisa, destacando a omissão deliberada de informações cruciais que distorcem a realidade da situação para uso político. 

Contribuindo para a escalada de ódio e da desinformação em torno do conflito Israel-Palestina, a deputada disseminou, em 2024, que movimentos pró-Palestina seriam antissemitas. Bereia checou que Carla Zambelli repercutiu e reforçou esse posicionamento enganoso, utilizado para apoiar as medidas tomadas pelo governo dos Estados Unidos de repressão a protestos estudantis naquele país, com base em uma suposta existência de ritos islâmicos nas universidades.

A fuga depois da condenação à prisão pela invasão dos sistemas digitais do CNJ e a consequente prisão de Carla Zambelli na Itália também produziram informações falsas. Apesar de publicações em mídias sociais afirmarem que a Interpol teria rejeitado o pedido do STF para incluir o nome da deputada  na lista internacional de procurados, o UOL Confere desmentiu o conteúdo. A Interpol, de fato, atendeu à solicitação da Corte brasileira  e incluiu o nome da parlamentar em sua lista vermelha, tornando-a procurada internacionalmente. O fato do  seu nome não ter aparecido na lista pública não significava que ela estivesse liberada, pois a maioria das difusões vermelhas é restrita ao uso exclusivo das forças da lei. 

Já no momento da prisão, os advogados de Zambelli e políticos do PL negaram a captura e divulgaram à imprensa que ela havia se entregado voluntariamente.  O advogado Fabio Pagnozzi publicou em seu perfil de mídia social que Zambelli se entregou para pedir asilo político ao governo italiano, o que foi repercutido por políticos aliados. Vídeos com a gravação da prisão depois confirmaram que a deputada foi capturada no apartamento que utilizava como esconderijo, quando estava pintando e lavando o cabelo.
 

Conflito de valores

Para o advogado da Rede Cristã de Advocacia Popular Lucas de Andrade Quirino, ouvido pelo Bereia, o discurso de Carla Zambelli pode até fazer sucesso entre parte dos seus seguidores, mas suas ações contradizem os valores que diz defender.

 “Não se pode acreditar que alguém que persegue com arma em punho um jornalista, que promoveu invasão a sistemas do Conselho Nacional de Justiça e que foge do país para não responder à Justiça, dê qualquer testemunho cristão”, afirma Quirino. Ele destaca que tal comportamento também não corresponde ao esperado de um parlamentar ou de um patriota, conforme os ideais de uma sociedade fraterna e pluralista previstos na Constituição.

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Imagem de capa: Lula Marques/Agência Brasil

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