Editora do Bereia defende vigilância constante às instituições para o enfrentamento da desinformação

É necessário que haja uma vigilância constante e pressão às instituições, como Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Congresso Nacional, para que cuidem adequadamente do tema da desinformação e dos desdobramentos dele. A opinião é da editora-geral do Coletivo Bereia Magali Cunha, entrevistada do Programa Desinformação & Política da TV GGN, em 10 de setembro de 2024.

Segundo ela comentou, alguns episódios de manipulação da informação e de fortalecimento de fake news nos últimos dez anos no mundo causaram perplexidade e precisam trazer aprendizados. A pesquisadora lembrou de articulações que envolveram o processo do Brexit (saída da Grã-Bretanha da Comunidade Europeia), em 2014, e da campanha eleitoral norte-americana de 2016 que resultou na vitória de Donald Trump. Citou ainda o que ocorreu no Brasil nas eleições presidenciais em 2018 e em 2022, e nas eleições municipais de 2020. Em todos eles a disseminação de conteúdos desinformativos foi intensa, conforme ressaltou.

De acordo com a editora-geral do Bereia, alguns avanços têm sido observados, ainda que existam entraves significativos a serem superados. “Isso [iniciativas] ocorre especialmente no Poder Judiciário, por meio do TSE, que em vista do ocorrido em 2018 e 2020, já tomou uma série de providências para coibir a situação [disseminação de desinformação]”. “Agora chegamos às eleições de 2024 com o aperfeiçoamento dessas medidas, mas é preciso que a preocupação não fique restrita aos períodos eleitorais”, acrescentou.

Magali Cunha fez referência a outras iniciativas da sociedade civil. Ela lembrou de esforços da academia na produção de pesquisas sobre o tema e também da criação e articulação de movimentos pelo país, como a Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNC) e o Coletivo Bereia. 

A íntegra da entrevista, que trata também dos motivos que tornam o segmento cristão o mais vulnerável à desinformação, está disponível em:

Controvérsias sobre filme “Som da Liberdade” são transformadas em pânico moral para propagação de desinformação

Além de ocupar muitas salas de cinema, o filme “Som da Liberdade”, cercado de polêmicas , tornou-se objeto de uma intensa discussão nas redes sociais digitais. 

Portais de notícias gospel e perfis de políticos e líderes religiosos nas mídias digitais elogiaram o filme e convocaram o público para comparecer aos cinemas de todo o país. 

Imagens: reprodução do X (antigo Twitter)

Aqueles que criticam “Som da Liberdade” – seja pela qualidade técnica da obra ou supostas ligações com teorias da conspiração – são acusados de apoiarem o abuso infantil e serem contra a família.

Seria o tráfico internacional de crianças uma guerra travada entre esquerda e direita, como afirmam alguns?

A maioria dos abusos infantis acontecem da maneira como o filme aborda?

Quem critica o filme é condescendente com o abuso infantil?

Bereia checou as informações e as informações oficiais sobre o tema abordado na obra.

Do que trata o filme “Som da Liberdade”?

Baseado em relatos de um ex-agente do governo estadunidense, Tim Ballard, o filme conta a história de um homem que decide combater uma rede internacional de tráfico e abuso infantil

O protagonista atua para resgatar um menino hondurenho separado da irmã por  traficantes de crianças. Na trama, o agente federal descobre que a irmã do menino ainda está em cativeiro e decide embarcar em uma missão perigosa para salvá-la. Com o tempo acabando, ele abandona o emprego e viaja para a selva colombiana, colocando sua vida em risco para libertar a menina.

O filme foi escrito e dirigido por Alejandro Monteverde e conta a história real de ex-agente federal norte-americano. A produção foi filmada em 2018, mas só saiu da gaveta cinco anos depois, sendo distribuída, em um primeiro momento, pela subsidiária latino-americana da 20th Century Fox. 

Após  ter sido vendido para a Disney, o projeto parou, mas foi recuperado por Eduardo Verástegui, um dos produtores do filme. Ele readquiriu os direitos do longa e o ofereceu à Angel Studios, distribuidora de produções cristãs, como The Chosen, que acolheu o projeto. 

O lançamento foi acompanhado de críticas ao filme, que, supostamente, seria promotor de  algumas teorias da Conspiração QAnon, que embasam grupos de extrema-direita.

Som da Liberdade e Teoria da Conspiração Qanon

Ao pesquisar sobre a suposta relação dos produtores do filme com teorias da conspiração extremistas, Bereia verificou que o  ator principal Jim Caviezel, que interpreta o papel do ex-agente, Timothy Ballard, tem histórico de afinidade com tais discursos. Caviezel,  que também atuou no filme “A paixão de Cristo”, de Mel Gibson, já participou de uma convenção da extrema direita política nos Estados Unidos, onde promoveu teoria da conspiração sobre suposta drenagem de sangue de crianças para rituais satânicos, tema recorrente nos fóruns de discussão dos adeptos da teoria QAnon.

O grande sucesso do filme entre o público conservador estadunidense, a campanha de compra de ingressos e posterior distribuição gratuita e os elogios recebidos pela obra da parte de personagens da direita americana, gerou análises em torno de “Som da Liberdade”  ser uma propaganda da QAnon.

No Brasil, o filme está lotando as salas de cinemas tendo como público policiais e fiéis cristãos. Os ingressos também estão sendo distribuídos gratuitamente por meio de publicidade em mídidas sociais, associações de policiais estão oferecendo ingressos aos seus filiados, líderes religiosos convocam fiéis para assistirem aos filmes e políticos, como a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), fazem publicidade da obra.

O movimento ou teoria da conspiração QAnon surgiu no final de 2017, nos EUA, quando um usuário do fórum da internet que mantém os usuários anônimos , autointitulado “Q”, alegava ter acesso a documentos e informações sigilosas do Governo dos Estados Unidos. “Q” denunciava uma suposta rede mundial de pedófilos formada por políticos do partido democrata, como o ex-presidente Bill Clinton, celebridades de Hollywood, o magnata George Soros, a chanceler alemã Angela Merkel, apontada como neta de Adolf Hitler e até o Papa Francisco. Para os adeptos dessa teoria, a chamada operação STORM, liderada por Donald Trump, estaria em ação por todo o mundo, no combate à exploração sexual infantil. 

Tais teorias que aparentemente parecem piadas restritas a um pequeno número de seguidores sem crédito, atualmente, são difundidas em massa por apoiadores do ex-presidente Trump. Temas como a negação da pandemia de covid-19 ou a derrota de Trump ter sido uma fraude perpetrada pelas elites globalistas para beneficiar Joe Biden, também fazem parte do repertório QAnon. Em maio de 2019, o FBI declarou que o QAnon representa uma ameaça de terrorismo doméstico.

Como se dá a questão do abuso infantil no Brasil?

O anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022 produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) apresenta dados assustadores sobre o abuso infantil no país: ao contrário do que expõem algumas obras de ficção, a maioria dos estupros é cometida por pessoas próximas à família, geralmente no momento em que a mãe sai para trabalhar.

De 2020 para 2021 observa-se um  aumento no número de registros de estupro, que passou de 14.744 para 14.921. Já no que tange ao estupro de vulnerável, este número sobe de 43.427 para 45.994, sendo que, destes, 35.735, ou seja, 61,3%, foram cometidos contra meninas menores de 13 anos (um total de 35.735 vítimas).

As meninas são maioria nesta trágica estatística, mas os meninos também são vítimas. No primeiro caso, o número de registros aumenta conforme a menina cresce, já no caso dos meninos, o número de registros aumenta até os seis anos (com pico entre quatro e seis) e depois começa um processo de queda.

Quanto à característica do criminoso, esta continua a mesma: homem (95,4%) e conhecido da vítima (82,5%), sendo que 40,8% eram pais ou padrastos; 37,2% irmãos, primos ou outro parente e 8,7% avós e 76,5% dos estupros acontecem dentro de casa.

O anuário de Segurança Pública defende a escola como elemento estratégico fundamental para o enfrentamento do estupro de vulnerável. Como a violência acontece dentro de caso e muitas vezes é praticada por um parente,  a escola pode ajudar (e já ajuda) no processo de identificação e denúncia, mas, sobretudo, no processo de prevenção.

Muitas vezes o abusador se aproveita da ignorância da criança e, se ela tiver consciência, dependendo da situação, pode mesmo evitar que o abuso ocorra e denunciar o criminoso. Para aqueles que acham que o ambiente escolar é um risco para os filhos, vale lembrar que apenas 1% dos casos registrados ocorreu em estabelecimento de ensino.

Além dos dados sobre o abuso infantil, o relatóriochama atenção para os casos de exploração sexual e pornografia infantil na internet. Um mapeamento feito em 2020 pela Polícia Rodoviária Federal com a Childhood Brasil aponta que, só nas rodovias federais, há 3.651 pontos de exploração sexual infantil. Mesmo com o problema da subnotificação, este dado aponta que essa é uma questão a ser debatida no Brasil. 

O que se sabe sobre o tráfico internacional de pessoas?

O Relatório Global sobre o Tráfico de Pessoas produzido pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNDOC) explica que os alvos preferenciais dos traficantes são os mais vulneráveis, como migrantes que fogem de países em guerra, em grave crise econômica ou climática. Países em guerra, democracia precária e sem recursos para enfrentar o crime proporcionam aos traficantes um terreno propício para suas operações.

Isso é exacerbado por um maior número de pessoas em uma situação desesperadora, sem acesso às necessidades básicas. Em todos os conflitos analisados, populações deslocadas à força têm sido alvo de traficantes: habitantes de assentamentos de refugiados sírios e iraquianos a afegãos e rohingyas que fogem de conflitos e perseguições. 

A publicação alerta para milhões de mulheres, crianças e homens em todo o mundo que estão sem trabalho, fora da escola e sem apoio social. A previsão é que o risco de tráfico venha a piorar. 

O número de crianças vítimas deste crime triplicou nos últimos 15 anos. A proporção de meninos aumentou cinco vezes. Este grupo é o mais usado para trabalhos forçados. As meninas são mais traficadas para exploração sexual. 

As vítimas do sexo feminino continuam sendo os alvos principais. Quase metade delas identificadas em nível global eram mulheres adultas e 20% meninas. Outros cerca de 20% eram homens adultos e 15% meninos. Em geral, metade das vítimas detectadas foi traficada para a exploração sexual, 38% para trabalhos forçados e 6% envolvidas em atividades criminosas forçadas.

Os dados recolhidos em 148 países identificam 534 tipos de tráfico diferentes e cerca de 50 mil vítimas, embora as vítimas sejam normalmente traficadas dentro de áreas geograficamente próximas.

Num desses exemplos, meninas recrutadas em uma área urbana podem ser exploradas em motéis e bares próximos. Globalmente, a maioria das vítimas é resgatada no próprio país de origem. 

O Relatório aponta que o tráfico de crianças ‒ em especial de meninas ‒ continua sendo uma preocupação fundamental. Desta maneira, o texto indica que as escolas e os professores precisam fazer parte de uma abordagem holística para prevenir o tráfico e reduzir a vulnerabilidade das crianças a ficarem presas em padrões de exploração. 

Segundo o estudo, as intervenções contra o tráfico de crianças podem ser mais eficazes se forem incluídas em programas destinados a proporcionar educação de qualidade a todos, especialmente em contextos com risco acrescido de tráfico, como os campos de refugiados.

A apropriação da pauta da proteção a crianças por extremistas

No Brasil, o filme “Som da Liberdade” tem rendido polêmicas, uma vez lideranças políticas e grupos extremistas têm se apropriado do tema do tráfico infantil para criar pânico moral. Com a abordagem de que “algo está acontecendo sob os olhos das pessoas e nada está sendo feito”, a mensagem do filme é utilizada para alimentar práticas comuns da extrema direita, como a desinformação e o discurso de ódio. 

Para a pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER ) Magali Cunha, “há bastante repercussão sobre o filme nas redes sociais por causa das ações de líderes políticos e religiosos com identidade cristã afinada com a ideologia da extrema-direita”. Os portais de notícias gospel que se identificam com a linha ideológica tem repercutido os assuntos relacionados ao filme. “Todos enfatizam não só a importância de assistir ao filme mas também a conspiração em torno dela”, produzindo a ideia de que as esquerdas políticas se dedicam contra o filme, o que incita a indignação do público alinhado à lideranças que difundem conteúdos desinformativos. 

Para a pesquisadora, “Esse grupo político é notório por lançar mão de pautas relacionadas à defesa da família, das crianças e de jovens para promover pânico moral e teorias da conspiração sobre interesses de ‘um sistema’ que envolveria esquerdas políticas, o comunismo, alguns nomes de empresários, políticos e religiosos interessados na destruição das famílias, na depravação sexual e na exploração de crianças e jovens, inclusive com interesses políticos e financeiros.”

No Brasil, aponta Cunha, a distribuição do filme teve características semelhantes ao que ocorreu nos Estados Unidos. “Toda a publicidade do filme nos Estados Unidos foi construída com essas bases e a defesa dos heróis relacionados à extrema-direita. Nessa propaganda, esses seriam os únicos que estariam, de fato, empenhados em colocar um fim nesse mal.” Com isto, a propaganda omite as ações realizadas no Brasil em diversas frentes, governamentais e não-governamentais.

Bereia classifica como falsas as postagens que atribuem a críticos do filme “Som da Liberdade” uma atuação para que pessoas sejam impedidas de assistir à obra, não gostar de crianças ou comprometimento com pedofilia e tráfico de crianças. As críticas que vêm sendo publicadas ao filme dizem respeito à propaganda conspiracionista em torno dos temas trabalhados pelo filme e às suspeitas em torno dos objetivos da ampla distribuição gratuita de ingressos e da característica dos financiadores.

Bereia alerta leitores e leitoras para o conhecimento dos dados referentes à violência contra crianças e adolescentes no Brasil, na forma de abuso sexual e tráfico humano, e à necessidade de reconhecer as ameaças que existem no âmbito das próprias famílias. É um tema que deve ser tratado com responsabilidade.

Referências de checagem:

UOL.

https://www.google.com/amp/s/www.uol.com.br/splash/noticias/2023/09/22/angel-studios-a-plataforma-crista-por-tras-do-polemico-som-da-liberdade.amp.htm Acesso em 03 OUT 2023

https://cinebuzz.uol.com.br/noticias/cinema/som-da-liberdade-saiba-como-conseguir-ingressos-gratuitos-para-o-filme-mais-polemico-do-ano.phtml Acesso em 05 OUT 2023

Relatório  Global do UNODC de 2022 sobre o Tráfico de Pessoas. https://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/tip/2021/GLOTiP_2020_15jan_web.pdf  Acesso em 02 OUT 2023

Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas. https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil/Topics_TIP/Publicacoes/relatorio-de-dados-2017-2020.pdf  Acesso em 02 OUT 2023

Fórum Brasileiro de Segurança Pública. https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/14-anuario-2022-violencia-sexual-infantil-os-dados-estao-aqui-para-quem-quiser-ver.pdf  Acesso em 02 OUT 2023

Childhood Brasil. https://www.childhood.org.br/pesquisa-mapear/ Acesso em 02 OUT 2023

Movimento QAnon e a religiosidade hackeada: big data, algoritmos e a captura da razão. https://pt.scribd.com/document/576925278/Apresentacao-Anais-Do-VIII-Seminario-Internacional-de-Pesquisas-Em-Midia-e-Cotidiano Acesso em 02 OUT 2023

Folha de São Paulo.

https://f5.folha.uol.com.br/colunistas/tonygoes/2023/09/a-quem-interessa-que-voce-veja-som-da-liberdade-de-graca.shtml  Acesso em 02 OUT 2023

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/09/som-da-liberdade-e-comercial-meloso-contra-a-sordidez-humana.shtml?pwgt=l4b44773r72po3ukeby0xu4q1l20v6cgcnvm79ngs2mx0b9e&utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwagift Acesso em 03 OUT 2023

https://f5.folha.uol.com.br/colunistas/tonygoes/2023/09/a-quem-interessa-que-voce-veja-som-da-liberdade-de-graca.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa Acesso em 03 OUT 2023

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/09/som-da-liberdade-e-comercial-meloso-contra-a-sordidez-humana.shtml  Acesso em 02 OUT 2023

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/09/filhos-de-bolsonaro-damares-e-aliados-exaltam-filme-queridinho-do-qanon.shtml Acesso em 04 OUT 23

https://cinebuzz.uol.com.br/noticias/cinebuzzjaviu/som-da-liberdade-cinebuzz-ja-viu-critica.phtml  Acesso em 02 OUT 2023

Angel Studios. https://www.angel.com/pt-BR Acesso em 02 OUT 2023

Brasil Paralelo. https://www.brasilparalelo.com.br/ Acesso em 02 OUT 2023

Plano Crítico. https://www.planocritico.com/critica-som-da-liberdade/ Acesso em 03 OUT 2023 

Rotten Tomatoes. https://www.rottentomatoes.com/m/sound_of_freedom  Acesso em 03 OUT 2023

Brasil de Fato. https://www.brasildefato.com.br/2021/03/03/qanon-a-teoria-conspiratoria-que-mirou-a-politica-e-acertou-as-relacoes-pessoais Acesso em 03 OUT 2023

El País. https://brasil.elpais.com/internacional/2021-01-12/teorias-conspiratorias-do-qanon-varrem-o-mundo-e-sao-mais-perigosa-do-que-parecem.html Acesso em 03 OUT 2023

Observatório Evangélico. https://www.observatorioevangelico.org/som-da-liberdade-a-estreia-tao-aguardada/ Acesso em 04 OUT 2023

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/articles/cxx6kl13w7po?ref=observatorioevangelico.org Acesso em 04 OUT 2023

Escreva Lola Escreva. https://escrevalolaescreva.blogspot.com/2023/09/o-som-das-teorias-da-conspiracao.html Acesso em 04 OUT 2023

Portal Making Of. https://portalmakingof.com.br/brasil-paralelo-fecha-parceria-para-o-lancamento-de-som-da-liberdade-no-brasil/ Acesso em 04 OUT 2023

Omelete. https://www.omelete.com.br/filmes/sound-of-freedom-entenda-a-polemica-do-filme#13 Acesso em 05 OUT 2023

Portal G1. https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/09/28/som-da-liberdade-a-mobilizacao-de-evangelicos-e-bolsonaristas-para-filme-ser-lider-de-bilheteria-no-brasil.ghtml Acesso em 05 OUT 2023

Twitter. https://twitter.com/DamaresAlves/status/1708266584437850222 Acesso em 05 OUT 2023

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/q-anon-ou-o-novo-discurso-desinformativo/ Acesso em 05 OUT 2023

***

Foto de capa: divulgação

Governo Biden muda política de uso de tecido fetal humano para pesquisas médicas

Em 21 de abril, o portal de notícias Gospel Prime publicou que o presidente dos Estados Unidos Joe Biden liberou o uso de tecido de fetos abortados para experiências médicas.

A matéria reproduz informações do jornal norte-americano The Washington Post e relata que a mudança aconteceu no âmbito do Instituto Nacional de Saúde (NIH, sigla em inglês, um conglomerado de centros de pesquisa que formam a agência governamental de pesquisa biomédica do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA). O NIH teria feito, segundo o jornal, uma reversão de restrições efetuadas na administração de Donald Trump. Além disso, o texto ainda elenca críticas à medida vinda de instituições cristãs como o Instituto Charlotte Lozier (CLI) e o Conselho de Pesquisa da Família (FRC).

As restrições da administração Trump

Em 2019, o governo do ex-presidente republicano passou a restringir o uso de tecidos de fetos abortados em estudos conduzidos por pesquisadores pagos pelo governo federal no NIH. Outra restrição dizia respeito a cientistas de outras instituições (como universidades) que buscavam financiamento junto ao NIH: seus projetos passariam a ser avaliados por uma comissão de ética. 

No primeiro caso, os “intramural studies” (estudos internos) receberam cerca de 31 milhões de dólares em 2018 e, no segundo, o montante chegou a 84 milhões distribuídos em 200 projetos. A política foi aplicada apenas para novos pedidos de financiamento. Com isso, três estudos foram encerrados.

A comissão de ética avaliou que a medida do governo Trump buscou uma composição com pessoas de diversas áreas: incluindo, pelo menos, um teólogo, um especialista em ética, um médico e um advogado. Não mais do que a metade poderiam ser cientistas.

Entretanto, demorou cerca de um ano para formação do painel e, quando foi criado, a maioria se identificou como contrária ao aborto, segundo The Washington Post. De 14 projetos analisados, todos, exceto um, foram rejeitados.

Além disso, o jornal norte-americano informa que as regras de 2019 obrigaram os cientistas a elaborar justificativas porque o tecido fetal humano era necessário para pesquisa e porque outros métodos eram inadequados. Isso incomodava os cientistas por ocupar muito espaço em pedidos de financiamento. Essa obrigação não foi alterada. 

As mudanças do governo Biden

A ação da atual administração muda as partes centrais das restrições de 2019. A partir de agora, os estudos tecidos fetais para pesquisadores pagos pelo governo estão liberados enquanto os projetos externos não precisam mais passar pela comissão criada por Trump. Mesmo assim, tais pesquisas ainda são obrigadas a obter o consentimento do doador do tecido fetal, seguir os requerimentos das universidades e não podem pagar pelo tecido utilizado. 

Já os estudos do pesquisador no NIH voltam a ser como eram antes das restrições da administração Trump. Por fim, estudos que foram interrompidos pelas regras de 2019 foram retomados sem necessidade de revisão.

Uso de tecidos fetais em pesquisas

O Gospel Prime reproduz as informações do The Washington Post a respeito do uso de tecidos fetais para pesquisas, que datam dos anos 1950. Naquela década, o material foi usado no desenvolvimento da vacina da poliomielite e nos anos 1980 cientistas transplantaram tecidos do sistema imunológico de fetos abortados em ratos de laboratório. O site não cita, porém, que esses experimentos com ratos “humanizados” ajudaram a desenvolver terapias para HIV, câncer, problemas neurológicos, doença das células falciformes e distúrbios oculares.

As linhas celulares derivadas de fetos abortados foram utilizadas também no desenvolvimento de anticorpos monoclonais para o tratamento da covid-19 de Donald Trump, informou o jornal The New York Times. Vacinas financiadas pela Operação Warp Speed do Governo Americano também fez testes nessas linhagens celulares, como verificou Bereia em novembro de 2020. Vale lembrar que o uso dessas células derivadas não provoca novos abortos e que outros cristãos aceitam esse procedimento no desenvolvimento de vacinas (inclusive um médico citado pelo Gospel Prime na matéria verificada pelo Bereia).

Gospel Prime omitiu falas favoráveis à mudança

Além disso, o Gospel Prime também reproduziu críticas à ação do Governo Biden, mas não registrou as declarações em defesa da mudança, também  colhidas pelas mídias de notícias. De fato, representantes das instituições cristãs, Conselho de Pesquisa da Família (FRC, na sigla em inglês) e do Instituto Charlotte Lozier (CLI, na sigla em inglês) criticaram a medida. Ambos foram ouvidos pelo The New York Times e pelo The Washington Post. Estas instituições dizem que a decisão do governo Biden não é ética por usar tecidos de fetos abortados.

Ao The Washington Post, a presidente da Sociedade Internacional de Pesquisa em Células-Tronco Christine Mummery afirmou em posição divergente: “A comunidade científica reconhece que o governo Biden está suspendendo as restrições arbitrárias sobre a promissora pesquisa biomédica usando tecido fetal humano”. Já o neurocientista da Universidade da Califórnia, San Diego, Lawrence Goldstein, que usou tecidos fetais em sua pesquisa, afirmou ao The New York Times esperar que a política de Trump não volte em uma próxima administração Republicana no futuro: “Seria terrível para essa pesquisa estar sob um vai-e-vem. Ela vai morrer se isso acontecer.”

“Acreditamos que temos que fazer a pesquisa necessária para ter certeza de que estamos incorporando inovação e levando todos esses tipos de tratamentos e terapias para o povo americano”, afirmou aos jornais o Secretário de Estado de Saúde e Serviços Humanos Xavier Becerra. O responsável pela saúde no país é classificado por Tony Perkins, do Conselho de Pesquisa da Família,  como “advogado fanático do aborto.”

***

Bereia conclui que a matéria do Gospel Prime é imprecisa. Apesar da mudança de política realizada pelo Governo Biden ser verdadeira, a matéria que faz uso do que foi publicado em jornais dos EUA não expõe o contexto completo das alterações realizadas pelo novo governo e não mostra o ponto de vista dos cientistas que apoiam a nova medida.

***

Foto de capa: Susan Walsh/AP Photo

***

Referências

Revista Science, https://www.sciencemag.org/news/2019/06/trump-administration-restricts-fetal-tissue-research. Acesso em: 22 de abril de 2021.

Washington Post, https://www.washingtonpost.com/health/biden-administration-removes-trump-era-restrictions-on-fetal-tissue-research/2021/04/16/71719006-9ed2-11eb-8005-bffc3a39f6d3_story.html. Acesso em: 22 de abril de 2021.

The New York Times, https://www.nytimes.com/2021/04/17/health/fetal-tissue-abortion-biden.html. Acesso em: 28 de abril de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/vacina-contra-covid-19-nao-usa-celulas-de-bebes-abortados-como-afirma-site-gospel/. Acesso em: 28 de abril de 2021.

Family Research Council, https://www.frc.org/get.cfm?i=PR21D04. Acesso em: 28 de abril de 2021.

Site gospel repete desinformações de discurso de Trump na Assembleia Geral da ONU

*Com colaboração de Bruno Cidadão

Marcando os 75 anos de existência da Organização das Nações Unidas, a Assembleia Geral deste ano foi atípica: por conta da pandemia da Covid-19, pela primeira vez na história, os líderes globais e suas delegações diplomáticas não se reuniram presencialmente em Nova York. As discussões foram virtuais e congregaram os chefes de Estados por meio de discursos gravados previamente.

Mesmo assim, a realização remota foi apenas um entre os fatos que despertaram a atenção do público e da mídia ao redor do mundo. Isso porque, entre os desdobramentos do encontro anual estiveram em evidência, sobretudo, os discursos dos presidentes Donald Trump, dos Estados Unidos, e do chefe do Estado brasileiro, Jair Bolsonaro, conectados pelas críticas e pressões à China e ainda por jogarem luz a temas de cunho religioso.

Neste cenário, o Coletivo Bereia volta sua atenção para uma matéria publicada no portal Gospel Mais no dia 27 de setembro, intitulada: “Trump condena a perseguição religiosa e critica relação da OMS com a China”. De acordo com o conteúdo, o presidente americano teria sido alvo de polêmica durante discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, a ONU, ao criticar a relação da Organização Mundial de Saúde (OMS) com o governo comunista da China. Segundo Gospel Mais, que já contabiliza diversos conteúdos categorizados como imprecisos, enganosos ou mesmo falsos, Trump ainda teria criticado a perseguição religiosa no mundo, tema abordado pelo chefe do Executivo brasileiro ao fazer apelo contra a cristofobia.

Gospel Mais traz uma citação do presidente na ocasião do discurso: “Se a ONU quiser ser uma organização eficiente, precisa focar nos problemas reais do mundo. Isso inclui terrorismo, a opressão de mulheres, trabalho forçado, tráfico de drogas e de pessoas, perseguição religiosa e limpeza étnica de minorias”, disse o americano. Essa foi a única menção à temática religiosa presente na fala do presidente. Mesmo assim, ganhou destaque no título da matéria de Gospel Mais.

O conteúdo afirma também que Trump teria voltado a reiterar suas críticas à OMS, sugerindo que a organização teria omitido dados importantes ao lado da China, durante o início da pandemia do novo coronavírus, o que poderia ter salvado a vida de milhares de pessoas no mundo.

Na página de Gospel Mais no Facebook, que contabilizou 218 curtidas, 10 comentários e 36 compartilhamentos até a data de checagem, a publicação dividiu a opinião dos usuários.

Por dentro do discurso de Trump na Assembleia

No segundo dia do evento, o presidente dos Estados Unidos Donald Trump, disse que, 75 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial e a fundação das Nações Unidas, o mundo está uma vez mais “envolvido numa grande luta global.” Enquanto líder do país anfitrião, ele foi o segundo a tomar a tribuna na abertura dos debates de líderes internacionais na ONU.

A íntegra do discurso virtual do presidente norte americano foi acessada no portal da CNN Brasil, da qual destacamos alguns trechos que reforçam as pressões que os EUA vêm fazendo à China. “Estamos em uma luta mundial, batalhamos contra um inimigo invisível, o vírus chinês que levou muitas vidas em 188 países. Nos Estados Unidos nós fizemos uma grande mobilização, a maior desde a Segunda Guerra Mundial. Entregamos respiradores, equipamentos e pudemos compartilhar com parceiros no mundo. Criamos tratamentos, reduzindo nossa taxa de mortalidade em 85% desde abril. Três vacinas estão na fase clínica para que possam ser entregues. Vamos distribuir a vacina, vamos combater e derrotar o vírus. Acabar com a pandemia e entrar em uma nova era de prosperidade, cooperação e paz”, disse.

Trump também fez duras críticas à China e ao combate à pandemia do novo coronavírus. De acordo com ele, a Organização Mundial da Saúde (OMS) colaborou para o impasse, em parceria com o governo chinês. “Nesse futuro precisamos responsabilizar a nação que libertou esta praga no mundo: a China. Ela proibiu os voos nacionais, mas permitiu que pessoas voassem para o restante do mundo e infectasse as populações. O governo chinês e a Organização Mundial da Saúde, que é virtualmente controlada pela China, disse que não havia possibilidade de transmissão de pessoa para pessoa, depois disseram que pessoas assintomáticas não espalhariam o vírus. Precisamos responsabilizar a China por suas ações”, criticou.

O presidente norte americano ainda avaliou a saída dos EUA do Acordo de Paris como uma solução para a redução da emissão de poluentes. “A China descarta lixo e plástico nos oceanos, destrói corais e lança mais mercúrio tóxico da atmosfera do que qualquer país no mundo. As emissões de carbono na China são quase o dobro dos Estados Unidos e estão crescendo. Depois que retirei os Estados Unidos do Acordo de Paris, nós reduzimos as emissões mais do que qualquer outro país do acordo. A China não está interessada no meio ambiente, ela está interessada em punir os Estados Unidos e eu não vou aceitar isso. Se os Estados Unidos vão ficar em uma Organização, ela precisa tocar nos problemas reais do mundo: o terrorismo, problema das mulheres, trabalho escravo, tráfico de pessoas, perseguição religiosa. Os EUA sempre serão líder para os direitos humanos”, acrescentou.

“Meu governo está criando oportunidade para mulheres, descriminalização da homossexualidade e protegendo pessoas não nascidas nos EUA. A prosperidade americana é a base da liberdade e segurança no mundo. Em três anos criamos a maior economia da história e estamos fazendo isso novamente”, reforçou.

Apesar do esforço de Donald Trump em culpabilizar a China por destruição do meio ambiente, por irresponsabilidade com a pandemia de coronavírus e ligar o país ao suposto controle da OMS, s as controvérsias em torno deste discurso são observadas. Além de desinformar com exagero nas acusações à China, Trump omite que os Estados Unidos praticam o mesmo tanto quanto ao coronavírus quanto ao meio ambiente. Os ataques discursivos à China são estratégia de disputa geopolítica. Antes mesmo da pandemia, as duas maiores economias do mundo já travavam uma disputa global de interesses econômicos, que chegou a ser caracterizada como nova Guerra Fria ou um período de “grande ruptura sem nenhuma liderança”, como afirmou o economista e professor da Universidade de Columbia (EUA) Jeffrey Sachs, em entrevista à BBC.

Pontos controversos também no discurso de Bolsonaro

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, foi o primeiro líder de Estado a discursar na 75ª Assembleia Geral da ONU. Entre falas que defendem a atuação do governo no combate à pandemia e aos crimes ambientais, Bolsonaro ressaltou as medidas econômicas implementadas em caráter de urgência, acusou a imprensa de espalhar desinformação sobre as queimadas e o desmatamento na Amazônia e Pantanal.

Os argumentos repercutiram até mesmo na mídia internacional. A agência francesa AFP, por exemplo, líder mundial em verificação digital, checou vários pontos da fala do presidente, apontando, sobretudo, para uma “campanha de desinformação” sobre as queimadas na Amazônia e no Pantanal.

Segundo a matéria da AFP, para explicar os incêndios que afetam a floresta amazônica, onde foram registrados 71.673 focos ativos desde o início do ano, Bolsonaro sugeriu que as chamas são causadas por caboclos e indígenas que ateariam fogo na terra para prepará-la para a agricultura. A checagem considera que, embora essa seja uma técnica efetivamente empregada por povos indígenas brasileiros, um levantamento do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) de setembro do ano passado concluiu que uma grande proporção dos incêndios que afetam a região está atrelada ao desmatamento.

A respeito da fala do presidente brasileiro sobre a Covid-19, a AFP também categoriza como “falsa”. Isso porque, apesar de realmente ter demonstrado preocupação com as consequências da pandemia para a economia brasileira desde o início do surto de covid-19, “não é verdade que o presidente Jair Bolsonaro alertou ‘desde o princípio’ para a necessidade de combater o novo coronavírus”, explicita a matéria.

A checagem acrescenta que no dia em que o Brasil registrou a primeira morte pela doença, em 17 de março, Bolsonaro indicou ver “histeria” em algumas medidas implementadas para reduzir a propagação da doença. Em pronunciamento à população em 24 de março, quando o Brasil registrava 46 óbitos e mais de 2.200 casos confirmados de covid-19, o presidente se referiu à doença como uma “gripezinha”. “No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho”, afirmou.

Alguns dias depois, em 27 de março, colocou em dúvida os dados de mortes pela doença no estado de São Paulo, que registrava 58 óbitos no momento. “Não pode ser um jogo de números para favorecer interesses políticos. Não estou acreditando nesses números de São Paulo, até pelas medidas que ele [o governador João Doria] tomou”, disse Bolsonaro em entrevista à Band TV. No mesmo mês, segundo a checagem, saiu para passear em Brasília, provocando pequenas aglomerações – já desencorajadas na época, inclusive por seu ministro da Saúde – e disse que o vírus precisaria ser enfrentado mas “não como um moleque”. “Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Todos nós iremos morrer um dia”, acrescentou.

Outro ponto citado por Bolsonaro que gerou debate e polêmica foi a questão religiosa, assunto inclusive já abordado pelo Coletivo Bereia em matéria publicada recentemente. Na ocasião, ele fez um apelo à comunidade internacional pelo combate ao que ele chamou de “cristofobia”. Também pregou a defesa à liberdade religiosa. Bolsonaro não mencionou nenhuma outra religião, além do cristianismo. “Faço um apelo a toda a comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à ‘cristofobia’”, disse. A declaração se deu em um momento em que falava de liberdade e ordem democrática. Bolsonaro afirmou que o Brasil é um “país cristão e conservador e tem na família sua base”.

É possível perceber a conexão do discurso do chefe de Estado brasileiro à fala do presidente dos EUA, Donald Trump, o segundo a se pronunciar na assembleia, que também afirmou: “se a ONU quiser ser uma organização eficiente, precisa focar nos problemas reais do mundo”, afirmou. “Isso inclui terrorismo, a opressão de mulheres, trabalho forçado, tráfico de drogas e de pessoas, perseguição religiosa e limpeza étnica de minorias”.

O que os discursos têm em comum?

Essa não é a primeira vez que os líderes se referem, em discursos, a perseguição religiosa, com enfoque nos cristãos. Em fevereiro de 2020, Brasil, EUA e mais 25 Nações entraram em acordo para fundar uma aliança global de combate à intolerância religiosa após praticamente dois anos de discussão sobre o tema.

Em setembro de 2019, Donald Trump teve uma reunião com a cúpula das Nações Unidas para pedir proteção para a liberdade de religião, lembrando episódios de ataques à judeus em sinagogas e a cristãos e muçulmanos ao redor do mundo.

O Coletivo Bereia ouviu Alexandre Brasil, doutor em Sociologia e diretor do Instituto Nutes de Educação em Ciências e Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sobre os esforços brasileiros em se juntar ao governo americano na Aliança Internacional para Liberdade Religiosa. Para ele, a ação é uma estratégia política:

A necessária questão da liberdade religiosa sempre foi uma preocupação da diplomacia brasileira, tendo atuado em diversos momentos e, dentro da tradição brasileira, privilegiando os fóruns internacionais multilaterais. O Brasil sempre ocupou uma importante posição no palco internacional devido a orientação assumida de buscar a conciliação e o diálogo. Em anos recentes o governo brasileiro atuou em processos em vários países em que a liberdade religiosa de cristãos tem sido ameaçada. Isso se deu tanto por meio do diálogo e participação em eventos da alta administração com governos nacionais que ocorreram em fóruns multilaterais, como também em ações concretas visando intermediar e receber refugiados que estão com a vida ameaçada. Nunca houve desconsideração com esse tema, sendo que o que há de novo agora é a proeminência e uso político e estratégico dele. Um ponto central nessa pauta é que a mesma não pode e não deve assumir uma conotação ideológica e política, mas ser enfrentada com a seriedade e complexidade que possui visando, principalmente, a defesa e promoção da vida e dos direitos humanos.

Alexandre Brasil, doutor em Sociologia

Ainda de acordo com Alexandre Brasil, a aliança pode causar efeito inverso, definindo o que chama de “inimigos globais”:

Essa ativa atuação global americana pode ser lida como uma união entre religião e política que pode acabar por definir inimigos globais a partir da questão da liberdade religiosa. Inimigos que também serão da Aliança criada. Assim podemos estar diante de uma conformação similar daquela experimentada por ocasião da Guerra Fria, só que agora a religião acaba por servir como alimento para uma retórica persecutória que elege e estabelece inimigos a serem combatidos. O que vem sendo adotado no governo brasileiro, que reúne tanto católicos como evangélicos, são elaborações que perpassam a questão da liberdade religiosa e que afirmam que essa tem precedência sobre os outros temas dos direitos humanos. Isso tanto no Itamaraty como no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Alexandre Brasil, doutor em Sociologia

Apesar de fazer o esforço de defesa da tolerância religiosa que vem promovendo nos anos mais recentes de seu governo, uma das promessas de campanha de Trump, que foi autorizada no início de seu mandato, foi a de barrar a entrada de viajantes muçulmanos nos EUA, sob o argumento de se defender do terrorismo e defender as fronteiras do país.

Além da política imigratória restrita que marca o discurso de Trump, em outros episódios, o presidente foi conivente com falas xenofóbicas e intolerantes, como aconteceu durante sua campanha em 2016, quando, durante um comício, um eleitor levantou a questão dos muçulmanos como um problema a ser enfrentado pelo país e chamou o então presidente Barak Obama de muçulmano. Diante da fala, Trump concordou e deu uma resposta evasiva.

Já o presidente brasileiro participou, somente em 2019, de 40 encontros religiosos com líderes evangélicos, desconsiderando ainda outras profissões de fé cristãs, como os católicos. O próprio Bolsonaro já afirmou em suas falas que foi eleito graças aos votos da base eleitoral evangélica.

Em 01 de abril de 2019 Bolsonaro visitou o Muro das Lamentações em Jerusalém, ao lado do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. A visita gerou debate na comunidade internacional, pois historicamente o Brasil sempre defendeu a causa palestina, no entanto, o ato, realizado na presença do ministro de Israel foi contra a política brasileira de apoio aos palestinos. Em nota, o grupo palestino, Hamas, condenou a atitude do presidente, o que foi prontamente rebatido em rede social pelo filho de Bolsonaro, o senador, Flávio Bolsonaro, com uma frase intolerante que causou reação aos leitores. “Quero que vocês se explodam”, escreveu Flávio sobre a nota emitida pelo Hamas.

A aliança de países é uma solução para a intolerância religiosa?

Para o doutor em sociologia, Alexandre Brasil, ouvido por Bereia, já existiam fóruns de discussão no sistema internacional de direitos humanos que poderiam articular ações para essa problemática. “Por que não os utilizar?”, questiona Brasil.

Ainda de acordo com Alexandre Brasil, “a questão que se põe faz parte de uma estratégia da política internacional americana em dar precedência sobre os chamados direitos humanos de primeira geração, com foco na liberdade, e desconsiderar todo o avanço acumulado posteriormente que envolve tanto as questões sociais, como também ambientais, culturais e de participação social”.

Questionado se acredita no efetivo combate à intolerância religiosa no Brasil a partir da aliança internacional, Alexandre Brasil é enfático:

Já não estou mais na idade de acreditar em ações visivelmente marcadas por uma determinada agenda ideológica na linha da “cristofobia” anunciada por Bolsonaro em seu discurso na ONU. Essa é a agenda que está na mesa, à qual considero extremamente perigosa e prejudicial para as relações internacionais brasileiras.

Alexandre Brasil, doutor em Sociologia

De acordo com o especialista, há gargalos no sistema de proteção dos direitos humanos no Brasil e, ao invés de melhorias, houve desidratação de áreas de ministérios que estavam envolvidas com a temática no governo de Jair Bolsonaro.

O desafio brasileiro é enorme em relação à temática da liberdade religiosa. O foco e desafio do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos envolve considerar seriamente as ações previstas no último Plano Nacional de Direitos Humanos que possuem três pilares: o incentivo a criação de mecanismos públicos como secretarias, coordenadorias, conselhos e comitês para a promoção de discussões, reflexões e ações relacionadas a promoção do respeito à diversidade religiosa e para o suporte as vítimas. Há também questões que envolvem a necessidade de formação, iniciativas na educação básica, desenvolvimento de pesquisas populacionais e a formação dos servidores públicos que atuam no atendimento à população nas áreas de saúde, educação, assistência pública e segurança pública. Uma terceira frente seria a realização de campanhas e ações públicas visando sensibilizar e ampliar essa discussão. Infelizmente vemos o inverso a isso, com o desmonte de áreas nos Ministérios envolvidos com esta pauta como o da Educação. Uma total incapacidade e desinteresse por parte dos setores da área da cultura e, no caso dos Direitos Humanos, houve a extinção do Comitê que existia, sendo proposta a criação de um novo fórum com menor representação da sociedade civil e que ainda não saiu do papel. O novo comitê proposto tem como foco o tema da liberdade religiosa, sendo que o Brasil é reconhecido internacionalmente como o país campeão de liberdade religiosa no mundo em decorrência da inexistência de leis restritivas à criação e reunião em torno da religião. O nosso desafio, enquanto país, passa por identificar as questões que nos afligem em relação a existente intolerância religiosa e um marcado racismo religioso que tem se dado de forma violenta e segregacionista em relação às religiões afro-brasileiras. Isso precisa ter prioridade na agenda de qualquer esfera pública dedicada à promoção e defesa dos Direitos Humanos.

Alexandre Brasil, doutor em Sociologia

***

O Coletivo Bereia categoriza a matéria publicada no portal Gospel Mais no dia 27 de setembro, intitulada: “Trump condena a perseguição religiosa e critica relação da OMS com a China” como enganosa. O veículo reproduz conteúdos, de fato, pronunciados pelo presidente dos Estados Unidos, mas não oferece aos leitores/as a informação de que são falsos.

Recentemente, o Bereia checou diversos conteúdos relacionados à disseminação de desinformações e notícias falsas no Brasil e no mundo envolvendo cristãos e o governo chinês, o que parece ser apenas uma das frentes de algo que vem sendo denominado como a Nova Guerra Fria, tendo a China e outras potências mundiais como protagonistas.

Ademais, o site gospel engana os leitores com um título que destaca o tema da perseguição religiosa, mas este foi apenas uma breve menção do presidente Donald Trump em seu discurso, que, na verdade, enfatizou as críticas à China, não tendo abordado questões referentes a religião.

***

Foto de capa: ONU/Reprodução

***

Referências de checagem

Trump ataca China e diz que ONU precisa ‘focar nos problemas reais do mundo’. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2020/09/22/trump-ataca-china-e-diz-que-onu-precisa-focar-nos-problemas-reais-do-mundo Acesso em 29 de setembro de 2020.

Brasil e EUA vão fundar aliança global contra intolerância religiosa. Disponível em: https://br.usembassy.gov/pt/atendendo-ao-chamado-para-promover-a-liberdade-religiosa/ Acesso: 29 de setembro de 2020.

Nas Nações Unidas, Estados Unidos pedem proteção para liberdade de religiosa. Disponível em: https://news.un.org/pt/audio/2019/09/1688152 Acesso em: 29 de setembro de 2020.

Justiça valida decreto de Trump que proíbe entrada de viajantes muçulmanos. Disponível em: https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,justica-valida-decreto-de-trump-que-proibe-entrada-de-refugiados-muculmanos-no-pais,70002369685

AFP. https://checamos.afp.com/incendios-e-pandemia-checamos-discurso-de-bolsonaro-na-assembleia-geral-da-onu-de-2020 Acesso em 30 de setembro de 2020.

Trump é criticado por chamar Obama de muçulmano e ofender a religião. Disponível em: https://www.istoedinheiro.com.br/noticias/economia/20150918/trump-criticado-por-chamar-obama-muculmano-ofender-religiao/300183 Acesso em 29 de setembro de 2020.

Bolsonaro teve 40 compromissos oficiais com evangélicos só em 2019. Disponível em: https://extra.globo.com/noticias/brasil/bolsonaro-teve-40-compromissos-oficiais-com-evangelicos-so-em-2019-24251823.html Acesso em 29 de setembro de 2020.

Bolsonaro visita Muro das Lamentações ao lado de Netanyahu. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/04/01/bolsonaro-visita-muro-das-lamentacoes-ao-lado-de-netanyahu.ghtml Acesso em 05 de outubro de 2020.

Veja a íntegra do discurso de Bolsonaro na ONU com checagens e contextualização. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/09/veja-a-integra-do-discurso-de-bolsonaro-na-onu-com-checagens-e-contextualizacao.shtml Acesso em 29 de setembro de 2020.

Brasil prepara aliança com EUA por defesa da liberdade religiosa.Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/09/brasil-prepara-alianca-com-eua-por-defesa-da-liberdade-religiosa.shtml Acesso em 30 de setembro de 2020.

Flávio Bolsonaro ataca Hamas após crítica ao seu pai: ‘Quero que se explodam’. Disponível em: https://istoe.com.br/flavio-bolsonaro-ataca-hamas-apos-criticas-a-seu-pai-quero-que-voces-se-explodam Acesso em 30 de setembro de 2020.

Mídias sociais e noticiosas circulam desinformação sobre perseguição a cristãos na China. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/midias-sociais-e-noticiosas-circulam-desinformacao-sobre-perseguicao-a-cristaos-na-china/ Acesso em 05 de outubro de 2020.

São falsos vídeos sobre suposta Operação Storm no Brasil

Circula em grupos católicos e evangélicos nas mídias sociais um vídeo sobre a suposta Operação Storm, que investigaria uma rede de pedofilia internacional. Uma das versões do vídeo foi publicada originalmente no canal de Cristina Daflon no YouTube. O vídeo gera alerta e começa com a seguinte introdução:

“A Operação Storm entrou com João de Deus. Foi descoberta a rede de pedofilia internacional americana que vem de Hollywood, esse pessoal todinho lá. A ministra Damares tem feito muitas investigações e agora parece que as coisas estão fluindo, tem havido muito mais debate sobre isso. Cuidem de seus filhos, não confiem em ninguém.” 

A suposta Operação Storm é uma fake news que tem se propagado em diversas versões nos últimos dias, principalmente em correntes no WhatsApp. Segundo o site Boatos.org, alguns conteúdos dizem que a Operação Storm está prendendo opositores de Jair Bolsonaro e  do presidente americano Donald Trump.Já outra corrente afirma que foram presos 24 ministros, senadores, deputados e governadores, incluindo o presidente da Câmara dos Deputados  Rodrigo Maia (DEM/RJ) e o presidente do Senado Federal Davi Alcolumbre (DEM/AP). Há ainda outra versão que, como a do vídeo, afirma que a Operação Storm está investigando uma rede de pedofilia internacional. Entretanto, todas as versões são falsas. 

Bereia não encontrou menção sobre a Operação Storm em nenhum veículo oficial ou agência de notícias nacional ou internacional, somente notícias enganosas, produzidas com objetivo de desinformar. Também não é verdade que Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre ou os opositores a Bolsonaro e Trump foram presos. 

O vídeo da ministra Damares Alves

No vídeo analisado, depois da introdução sobre a falsa Operação Storm, a YouTuber retoma um vídeo da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves sobre pedofilia. No entanto a fala da ministra não se refere à Operação Storm.

Damares Alves estava, na ocasião, em um evento do BNDES, onde foi chamada a comentar sobre projetos de saneamento básico. Em meio a sua fala pediu que os governadores envolvidos ajudassem o projeto Abrace o Marajó. O projeto, que teve início em 12 de julho de 2019, visa à promoção de direitos humanos entre as populações marajoaras, uma etnia ribeirinha amazônica. Em nenhum momento da apresentação da ministra é citado o projeto, cita a Operação Storm ou o apoio de forças dos EUA. 

Damares ainda afirma, no vídeo, estar sendo perseguida por uma rede de crime organizado, e que os ataques a sua pasta se dariam por estar indo contra o comércio de imagens de estupro infantil. Sobre o projeto, no entanto, não apresentou nos resultados qualquer investigação contra rede de pedofilia. No âmbito jurídico, à época, foram realizados 277 processos (um procedente, 52 improcedentes, 212 acordos e 12 extintivas). Em resumo, o vídeo utilizado pela youtuber Cristina Daflon é retirado de contexto para dar credibilidade ao conteúdo que ela divulga, estratégia comum em fake news. 

Operação Storm: um esquema de desinformação 

A mentira da “Operação Storm” faz parte de um conhecido esquema de desinformação: se definir como oposto de um inimigo imaginário. O pesquisador João Cezar de Castro Rocha aponta como teorias da conspiração e inimigos invisíveis têm sido usados como retórica política para inflamar discursos de extrema direita, no caso do Brasil, os bolsonaristas. Em entrevista para o canal O Meio (11 de agosto) o professor explica que, para a narrativa bolsonarista, é necessário haver um inimigo a ser combatido, e a imagem de pedófilos têm um apelo forte nesse sentido.  

Ainda há muitas semelhanças entre as notícias sobre a suposta Operação e o raciocínio dos Q-Anon americanos. O grupo de conspiracionistas já teve suas contas excluídas do Twitter e foram noticiados amplamente na mídia. Em resumo, os “Q’s” – gíria para usuários anônimos das redes – acreditam que o presidente Donald Trump estaria atuando contra o deep state (“Estado Profundo”), uma seita satânica que consome fetos humanos abortados. O movimento tem preocupado o serviço de inteligência dos EUA, o FBI como um movimento radical e, no Brasil, foi satirizado em uma edição do programa Greg News, lançado no dia 14 de agosto, 

As semelhanças entre os discursos são notáveis, sobretudo diante dos mais recentes escândalos que vêm a tona no país, como o recente caso da jovem de 10 anos estuprada pelo tio e as reações de grupos como os de Sara Geromini que repercutiram na mídia e nas redes sociais digitais sendo trending topics nas últimas semanas.

Pânico moral e “defesa da família”

Segundo o pesquisador Richard Miskolci no artigo “Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay”, a construção de bases políticas conservadoras e de extrema direita, e a adesão a elas, têm sido conquistadas por meio do pânico moral, da retórica do medo, para gerar insegurança e promover afetos. 

Pânicos morais são fenômenos que emergem em situações nas quais sociedades reagem a determinadas circunstâncias e a identidades sociais que presumem representarem alguma forma de perigo. São a forma como a mídia, a opinião pública e os agentes de controle social reagem a determinados rompimentos de padrões normativos e, ao se sentirem ameaçados, tendem a concordar que “algo deveria ser feito” a respeito dessas circunstâncias e dessas identidades sociais ameaçadoras. O pânico moral fica plenamente caracterizado quando a preocupação aumenta em desproporção ao perigo real e geral (Miskolci, 2007).

Pesquisas científicas, como a de Richard Miskolci, indicam a circulação de intensa quantidade de material desinformativo, baseado em pânico moral e medo para disseminação de conteúdos que se revertem em apoio a grupos políticos de extrema direita, o que se pode identificar no vídeo verificado nesta matéria. 

Bereia conclui que a Operação Storm não existe, trata-se de uma notícia falsa produzida com objetivo de enganar e causar desinformação. Além disso, a narrativa sobre pedofilia que circula pelas mídias sociais, produzida por grupos de extrema-direita, evoca uma abordagem de pânico moral, tratando um problema sério de forma irresponsável e baseado em mentiras. 

***

Referências de checagem

YouTube – Cristina Daflon. https://youtu.be/cqsZu8afJWM. Acesso em 28 jul. 

Boatos.Org. https://www.boatos.org/politica/operacao-storm-deflagrada-brasil-24-governadores-ministros-stf-presos.html. Acesso em 28 jul. 

O Globo. https://oglobo.globo.com/sociedade/estamos-diante-de-uma-serie-de-estupros-de-bebes-diz-damares-em-evento-sobre-saneamento-1-24122246. Acesso em 27 ago. 

Governo Federal. https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2019/julho/ministerio-apresenta-resultados-do-programa-abrace-o-marajo. Acesso em 27 ago.

YouTube – O Meio. https://youtu.be/mKkbsFNUDXY. Acesso em 27 ago.

G1. https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2020/07/22/qanon-twitter-elimina-contas-de-grupo-que-propaga-teoria-de-conspiracao-nos-eua.ghtml. Acesso em 27 ago. 

YouTube – Greg News. https://youtu.be/zVhn9WT-Xqg. Acesso em 27 ago. 

UOL. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2020/08/26/o-que-e-qanon-o-movimento-conspiracionista-a-favor-de-trump-que-e-visto-pelo-fbi-como-ameaca.htm. Acesso em 27 ago. 

Richard Miskolci.  “Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay”. Acesso em 28 ago. 

Não há como afirmar que OMS e Bill Gates manipulem dados sobre o Covid-19

O youtuber paranaense e “jornalista católico” (como se define), Bernardo P. Kuster, publicou no Twitter uma postagem onde sugere que a Organização Mundial da Saúde (OMS) ratifica que pessoas já infectadas pelo novo Coronavírus (COVID-19) seriam imunes a novos contágios pois, segundo ele, a entidade teria interesse financeiro na criação de uma vacina.

De acordo com o paranaense, a prova seria um aporte recebido pela OMS de empresas da indústria farmacêutica e também do bilionário e filantropo americano Bill Gates, por meio de Fundação Bill & Melinda Gates. Kuster garante que Gates teria interesse no mercado.

O Coletivo Bereia apurou as informações divulgadas pelo youtuber bolsonarista (Kuster foi recomendado pelo presidente Jair Bolsonaro como fonte confiável de informação) e checou:

1 – Em resposta aos governos que propuseram a emissão de um ‘passaporte imunológico’, atestando a imunidade por pessoas que já contraíram o vírus, a OMS afirmou por meio de um comunicado, no sábado (25/4), que não há evidências de que as pessoas que se recuperaram do COVID-19 e que têm anticorpos sejam imunes a uma segunda infecção.

2 – A China só confirmou o primeiro caso de transmissão do Covid-19 em 20 de janeiro de 2020. Até então, a OMS seguiu as informações das autoridades sanitárias chinesas. Não havia comprovação da transmissão e, em declaração do representante da organização Gauden Galea, foi afirmado que apesar de causar sérios problemas em alguns pacientes, o vírus “não se espalha rapidamente”. Até então também não havia nenhuma morte confirmada em Wuhan, na China. O quadro atual de compreensão da pandemia é fortemente diferente daquele de janeiro passado.

3 – A OMS surgiu em 1948 e, inicialmente, era inteiramente financiada por contribuições anuais de seus países membros. Hoje, no entanto, parte de seu orçamento bianual de 4,8 bilhões de dólares é complementada com doações empresariais e de organizações, como a Fundação Bill & Melinda Gates. Segundo o relatório da OMS, a Fundação é a segunda principal doadora da entidade, estando atrás apenas dos Estados Unidos, no período de 2018 a 2019.

4 – O valor de US$ 250 milhões de dólares citado na postagem de Bernardo Kuster se refere ao recurso doado pela Fundação Bill & Melinda Gates neste período de combate ao Covid-19. Em nota publicada no site da fundação, não há menção de que esse recurso tenha sido repassado integralmente à OMS, nem há informações sobre valores e repasses regulares à organização. A nota afirma que o investimento atende aos países da África e do Sul da Ásia; no desenvolvimento e fornecimento de tratamentos e vacinas; na aceleração da detecção e contenção do vírus; e na proteção de comunidades vulneráveis nos Estados Unidos e apoio a atividades pedagógicas à distância. A Fundação diz defender a cooperação e a coordenação globais e atuar por meio de consórcios internacionais com empresas (incluindo corporações na área de Medicamentos e Alimentos), governos, centros de pesquisa e organizações não governamentais. Nessa mesma nota sobre suas ações no enfrentamento do vírus é mencionada a organização de um encontro com lideranças de 15 empresas farmacêuticas globais. De acordo com o comunicado, essas empresas abriram o acesso às suas bibliotecas de composto antivirais.

Em relação à atuação da fundação, é importante atentar para os conflitos de interesses políticos e econômicos, que podem gerar esse tipo de cooperação, principalmente se nessas rodadas não há menção explícita da participação de outros segmentos da sociedade civil e atores sociais, os quais devem fazer parte da busca de decisões e soluções coletivas. A unilateralidade dessas soluções é um ponto crítico que precisa ser acompanhado de perto pela população. No caso da indústria farmacêutica, há inúmeros relatos e estudos que comprovam situações de conflitos de interesses, concentração de poder. Para quem desejar saber mais sobre esse assunto: “A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos, de Márcia Angel (Ed. Record).

O que se pode concluir com esta checagem é que o youtuber e jornalista católico, Bernardo Kuster, utiliza informações corretas, como quando afirma que a OMS não reconheceu a transmissão entre seres humanos do novo coronavírus, no entanto, são informações defasadas, de janeiro de 2020, quando a doença ainda estava sendo identificada. Os elementos sobre o financiamento privado à agência também são corretos, porém, Kuster distorce a informação ao criar uma teoria conspiratória, da qual não consegue provar. Por conta disso, o Coletivo Bereia considera a postagem inconclusiva.

***

Referências de checagem:

Gaúcha ZH – “Nova Cepa de coronavírus pode ser origem de surto de pneumonia na China. (9.01.2020) Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/mundo/noticia/2020/01/nova-cepa-de-coronavirus-pode-ser-origem-de-surto-de-pneumonia-na-chinack56st3ju02mk01odknlouu8q.html ;

Gates foundation – Twenty years in the making: The foundation’s response to COVID-19. Disponível em: https://www.gatesfoundation.org/TheOptimist/Articles/coronavirus-mark-suzman-funding-announcement-2

Intercept– Quem são os youtubers recomendados por Jair Bolsonaro. Disponível em: https://theintercept.com/2018/11/17/youtubers-bolsonaro-nando-moura-diego-rox-bernardo-kuster-fake-news/

Istoé – Nova cepa de coronavírus pode ser origem de surto de pneumonia na China. Disponível em: https://istoe.com.br/nova-cepa-de-coronavirus-pode-ser-origem-de-surto-de-pneumonia-na-china/

Site do People’s Health Movement – “PHM Condemns US Halt on Funding toWHO” (20.04.2020). Disponível em: https://phmovement.org/articles-and-statements-on-pandemic-of-coronavirus-disease-2019-covid-19/

Site da Fundação Bill & Melinda Gates – “Twenty years in the making: Thefoundation`s response to Covid-19”. Disponível em: https://www.gatesfoundation.org/TheOptimist/Articles/coronavirus-mark-suzman-funding-announcement-2

Revista Exame – “Clima esquenta na OMS com acusação de negligência feita por Taiwan”( 14.04.2020). Disponível em: https://exame.abril.com.br/mundo/clima-esquenta-na-oms-com-acusacao-de-negligencia-feita-por-taiwan/

Jornal O Estado de Minas – “OMS alerta que não há provas de que pessoas já infectadas ficam imunes” (25.04.2020). Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2020/04/25/interna_internacional,1141806/oms-alerta-que-nao-ha-provas-de-que-pessoas-ja-infectadas-ficam-imunes.shtml

OMS – “Immunity passports” in the context of COVID-19 –Disponível em : https://www.who.int/news-room/commentaries/detail/immunity-passports-in-the-context-of-covid-19

Relatório OMS – WHO Results Report Programme Budget 2018-2019 Mid-Term Review. Disponível em: https://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/WHA72/A72_35-en.pdf

Donald Trump não foi vítima de envenenamento

Postagem no perfil do twitter do youtuber Bernardo Küster no dia 18 de novembro de 2019 informou aos seus mais de 300 mil seguidores que, ao que tudo indicava, o presidente dos EUA Donald Trump teria sido alvo de envenenamento intencional. O post também dizia que “seu provador de comida foi hospitalizado e Trump segue para o hospital para exames”. O tweet foi curtido pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL – SP) e teve 15 mil curtidas e quase 4 mil retweets. 

Bereia verificou o noticiário nacional e internacional, bem como as mídias de Donald Trump e não encontrou informação de envenenamento do presidente dos Estados Unidos.

De acordo com a secretária de imprensa da Casa Branca Stephanie Grisham, Trump passou por “um exame de rotina, parte de seu exame físico anual” e deixou o hospital depois de duas horas. Ela disse também que o presidente “permanece saudável e enérgico, sem queixas”. 

Donald Trump publicou no twitter uma declaração sobre o motivo de sua visita ao hospital: visitar a família de um jovem que passaria por uma cirurgia, aproveitando para fazer a fase um do seu exame físico anual. “Tudo muito bom (ótimo!). Será concluído ano que vem”.

“Visitei uma grande família de um jovem sob grande cirurgia no incrível Walter Reed Medical Center. Esses são realmente alguns dos melhores médicos do mundo. Também comecei a fase um do meu exame físico anual. Tudo muito bom (ótimo!). Vai terminar no próximo ano.”

Bereia afirma, portanto, que a postagem do youtuber Bernardo Küster é falsa e tem como objetivo disseminar fake news e obter dividendos políticos com a viralização. Os dados disponíveis sobre a situação em questão contradizem objetivamente o que é apresentado na postagem.

Referências de checagem:

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/11/saude-de-trump-volta-a-levantar-duvidas-apos-visita-nao-planejada-a-centro-medico.shtml https://twitter.com/realDonaldTrump/status/1195931893998456832?s=20 https://twitter.com/PressSec/status/1195912227062202369 https://twitter.com/bernardopkuster/status/1196619261231411200 https://www.cbsnews.com/pictures/dont-get-fooled-by-these-fake-news-sites/4/ https://www.dw.com/en/twitter-permanently-bans-alex-jones-and-infowars/a-45391272

Pastor Silas Malafaia afirma que espalhou fake news durante campanha eleitoral de 2018

Depois de um ano de ter afirmado que Adelio Bispo de Oliveira, acusado de ser o autor do atentado a faca contra o então candidato a presidente da República Jair Bolsonaro, era militante do PT e assessor da campanha de Dilma ao Senado por Minas Gerais, o líder da igreja evangélica Assembleia de Deus Vitória em Cristo pastor Silas Malafaia publicou, em 9 de novembro passado, em sua conta no Twitter, um vídeo com um desmentido.

As postagens feitas pelo pastor, em 6 de setembro de 2018, tiveram muita repercussão. Matéria do jornal O Globo sobre conteúdo falso relacionado ao atentado a Jair Bolsonaro, publicada dois dias depois, citou o levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas (DAPP) da Fundação Getúlio Vargas. A pesquisa mostrou que uma das postagens sobre o episódio com maior repercussão no Twitter foi a do pastor Silas Malafaia, apoiador da candidatura de Bolsonaro, ligando PT e Dilma Rousseff a Adelio Bispo. Naqueles mesmos dias já se sabia que o homem preso em flagrante não era integrante de nenhum partido político. Até 2014 foi filiado ao PSOL, e não havia qualquer evidência de que atuasse em prol da campanha da ex-presidente Dilma Rousseff.

A matéria do jornal O Globo questionou, à época o pastor sobre a postagem. Silas Malafaia afirmou que, ao usar a palavra assessor, quis dizer que Adélio fazia campanha para a petista. “Não estou falando que ele era empregado de Dilma, nem funcionário de Dilma. Cada um entenda o que quiser. Com todo respeito, não vou ficar dando justificativa para ninguém”, afirmou.

Em declaração ao site de notícias BuzzFeed News, o pastor Malafaia afirmou que se baseou no que leu a respeito nas redes sociais. “Tá na mídia, em todos blogs, em tudo que é lugar”, disse o pastor por telefone. “Que o cara trabalhava, não que ele fosse funcionário dela, nada disso. Não tem nada a ver com [ser] funcionário dela. Não é funcionário dela, mas tava ajudando na campanha porque ele é esquerdopata. Tava ajudando. Tá aí, todo mundo fala. É só pegar o que apanharam lá da página dele na internet, tá lá. Não tem nada a ver como funcionário da Dilma, assessor como funcionário. Falo de assessoramento no sentido de apoio, é isso que estou falando”, reafirmou Silas Malafaia no contato telefônico.

Ao ser indagado pelo BuzzFeed pelo fato de não haver nenhuma referência à ex-presidente Dilma Rousseff na página de Adelio Bispo no Facebook, o evangelista disse: “Não tinha nada de Dilma, mas tem tudo em vários blogs, várias redes. Anunciou que ele estava apoiando, fazendo campanha pra ela, pô. Tá em rede social, eu só repliquei. Para bater nessa cambada.”

Ao jornal Folha de S. Paulo, o líder religioso afirmou, em 7 de setembro de 2018, que o autor do crime é militante de esquerda pelo que viu em fotos na internet.  “Esses esquerdopatas são os reis da dissimulação e do cinismo, eles mesmos que infiltram notícias falsas”, declarou.

Na abertura do vídeo postado em 9 de novembro de 2019, o pastor Silas Malafaia inicia dizendo que o atentado estava completando um ano, o que corrigiu (o caso ocorreu em 6 de setembro). “Eu digo sempre que a grandeza de um ser humano não são os seus acertos, é reconhecer seus erros e corrigir suas rotas”, afirma o pastor na gravação antes de se retratar. “Na época, eu disse que o tal do Adélio era assessor de Dilma. Nunca foi assessor de Dilma. Tem que ser honesto com isso aí. Ele já teve vínculo lá atrás com o PSOL, mas nunca assessorou Dilma em campanha. Estou aqui corrigindo porque eu fiz uma declaração na época e essa declaração, e olha que eu sou cuidadoso, de ver coisa em rede social e soltar. Mas na época, eu soltei, postei no Twitter fazendo a reconsideração, e agora to reconsiderando aí nesse vídeo. Tá certo? A verdade é a verdade”, disse o líder da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo.

Bereia verificou que o vídeo de Silas Malafaia é verdadeiro. No entanto, não conseguiu informações do porquê desta retratação ter sido publicada mais de um ano depois, mesmo tempo posterior à investigação da Polícia Federal ter sido encerrada afirmando que Adelio Bispo de Oliveira agiu sozinho por motivação política.

Em maio de 2019, a justiça já havia decidido que o autor do atentado tem transtorno mental e é inimputável (incapaz de entender o caráter de crime que cometeu e de responder por seus atos) e foi mantido em presídio para cumprir medida de segurança.

O pastor Malafaia não deu declarações sobre as razões da retratação tanto tempo depois. Estima-se que seja resultado de processo judicial. Já em 2018, a assessoria de Dilma Rousseff disse que ela entraria com processo por calúnia, injúria e difamação contra o pastor Malafaia.

Outra possibilidade para o ato tão defasado no tempo são os avanços nas investigações da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que apura a divulgação de informações falsas para influenciar no resultado das eleições presidenciais de 2018, a chamada CPI das Fake News, instalada em 4 de setembro de 2019.

Bereia afirma, portanto, que a cobertura que envolve a publicação do vídeo de retratação do pastor Silas Malafaia em relação às mentiras que publicou em 2018 é inconclusiva pois não foram reunidos dados suficientes sobre a motivação para a devida informação do público. Bereia continuará apurando o caso.

Referências da checagem:

CANOFRE, Fernanda. Juiz que declarou Adélio inimputável decide absolvê-lo e mantê-lo em presídio. Folha de S. Paulo, 14 jun 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/06/juiz-que-declarou-adelio-inimputavel-decide-absolve-lo-e-envia-lo-para-manicomio.shtml

CPMI das Fake News é instalada no Congresso. Senado Notícias, 4 set 2019. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/09/04/cpmi-das-fake-news-e-instalada-no-congresso

É verdade que deputada evangélica confronta Damares sobre ideologia de gênero

Matéria publicada pelo portal de notícias Gospel Prime, em 27 de outubro, afirma que a deputada federal Benedita da Silva acredita que a Bíblia trata sobre gênero.

O texto se baseia em entrevista publicada pelo jornal O ESTADÃO (imagem abaixo), em 25 de outubro de 2019, intitulada “A Bíblia fala de gênero”, diz Benedita da Silva. A chamada destaca que a deputada federal, que é evangélica, vê retrocesso na política para mulheres, mas destaca atuação da bancada feminina na Câmara.

A entrevista trata de vários temas relacionados à presença das mulheres no parlamento e às políticas referentes aos direitos das mulheres no Brasil. São oito perguntas publicadas pelo Estadão, indicadas como “os principais trechos da entrevista”.

Matéria veiculada no Estadão – 25.10.19

O portal Gospel Prime deteve-se em apenas uma pergunta dos jornalistas, que trata da avaliação da atuação da ministra Damares Alves: “Como a senhora avalia a atuação da ministra Damares Alves? Observa algum avanço?” A resposta ao jornal foi: “Não há avanço. Há retrocesso. Inventaram de combater uma tal de ideologia de gênero, que até hoje eu não sei o que é. Eu sou evangélica e a Bíblia fala de gênero. A palavra era essa. Nós, mulheres, temos grandes conquistas, até mesmo na igreja. Esse mundo é das mulheres. Nós vamos chegar lá. Mas vamos encontrar resistências também, né? Os homens se sentem ameaçados porque eles sempre estiveram no comando”

A matéria do Gospel Prime reproduz o conteúdo desta resposta. Nesse sentido, a declaração de Benedita da Silva (PT-RJ) registrada no portal religioso é verdadeira.

Um aspecto chama a atenção na avaliação de Bereia: a abertura da matéria do Gospel Prime oferece um tom pejorativo quanto à identidade evangélica da deputada Benedita da Silva: “A deputada Benedita da Silva (PT-RJ), que diz ser membro de uma igreja presbiteriana…”.

Benedita da Silva é declaradamente evangélica desde os anos 60, quando aderiu à Assembleia de Deus. O estudioso da relação evangélicos-política no Brasil Paul Freston registra isto em seus livros. Nos anos 90, a deputada tornou-se presbiteriana, vinculada à Igreja Presbiteriana Betânia, na cidade de Niterói-RJ. As motivações e os resultados da mudança estão registrados na biografia de Benedita da Silva (BeneDita, da editora Mauad, 1997). Em suas mídias sociais, Benedita da Silva periodicamente publica fotos de eventos da igreja aos quais esteve presente.

Na perspectiva jornalística a matéria de Gospel Prime que se oferece como informativa torna-se opinativa quando questiona a identidade evangélica de Benedita da Silva com o termo “diz ser” relacionado ao fato de ter “criticado a atuação da ministra Damares Alves” e ter declarado que encontra a temática de gênero na Bíblia.

Referências de Checagem:

CACERES, Michael. Benedita da Silva acredita que a Bíblia “fala de gênero”. Gospel Prime, 27 out 2019.  https://www.gospelprime.com.br/a-biblia-fala-de-genero-diz-deputada-benedita-da-silva/

Gayer, Eduardo, Ortega, Pepita. ‘A Bíblia fala de Gênero’, diz Benedita Da Silva. O Estado de São Paulo, 25 out 2019. https://www.estadao.com.br/infograficos/brasil,a-biblia-fala-de-genero-diz-benedita-da-silva,1048434

Discurso de Benedita da Silva na Câmara dos Deputados, em 4 de julho de 2013. https://www.camara.leg.br/internet/sitaqweb/TextoHTML.asp?etapa=3&nuSessao=195.3.54.O&nuQuarto=11&nuOrador=2&nuInsercao=0&dtHorarioQuarto=14:30&sgFaseSessao=PE%20%20%20%20%20%20%20%20&Data=04/07/2013&txApelido=BENEDITA%20DA%20SILVA&txEtapa=Com%20reda%C3%A7%C3%A3o%20final

FRESTON, Paul. Evangélicos na Política Brasileira. História ambígua e desafio ético, Curitiba, Encontrão, 1994

MENDONÇA, Maisa, BENJAMIN, Medea. BeneDita. Rio de Janeiro: Mauad, 1997.

Charges, notícias e pronunciamentos sobre vazamento de óleo acusam o governo da Venezuela e o Greenpeace

Circulam nas redes sociais charges sugerindo que a Venezuela é responsável pelo vazamento de óleo nas praias nordestinas e que há um silêncio por parte dos partidos de esquerda, Ongs, ambientalistas e ativistas, como a sueca Greta Thunberg, o presidente francês Emmanuel Macron, o papa Francisco e a deputada Marina Silva. 

O vazamento, que começou a ser noticiado no final de agosto, atinge  pelo menos 225 localidades de mais de 80 municípios em todos os nove estados do Nordeste. Além das charges, sites de notícias reproduzem a afirmação, como  Pleno News, no dia 10/10:  

Nova análise confirma que óleo tem origem da Venezuela 

O óleo que resultou nas manchas encontradas em mais de 130 localidades do litoral nordestino tem origem da Venezuela. É o que afirmou a pesquisadora Olívia Oliveira, em entrevista coletiva no Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia (UFBA) na manhã desta quinta-feira (10). 

A pedido da Marinha, o Laboratório de Métodos Computacionais em Engenharia (Lamce) da Coppe/UFRJ, sob a coordenação dos pesquisadores Luiz Landau e Luiz Assad, realizou um estudo para identificar o ponto de origem do vazamento de óleo. Utilizou-se um modelo matemático de correntes marinhas no Atlântico para cruzar os dados com o mapa de manchas de óleo encontradas na costa do Nordeste. Ao inverterem o sentido temporal do modelo, a partir dos pontos de destino do óleo fragmentado, chegaram a uma estimativa sobre sua origem. A área apontada fica fora da zona econômica exclusiva do Brasil em águas internacionais, entre 600 km e 700 km da costa brasileira, numa faixa de latitude com centro na fronteira entre Sergipe e Alagoas. Essa parte da análise foi entregue à Marinha. 

Durante uma coletiva de imprensa, realizada no dia 10 de outubro, a diretora do Instituto, Olívia Oliveira, afirmou que análise dos biomarcadores e da presença de carbono apontaram que o material contaminante tem semelhança com um dos tipos de petróleo produzido na Venezuela. “Nenhum petróleo produzido no Brasil apresenta distribuição de biomarcadores similar aos resultados encontrados”. A coleta de amostras ao longo da costa sergipana foi realizada em parceria com Universidade Federal de Sergipe (UFS). Ambos os estudos descartam a possibilidade do vazamento ter sido ocasionado em território nacional.  

Em entrevista ao jornal Correio, da Bahia, Olívia explicou que “existem alguns organismos que só viveram em determinado período da nossa era geológica, então quando identificamos esses organismos, chamados de biomarcadores, sabemos dizer quando ele viveu e comparamos com a idade das bacias petrolífera.  

De acordo com a pesquisadora em conversa com o Coletivo Bereia, o laudo completo está em posse da Polícia Federal (PF), do Ministério Público Federal (MPF) e do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema).  

No dia 22 de outubro, o comandante da Marinha Brasileira, responsável pela investigação a respeito da origem do petróleo, Ilques Barbosa, declarou que o governo está concentrando as investigações sobre as causas da mancha de óleo nas praias do Nordeste em 30 navios de dez países diferentes. Mas, para ele, a maior probabilidade é que o vazamento partiu de um navio irregular, chamado de dark ship. A informação se contrapõe às declarações do presidente Jair Bolsonaro e do ministro de que se trata de uma ação criminosa. Essa embarcação. O comandante também afirma que o vazamento não tem origem nas bacias brasileiras.  

“O que se sabe pelos cientistas é que o petróleo é de origem venezuelana. Não quer dizer, que houve em algum momento, e não houve isso, envolvimento de qualquer setor responsável, tanto privado quanto público, da Venezuela nesse assunto”, afirmou o almirante-de-esquadra.  

Dark ship é um navio que tem seus dados informados às autoridades, mas, em função de qualquer restrição, de embargo que acontece, ele tem uma carga que não pode ser comercializada. Então, segundo o comandante, ele busca vias de comunicação marítimas que não são tão frequentadas, procura se evadir das marinhas de guerra e não alimenta seus sistemas de identificação. “Ele procura as sombras. E essa navegação às sombras produz essa dificuldade de detecção”, explicou.  

No dia 23 de outubro, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles fez um pronunciamento em cadeia nacional afirmando que o presidente Bolsonaro determinou que o governo federal solicite à Organização dos Estados Americanos (OEA) um esclarecimento formal da Venezuela sobre o ocorrido. De acordo com o ministro, “as amostras analisadas em laboratório especializado identificaram que [as manchas] não vieram de território nacional, mas provêm de território venezuelano”.   

Após o pronunciamento, na quinta-feira, dia 24, Salles sugere que navio da Ong Greepeace derramou óleo no Nordeste. A declaração surge um dia depois de manifestantes do Greenpeace terem sido presos após protestar contra o avanço do óleo na frente do Palácio do Planalto e poucas horas depois de o próprio ministro reafirmar que o resíduo partiu da Venezuela.  

“Tem umas coincidências na vida né… Parece que o navio do #greenpixe estava justamente navegando em águas internacionais, em frente ao litoral brasileiro bem na época do derramamento de óleo venezuelano…”, escreveu Ricardo Salles no Twitter, junto com uma foto de um navio do Greenpea ce. 

O GreenPeace divulgou o posicionamento sobre as declarações do Salles: 

Ricardo Salles foge de sua responsabilidade mais uma vez 

O nosso navio Esperanza faz parte de uma campanha internacional chamada “Proteja os Oceanos”, que saiu do Ártico e vai até a Antártida ao longo de um ano, denunciando as ameaças aos mares. Ele passou pela Guiana Francesa, entre agosto e setembro, onde realizou uma expedição de documentação e pesquisa do sistema recifal conhecido como Corais da Amazônia, com o propósito de lutar pela proteção dos oceanos e contra a exploração de petróleo em locais sensíveis para a biodiversidade marinha. No momento, o navio está atracado em Montevidéu, no Uruguai. 

Tomaremos todas medidas legais cabíveis contra todas as declarações do Ministro Ricardo Salles. As autoridades têm que assumir responsabilidade e responder pelo Estado de Direito pelos seus atos. 

Fontes consultadas para a checagem:  

Agência Brasil: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-10/governo-pede-na-oea-que-venezuela-se-manifeste-sobre-oleo-diz-salles 

Lepetro: https://ufba.br/ufba_em_pauta/analises-do-lepetroigeo-indicam-correlacao-entre-oleo-encontrado-nas-praias-do 

Coppe: http://www.coppe.ufrj.br/pt-br/planeta-coppe-noticias/noticias/pesquisadores-da-coppe-detectam-origem-de-oleo-no-nordeste  

Congresso em Foco: https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/salles-sugere-que-navio-do-greenpeace-derramou-oleo-no-nordeste/ 

Greenpeace: https://www.greenpeace.org/brasil/press/posicionamento-ricardo-salles-foge-de-sua-responsabilidade-mais-uma-vez/