Vídeo de culto em que pastor ora pela morte de ministros do STF viraliza

Bereia recebeu de leitores vários pedidos de checagem de um vídeo que circula pelas mídias sociais desde o último 12 de julho, no qual o pastor da Igreja Pentecostal Geração Jesus Cristo Tupirani da Hora Lores, durante uma oração, profere duras palavras contra os ministros do STF . O vídeo viralizou e gerou comentários com pedidos de prisão do pastor e ataques às igrejas evangélicas em geral, marcados por desconhecimento sobre a igreja e o seu líder, uma vez que ele já estava preso desde fevereiro passado, tendo sido julgado e condenado em junho. Comentários sobre a prisão geraram, por sua vez, defesa de quem viu nela “restrição à liberdade de religião” e “início da perseguição da igreja”.

Ficha corrida

O tipo de discurso observado neste vídeo que circula não é novo. Outros vídeos e postagens de falas do pastor e de membros da igreja Geração Jesus Cristo, levantados pela equipe do Bereia, têm conteúdo contra outras igrejas (sendo um alvo frequente a Assembleia de Deus), judeus, pessoas LGBTI+ e religiões afro-brasileiras. O pastor Tupirani Lopes é reincidente – tem 54 processos judiciais, alguns deles movidos pela Polícia Federal, pela Procuradoria Federal, pelo Ministério Público. Contra a vacinação e medidas sanitárias de enfrentamento da covid-19, ele já acionou na Justiça a Prefeitura do Rio de Janeiro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o ministro da Saúde Marcelo Queiroga. O pastor moveu processos contra várias empresas de comunicação, jornais e emissoras que publicaram matérias sobre suas ações de cunho religioso, e tem uma demanda judicial contra o Facebook. 

Bereia também apurou que a igreja Geração Jesus Cristo registrou um domínio e mantém um site em um servidor do Japão – estratégia usada para evitar o bloqueio de suas mídias. Não há perfil ou site no nome do pastor, mas a igreja, por meio dos membros, mantém intensa atividade no Youtube (com várias páginas espelhadas), Twitter e Facebook. Porém, não há mais de dois mil seguidores em seus perfis e páginas. A repercussão se dá pela viralização das postagens feitas nessas mídias.

Histórico de condenações

As complicações do pastor Tupirani Lopes com a Justiça vêm de 2009. Em junho desse ano, ele foi preso pela Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática da Polícia Civil do Rio. Havia sido denunciado por pregar em blogs o fim das Assembleias de Deus, da Igreja Universal do Reino de Deus e praticava intolerância contra outras religiões, em especial as de matriz afro, caracterizando-as como “seguidoras do diabo e “adoradoras do demônio. 

O líder e seus seguidores também associavam a figura de pais de santo a homossexuais, de forma pejorativa, propagando a tese (que ainda defende) de que pessoas LGBTI+ são possuídas por demônios. Ele passou 18 dias preso e ganhou direito de responder ao processo em liberdade, mas já tinha sido condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em 2012. A juíza Ana Luiza Mayon Nogueira, da 20ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, proferiu a sentença de condenação por difundir, por meio da internet, ideias de discriminação religiosa, com ofensas a seguidores de outras religiões. 

Tupirani da Hora Lores e o membro da igreja Afonso Henrique Alves Lobato, de acordo com a sentença, confirmaram que sua religião prega que, “como discípulo de Jesus Cristo, deve acusar todos os outros conceitos em geral que são contrários ao Evangelho de Jesus Cristo (…), que não existe pai de santo heterossexual, pois todos são homossexuais; que homossexualismo é possessão demoníaca; que uma pessoa que está possuída pelo demônio não merece confiança; e que discrimina todas as religiões”. 

Ainda de acordo com a sentença, em nenhum momento os dois tentaram justificar suas condutas. O pastor foi condenado a duas penas restritivas de direito: prestação de serviço à comunidade e pagamento de dez salários-mínimos em favor de uma entidade beneficente. Afonso Henrique foi condenado à prestação de serviço e limitação de fim de semana.

Em abril de 2018, um grupo de 40 seguidores da igreja Geração Jesus Cristo agrediu guardas municipais que tentaram impedi-los de vandalismo de monumentos. A ação terminou com 12 pessoas da congregação feridas, uma delas em estado grave. Os fiéis espalhavam inscrições na cidade, avisando da suposta volta do JESUS em 2070. A data faz parte da doutrina apocalíptica do grupo religioso – que vê em Tupirani Lopes um último profeta, “Elias”. O grupo já era conhecido na cidade do Rio de Janeiro por espalhar lambes e outros materiais que diziam “Bíblia, sim. Constituição, não”)

Imagem: reprodução do G1

Tupirani Lopes, porém, seguiu com o mesmo discurso. Com isso, depois de novas denúncias apresentadas ao Ministério Público em 2021, em especial as que partiram da Confederação Israelita do Brasil, alvo de vários ataques do pastor, a Polícia Federal (PF) o prendeu, em fevereiro de 2022, sob a acusação de crimes de racismo, dentro da Operação Rófesh (liberdade, em hebraico). 

Em julgamento ocorrido em 30 de junho de 2022, o líder da Igreja Pentecostal Geração de Jesus Cristo foi condenado à pena de 18 anos de reclusão por promover discursos de ódio contra a comunidade judaica em seus cultos e divulgá-los na internet. No vídeo usado como prova para a punição, ele afirma que os judeus serão envergonhados como no Holocausto da Segunda Guerra Mundial. Tupirani Lopes comemorou publicamente a prisão, ao dizer que já estava “profetizada” em placas na porta de sua congregação. O vídeo com críticas pesadas ao STF também faz parte do conjunto de provas.


Imagem: reprodução do G1

Pastor sem registro

Bereia não encontrou ligações de Tupirani Lopes com Conselhos de Pastores, Ordem de Ministros Evangélicos, Convenções, Confederações ou outras denominações evangélicas do Brasil. Não há registro em mídias da igreja, nem por parte de seus seguidores, que diga respeito à formação teológica como pastor, tal como ele se apresenta, em seminários, ou fotografias, documentos que comprovem sua ordenação por um líder, ou investidura. 

Depois de solto da primeira prisão em 2009, adicionou à fachada da sua igreja, na área portuária do Rio de Janeiro, os dizeres “templo pós-prisão”, com a imagem de uma mão algemada. Também ostenta os dizeres: “não votamos, nem elegemos bandidos”. O líder da igreja, além dos homossexuais, judeus e negros, também ataca todas as outras igrejas evangélicas e defende a volta da ditadura ao Brasil. 

Um dos delegados citados no livro do pastor, Henrique Pessoa, processou membros da igreja Geração Jesus Cristo por danos morais (e por ameaças). Em 2014, após uma audiência realizada no V Juizado de Copacabana, entrou em vias de fato com apoiadores de Tupirani Lopes e, durante o confronto, disparou para o chão e um dos fiéis foi ferido no abdômen. Na ação movida pela corregedoria, o delegado foi inocentado.

Imagem: foto de fachada da igreja que circula em mídias sociais

Anti-vacina

O líder religioso e seu grupo também rejeitam a ciência e o que classificam como várias “modernidades”, com críticas ao sistema de saúde, a escolas, universidades e tecnologias. Contribuíram para disseminar várias teorias conspiratórias sobre a COVID-19 e as vacinas com várias postagens em mídias sociais. 

Porém, ao contrário dos grupos que negam a existência do vírus e diferentemente daqueles que afirmam que a doença foi resultado de uma arma biológica (teorias mais correntes entre as seitas norte-americanas), o grupo da igreja Geração Jesus Cristo afirma que a vacina é “impossível”, porque a doença foi mandada por Deus, para punir aos maus e purificar a humanidade. 

No começo da pandemia, em maio de 2020, o pastor publicou um vídeo em um canal no YouTube afirmando que a doença seria “invencível; porque contra a força de Deus não existe defesa”. Tupirani Lopes, contrariando os cientistas, afirmava que doença “não vai parar” e que seria “impossível uma vacina”. O prolongamento e a força da pandemia deram mais visualizações ao vídeo e ajudaram a ampliar o alcance do grupo. 

Igreja ou seita?

A sociologia da religião tem essa pergunta como uma de suas principais temáticas. Peter Berger, em sua tese doutoral “Da seita à igreja: uma interpretação sociológica do Movimento Bahai”, defendida em 1954, abordou o tema. Em resumo, pode-se dizer que embora a categoria seja utilizada, por vezes, como uma forma de acusação contra grupos novos, na pluralidade religiosa do mundo moderno, ela é válida para entender a interação dos novos movimentos religiosos com a sociedade – e em especial com os demais grupos de crenças. Uma seita, como indica o nome, tem uma atuação, doutrina e liderança com fortes características separatistas, sectárias, autoritárias e, no limite, tais grupos podem defender ações armadas e desordem social. Todavia, seitas e movimentos podem se institucionalizar e moderar seus discursos e ações à medida que ganham adeptos e maior interação social. 

Rodney Stark e William Bainbridge, em “Uma teoria da religião”, publicado originalmente em 1985  (traduzido pela Edições Paulinas em 2008) sugerem que “a secularização produz uma era de reavivamento religioso e experimentação”. Em sociedades liberais e pluralistas, religiões e igrejas de baixa tensão – isto é, organizações religiosas que se secularizaram e cujas lideranças se elitizaram, abandonaram o proselitismo e deixaram de confrontar seu ambiente sociocultural – tendem a perder poder e adeptos e dar “às seitas um novo mercado para explorar”.  Stark e Bainbridge  definem seita como “uma organização religiosa desviante”. 

Partindo da conceituação de Benton Johnson, os autores consideram que a seita apresenta elevado grau de tensão (ou desvio subcultural) com seu ambiente sociocultural. Dessa forma, se separa dos e antagoniza os grupos dominantes e seus padrões normativos e comportamentais. A secularização, portanto, permite a emergência incessante de seitas e de cultos a partir da derrocada de igrejas e denominações. As seitas é que se isolam da sociedade ou que mantêm níveis extremos de tensão com a sociedade.

Bereia ouviu a professora titular de Antropologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Patrícia Birman. Ela destacou, a partir deste caso da Igreja Pentecostal Geração Jesus Cristo, que “independente do grupo ou ação religiosa”, declarações racistas, misóginas e homofóbicas não necessariamente levam em conta definição religiosa. 

“A ideia de seita é uma noção acusatória, quando se chama um grupo de seita está se dizendo que é um grupo pernicioso infiltrado no campo da religião, é complicado, porque essa política acusatória transforma as lutas internas no campo religioso entre igrejas que estão disputando o mercado de bens religiosos em uma questão judicial. Acho que a gente deve aceitar em princípio a autodesignação que o grupo faz. Se ele merecer ser punido, que seja pelas leis do país, independente das posições conflituosas internas entre as religiões. Não precisa dessa designação de seita para que seus componentes respondam na justiça”, explica a pesquisadora da UERJ.

Patrícia Birman complementa que “os grupos de ódio não são especificamente religiosos, não acreditam que sejam. De alguma forma, se espalham no país pela mesma lógica daqueles que atuam insuflados pelo atual governo, mas não são necessariamente religiosos. E se cometem crimes, independentemente de sua vinculação religiosa ou política, devem responder na justiça.”

A intolerância religiosa

Esse também é o posicionamento do superintendente Estadual da Promoção da Liberdade Religiosa do Estado do Rio de Janeiro Justino Carvalho, que tem sob sua gestão os Núcleos de Atendimento às Vítimas de Intolerância Religiosa (Navir), da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos. Há atualmente, no Estado do Rio de Janeiro, seis NAVIR, somando mais de 200 atendimentos em três anos. Os Núcleos de Atendimento às Vítimas de Intolerância Religiosa (NAVIR) oferecem assistência social, jurídica e psicológica para aqueles que sofrem com violações ocasionadas por discriminação, intolerância ou racismo religioso. Além desses serviços, o núcleo também realiza ações de prevenção. O núcleo é coordenado pela Superintendência de Promoção da Liberdade Religiosa (SUPLIR) vinculada à Subsecretaria de Promoção, Defesa e Garantia dos Direitos Humanos.

Para Carvalho, ouvido pelo Bereia, este “é um caso que está sob a tutela do Judiciário. Toda intolerância deve ser combatida através da promoção da liberdade religiosa, através do bom diálogo inter religioso, proporcionando assim o respeito e a convivência harmoniosa sem preconceito sobre a crença das pessoas”. Justino também ressalta que as ações judiciais não são motivadas por religião, pois “o estado é laico e permite o pleno exercício da liberdade religiosa do indivíduo”.

Avaliações

Em relação ao vídeo viralizado e a controvérsia em torno do pastor Tupirani Lopes, o Rabino Nilton Bonder declarou à equipe do Bereia

“É muito triste que a gente tenha que responder à ignorância tão pura e absurda quanto essa que fala esse senhor, porque viraliza e a gente tem que trazer informação para se contrapor à desinformação. Eu não chamo esse senhor de pastor, porque pastor é uma imagem positiva, harmônica, é alguém que encaminha as pessoas para a civilização, para as coisas de bem. Esse senhor obviamente é uma personagem dessa realidade que a gente vive no Brasil e no mundo onde as redes sociais dão voz para essas pessoas que não deveriam nem ser escutadas, quanto mais respondidas, então essa ode à morte à violência, tudo isso não tem nada a ver com religião, são máfias que adentram os espaços religiosos, que fazem manipulação, usam esses espaços. Por isso, é muito importante, principalmente, de dentro da religião, de onde esses indivíduos aparecem, que haja vozes de oposição”. 

Já o pastor vinculado à Igreja Batista em Vitória (ES), doutor em Ciências da Religião e professor da Faculdade Unida de Vitória Kenner Terra, co-autor do livro “Experiência e Hermenêutica Pentecostal” (publicado pela CPAD), declarou ao Bereia:

“O discurso de ódio do pastor Tupirani Lopes é lamentável, incompatível com o evangelho e representa a pior face do extremismo religioso, o qual, ao contrário da opinião de alguns setores, não representa a maioria dos evangélicos. Esta seita cristã criada pelo criminoso pastor (preso desde fevereiro) não pode ser a ‘régua de medida’ do fenômeno evangélico brasileiro. Quem não toma esse cuidado acaba promovendo aquilo que denúncia: a intolerância e o preconceito”. 

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Bereia classifica o vídeo que circula com a oração do pastor Tupirani da Hora Lopes, contra  ministros do STF, como verdadeiro. Porém, Bereia destaca que o vídeo é antigo, provavelmente do ano de 2021, e voltou a circular depois da prisão e condenação do pastor em junho passado como se fosse atual, causando confusão de compreensão em pessoas que desconheciam os episódios em torno do pastor e da igreja Geração Jesus Cristo, e provocando comentários de ódio contra evangélicos, de forma generalizada. Bereia também ressalta a importância de se buscar informação antes de compartilhar e opinar para evitar expressões de intolerância em versão reativa. 

Referências de checagem:

Veja. https://veja.abril.com.br/coluna/virou-viral/pastor-antivacina-deseja-morte-dolorosa-a-ministros-do-stf-assista/  Acesso em: 14 jul 2022

Conjur. https://www.jusbrasil.com.br/processos/nome/40838914/tupirani-da-hora-lores  Acesso em: 14 jul 2022

Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. http://www.tjrj.jus.br/noticias/noticia/-/visualizar-conteudo/5111210/5142249  Acesso em: 14 jul 2022 

G1.

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/confusao-entre-grupo-de-evangelicos-e-guardas-municipais-deixa-feridos-na-zona-sul-do-rio.ghtm  Acesso em: 14 jul 2022

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/06/30/radical-religioso-e-condenado-a-18-anos-de-prisao-por-ataques-a-judeus-na-internet.ghtml  Acesso em: 14 jul 2022

Folha de S.Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/184123-fiel-e-baleado-por-delegado-apos-confusao-em-audiencia-no-rio.shtm  Acesso em: 14 jul 2022
El Pais. https://brasil.elpais.com/internacional/2021-01-12/teorias-conspiratorias-do-qanon-varrem-o-mundo-e-sao-mais-perigosa-do-que-parecem.html  Acesso em: 14 jul 2022