Senador do Amazonas declara desejo de enforcar ministra Marina Silva

Uma fala do senador da República Plínio Valério (PSDB-AM) a respeito da ministra Marina Silva repercutiu nas mídias sociais e foi alvo de críticas pelo teor da declaração. No trecho que circula, o parlamentar afirma que a participação da ministra na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs, em 2023, o fez “querer enforcá-la”. Bereia confirmou a veracidade do recorte e checou o caso.

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O vídeo foi gravado durante solenidade realizada pela Federação do Comércio do Amazonas (Fecomércio-AM) no último dia 13 de março, em Manaus. Em pronunciamento na quarta-feira, 19 de março, ao programa “Bom Dia, Ministra”, da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), a ministra repudiou a atitude do senador: “Alguém que é ministra do Meio Ambiente, alguém que, de certa forma, é conhecida dentro e fora do país, tem que ouvir uma coisa dessas de alguém incitando a violência por discordar de alguém, é uma forma de incitar a violência contra uma mulher. Dificilmente, talvez, isso fosse dito se o debate fosse com um homem”. Além disso, a chefe da pasta do Meio Ambiente e Mudanças do Clima, que é evangélica, comentou que esse tipo de atitude é “típica de psicopata”.

Em resposta à repercussão da fala nas mídias sociais, o senador negou a violência e as acusações de machismo, e insistiu que “foi brincadeira”; por isso, não se arrepende de ter feito o comentário. 

Após ser repreendido pelo presidente do Senado Federal Davi Alcolumbre (União-AP) e por senadoras de diversos partidos, em sessão no Plenário em 19 de março, o senador Plínio Valério afirmou: “Eu não excedi, eu brinquei, talvez, fora da hora. Mas não me excedi. Eu passei seis horas e dez minutos tratando [a ministra] com decência, como merece toda mulher”. O parlamentar sustentou que não trata as mulheres mal e que “isso [a acusação de violência contra a ministra] para mim não pega”.

Na noite de 19 de março, o parlamentar fez mais uma menção ao episódio, dessa vez por meio de uma postagem em seu perfil do X. Nela, afirmou que a repercussão negativa da fala está sendo usada para uso político. “Usei figura de linguagem para expressar minha indignação e dos amazonenses com a falta de sensibilidade da ministra Marina Silva, que na CPI das ONGs fez piada com o clamor de meus conterrâneos em ter a BR-139”. No dia seguinte, o senador também emitiu uma nota oficial em que desmentia os adjetivos de machista e misógino: “Minhas divergências são em relação à atuação da ministra Marina Silva, e não à sua pessoa. Peço desculpas, de forma sincera, a todos que se sentiram ofendidos pela minha infeliz colocação”, escreveu.

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CPI das ONGs: o que ocorreu entre Plinio Valério e Marina Silva

A CPI das ONGs foi protocolada pelo senador Plínio Valério em outubro de 2019 e instaurada no Senado Federal em abril de 2023. O objetivo registrado era apurar se os repasses de recursos públicos destinados a organizações não governamentais (ONGs) de cunho ambiental estavam sendo utilizados corretamente, para cumprir a finalidade das ONGs.

Plínio Valério foi eleito presidente da comissão, que se encerrou em dezembro de 2023. Marina Silva foi uma das 38 pessoas que prestaram depoimento perante o colegiado. A ministra compareceu à reunião de 27 de novembro, após convocação, e passou as primeiras três horas de depoimento respondendo a questionamentos e indagações do senador Plínio Valério e do relator, senador Márcio Bittar (União-AC). 

Na ocasião, o presidente da CPI esteve ao lado da ministra durante as seis horas de depoimento. Dentre as divergências entre os dois está o posicionamento contrário de Marina a obras de pavimentação e restauração na BR-319, que liga Rondônia a Porto Velho e passa por Manaus. Para o senador, a rodovia é vital para a integração da região amazônica com o restante do Brasil, facilitando o escoamento de produtos da Zona Franca de Manaus e o trânsito de pessoas. Ele atribui o elevado número de mortos por covid-19 na Amazônia, durante a pandemia, ao esfacelamento das rodovias da região, que atrasaram a chegada de insumos às vítimas da doença. Já a ministra defende que as obras podem ser prejudiciais à região se não passarem antes por minuciosa avaliação técnica. 

Durante a reunião da CPI em que Marina Silva esteve presente, ela afirmou que as obras ainda não foram realizadas devido à dificuldade de provar a viabilidade econômica e ambiental do trecho. Em determinado momento, a ministra comentou que, apesar da importância social da rodovia, “não se faz uma estrada de 400km no meio de floresta virgem apenas para passear de carro, se não estiver associado a um projeto produtivo”. Na gravação, disponível na íntegra no canal da TV Senado no Youtube, não é possível ver a reação imediata do presidente da comissão. 

Quem é Plínio Valério?

O senador Plínio Valério, natural de Eirunepé (AM), foi eleito para o mandato de senador pelo estado do Amazonas em 2018. Ele professa a fé católica e, inclusive, afirmou que sua religiosidade não influenciou seu voto na sabatina do ministro André Mendonça para compor o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2021. “Acho irrelevante a questão religiosa. Ele é evangélico e sou católico. Acredito em N. Senhora e S. Francisco e isso não influenciará meu voto”, publicou no Twitter (atual X) em 1° de dezembro daquele ano.

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Plínio Valério é jornalista, formado pela Universidade Federal do Amazonas. Dentre as pautas defendidas por ele estão o mandato fixo de dez anos e a possibilidade de impeachment para os ministros do STF. Em 2022, o senador cobrou a regulamentação urgente da lei, de sua autoria, que inclui o combate à violência contra a mulher no currículo escolar. 

Repercussão da fala destaca violência política de gênero

A fala de Plínio Valério foi destacada como violência política de gênero por parlamentares como a deputada federal Erika Kokay (PT-DF), Tábata Amaral (PSB-SP) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Em 20 de março, nove deputadas assinaram uma representação ao Conselho de Ética do Senado contra o parlamentar. No documento, afirmam que houve extrapolação dos limites da imunidade parlamentar, e que a fala não pode ser relativizada: “O uso do termo ‘enforcá-la’ direcionado a uma mulher em um contexto de discordância política carrega uma carga simbólica extremamente grave, pois remete à supressão da voz feminina pelo uso da força, à tentativa de desqualificar e intimidar uma liderança política pelo simples fato de ser mulher”

Ainda, a Secretaria da Mulher, da Câmara dos Deputados, emitiu uma nota de solidariedade a Marina Silva. No texto, o órgão representativo da Bancada Feminina ressalta que “quando homens em posições de liderança desrespeitam mulheres publicamente, eles reforçam e validam comportamentos agressivos e misóginos na sociedade, alimentando um ciclo de violência e deslegitimação da participação feminina na política”.

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No Brasil, a Lei n° 14.192 de 2021 criminaliza a violência política de gênero e a define como qualquer ação que discrimina, exclui ou restringe o reconhecimento ou o exercício dos direitos e liberdades políticas fundamentais das mulheres. Bereia publicou em março que tanto a desinformação quanto as ofensivas de gênero exemplificam a utilização e a tolerância de ataques misóginos como estratégias políticas contra a oposição, sob a justificativa de configurarem o exercício da liberdade de expressão.

Marina Silva: alvo recorrente de violência política 

A ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática é alvo frequente de ataques que a desqualificam como mulher e como ministra. Comentários sobre sua aparência são recorrentes na internet, pelo menos desde a sua candidatura à Presidência da República, pelo PSB, em 2014, e seu posicionamento político e autoridade são frequentemente descredibilizados por parlamentares. 

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Exemplo ainda são os ataques verbais que ela sofre, como ocorreu na sessão na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, em 2024, quando foi chamada de “adestrada” pelo presidente da comissão, Evair de Melo (PP-ES), ao rebater questionamentos sobre sua atuação na pasta. A ministra também já sofreu agressões verbais de cunho machista pelo ex-governador, ex-ministro e ex-deputado Ciro Gomes (PDT), ao se referir à pré-candidatura dela à Presidência da República, pela Rede Sustentabilidade, em 2017. 

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Após checar informações sobre o conteúdo que circulou nas redes digitais, Bereia classifica o vídeo que circula com a fala do senador Plínio Valério como verdadeiro. O vídeo, apesar de ser um recorte do discurso do parlamentar, foi confirmado pelo próprio congressista como sendo intencional. Este tipo de discurso contra mulheres na política é prática recorrente e deve ser informado como violência política de gênero. 

Referências:

Rádio Gov

https://radiogov.ebc.com.br/programas/bom-dia-ministro-2/curtas-no-mes-das-mulheres-ministra-comenta-violencia-politica-de-genero Acesso em 20 MAR 25

Valor Econômico

https://valor.globo.com/politica/noticia/2025/03/20/plinio-valerio-diz-nao-se-arrepender-por-fala-sobre-enforcar-marina-silva-leva-reprimenda-de-alcolumbre-e-e-chamado-de-psicopata-entenda-a-polemica.ghtml Acesso em 20 MAR 25

Poder 360

https://static.poder360.com.br/2025/03/representacao-deputados-contra-senador-jayme-campos-conselho-etica.pdf Acesso em 20 MAR 25

Agência Senado

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/03/19/senadoras-condenam-fala-de-plinio-valerio-sobre-marina-senador-se-defende Acesso em 20 MAR 25

Planalto

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14192.htm Acesso em 20 MAR 25

Coletivo Bereia

https://coletivobereia.com.br/liberdade-de-expressao-a-brasileira-desinformacao-de-genero-e-a-ofensiva-as-mulheres/  Acesso em 20 MAR 25

Youtube Senado Federal

https://www.youtube.com/watch%3Fv%3DMgpwDwWyU3Y&ved=2ahUKEwiw9J7t2puMAxWBqZUCHWABE48QwqsBegQIEhAF&usg=AOvVaw32W2bTexKxQw2JIkbDJ2NM. Acesso em 21 mar 2025

A sabatina de André Mendonça pelo Senado – Parte 1: violência de gênero

* Matéria atualizada em 08/12/21 às 13:56

Como parte do rito oficial para assumir uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal, o ex-Advogado Geral da União e ex-Ministro da Justiça André Mendonça passou por sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal. Durante sua exposição inicial e nas respostas aos senadores, Mendonça fez diversas afirmações, que foram checadas pelo Bereia. Nesta parte da cobertura é apresentado o primeiro dos temas mais destacados.

Violência de gênero

André Mendonça respondeu perguntas da relatora do processo de indicação na CCJ Eliziane Gama (Cidadania/MA), sobre o enfrentamento da violência contra mulheres no Brasil. O sabatinado ressaltou o trabalho dele no governo de Jair Bolsonaro, à frente do Ministério da Justiça e citou operações da Polícia Federal e políticas de aglutinação que incluíram a proteção de crianças e de idosos.

“Como ministro da Justiça, fizemos as maiores operações da história no combate da violência contra a mulher, atuando na vida e na integridade física das mulheres. Agrego a isso grandes operações para proteção de idosos e crianças vítimas de pedofilia. Ressalto, também nesse contexto, que como Ministro da Justiça e Segurança Pública, aprovei um protocolo inovador de investigação de crime de feminicídio, consensuado por todos os órgãos de segurança pública do país e depois submetido à bancada feminina do Congresso Nacional.”

Na conclusão deste bloco de respostas, Mendonça destacou: “Feminicídio (morte por conta do gênero feminino) é um ato covarde. O destrato em relação às mulheres é um ato covarde. Nesse sentido meu compromisso é, diante de situações como essas, aplicar a Lei de forma plena e rigorosa.”

 Operação Resguardo

Ao citar ter realizado as maiores operações no combate à violência contra a mulher, quando esteve à frente do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, André Mendonça referiu-se à Operação Resguardo, da Secretaria de Operações Integradas, iniciada em 1 de janeiro de 2021 e concluída, simbolicamente, no Dia Internacional da Mulher do mesmo ano. A operação integrou o MJSP com as Unidades da Federação e o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, no combate à violência contra a mulher. Foram investigadas mais de 46 mil denúncias apuradas nos diversos canais municipais, estaduais e federais. 

Como resultado, foram registrados mais de 9,1 mil presos, decorrentes de flagrantes e mandados de prisão expedidos pela Justiça; cumpridos cerca de 56 mil medidas protetivas, com mais de 168 mil vítimas atendidas, 1.226 armas apreendidas e realizadas cerca de 70 mil visitas e diligências realizadas pelas polícias civis. Ao todo, mais de 16 mil policiais civis atuaram, de forma conjunta, na busca de suspeitos de ameaças, tentativas de feminicídio, lesão corporal, descumprimentos de medidas protetivas, estupro, importunação, entre outros crimes.

A importância desta operação, de fato uma das maiores já realizadas pelo governo federal no combate à violência física contra mulheres, foi reconhecida por lideranças políticas de oposição. A deputada estadual de Goiás Delegada Adriana Accorsi (PT), que foi candidata à Prefeitura de Goiânia, por exemplo, afirmou que a ação “mostra a possibilidade das Forças de Segurança combaterem, com rigor, a violência cometida contra meninas e mulheres”. Ela acrescentou que “Operações desse tipo, que acontecem de maneira simbólica no dia 8 de março, são muito importantes. Esperamos esse rigor todos os anos, pois a impunidade é um mal que estimula o cometimento desses crimes”.

Protocolo nacional de investigação

É verdade também que André Mendonça atuou na aprovação do Protocolo Nacional de Investigação e Perícias nos Crimes de Feminicídio, em parceria com o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, publicado no Diário Oficial, em 22 junho de 2020. O protocolo prevê a uniformização dos procedimentos das polícias civis e de órgãos de perícia oficial de natureza criminal nos estados e no Distrito Federal (DF). Esta atuação conjunta tem por objetivo contribuir para a prevenção e a repressão aos crimes com o fortalecimento de ações que envolvam morte de mulheres decorrente de discriminação e de violência doméstica e familiar.

O protocolo determina a instauração imediata de inquérito policial nos casos de mortes violentas, com vítimas mulheres. Além disso, o texto estabelece que os atendimentos relacionados às ocorrências de feminicídio devem ter prioridade na realização de perícias.

Aglutinação de demandas, menos eficácia

Com relação à inclusão de idosos e de crianças vítimas de pedofilia nos programas governamentais de combate à violência citados positivamente por André Mendonça, dados divulgados pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) dizem que a aglutinação destas demandas causou perda na execução de políticas para mulheres. No estudo “O Brasil com baixa imunidade”, o INESC mostra que o governo federal dispõe de R$425 milhões alocados no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Porém, até meados de maio de 2020, o ministério havia executado somente R$11,3 milhões, o equivalente a 2,6% do que estava disponível.

Uma nota técnica da consultoria da Câmara confirmou a baixa execução orçamentária para políticas públicas destinadas exclusivamente às mulheres: mostra que apenas R$ 5,6 milhões de um total de R$ 126,4 milhões previstos na Lei Orçamentária de 2020 foram efetivamente gastos com políticas públicas específicas para mulheres, sem contar os “restos a pagar” de anos anteriores.

O Plano Plurianual (PPA) 2020-2023 do governo de Jair Bolsonaro, excluiu o “Programa 2016: Políticas para as Mulheres: Promoção da Igualdade e Enfrentamento a Violência”, que era destinado somente às mulheres, e criou o “Programa 5034: Proteção à Vida, Fortalecimento da Família, Promoção e Defesa dos Direitos Humanos para Todos”, a que André Mendonça se referiu, que é um guarda-chuva para execução de políticas do ministério destinadas às mulheres, aos idosos e a pessoas com deficiência. “Ocorreu a fusão dos programas, o que pode dificultar o acompanhamento dessas políticas públicas e levar a uma redução da transparência”, diz a nota técnica da consultoria da Câmara. A palavra “mulher” aparece em apenas um objetivo da aglutinação, que coloca ênfase clara no conceito de família.

“O desenho que vinha sendo construído desde 2004 mudou radicalmente e agora adquire um viés mais conservador”, critica o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em  relatório lançado no início deste ano que faz um balanço do orçamento do governo federal. 

Um levantamento de 2021, exclusivo da revista AzMina, mostra que entre janeiro de 2019 e julho de 2021, o governo federal  não gastou R$ 376,4 milhões dos R$ 1,1 bilhão disponíveis para dez rubricas que têm as mulheres como público-alvo no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e no Ministério da Saúde. É um terço do total de recursos previstos no orçamento da União, carimbados especificamente para este conjunto de políticas públicas e com emprego autorizado pelo Congresso Nacional. 

Entre os valores que não foram utilizados, está a maior parte dos recursos que deveriam construir e equipar Casas da Mulher Brasileira pelo país – estrutura que agrega uma série de serviços especializados para atendimento da mulher em situação de violência, como delegacia, juizado, promotoria e abrigamento de curta duração. Desde 2019, dos quase R$ 115 milhões disponíveis para essa política pública, apenas R$ 1 milhão foi efetivamente gasto. Para a Rede Cegonha, a estratégia de planejamento reprodutivo e atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério do Ministério da Saúde, dos R$ 270 milhões autorizados, apenas R$ 182 milhões foram desembolsados e R$ 89 milhões ficaram pelo caminho. 

Dados fornecidos pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública à revista Azmina, via Lei de Acesso à Informação, revelam outra face do descaso com a garantia de direitos das mulheres: recursos deste ministério destinados a dois importantes projetos estão caindo drasticamente desde 2019. Chamou a atenção das jornalistas o programa chamado Protejo, que paga bolsas a jovens em situação de violência doméstica como incentivo para frequentarem cursos de capacitação em diferentes áreas gastou, ao todo, R$ 3,3 milhões no primeiro semestre de 2021. Em 2019, essa política pública recebeu investimentos de R$ 64,7 milhões.

Já o Projeto Mulheres da Paz que também concede bolsas, mas neste caso para mulheres líderes de comunidade que atuam como mediadoras de conflitos em suas regiões, teve gastos sete vezes menores em 2021 do que no primeiro ano de mandato de Bolsonaro: R$ 184,7 milhões (em 2019) contra R$ 25.460,00 (até julho deste ano).

Respostas imprecisas

André Mendonça discorreu sobre seu trabalho como Ministro da Justiça e Segurança Pública, e incorreu em imprecisão.

Primeiramente, as ações descritas – a Operação Resguardo e o Protocolo de Investigações – esbarram em uma política do governo federal que é a ampliação do acesso a armas de fogo pela população. Já em 2019, no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, que tem como projeto o armamentismo, uma audiência da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados abordou o tema.  A Comissão ouviu especialistas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, do Núcleo Especializado em Diversidade e Igualdade Racial da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, do Grupo Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Ministério Público do Estado de São Paulo. Todas as representações afirmaram que a ampliação do porte e posse de armas de fogo poderia aumentar os riscos para as mulheres e impactar os índices de feminicídio. 

As especialistas na audiência mostraram como a presença de uma arma de fogo aumenta em cinco vezes a chance de ocorrência de homicídio ou suicídio. Foi afirmado que as políticas públicas do governo para a área não são baseadas nos dados e estatísticas disponíveis. Na audiência a representante do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, então liderado por Sérgio Moro, foi a única a discordar da avaliação. “O simples desarmar não é a solução dos nossos problemas”, avaliou a servidora do ministério Thaylize Rodrigues.

Em 2021 esta indicação se comprovou com os resultados da mais recente edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em julho de 2021, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com dados colhidos em 2020, um ano depois da audiência da Câmara Federal. O relatório mostra que o Brasil praticamente dobrou em um ano o número de armas registradas em posse de cidadãos, ao mesmo tempo em que as mortes violentas cresceram, a despeito do maior isolamento social durante a pandemia. Dados do Sinarm, sistema da Polícia Federal que cadastra posse, transferência e comercialização de armas de fogo, em 2020 houve 186.071 novos registros, um aumento de 97,1% em um ano. A maioria desses registros é de cidadãos privados.

Enquanto especialistas em segurança pública apontam que a facilitação no acesso a armas favorece a violência, o governo federal justifica que as políticas armamentistas visam a desburocratização, a clareza das normas e “adequar o número de armas, munições e recargas ao quantitativo necessário ao exercício dos direitos individuais”.

Segundo o Anuário, o Brasil teve um aumento de 4% no número de mortes violentas intencionais em 2020, em comparação com 2019. Neste grupo, 1.350 mulheres foram mortas em episódios classificados como feminicídio, com uma alta de 0,7% em relação a 2019.

Em segundo lugar está o descaso do governo federal, que inclui o Ministério da Justiça e da Segurança Pública sob a liderança de André Mendonça, com os gastos com políticas de enfrentamento da violência contra a mulher. O Plano Plurianual (PPA) é uma lei elaborada a cada quatro anos e, de acordo com a Constituição Federal de 1988, estabelece, de forma regionalizada, diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas relativas aos programas de duração continuada.​ Caso o governo não aplique os recursos de forma adequada, o STF tem que atuar para que cumpra o que lhe cabe, o que deverá ser uma demanda sobre o novo ministro da corte André Mendonça.

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O então candidato à vaga no STF André Mendonça apresentou como respostas à inquirição da senadora Eliziane Gama realizações do trabalho dele como ministro da Justiça e da Segurança Pública em duas frentes. No entanto, Bereia classifica estas respostas como imprecisas pois a questão do enfrentamento da violência contra mulheres exige abordagem mais ampla da parte de um ministro da Corte que deve garantir o cumprimento das bases constitucionais do país, como a verificação acima mostra. 

Referências de checagem:

Ministério da Justiça e Segurança Pública. https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/operacao-resguardo-mira-combate-a-crimes-de-violencia-contra-a-mulher-no-brasil Acesso em: 08 dez 2021.

Assembleia Legislativa do Estado de Goiás. https://portal.al.go.leg.br/noticias/115795/adriana-accorsi-aplaude-operacao-policial-que-prendeu-em-goias-quase-100-homens-por-violencia-domestica Acesso em: 08 dez 2021.

Imprensa Nacional. http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-340-de-22-de-junho-de-2020-262969693 Acesso em: 08 dez 2021.

Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/junho/protocolo-padroniza-investigacao-de-crimes-de-feminicidio Acesso em: 08 dez 2021.

Inesc. https://www.inesc.org.br/obrasilcombaixaimunidade/ Acesso em: 08 dez 2021.

Câmara dos Deputados. https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/estudos/2020/ET16_Violncia_MUlher.pdf Acesso em: 08 dez 2021.

Azmina. https://azmina.com.br/reportagens/bolsonaro-nao-usou-um-terco-dos-recursos-aprovados-para-politicas-para-mulheres-desde-2019/%20  Acesso em: 08 dez 2021.

Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/noticias/560955-projeto-permite-concessao-de-porte-de-arma-de-fogo-por-decreto-presidencial Acesso em: 08 dez 2021.

https://www.camara.leg.br/noticias/599507-para-especialistas-ampliacao-do-porte-de-armas-de-fogo-pode-aumentar-riscos-para-mulheres/ Acesso em: 08 dez 2021.

Fórum Brasileiro de Segurança Pública. https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/ Acesso em: 08 dez 2021.

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Foto de capa: Marcos Oliveira / Agência Senado