Conteúdo busca enganar católicos sobre evento na Catedral de Brasília para criticar governo federal

Bereia recebeu de leitor um vídeo com alto nível de circulação em grupos católicos no WhatsApp, que alardeia que o altar da Catedral Católica de Brasília “virou terreiro de Umbanda”, em evento promovido “pela ‘1ª´(sic) dama Janja”. O texto afirma ser uma grave profanação de um templo católico e atribui o caso à “situação geral do país” que “piora a cada dia”. A publicação ainda pede que quem recebe o conteúdo envie “para amigos católicos que fizeram o L ou foram isentões”.

Tela de celular com publicação numa rede social
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O radar do Bereia identificou nesse conteúdo elementos comuns a falsidades que circulam pelas mídias sociais: 1) não tem identificação do autor ou autora da postagem nem data; 2) não tem fonte (de onde veio o vídeo); 3) é um recorte de 23 segundos de um vídeo sem  o contexto do ocorrido; 4) há o pedido de compartilhamento para mais pessoas (estratégia para que a desinformação viralize de forma espontânea e orgânica).

Bereia verificou que o mesmo recorte de vídeo foi divulgado na conta do X/Twitter do ex-presidente da Fundação Palmares (nomeado durante o governo de Jair Bolsonaro) Sérgio Camargo, e teve centenas de milhares de visualizações, com milhares de curtidas e compartilhamentos. Na publicação Camargo atribui a cerimônia na Catedral a o “governo petista” e cobra que católicos exijam “posicionamento da CNBB, caso a entidade seja contrária ao que se viu”.

Imagem: X/Twitter

Outros perfis de mídias sociais divulgaram protestos com o uso do mesmo recorte de vídeo, alguns com centenas de milhares de visualizações.


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Imagem: x/Twitter

Imagem: Youtube

A noite na Catedral 

Bereia checou que o evento, acolhido na Catedral Católica de Brasília, foi realizado em 9 de novembro de 2023, como parte da programação do III Congresso Internacional de Direito do Seguro e IX Fórum de Direito do Seguro José Sollero Filho, realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS). O congresso foi sediado no Superior Tribunal de Justiça, sob a coordenação do ministro Paulo Dias Moura Ribeiro.

A noite cultural do evento do IBDS/STJ, na Catedral Católica de Brasília, foi a apresentação da Orquestra Mundana Refugi. O grupo é formado por 22 músicos brasileiros e imigrantes refugiados vindos do Irã, Guiné, Congo, Turquia, Cuba, China, Síria, Venezuela, França e Palestina. A orquestra apresenta repertório com composições próprias, músicas tradicionais e homenagens a compositores brasileiros, lançando mão de instrumentos entre os tradicionais piano, saxofone, flauta e bateria até os mais diferentes como bouzouki, kanun árabe, alaúde e rebab. 

Tela de celular com publicação numa rede social
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Imagem: cartaz eletrônico de divulgação da apresentação da Orquestra Mundana Refugi na Catedral de Brasília.

O evento, com entrada franca, lotou a Catedral e foi noticiado pela revista eletrônica Metrópoles, pelo Correio Brasiliense, pelo Jornal de Brasília, pelo Portal Terra e pela Agência Brasil. Segundo a matéria do Metrópoles “os brasilienses ficaram encantados com o talento do grupo e conheceram um pouco dos ritmos e estilos de diferentes países. Duas obras do fotógrafo Sebastião Salgado foram expostas ao lado do palco e chamaram atenção por representar a luta pela proteção dos povos originários”.

O programa teve participação do cantor Renato Braz e do acordeonista Toninho Ferragutti, indicado três vezes ao Grammy Latino. Entre os presentes estiveram autoridades como o ministro do STJ Moura Ribeiro e o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar Paulo Teixeira. 

Com dois integrantes da orquestra originários da Palestina, o show em Brasília foi oportunidade de expressão de um pedido pela paz no Oriente Médio, para que cessem os ataques e que sejam devolvidos os reféns judeus, o que constou dos discursos proferidos. 

Bereia verificou, portanto, que a programação na Catedral não tem qualquer relação com o governo federal ou com a esposa do presidente da República Rosângela da Silva (Janja).

Altar profanado?

Na programação, de fato, ocorreu um momento, ao final, com uma dança relacionada à cultura africana. Porém, tanto a Arquidiocese quanto o maestro da Orquestra Mundana Refugi Carlos Antunes, explicaram, respectivamente, em nota oficial e carta, que ela ocorreu de forma imprevista, fora da programação, espontaneamente, da parte de duas pessoas africanas que estavam na audiência, como forma de agradecimento. 

A Arquidiocese também corrigiu as postagens críticas à Igreja e nega que haja “elementos concretos que caracterizem, moralmente e canonicamente, profanação do templo”.

Diz a nota da Arquidiocese de Brasília:

1- Nosso objetivo, ao aceitar o evento na Catedral, foi sensibilizar a comunidade de Brasília a respeito dos refugiados e migrantes, uma vez que a orquestra Mundana Refugi é um grupo musical composto por músicos brasileiros e por imigrantes e refugiados. Seu nome faz referência ao fato de acolher instrumentistas e vocalistas de todas as partes do mundo (“mundana”), refugiados no Brasil (“refugi”);

2- O acordo do evento em questão, previa somente a apresentação de coro e orquestra, algo comumente presente em nossas igrejas, com temas tradicionais de diversos países. No entanto, mesmo no fato ocorrido inesperadamente, não há elementos concretos que caracterizem, moralmente e canonicamente, profanação do templo;

3- Ao final da apresentação, ocorreu uma manifestação espontânea por parte de uma pessoa presente na plateia, surpreendendo não só a nós, mas, também, aos organizadores e ao maestro responsáveis pelo evento, gerando o episódio divulgado (cf. nota em anexo);

4- Reafirmamos que, em todo momento, a Catedral de Brasília conduziu com a devida prudência o que foi previamente acordado.

A carta do maestro Carlos Antunes, entre outros pontos, detalha o ocorrido:

Não havíamos programado realizar qualquer ato de dança como parte da apresentação musical, pois todos sabíamos que essa regra fora estabelecida como condição fundamental pela Catedral. Assim, com relação à dança espontânea que ocorreu ao final da última música, por parte de dois expectadores (sic) africanos, somente podemos imaginar, e isso foi dito por ambos ao se despedirem, que o fizeram em agradecimento ao espetáculo pois para eles ouvir música de seu país naquele templo espetacular foi muito emocionante, alegre e inesquecível. 

Suas manifestações foram feitas sem o nosso conhecimento. Isso faz parte da sua cultura e não demonstra, de forma alguma, desrespeito para com a religião católica. Tenho inúmeros amigos dançarinos africanos da religião católica e eles mencionaram-me suas boas emoções com o ocorrido. Acho importante reiterar que não havíamos combinado a dança, embora ela ocorra ocasionalmente nas nossas apresentações, como outras intervenções espontâneas do público.

(…)

Quando fomos surpreendidos pela dança dos expectadores (sic), ao final da música, fiz um sinal para a Mariama, nossa integrante, cantora africana, para que fosse lá, educadamente, e ocupasse o lugar deles, para que não continuassem ocupando o espaço e voltasse para cantar.

Ela de forma respeitosa fez exatamente isso. Chegou, fez alguns movimentos e ele se retirou. Ela em seguida voltou para cantar e terminamos a canção. Foi exatamente isso que ocorreu. O primeiro senhor que entrou para dançar, de forma muito cordial, me abordou e disse, ao final, que estava muito feliz por estarmos ali naquele momento”.

***
Bereia classifica a publicação que circula em grupos católicos de WhatsApp e em mídias sociais sobre o evento cultural, ocorrido na Catedral de Brasília, em 9 de novembro como ENGANOSO. Anonimamente, como, propagadores de desinformação agem frequentemente, e sem dados que permitam às pessoas verificarem o ocorrido de forma honesta, foi utilizado um vídeo do final da apresentação da Orquestra Mundana Refugi, para criticar a Arquidiocese de Brasília, a esposa do presidente da República Rosângela da Silva (Janja) e o governo federal. 

Como checado pelo Bereia: 

1) a apresentação musical não tem qualquer relação com o governo federal ou com a esposa do presidente da República. Foi parte da programação de um evento realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), sediado no Supremo Tribunal de Justiça; 

2) o recorte do vídeo, divulgado sem explicação do que trata, refere-se ao final da apresentação musical da Orquestra Mundana Refugi, momento em que pessoas da plateia, de origem africana, espontaneamente se digiram à frente para dançar em agradecimento ao que presenciaram; 

3) a palavra oficial da Igreja Católica em Brasília é que, ancorada na moral e nos Cânones da Igreja, não houve profanação do templo com a manifestação espontânea das duas pessoas africanas.

Bereia alerta para o uso da fé cristã e do cuidado que fiéis têm com suas igrejas para se fazer política e atacar instituições religiosas, outras instituições e governos. Alerta também para a intolerância religiosa estimulada com a propagação do vídeo, sem a devida explicação do que foi uma dança da cultura africana, porém com as observações maldosas, por escrito e em vídeos, de que o altar da Catedral foi “transformado em terreiro de Umbanda” e “profanado”. Há outro aspecto em curso com a publicação, que é o racismo, uma vez que a dança foi realizada por pessoas negras, africanas, e as acusações que foram proferidas têm relação com este perfil.

Referências

Supremo Tribunal de Justiça https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Institucional/Educacao-e-cultura/Eventos/III-Congresso-Internacional-de-Direito-do-Seguro.aspx Acesso em 20 nov 2023

Youtube https://www.youtube.com/watch?v=IwZDDe1hlFA&pp=ygURZGlyZWl0byBkbyBzZWd1cm8%3D Acesso em 20 nov 2023 

IBDS https://www.ibds.com.br/18719-2/ Acesso em 20 nov 2023

Instagram https://www.instagram.com/omrefugi/ Acesso em 20 novv 2023

Metrópoles https://www.metropoles.com/colunas/claudia-meireles/orquestra-mundana-refugi-se-apresenta-em-show-emocionante-na-catedral Acesso em 20 nov 2023

Correio Brasiliense  https://www.correiobraziliense.com.br/diversao-e-arte/2023/11/6653001-catedral-recebe-orquestra-mundana-refugi-nesta-quinta-9-11.html Acesso 20 nov 2023

Jornal de Brasília https://jornaldebrasilia.com.br/entretenimento/eventos/orquestra-mundana-refugi-se-apresenta-na-catedral/ Acesso em 20 nov 2023

Portal Terra https://www.terra.com.br/esportes/orquestra-que-reune-brasileiros-e-refugiados-se-apresenta-em-brasilia,0ffcbbaf88502674cbab95f8f6195cbdll9vnvw7.html Acesso em 20 nov 2023

Agência Brasil https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-11/orquestra-que-reune-brasileiros-e-refugiados-se-apresenta-em-brasilia Acesso em 20 nov 2023 

Arquidiocese de Brasília https://arqbrasilia.com.br/nota-de-esclarecimento-2/ Acesso em 20 nov 2023Carta do Maestro Carlos Antunes https://arqbrasilia.com.br/wp-content/uploads/2023/11/Nota-de-Esclarecimento-Apresentac%CC%A7a%CC%83o-Mundana-Refugi.pdf  Acesso em 20 nov 2023

Foto de Capa: reprodução do Youtube

Pastor Felippe Valadão promove intolerância religiosa em evento público

Circulou em várias mídias a notícia de que o pastor da Igreja Batista Lagoinha Felippe Valadão atacou religiões de matriz africana em um evento oficial promovido pela Prefeitura de Itaboraí, na Região Metropolitana do Rio, em 19 de maio passado. O prefeito da cidade é Marcelo Delaroli, filiado ao Partido Liberal (PL) e membro da 1ª Igreja Batista.

Imagem: reprodução do G1

O município comemora o aniversário de 189 anos de emancipação político-administrativa com uma série de shows,  na qual se apresentaram artistas gospel. Segundo os relatos, no intervalo de uma das apresentações , Felippe Valadão subiu ao palco e discursou: 

Queira o diabo ou não, você sabe o que fizeram aqui de ontem para hoje? O pessoal acordou aqui e de ontem para hoje tinham quatro despachos aqui na frente do palco!

Avisa aí pra esses endemoniados de Itaboraí, o tempo da bagunça espiritual acabou, meu filho! A igreja está na rua! a igreja está de pé!!! A igreja está na rua! a igreja está de pé!!!

E ainda digo mais: prepara para ver muito centro de umbanda sendo fechado na cidade! Eu declaro, vem um tempo aí ó, Deus vai começar a salvar esses pais de santo que tem aqui na cidade.

Você vai ver coisas que você nunca viu na vida. Chegou o tempo Itaboraí! Aquele espírito maligno de roubalheira na política acabou! Eu vou repetir: o tempo de bagunça e roubalheira nessa cidade acabou!

Repúdio e medidas legais 

No dia seguinte, a Comissão de Matrizes Afro-Brasileiras de Itaboraí (Comabi), publicou nota de repúdio ao discurso do pastor e exigiu retratação pública do prefeito, responsável pelo evento.

NOTA DE REPÚDIO

Ao Ilmo Sr. Prefeito de Itaboraí Marcelo Delarolli.

Itaboraí, 20 de maio de 2022.

A Comissão de Povos Tradicionais de Terreiros de Itaboraí, COMABI, vem por meio desta nota, repudiar as infelizes palavras do pastor Felippe Valadão na noite desta quinta-feira, dia 19 de maio de 2022, por ocasião da abertura das festividades em comemoração aos 189 anos do Município de Itaboraí.

Em sua fala, o pastor agride de maneira vil, desrespeitosa e ameaçadora a comunidade religiosa do Candomblé e da Umbanda desta cidade que tem sancionada a lei 2603/2016 que Institui o DIA MUNICIPAL DE COMBATE À INTOLERÂNCIA RELIGIOSA CONTRA OS POVOS TRADICIONAIS DE MATRIZES AFRICANAS no dia 24 de Julho, que no então, não corrobora com o acontecido na Cidade no citado evento.

Queremos antes de tudo, questionar o motivo de uma manifestação festiva, popular e laica, ter em sua programação, discursos de cunho religioso, quando na verdade, se houve a intenção de manifestar alguma religiosidade, haveria de ter representantes de todas as matrizes, e não tão somente evangélicas por não representar a diversidade e a pluralidade dos cidadãos e cidadãs do município 

O Pastor começa chamando-nos de ‘ENDEMONIADOS’, e que o tempo da bagunça religiosa acabou na cidade.

Que se pode matar galinha, fazer o que quiser os terreiros serão fechados e os ‘Pais e Mães de santo’ serão salvos pelo ‘deus’ que ele professa. Sim, “deus” com letra minúscula, porque o Deus com maiúsculo que conhecemos não compactua com sua megalomania, loucura e arrogância.

Perguntamos; com qual autoridade, seja ela política ou religiosa esta insana figura foi outorgada, para desferir tamanhas agressões contra uma comunidade que vive a fazer o bem, cuidando das pessoas e contribuir com sua comunidade, onde muitas das vezes o poder público não a alcança.

Desta forma, exigimos urgente retratação pública do Sr. prefeito, organizador do evento, para que no poder de suas atribuições, venha a restaurar, a ordem, igualdade, laicidade e o respeito a todo o povo religioso de Itaboraí, aviltado por esta figura desequilibrada, que certamente irá responder nos autos por sua infração e crime de intolerância religiosa, como confere a legislação brasileira. O Brasil tem normas jurídicas que visam punir a intolerância religiosa.

No Brasil, a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, alterada pela Lei nº 9.459, de 15 de maio de 1997, considera crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões.

Exigimos aqui que seja feito um T.A.C – Termo de Ajuste de condutas – ajustando no calendário festivo um espaço para a manifestação cultural dos povos de Terreiro que em sua jornada de “reXistência” foi duplamente atacado pelo citado ”líder” e pela instituição majoritária que deveria defender a constituição em seu capítulo 5°.

Certo de sua sensibilidade com tal fato assinamos.

COMABI.

Em 20 de maio de 2022.

O Estado do Rio de Janeiro tem observado diversos avanços no combate à intolerância religiosa, dentre eles a criação  da Comissão Parlamentar de Inquérito Contra a Intolerância Religiosa, criada em maio de 2021. O relator da CPI da Intolerância Religiosa, na Assembleia Legislativa do Rio, deputado Átila Nunes (PSD) preparou uma representação ao Ministério Público contra o pastor Felippe Valadão e contra o prefeito de Itaboraí e também apresentou denúncia pessoalmente à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância – DECRADI,  pela promoção ao ódio religioso em evento patrocinado com dinheiro público. 

Além destas representações legais, o deputado Átila Nunes afirmou que  “os terreiros de Itaboraí precisam de segurança”. Vou pedir ao governador para reforçar o policiamento na região, considerando as ameaças feitas pelo autointitulado pastor Felippe Valadão numa festa patrocinada pela prefeitura contra os religiosos da Umbanda e do Candomblé”.

Racismo religioso

A socióloga Carolina Rocha aponta, em artigo, que: “Intolerância religiosa marca uma situação em que uma pessoa não aceita a religião ou a crença de outro indivíduo. Sobre os princípios da laicidade na Constituição Federal de 1988, o seu Art. 5º, inciso VI, assegura liberdade de crença aos cidadãos: ‘Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias’”. 

De acordo com a abordagem de Carolina Rocha, o caso de Itaboraí pode ser classificado ainda como racismo religioso. “O termo ‘racismo religioso’ tem sido caracterizado, no Brasil, por preconceito e/ou ato de violência contra adeptos das religiões de matrizes africanas, que são os principais alvos de violência religiosa no país. […] Quem defende o termo argumenta que, no caso das violências que atingem as religiões de origem africana no Brasil, o componente nuclear é o racismo. Nesse caso, parte-se do entendimento de que o objeto do racismo não é uma pessoa em particular, mas certa forma de existir. Um racismo que está, portanto, incidindo além do genótipo ou do fenótipo, mas na própria cultura (tradições de origem negro-africana). […] O que a maioria desses autores ressalta é que existe um amplo histórico de perseguição à cultura afro-brasileira no Brasil, do período colonial até os dias atuais”. 

Segundo o professor de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto e do Ibmec-BH Alexandre Bahia, ouvido pelo Bereia, o pastor Felippe Valadão pode ter praticado o crime de discriminação religiosa, de acordo com os dispositivos da Lei nº 7.716  – Art. 1º:  “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” Ainda seria enquadrado no  “Art. 20: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, ao afirmar que os centros de Umbanda seriam fechados na cidade e chamando de “endemoniados” os praticantes de religiões de matriz africana.

Além disso, segundo o professor Bahia, o pastor parece atentar contra os princípios da laicidade estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 que assegura liberdade de crença aos cidadãos – “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Alexandre Bahia acrescenta que a liberdade de crença  “é inviolável (…) sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. 

O professor de Direito orienta que, ao relacionar o fechamento dos centros de Umbanda e a  chegada de um tempo em que “aquele espírito maligno de roubalheira na política acabou”, Felippe Valadão, aparentemente, tenta estabelecer uma ligação entre as religiões de matriz africana e uma suposta corrupção política. 

***

Bereia classifica as notícias que afirmam que o pastor Felippe Valadão praticou intolerância religiosa em discurso durante show em Itaboraí (RJ) como verdadeiras. Os registros em vídeo da fala do pastor correspondem ao conteúdo reproduzido nas matérias que noticiaram o episódio e os especialistas consultados pelo Bereia confirmam que o tom do discurso de Valadão é marcado pelo que, social e juridicamente, é qualificado como intolerância e violência com motivação religiosa.

Referências de checagem:

G1. https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/05/20/pastor-felippe-valadao-ataca-religioes-afro-em-evento-oficial-de-itaborai.ghtml Acesso em: 23 MAI 2022

UOL. https://www.youtube.com/watch?v=MYG5eRk755k Acesso em: 23 MAI 2022

Instagram.

https://www.instagram.com/p/CdyVP_NgLjd/ Acesso em: 23 MAI 2022

https://www.instagram.com/p/Cd584EzgwIi/ Acesso em: 23 MAI 2022

Religião e Poder.

https://religiaoepoder.org.br/artigo/racismo-religioso/ Acesso em: 23 MAI 2022

https://religiaoepoder.org.br/artigo/avancos-no-combate-a-intolerancia-religiosa-no-rio-de-janeiro/ Acesso em: 23 MAI 2022

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160120_intolerancia_religioes_africanas_jp_rm Acesso em: 23 MAI 2022

Governo Federal.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9459.htm  Acesso em: 23 MAI 2022

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm Acesso em: 23 MAI 2022O Dia https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2022/05/6405654-religiosos-denunciam-pastor-felippe-valadao-apos-incitacao-de-odio-contra-religioes-africanas-em-evento-de-itaborai.html Acesso em: 23 MAI 2022

Foto de capa: frame de vídeo do canal UOL no YouTube