Postagens de políticos extremistas enganam com informações sobre processos contra nova ministra dos Direitos Humanos

*Matéria atualizada em 04 /10/24 para inclusão de informações.

Ganhou repercussão, nos últimos dias, a notícia de que a recém nomeada ministra dos Direitos Humanos e Cidadania Macaé Evaristo, deputada estadual pelo PT-MG, é alvo de ações de improbidade administrativa, relacionadas principalmente a acusações de superfaturamento de contratos,  quando secretária estadual e municipal de Educação anos atrás. 

Evaristo teve o nome anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 9 de setembro passado, para assumir a pasta no lugar de Sílvio Almeida, demitido sob acusações de assédio e importunação sexual.

As acusações de superfaturamento de contratos, levantadas por veículos como O Globo e Folha de S. Paulo, foram amplificadas por figuras da oposição em redes sociais, incluindo os deputados federais extremistas de direita Mário Frias (PL-SP) e Carla Zambelli (PL-SP).

Imagem: reprodução/O Globo

Imagem: Reprodução/Instagram

Reprodução/Instagram

Quem é Macaé Evaristo

A recém nomeada ministra dos Direitos Humanos e Cidadania foi secretária de Educação de Belo Horizonte entre 2005 e 2012, durante as gestões de Fernando Pimentel (PT) e Márcio Lacerda (PSB). 

Macaé Evaristo atuou no governo federal, entre 2013 e 2014, durante o governo Dilma Roussef (PT),como titular da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão no Ministério da Educação..

De  2015 a 2018, ocupou a secretaria estadual de Educação de Minas Gerais, durante o governo de Fernando Pimentel (PT). 

Nas eleições de 2020, a educadora foi eleita à Câmara Municipal de Belo Horizonte, pelo Partido dos Trabalhadores, com 5.985 votos. Em 2022, foi eleita à Assembleia Legislativa de Minas Gerais, também pelo PT, com 50.416 votos.

Processos de Improbidade Administrativa 

Bereia pontua que em processos de improbidade administrativa, o foco é avaliar se houve atos de má gestão, desvio de recursos ou negligência no uso de dinheiro público. No caso de Macaé, as acusações giram em torno de contratos firmados durante sua gestão como secretária de Educação, particularmente, no tocante a licitações para uniformes e mobiliário escolar.

Macaé Evaristo esclareceu que, durante sua gestão na Secretaria de Educação de Minas Gerais, foram realizadas licitações para a compra de mobiliário e kits escolares, que posteriormente passaram a ser investigadas pelo Ministério Público Estadual.

Ela ressaltou que, no processo referente à aquisição de carteiras escolares ( n° 5142894-04.2020.8.13.0024, foi homologado um acordo entre as partes. O pagamento das parcelas acordadas teve início em 19 de novembro de 2021 e segue em andamento, com os demais envolvidos cumprindo suas obrigações financeiras.

Na sentença referente a Macaé Evaristo,  foi celebrado um acordo extrajudicial com o Ministério Público, que foi homologado por um juiz. A “extinção do processo com resolução de mérito”, que consta nos registros, significa que o caso foi concluído após uma análise completa, sem que tenha sido necessária uma condenação formal. Macaé Evaristo argumenta que esses processos foram conduzidos por comissões de licitação e que não houve má-fé de sua parte.

O advogado e analista judiciário da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro Abel Rangel, ouvido pelo Bereia, explica que, “conforme o artigo 487, inciso III, alínea ‘b’ do Código de Processo Civil, a extinção do processo contra Macaé Evaristo se deu por meio de um acordo extrajudicial. O uso desse tipo de acordo, em casos de improbidade administrativa, é comum, especialmente quando não há dolo ou enriquecimento ilícito, e quando os danos ao erário foram reparados. A Lei de Improbidade Administrativa (artigo 17, §1º) permite acordos nesses casos para evitar o prosseguimento do processo e garantir a celeridade da Justiça”.

Macaé Evaristo também informou à imprensa que celebrou termos de acordo para resolver rapidamente outras questões jurídicas a essas licitações nos seguintes processos: 5146628-60.2020.8.13.0024, 5146655-43.2020.8.13.0024, 5146677-04.2020.8.13.0024, 5146822-60.2020.8.13.0024, 5146833-89.2020.8.13.0024, 5146844-21.2020.8.13.0024, 5146485-71.2020.8.13.0024, 5146637-22.2020.8.13.0024, 5146665-87.2020.8.13.0024, 5146764-57.2020.8.13.0024, 5146829-52.2020.8.13.0024 e 5146838-14.2020.8.13.0024

Os processos mencionados, que envolvem questões de licitações, estão relacionados ao mesmo tema, mas foram desmembrados em várias ações judiciais. Cada um deles foi resolvido de forma individual, com acordos homologados judicialmente. 

O advogado Abel Rangel pontua que esse desmembramento é comum em casos administrativos que envolvem diferentes contratos ou fases de execução, mas todos os processos relacionados à Macaé Evaristo foram arquivados sem aplicação de penalidades contra ela.

O jornal Folha de São Paulo, inicialmente, informou que Macaé Evaristo havia feito um acordo judicial no valor de R$10 milhões para encerrar um dos processos de improbidade administrativa. Pouco depois, a publicação corrigiu o erro e esclareceu que o valor correto pago por Macaé foi de R$10 mil, não R$10 milhões. A retificação foi feita para ajustar a informação ao valor real do acordo extrajudicial firmado pela ex-secretária.

Imagem: Reprodução/Folha de São Paulo

Quanto ao Processo n° 5143372-51.2016.8.13.0024, relacionado à aquisição de kits de uniformes escolares para alunos da rede municipal de Belo Horizonte, a nova ministra nomeada esclarece que o processo ainda está em fase instrutória, e aguarda decisão judicial. Ela reiterou sua confiança na Justiça e garantiu que sua gestão sempre foi pautada pela correta administração dos recursos públicos e pela transparência.

Novas denúncias 

O portal UOL publicou, em 13 de setembro passado, que uma auditoria interna do Ministério da Educação apontou que Macaé Evaristo “deixou sem explicação um rombo de R$177 milhões em verba de merenda”. 

Imagem: Reprodução UOL Prime, 13 set 2024

A notícia se refere à Tomada de Contas Especial, instaurada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em razão da não comprovação da regular aplicação dos recursos repassados pela União, para atendimento ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), em 2016. À época, Macaé Evaristo ocupava o cargo de secretária de Educação do Estado de Minas Gerais. As informações foram enviadas ao Tribunal de Contas da União (TCU) que formalizou o  Processo nº 039.766/2023-3 para apurar supostas irregularidades.

Bereia pediu acesso ao processo no TCU, através da plataforma FalaBR. Foi verificado que, de fato, durante a gestão de Macaé Evaristo (2015-2018), a Secretaria de Educação de Minas Gerais não comprovou a utilização correta dos recursos destinados à alimentação escolar. A  auditoria levantou um prejuízo ao erário superior a R$116 milhões, valor que, com correções e juros, chega a mais de R$ 177 milhões. Consta no processo que diversos pagamentos a fornecedores foram realizados sem a documentação devida comprobatória, o que impediu a vinculação entre as despesas e os credores responsáveis.

Além disso, outras falhas graves foram identificadas, como o fornecimento parcial de alimentação nas escolas, ausência de nutricionistas, não cumprimento de cardápios específicos para comunidades indígenas e quilombolas, falta de controle de estoque e armazenamento inadequado de alimentos, entre outros.

O processo está em julgamento no TCU, com a concordância da Controladoria Geral da União. 

Em nota oficial, a ministra explicou que os recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), transferidos pelo FNDE, em 2016, foram devidamente repassados ​​pela Secretaria de Educação de Minas Gerais para as unidades responsáveis ​​pela execução do programa, conhecidas como “caixas escolares” ou “unidades executoras”. Essas unidades são associações sem fins lucrativos que apoiam as escolas e realizam a compra da merenda diretamente.

Segundo a ministra, os auditores do FNDE levantaram questões sobre os procedimentos de controle dessas unidades, mas não apontaram qualquer problema nos recursos gerenciados diretamente pela Secretaria Estadual de Educação. 

Macaé Evaristo também afirmou que vai prestar todas as informações devidas ao TCU e destacou seu compromisso com a transparência e a correta gestão dos recursos públicos, tanto em sua atuação anterior quanto na sua gestão atual no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.

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Bereia avalia que o uso político da informação sobre os processos de improbidade administrativa contra a nova ministra nomeada para a pasta de Direitos Humanos e Cidadania é enganoso. As acusações contra Macaé Evaristo envolvem a licitação de uniformes e mobiliário escolar durante suas gestões nas secretarias de Educação de Belo Horizonte e Minas Gerais. As investigações apontaram superfaturamento nesses contratos, mas a ministra firmou acordos extrajudiciais com o Ministério Público, solucionando os casos. Não houve comprovação, até agora, de dolo ou enriquecimento ilícito por parte da nova ministra nomeada, e os danos ao erário foram reparados dentro do processo.

 A divulgação das informações sobre os processos, de anos passados, pelas manchetes de jornais, usadas por políticos da extrema direita, notórios propagadores de desinformação, se torna enganosa porque as investigações e a resolução judicial mostram que não houve dolo ou má-fé, o que contraria a narrativa promovida em redes sociais. 

As acusações que circulam nas redes foram infladas e as informações apresentadas de maneira incompleta, sem refletir o contexto e o desfecho do que foi concluído na Justiça.  Até o momento, apenas um processo continua em andamento.

A informação sobre os antigos processos judiciais que envolvem a nova ministra é relevante e deve ser oferecida ao público para que esteja atento ao desempenho dela na função. Porém, as acusações construídas com base na informação não procedem diante do encerramento da quase totalidade dos processos. 

Bereia reafirma a importância da oposição política ao governo federal, relevante e saudável em qualquer democracia. No entanto, a oposição deve ser feita com ações dignas, sem recurso à desinformação para convencer e captar rejeições.

Referências de checagem:

TJ-MG.

https://pje-consulta-publica.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=8f497e49f0b954460f59b37b25527699a01357001ced5f54 Acesso em: 10 Set 2024

https://pje-consulta-publica.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=4ad8804e435ec9730f59b37b25527699a01357001ced5f54 Acesso em: 10 Set 2024

https://pje-consulta-publica.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=81d29a3903e6b11f0f59b37b25527699a01357001ced5f54 Acesso em: 10 Set 2024

https://pje-consulta-publica.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=84b0c48cdbbdb1fb0f59b37b25527699a01357001ced5f54 Acesso em: 10 Set 2024

https://pje-consulta-publica.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=b48305c25eccdb960f59b37b25527699a01357001ced5f54 Acesso em: 10 Set 2024

https://pje-consulta-publica.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=e1c59cfd23cd7f9d0f59b37b25527699a01357001ced5f54 Acesso em: 10 Set 2024

https://pje-consulta-publica.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=dd86153dbace58870f59b37b25527699a01357001ced5f54 Acesso em: 10 Set 2024

https://pje-consulta-publica.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=5da144b848d425a20f59b37b25527699a01357001ced5f54 Acesso em: 10 Set 2024

https://pje-consulta-publica.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=150c202c7d82f37a0f59b37b25527699a01357001ced5f54 Acesso em: 10 Set 2024

https://pje-consulta-publica.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/documentoSemLoginHTML.seam?ca=d752243b3d0759ebc1c566091fa6b840b78067b0acc5d750e997ff17fc7b047f6809dce0d78af9e76313aecf589dc1212b692e9446cbc6a5&idProcessoDoc=9438333616 Acesso em: 10 Set 2024

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/09/nova-ministra-de-lula-pagou-r-10-mil-em-acordo-para-encerrar-13-acoes-de-improbidade-em-mg.shtml Acesso em: 10 Set 2024

O Globo. https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2024/09/10/gestao-de-macae-evaristo-como-secretaria-em-minas-gerais-deu-prejuizo-de-r-5-milhoes-aos-cofres-publicos-diz-mp.ghtml Acesso em: 10 Set 2024

Site oficial Macaé Evaristo.

https://www.macaeevaristo.com/meu-trabalho  Acesso em: 10 Set 2024

https://www.instagram.com/macaeevaristo?igshid=YmMyMTA2M2Y%3D  Acesso em: 10 Set 2024

Congresso em Foco. https://congressoemfoco.uol.com.br/area/governo/macae-evaristo-responde-a-processo-por-superfaturamento-de-uniformes-escolares/ Acesso em: 10 Set 2024

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Foto de capa: Flickr/Ministério dos Direitos Humanos

Veículo extremista de direita divulga conteúdo enganoso sobre restrições à educação sexual e de gênero no Reino Unido

Circula em grupos de WhatsApp de igrejas, matéria publicada pela Revista Oeste, em 16 de maio passado, com o título “Reino Unido proíbe ensino de ideologia de gênero nas escolas”. Bereia recebeu de leitores a sugestão de checagem deste conteúdo que tem apelo em comunidades religiosas cristãs.

A matéria afirma que a secretária de Educação do Reino Unido (formado pelos países Inglaterra, Escócia, País de Gales, Irlanda do Norte) Gillian Keegan publicou comunicado na mesma data, que declara ser proibido o ensino da “ideologia de gênero” nas escolas.

A justificativa é que “esse tipo de ensinamento ‘ignora sexo biológico’”. O texto diz ainda que Keegan afirmou que isto não impede as escolas de ensinarem às crianças sobre as pessoas que se submetem à cirurgia de mudança de gênero.

Imagem: reprodução/Revista Oeste

Contexto           

A maior parte da matéria da Revista Oeste é a menção a duas entrevistas da secretária de Educação Gillian Keegan para oferecer mais justificativas: uma para a TV BBC e outra para o jornal Telegraph. A matéria diz que, à BBC, Keegan afirmou que muitos livros têm conteúdo impróprio para as escolas, pois “esse tipo de conteúdo ignora o sexo biológico”. Ela teria afirmado também à TV que não sabe se o problema é generalizado, mas o governo tomou a medida depois que alguns professores manifestaram preocupações.


A notícia em outros veículos de imprensa

Bereia verificou que a notícia da Revista Oeste foi repercutida pelo portal de notícias da Rede Record R7, com indicação do link para leitores e leitoras. A CNN deu a notícia com a mesma ênfase, variando apenas o foco, neste caso dado na palavra do primeiro-ministro Rishi Sunak (Partido Conservador) na defesa da pauta.

Imagem: reprodução/site R7

Imagem: reprodução/CNN

Esta mesma ênfase da notícia foi repercutida por vários veículos e portais que se alimentam de notícias de identidade conservadora, inclusive os religiosos.

Imagem: reprodução/Pleno.News

Outros três veículos de imprensa, O Globo, Folha de S. Paulo e O Dia, ofereceram outra informação, via agência France Press (AFP) de jornalismo: que o governo do Reino Unido “quer proibir”, “cria limite de idade” e “projeta limitar” aulas de educação sexual/de identidade de gênero nas escolas. Com apuração mais ampla, a matéria divulgada por estes veículos enfatiza a informação de que este é um projeto a ser implementado e não uma ação efetivada, como os demais levaram a crer.

Imagem: reprodução/O Globo

Imagem: reprodução/Folha de S.Paulo

Imagem: reprodução/O Dia

O que diz a imprensa do Reino Unido

O que nenhum dos veículos de imprensa no Brasil noticiou é que o que está em questão é um plano, um rascunho de proposta para limitar as idades em que o assunto “identidade de gênero” deve ser abordado nas escolas do Reino Unido – como Bereia apurou em uma pesquisa sobre a cobertura do tema na mais importante rede de imprensa,  a BBC News, e no jornais The Guardian e The Independent.

Segundo matéria da BBC News, de 16 de maio passado, com o título “Escolas são orientadas a não ensinar sobre identidade de gênero”, o veículo informa o que fontes governamentais disseram sobre os planos para proibir a educação sexual para menores de nove anos, bem como o ensino sobre identidade de gênero. A BBC News acrescenta que o primeiro-ministro Rishi Sunak disse que a nova orientação garantiria que as crianças não fossem “expostas a conteúdos perturbadores”.

No entanto, a matéria registra que alguns professores disseram que não há evidências de um problema generalizado. O texto acrescenta que de acordo com os planos, os alunos do ensino secundário aprenderão sobre características protegidas, tais como orientação sexual e mudança de gênero. Porém, a orientação atualizada deixa claro que as escolas “não devem ensinar sobre o conceito de identidade de gênero”, afirma o governo.

Imagem: reprodução/BBC

Em matéria intitulada “Alunos na Inglaterra podem aprender sobre cirurgia de gênero mas não ‘ideologia’, diz Keegan, o The Guardian informa que a orientação será aplicada apenas na Inglaterra, e não em todo o Reino Unido. De acordo com o documento publicado pelo governo, as escolas na Inglaterra serão proibidas de ensinar educação sexual a crianças menores de nove anos. O jornal explica que se espera que a orientação instrua as escolas a não ensinarem às crianças sobre “ideologia de gênero” e deixe claro que se trata de um assunto contestado, se solicitado. A secretária de Educação Gillian Keegan disse ao The Guardian que isso não impediria as escolas de ensinar às crianças sobre as pessoas que se submetem à cirurgia de mudança de sexo e que esta distinção era uma “maneira sensível” de lidar com isso.

The Guardian ouviu professora Jo Morgan, diretora executiva da organização Engendering Change, que realiza oficinas de educação sexual nas escolas. Ela disse que os ministros não deixaram claro o que queriam dizer com ensino de “identidade de gênero”.

Imagem: reprodução/The Guardian

Já o tradicional jornal The Independent, na matéria intitulada “Sunak defende planos de educação sexual como proibição de ensino de identidade de gênero em comparação com a odiada Seção 28 de Thatcher”, chama o plano do governo de controverso. O jornal enfatiza que os ministros devem proibir aulas de educação sexual para crianças menores de nove anos e da noção de identidade de gênero para adolescentes até 18 anos.

The Independent ouviu o chefe-executivo da Anistia Internacional Sacha Deshmukh, que denunciou os planos como “perigosos e colocam em risco a segurança e o bem-estar das crianças, enquanto as escolas enfrentam questões como a exposição de crianças a partir dos sete anos à pornografia”.

Deshmukh acrescentou ao The Independent: “toda uma geração de crianças e jovens LGBTI ficou marcada pela Secção 28 – devemos esforçar-nos para não cometer novamente os mesmos erros… Crianças de todas as idades têm direito a uma educação completa e não devem temer a discriminação. As escolas precisam de mais recursos, mais formação e mais apoio para que os professores proporcionem relações inclusivas, saúde e educação sexual que respondam aos desafios que as crianças enfrentam hoje.”

Imagem: reprodução/The Independent

A cobertura da TV e dos jornais britânicos contextualiza a pauta e oferece pontos de vista críticos à medida. Os veículos informam que o documento oficializa o controverso termo “ideologia de gênero”, avaliado cientificamente como um conceito inventado no espaço da Igreja Católica para confrontar os direitos de gênero conquistados a partir dos anos 90, mesclando a noção de educação sexual com conceitos de sexo anatômico/ biológico com gênero, permitindo que se discuta a cirurgia de mudança de sexo.

Polêmica deixa outros temas em segundo plano

Bereia ouviu o psicólogo e pastor da Igreja Metodista no Brasil, em atuação na Igreja Metodista Britânica Paulo Bessa sobre o caso.

O pastor enviou ao Bereia um relatório do Parlamento Britânico, a House of Commons, de abril passado, o qual oferece um quadro de como a temática de gênero vem sendo tratada nas escolas do Reino Unido, e também sobre a reação dos parlamentares e de organizações que trabalham com educação e com direitos à nova proposta do governo que impõe limites à educação sexual e de gênero.  Ele reafirma que apenas a Inglaterra aprovou a aplicação das novas medidas.

O pastor Paulo Bessa afirma que não sabe se esta medida será, de fato implementada, pois há grande possibilidade de o Partido Conservador não ser reeleito nas próximas eleições. Para ele, levantar esta questão é apenas desviar dos temas fundamentais que vem afligindo a população nos últimos anos e que, estes sim, deveriam ter políticas de enfrentamento. Bessa listou, a pedido do Bereia, os principais problemas do país hoje:

  1. Custo de vida alto e inflação. No ano passado, a inflação oficial chegou a 11% ao ano, altíssima para os padrões britânicos.
  2. Financiamento do sistema público de saúde, o NHS. Já se vê aqui o que acontece em alguns hospitais brasileiros: pacientes sendo colocados em camas nos corredores.
  3. Moradia: há um déficit de moradias em Londres, mais especificamente, e a população de sem-teto tem aumentado, pois muitas pessoas não conseguem pagar os preços atualmente cobrados pelos “locatários”.
  4. Não tenho números oficiais, mas um “Conselheiro” de Hackney, “Boroughs” em que resido, cargo mais ou menos equivalente ao dos vereadores, disse-me que faltam 90 mil  moradias em Londres. “Boroughs” são unidades administrativas parlamentaristas, com Conselheiros eleitos pela população, que administram a vida de áreas equivalentes às subprefeituras de São Paulo, por exemplo. Só que lá, em São Paulo, o prefeito indica os subprefeitos. Aqui, cada “borough” tem um/a prefeito/a, eleito/a pela população, que administra a unidade a partir do parlamento local, que é o “Conselho”.
  5. “Rough sleepers” são as pessoas que dormem diretamente nas ruas. Homeless podem ser pessoas que encontram um abrigo temporário oficial ou não. Temos um trabalho de acolhida a homeless em duas de minhas igrejas e converso com pessoas que ocupam construções abandonadas, mas vivem sem água, eletricidade ou aquecimento. Ofereço um artigo sobre o tema, do começo do ano, mas dá, aos leitores do Bereia, uma ideia do problema

O pastor destaca que é importante lembrar que os planos privados de saúde (convênios) não são comuns, como no Brasil. O sistema de saúde todo é conectado ao NHS. Mesmo que uma pessoa vá a um/ médico/a privado, este/a profissional deve enviar relatório de consultas, exames, etc para o GP (General Practitioner), que é a clínica do bairro, responsável pela guarda do histórico relacionado à saúde dos indivíduos. O NHS atende  todas as pessoas oficialmente residentes no Reino Unido, mas não é universal como no Brasil, onde até os/as turistas estrangeiros podem ser atendidos/as pelo SUS sem terem que pagar.

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Bereia classifica a matéria da Revista Oeste, que circula em grupos de WhatsApp de igrejas como enganosa. É fato que o governo do Reino Unido apresentou um plano para uma possível restrição à educação sexual e de gênero em escolas dos países que o compõem. No entanto, a notícia é oferecida como proposta já implementada, o que não é verdade pois está em discussão e diz respeito apenas à Inglaterra, neste momento. O veículo quer chamar a atenção para uma suposta cruzada internacional contra a chamada “ideologia de gênero” e veicula conteúdo descontextualizado, com informações erradas (a medida não será aplicada a todo o Reino Unido) e sem os dados necessários para oferecer um panorama do que significa esta política do governo britânico no atual momento do país.

Bereia chama a atenção de leitores e leitoras sobre a prática de veículos e lideranças extremistas de direita de divulgar conteúdo desinformativo sobre casos em outros países, com situações distantes, na maioria das vezes, pouco conhecidas no Brasil. É importante buscar fontes locais, como feito nesta entrevista, para conhecer o verdadeiro teor dos casos.


Referências de checagem:

R7, https://noticias.r7.com/internacional/revista-oeste/reino-unido-toma-medida-polemica-proibe-ensino-de-ideologia-de-genero-nas-escolas-17052024/ . Acesso em 27 mai 2024.

CNN, https://www.cnnbrasil.com.br/blogs/americo-martins/internacional/reino-unido-proibe-ensino-sobre-identidade-de-genero-nas-escolas/ . Acesso em 27 mai 2024.

O Globo, https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2024/05/16/reino-unido-quer-proibir-aulas-sobre-identidade-de-genero-nas-escolas.ghtml  . Acesso em 27 mai 2024.

Folha de S. Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2024/05/reino-unido-cria-limite-de-idade-para-educacao-sexual-nas-escolas.shtml . Acesso em 27 mai 2024.

O Dia, https://odia.ig.com.br/mundo-e-ciencia/2024/05/6846710-reino-unido-projeta-limitar-aulas-de-identidade-de-genero-nas-escolas.html . Acesso em 27 mai 2024.

BBC News, https://www.bbc.co.uk/news/education-69017920. Acesso em 28 mai 2024.

The Guardian, https://www.theguardian.com/world/article/2024/may/16/pupils-in-england-will-not-be-taught-gender-ideology-says-gillian-keegan . Acesso em 28 mai 2024.

The Guardian, https://www.theguardian.com/uk-news/2024/mar/04/nhs-funding-faces-biggest-real-terms-cuts-since-1970s-warns-ifs Acesso em 28 mai 2024.

The Independent. https://www.independent.co.uk/news/uk/politics/rishi-sunak-sex-gender-identity-section-28-b2546256.html . Acesso em 28 mai 2024.

House of Commons, https://researchbriefings.files.parliament.uk/documents/CBP-9078/CBP-9078.pdf. Acesso em 28 mai 2024.

Governo do Reino Unido, https://www.ons.gov.uk/economy/inflationandpriceindices. . Acesso em 28 mai 2024.

Inside Housing, https://www.insidehousing.co.uk/comment/government-has-failed-to-face-up-to-the-real-cost-of-fixing-londons-housing-crisis-84671. Acesso em 28 mai 2024.

Bereia, https://coletivobereia.com.br/panico-moral-sobre-ideologia-de-genero-aborto-erotizacao-de-criancas-e-defesa-da-familia-e-usado-para-disputa-eleitoral-com-base-em-desinformacao/. Acesso em 30 mai 2024

Portal de notícias propaga condenação de pastores na Nicarágua como perseguição religiosa

Nos primeiros dias de abril de 2024, diversos portais conservadores e religiosos divulgaram a notícia de que líderes cristãos foram condenados pela Justiça da Nicarágua. O atual presidente Daniel Ortega, depois de um passado ligado a grupos revolucionários, assumiu o poder em 2006 e se reelegeu sucessivas vezes, após reformas judiciais criticadas pela comunidade internacional. 

Os atos de governo implementados pela administração Ortega foram mobilizados por grupos extremistas, durante a campanha eleitoral de 2022 no Brasil,e continuam sendo utilizados para propagar o discurso de perseguição contra cristãos. Bereia checou informações relativas ao caso.

Imagem: reprodução Revista Oeste

A repercussão da prisão de pastores por sites gospel

A Revista Oeste, veículo alinhado a grupos políticos extremistas,publicou matéria com a manchete “Ditadura da Nicarágua condena 11 pastores”, em que destaca a detenção dos líderes religiosos por mais de dois meses sem acesso a advogados e a familiares, e condenações que vão de 12 a 15 anos de prisão.

O portal Folha Gospel, por sua vez, publicou matéria com a manchete “Nicarágua condena 11 pastores ligados ao ministério dos EUA por ‘acusações falsas’ de lavagem de dinheiro”. O conteúdo destaca que a sentença judicial foi proferida “a portas fechadas”.

Já o site Gospel Prime veiculou matéria com o título “Ditadura de Ortega condena 11 pastores sob falsas acusações”. O texto alega, de início, que Daniel Ortega é “amigo do petista Luiz Inácio Lula da Silva” e dá detalhes sobre o caso.

Imagem: reprodução Folha Gospel

Todos os portais que divulgaram o ocorrido dão voz à tese de que há, em curso, perseguição religiosa contra cristãos, discurso amplamente reproduzido com alegações falsas no caso brasileiro.

O regime liderado por Daniel Ortega tem sido criticado internacionalmente por suas ações contra grupos religiosos. A comparação do que ocorre no país da América Central com o cenário brasileiro, no entanto, não se sustenta, conforme Bereia demonstra em matéria sobre desinformação em espaços religiosos e no artigo A mentira que não quer calar: sobre perseguição a cristãos no Brasil.

Imagem: reprodução Gospel Prime

A prisão dos líderes religiosos

A Polícia Nacional da Nicarágua prendeu, em dezembro de 2023, 11 pessoas acusadas do crime de lavagem de dinheiro, com a utilização deorganizações religiosas como fachada, conforme noticiado pelo site Nicaragua Investiga.

O texto afirma ainda que o grupo estaria associado, desde 2013, aos americanos John e Jacob Britton Hancock, presidente e membro da organização Puertas de la Montaña, que enviavam dinheiro para o país para enriquecer ilicitamente, e eram financiados por Bruce Wagner, fundador do ministério evangelístico Sacudiendo las Naciones. 

Os 11 acusados foram Walner Omier Blandón Ochoa, Marisela de Fátima Mejía Ruiz, José Luis Orozco Urrutia, Álvaro Daniel Escobar Caldera, Juan Carlos Chavarría Zapata, Marcos Sergio Hernández Jirón, Juan Luis Moncada, Orvin Alexis Moncada Castellano, Harry Lening Ríos Bravo, Manuel De Jesús Ríos Flores y César Facundo Burgalín Miranda.

Segundo a nota da Polícia Nacional à imprensa, o representante legal da Puerta de la Montaña Walner Blandón, e sua esposa, a gerente financeira da organização Marisela Mejía foram contatados pelos Hancock para registrar a organização no país e os depósitos realizados por Wagner, a partir dos Estados Unidos, eram feitos diretamente às contas pessoais do casal. 

Depois das contas de Blandón e Mejía terem sido bloqueadas, devido ao alto valor das transações, sem justificativas de origem e destino, foram criadas as sociedades Operaciones Blandón Hancock SA., Vertical Bridge Works LLC., Conexion Vertical SA e Puente Plomo SA, em nome do casal, com cargos e participações nas empresas, juntamente com os Hancock. 

As investigações do caso

De acordo com o Ministério Público da Nicarágua, o grupo de pastores evangélicos, membros do Ministério Puerta de la Montaña, praticou o crime de lavagem de dinheiro para adquirir carros de luxo, imóveis e objetos suntuosos, com isenções fiscais. 

O órgão afirmou, em nota à imprensa, que a denúncia surgiu a partir de uma investigação detalhada da Direção de Assistência Judiciária da Polícia Nacional, com base no Código Penal da República da Nicarágua e teve origem nas movimentações financeiras das contas bancárias de ​​Walner Blandón Ochoa e Marisela Mejía. 

“Constituíram sociedades comerciais no nosso país, para que o dinheiro que recebiam do estrangeiro (de origem desconhecida), em vez de ser utilizado para cobrir supostos fins altruístas do Ministério Puerta de la Montaña, fosse desviado para atender aos interesses particulares dos acusados, como a compra de imóveis, veículos de luxo e outros objetos suntuosos, valendo-se das isenções fiscais que as leis do país conferem a organizações sem fins lucrativos”, diz trecho da nota. 

Em 20 de março, os pastores da Puerta de la Montaña, acusados de lavagem de dinheiro, foram considerados culpados, durante julgamento no Complexo Judicial Central de Manágua. Os americanos Jacob Britton Hancock e John Britton Hancock também foram condenados e são considerados foragidos, pelas autoridades nicaraguenses.

O que diz a organização Puerta de la Montaña

De acordo com o site oficial da organização Mountain Gateway, a instituição opera na Nicarágua como Puerta de La Montaña e realiza, sobretudo, treinamentos de pastores e líderes nos Estados Unidos. Há uma área do site destinada às manifestações da instituição quanto às atualizações do caso dos pastores no país centro-americano.

A Mountain Gateway nega as acusações de lavagem de dinheiro e afirma ter seguido todos os requisitos legais nos Estados Unidos e na Nicarágua que se aplicam a organizações sem fins lucrativos e religiosas. A instituição declara, em sua página no Instagram, enfrentar a “mesma perseguição que tantas outras organizações cristãs enfrentaram na Nicarágua desde 2018”.

Imagem: reprodução Instagram

A ADF International (Aliança em defesa da Liberdade, em livre tradução), organização religiosa de defesa jurídica, apresentou um pedido de medidas cautelares à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em nome dos pastores e líderes da Mountain Gateway. 

A organização alega que os religiosos estão presos há mais de dois meses e proibidos de contactar representantes legais ou familiares, que foi negado aos advogados o acesso ao processo e documentação relevante contra os pastores, que houve um julgamento simulado, e o governo não apresentou provas de lavagem de dinheiro por parte dos acusados. 

Daniel Ortega e perseguição religiosa na Nicarágua

A carreira política de Daniel Ortega é marcada por dois momentos muito distintos. Na juventude, nos anos 1960, lutou à esquerda contra a ditadura de Anastasio Somoza, que governava a Nicarágua desde a década de 1930.

Em 1979, com o triunfo da Revolução Sandinista, Ortega destacou-se como líder político e foi eleito primeiro, em 1981, coordenador do Conselho de Administração (espécie de governo provisório) e, depois, em 1984, presidente da Nicarágua.

Com uma gestão marcada por fracassos econômicos e duras críticas por parte do governo estadunidense, Daniel Ortega perdeu as eleições de 1990 e afastou-se do cargo de presidente até meados dos anos 2000.

Em 2006,  distanciou-se do passado de revolucionário comunista e lançou-se novamente à corrida presidencial. Nesse novo momento, vitorioso, Ortega defendeu a aproximação da Nicarágua ao capital estrangeiro e fez acenos ao eleitorado religioso. Em campanha, chegou a dizer que Jesus Cristo era seu herói.

A alegação de perseguições políticas e religiosas

Novamente alçado ao poder, Ortega introduziu um regime marcado por mudanças constitucionais que permitiram mandatos consecutivos, impedimento de candidaturas de opositores à presidência e perseguição a desafetos políticos.

Em 2018, em meio a grandes manifestações contra sua presença no poder, o governo reprimiu violentamente os manifestantes, o que desnudou a nova forma de Ortega comandar seu país.

As denúncias de assassinatos por parte do governo se alastraram, com denúncias de organizações de direitos humanos sobre mais de 300 mortes ligadas às manifestações daquele ano.

De lá para cá, avolumaram-se as denúncias de perseguição, inclusive de grupos e lideranças religiosas críticas às políticas do governo.  Desde 2018, a Igreja Católica sofreu mais de 740 ataques do governo Ortega, sendo 275 apenas em 2023, conforme contagem da advogada Martha Patricia Molina, autora do relatório “Nicarágua, uma igreja perseguida”.

Entre esses ataques, há a ordem de prisão contra padres e outros membros da Igreja Católica, bem como o banimento de líderes religiosos do país. Um dos casos mais célebres é o do bispo Silvio Báez, que se notabilizou pela luta em prol da liberdade e da paz e foi duramente perseguido. 

As autoridades católicas têm dado repercussão aos casos de perseguição religiosa em seu portal de notícias. Além de posicionar-se contra os atos do governo Ortega contra a Igreja Católica, o Vaticano tem acompanhado e denunciado outros casos de perseguição religiosa, e assim o fez em relação aos 11 pastores evangélicos condenados recentemente.

***

Bereia classifica o conteúdo checado como enganoso. A notícia propagada pela Revista Oeste, e repercutida por sites de notícias gospel, contém informações verdadeiras, como a condenação dos líderes cristãos, no entanto, a apresentação associa o fato a outras informações consideradas enganosas. 

O texto omite informações do processo de investigação e as acusações de enriquecimento ilícito por parte dos líderes religiosos, mas apresenta as prisões como resultado de uma perseguição religiosa, ao apontar a expressiva atividade da organização Mountain Gateway na Nicarágua, e indicar a posição do país no ranking de ações perseguidoras de cristãos. 

O tema da perseguição religiosa é vastamente usado por políticos religiosos no Brasil e propagado por sites conservadores como o verificado nesta checagem, para difundir pânico moral, evocar sensacionalismo e conquistar audiência por meio de desinformação. Portanto, Bereia destaca a importância de buscar conteúdos que apresentem informações contextualizadas para que os fatos sejam compreendidos corretamente. 

Referências de checagem:

DW
https://www.dw.com/pt-br/daniel-ortega-assume-quarto-mandato-consecutivo-na-nicar%C3%A1gua/a-60388452 Acesso em: 8 abr 2024

Nicaragua Investiga

https://nicaraguainvestiga.com/nacion/138012-policia-nacional-captura-y-acusa-a-sujetos-de-utilizar-organizaciones-religiosas-para-delinquir/ Acesso em: 2 abr 2024

https://nicaraguainvestiga.com/nacion/139433-fiscalia-afirma-que-pastores-evangelicos-detenidos-compraban-inmuebles-autos-y-objetos-suntuosos/ Acesso em: 2 abr 2024

https://nicaraguainvestiga.com/nacion/142623-miembros-puerta-montana-culpables/ Acesso em: 2 abr 2024

Mountain Gateway

https://www.mountaingateway.org/update-march-28-2024.html Acesso em: 2 abr 2024

ADF International 

https://adfinternational.org/news/mountain-gateway-nicaragua Acesso em: 2 abr 2024

BBC

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62598789 Acesso em: 3 abr 2024

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62598789 Acesso em: 9 abr 2024

El País

https://brasil.elpais.com/brasil/2014/01/29/internacional/1390955364_046642.html

Acesso em 9 abr 2024

IHU

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/633112-nicaragua-pesquisadora-denuncia-a-prisao-de-cinco-padres-em-uma-semana Acesso em: 3 abr 2024

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/188-noticias-2018/578703-nicaragua-silvio-baez-o-bispo-que-enfrentou-o-comandante-ortega Acesso em: 3 abr 2024

Vatican News

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2023-02/nicaragua-bispos-celam-mundo-rejeitam-perseguicao-injusta-igreja.html Acesso em: 3 abr 2024

https://www.vaticannews.va/en/world/news/2024-04/nicaragua-11-evangelical-pastors-sentenced.html Acesso em: 3 abr 2024

Mídia de extrema-direita engana sobre o envio de alimentos a Cuba pelo Brasil

* Matéria atualizada em 20/03/2024 às 20:47 para acréscimo de informações

Recente ação do governo brasileiro gerou polêmica nas mídias sociais digitais. O envio de 125 toneladas de leite em pó para Cuba foi amplamente divulgado e criticado em espaços digitais de extrema-direita e compartilhado por perfis de identidade religiosa. 

Matéria da Revista Oeste, em canal no Youtube, apresentou críticas ao atual governo brasileiro, pela decisão de enviar leite em pó para Cuba, além de futuros envios de arroz, milho e soja. Também compara esta situação com a dos Estados Unidos, onde argumenta que o dinheiro dos contribuintes é gasto com imigrantes enquanto as comunidades pobres locais são negligenciadas. A crítica se estende à gestão econômica do país, e menciona a suposta dificuldade dos brasileiros com a economia, os preços dos alimentos, e questiona o que o veículo classifica como priorização de assistência internacional em detrimento das necessidades internas do Brasil.

         Imagem: reprodução de vídeo da Revista Oeste (YouTube)

A oposição no Congresso Nacional também criticou fortemente a ação, alegando que ela “ignora as necessidades internas do Brasil, onde milhões passam fome e falta infraestrutura básica como água potável e saneamento”. 

Imagem: reprodução da Gazeta do Povo

Por que o Brasil está doando alimentos para Cuba?

Durante a Conferência da ONU sobre o Clima – COP28, uma grande reunião sobre o clima realizada em Dubai no final de 2023, três países – os Emirados Árabes Unidos, o Brasil e Cuba – decidiram trabalhar juntos para ajudar uns aos outros na superação de problemas relacionados à alimentação e ao clima. 

Os países concordaram em formar uma parceria pela qual o Brasil enviará alimentos no valor de US$50 milhões, sob financiamento total dos Emirados Árabes Unidos.

Esta iniciativa é um desdobramento da Declaração sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática”. Assinado por mais de 130 países, na COP 28, o documento destaca uma preocupação global com os impactos das mudanças climáticas na agricultura e na segurança alimentar e reconhece que eventos climáticos extremos estão ameaçando a capacidade de produzir e acessar alimentos, aumentando a fome e a subnutrição. 

A declaração aponta para a agricultura e os sistemas alimentares como áreas chave para combater as mudanças climáticas e melhorar a vida das pessoas, especialmente os mais vulneráveis. 

Um dos principais objetivos da Declaração é promover a segurança alimentar e nutricional, focando em ajudar os mais vulneráveis através de sistemas de proteção social, programas de alimentação escolar, pesquisa e inovação.

A proposta é fazer com que todos tenham comida suficiente, que seja boa para a saúde e produzida de maneira que não prejudique o planeta. Os Emirados Árabes Unidos estão investindo no projeto para ajudar a tornar a produção e a distribuição de comida mais forte e capaz de lidar com mudanças no clima.

De acordo com Agência Brasileira de Cooperação, “por meio da iniciativa, os Emirados Árabes Unidos fornecerão apoio financeiro para aumentar a resiliência e a adaptabilidade dos sistemas alimentares e aumentarão os investimentos em projetos especializados na produção, distribuição e suporte de sistemas alimentares, que sejam nutritivos, saudáveis e sustentáveis, além de fortalecer a segurança alimentar em colaboração com o Brasil e Cuba”.

De acordo com autoridades dos três países envolvidos, os benefícios desta parceria serão de grande importância. Para o Diretor da Agência Brasileira de Cooperação, Embaixador Ruy Pereira, Cuba, significa receber comida e apoio para melhorar a produção e distribuição de alimentos e garantir que as pessoas tenham o que comer.

Para o Brasil, como anfitrião do G20 em 2024, é uma chance de mostrar liderança e solidariedade internacional, ajudando um país latino-americano, com quem o Brasil tem relações diplomáticas históricas, enquanto também promove práticas de agricultura que respeitam o ambiente.

Para os Emirados Árabes Unidos, representa uma oportunidade de contribuir para a solução de um problema global importante, o da fome e das mudanças climáticas, enquanto demonstram compromisso com a sustentabilidade e a cooperação internacional.  A Ministra de Estado dos Emirados Árabes para Cooperação Internacional, Reem Bint Ebrahim Al Hashimy, Ministra de Estado para Cooperação Internacional, disse:  “essa iniciativa contribuirá para proteger o meio ambiente e limitar as repercussões da mudança do clima que afetam os produtores de alimentos. Ela também afirma o compromisso mútuo de abordar os desafios globais críticos e apoiar soluções sustentáveis no âmbito da segurança alimentar”.

Mais de 130 países – representando mais de 5,7 mil milhões de pessoas, 70 por cento dos alimentos que consumimos, quase 500 milhões de agricultores e 76 por cento das emissões totais do sistema alimentar global – assinaram a Declaração sobre Agricultura Sustentável da COP28 Todos os países envolvidos querem mostrar que estão fazendo sua parte para lidar com questões globais como a mudança do clima e a fome. 

A Declaração sobre Agricultura Sustentável da COP28 destaca a intenção de trabalhar de forma colaborativa para “intensificar as atividades e respostas de adaptação e resiliência, a fim de reduzir a vulnerabilidade dos todos os agricultores, pescadores e outros produtores de alimentos aos impactos das alterações climáticas, nomeadamente através de apoio financeiro e técnico para soluções, capacitação, infraestrutura e inovações, incluindo sistemas de alerta precoce, que promovam a segurança alimentar, a produção e a nutrição sustentáveis,ao mesmo tempo que conserva, protege e restaura a natureza”.

Desta maneira, a iniciativa entre Brasil, Emirados Árabes Unidos e Cuba se alinha aos  objetivos traçados na COP28 ao criar uma cooperação que visa desenvolver sistemas alimentares resilientes e sustentáveis, adaptados às mudanças climáticas. 

Por que Cuba precisa receber alimentos?

Cuba enfrenta um dos maiores desafios de sua história recente no que tange à segurança alimentar, uma situação agravada pelo prolongado embargo econômico imposto pela comunidade internacional, liderado pelos Estados Unidos. Este embargo, iniciado em 1962, restringe severamente o acesso da ilha a bens essenciais, incluindo alimentos e produtos agrícolas, impactando diretamente a vida diária dos cubanos.

O embargo econômico não apenas limita as importações de produtos alimentares mas também afeta a aquisição de tecnologias e insumos agrícolas necessários para aumentar a produção local. Sem acesso a mercados diversificados e a tecnologias avançadas, o governo cubano precisa atuar para  atender as necessidades alimentares de sua população. Neste ponto, os problemas estão na escassez periódica de alimentos básicos e no aumento dos preços, tornando a alimentação diária um desafio para muitas famílias cubanas.

A dependência de importações para garantir a segurança alimentar torna Cuba particularmente vulnerável a flutuações no mercado global e a políticas externas. O leite, por exemplo, é mais um produto dentro da grande escassez de alimentos, em meio ao embargo dos Estados Unidos, que já dura 60 anos e é um dos mais longos impostos a uma nação.

O embargo  também impacta o setor agrícola cubano, essencial para a autossuficiência alimentar do país. A dificuldade em obter peças de reposição para maquinário, fertilizantes, e outros insumos essenciais atrasa o progresso em direção a uma agricultura mais produtiva e sustentável, perpetuando um ciclo de insegurança alimentar.

Para superar estas questões, o governo de Cuba tem buscado fortalecer laços com parceiros internacionais dispostos a cooperar apesar do embargo. A iniciativa de cooperação com os Emirados Árabes Unidos e o Brasil é um exemplo. 

No fim do ano de 2023, por uma ampla maioria de 187 votos a favor, a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução pelo fim do embargo econômico norte-americano sobre Cuba. Os dois votos contrários foram dos Estados Unidos e de Israel, e a única abstenção, da Ucrânia. Todos os anos, desde 1992, é aprovada uma resolução contra a imposição americana.

O ministro das relações exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez Parrilla, ressaltou que “Cuba está impedida de comprar de empresas norte-americanas e suas subsidiárias em outros países, equipamentos, tecnologias, dispositivos médicos e produtos farmacêuticos de uso final e, portanto, é forçada a adquiri-los a preços exorbitantes por meio de intermediários ou a substituí-los”. a solução definitiva para a crise alimentar em Cuba passa necessariamente pela revisão das políticas de embargo. 

O Impacto do Acordo Tripartite no Agronegócio Brasileiro

Ainda em 2023, antes da COP 28, o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, já destacava a importância das relações comerciais com os Emirados Árabes. Na ocasião o ministro afirmou: afirmou: “a parceria com os Emirados Árabes será oportunidade de ampliarmos as exportações para o país que se tornou um hub (ponto) de distribuição de produtos brasileiros para todo o Oriente Médio e Ásia”, 

Como 13º maior comprador de produtos do agronegócio brasileiro, os Emirados Árabes são um parceiro estratégico importante. Desta maneira, a recente iniciativa de cooperação entre Brasil, Emirados Árabes Unidos e Cuba representa mais um passo na relação comercial entre os países e possivelmente deve ter repercussões diretas para o setor agrícola nacional.

Possíveis oportunidades para o agronegócio brasileiro

A cooperação abre portas para o agronegócio brasileiro em novos mercados. Cuba, com o apoio dos Emirados Árabes Unidos, pode se tornar um destino importante para as exportações agrícolas brasileiras, diversificando os mercados e reduzindo a dependência do Brasil em relação a seus tradicionais parceiros comerciais.

O apoio financeiro dos Emirados Árabes Unidos também pode fomentar investimentos em tecnologia e inovação no setor agrícola brasileiro. Isso inclui o desenvolvimento de práticas agrícolas mais sustentáveis e resilientes às mudanças climáticas, beneficiando não apenas a produção destinada à exportação, mas também fortalecendo a agricultura nacional.

Além disso, a participação em iniciativas de cooperação internacional, especialmente aquelas que visam combater a insegurança alimentar e promover a sustentabilidade, reforça a imagem do Brasil como um líder responsável e solidário no agronegócio global.

Desta maneira, o acordo de cooperação entre Brasil, Emirados Árabes Unidos e Cuba é um passo promissor para o agronegócio brasileiro, oferecendo novas oportunidades de mercado e incentivando a adoção de práticas agrícolas sustentáveis. 

Canais desinformam e escondem significado do acordo 

Bereia classifica as informações da Revista Oeste como enganosas. Como a pesquisa para esta matéria demonstra, o envio de alimentos para Cuba é parte de uma parceria que envolve também os Emirados Árabes, país responsável pelos custos da operação. A iniciativa é, ainda, resultado da participação do Brasil na Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente – COP 28. Este tipo de atividade faz parte do protocolo de relações internacionais de qualquer país. 

O veículo de mídia que alimenta a extrema-direita com desinformação, a Revista Oeste, joga com  o imaginário conservador em relação a Cuba, como um país perigoso, comunista, para acusar o governo do Brasil de se alinhar com aquele país em detrimento das necessidades nacionais por meio de conteúdo enganoso. A Revista Oeste, e quem compartilha o conteúdo que ela veiculam, desta forma, distorcem o fato de o envio de alimentos ocorrer para negar ao público informações sobre as razões pelas quais o Brasil está enviando alimentos a Cuba, sobre a parceria resultante da COP 28, que envolve os Emirados Árabes e a responsabilidade pelos custos que este país assumiu. Silenciam ainda sobre os benefícios que a parceria oferece para o agronegócio brasileiro. 

Sobre as acusações falsas e enganosas que a matéria faz sobre a situação econômica do Brasil, Bereia já desenvolveu checagens. 

Referências de checagem:

Governo Federal.

https://www.gov.br/abc/pt-br/assuntos/noticias/foi-anunciada-uma-iniciativa-conjunta-entre-emirados-arabes-unidos-brasil-e-cuba-para-melhorar-a-seguranca-alimentar Acesso em 19 FEV 2024 

https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/iniciativa-tripartite-de-cooperacao-entre-brasil-emirados-arabes-unidos-e-cuba Acesso em 19 FEV 2024 

https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2023/outubro/brasil-comandara-o-g20-com-o-compromisso-de-construir-um-mundo-justo-e-um-planeta-sustentavel-diz-ministro-da-fazenda Acesso em 19 FEV 2024

https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202402/mapa-marca-presenca-na-gulfood-em-dubai-e-reforca-papel-do-brasil-em-exportacoes-do-agro Acesso em 19 FEV 2024 

Agência Brasil https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-02/brasil-envia-125-toneladas-de-alimentos-para-cuba Acesso em 19 FEV 2024 

Nações Unidas.

https://brasil.un.org/pt-br/255990-quais-foram-os-resultados-da-cop28%E2%9D%93 Acesso Acesso em 19 FEV 2024 

https://www.cop28.com/en/news/2023/12/COP28-UAE-Presidency-puts-food-systems-transformation  19 FEV 2024

https://news.un.org/pt/story/2023/11/1822847 19 FEV 2024

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57862474 Acesso em 19 FEV 2024 

Fiesp. https://www.fiesp.com.br/mobile/noticias/?id=293710#:~:text=Entre%20os%20principais%20t%C3%B3picos%20que,Agroneg%C3%B3cio%20(Cosag)%20da%20Fiesp. Acesso em 19 FEV 2024 

Coletivo Bereia https://coletivobereia.com.br/balanco-janeiro-2024-politicos-religiosos-desinformam-sobre-situacao-economica-do-brasil/ Acesso em 19 FEV 2024 

Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). https://cnabrasil.org.br/noticias/cna-debate-sustentabilidade-e-cop28-em-evento-da-cni Acesso em 19 FEV 2024 

Gov.br https://www.gov.br/mda/pt-br/noticias/2024/03/parceria-com-governo-cubano-levara-experiencia-de-agricultura-urbana-e-periurbana-para-o-semiarido-brasileiro-e-empodera-mulheres-rurais Acesso em 20 MAR 2024

Dissertação Maria Antônia Oliveira Duran Marins  http://www.realp.unb.br/jspui/handle/10482/47623 Acesso em 19 FEV 2024 

AGROECOLOGIA E DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO EM CUBA. Anne Geraldi Pimentel e Beatriz Díaz. https://direitosocioambiental.org/wp-content/uploads/2024/01/Agroecologia-sociobiodiversidade-e-soberania-alimentar.pdf#page=24 Acesso em 19 FEV 2024 

Jornal O Estado de Minas https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2022/02/04/interna_internacional,1342552/a-intrincada-viagem-do-leite-por-cuba-sob-o-embargo-dos-eua.shtml Acesso em 19 FEV 2024 

Diplomacia Business. https://www.diplomaciabusiness.com/favaro-recebe-ministro-de-comercio-exterior-dos-emirados-arabes-para-tratar-de-novas-parcerias-com-o-brasil/ Acesso em 19 FEV 2024 

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Foto de capa: YouTube Revista Oeste

Mídias religiosas repercutem reportagens enganosas sobre compra de insulinas pelo Ministério da Saúde

Acusações de irregularidades em compras do governo federal na área da saúde ganharam repercussão em mídias religiosas nos últimos dias. 

Em 15 de maio o Ministério da Saúde anunciou a compra emergencial de mais de 1,3 milhão de unidades de insulina análoga de ação rápida. Com a notícia, políticos religiosos levantaram questionamento sobre uma possível irregularidade na compra de medicamentos chineses sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), feita pelo governo federal, para abastecer o Sistema Único de Saúde.

Imagem: reprodução Twitter

A atenção para a insulina chinesa sem registro na Anvisa

Sobre a compra de insulina, a Revista Oeste noticiou, na segunda-feira (15),sobre a decisão do governo federal de adquirir medicamentos da empresa chinesa GlobalX Technology Limited, em tom de crítica. O texto inicia com uma acusação à ministra da saúdeNísia Trindade, de estar “deixando os Estados sem estoque de insulina para atender os pacientes” e segue informando que “nos últimos pregões abertos pelo Ministério da Saúde a pasta não conseguiu comprar o medicamento de empresas registradas na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”.

Segundo a matéria, esta seria a razão do governo optar pela compra emergencial com a empresa chinesa, sem registro na Anvisa e que a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) teria contestado a compra.  Já o portal gospel, Pleno News, e o jornal O Globo, acrescentaram uma afirmação atribuída ao presidente da SBDLevimar Araújo, com questionamento da qualidade do medicamento adquirido.  

Tanto a Revista Oeste como O Globo, trouxeram em seus textos a informação de que o Tribunal de Contas da União (TCU) teria avisado sobre o risco de falta do medicamento, baseado em uma fiscalização requerida pelo Congresso Nacional para averiguar irregularidades nas compras, entregas e armazenamento de insulina. 

A falta de insulina no Brasil

De acordo com notícia veiculada pelo portal Metrópoles, em 12 de abril, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), sinalizou preocupação com o risco de faltar insulina análoga de ação rápida no Sistema Único de Saúde (SUS) e o Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu um relatório que identificou que o estoque duraria apenas até o mês de maio.

O medicamento é essencial para estabilização do índice de glicemia no sangue em pacientes com diabetes tipo 1. De acordo com a SBD, há cerca de 568 mil pessoas com a doença no Brasil, e estima-se que 420 mil pacientes sejam atendidos pelo SUS. 

O MS informou que os mais de 1,3 milhão de canetas de insulina comprados têm capacidade para atender mais de 67 mil pacientes, a SBD acredita que os medicamentos sejam suficientes para no máximo quatro meses. 

Parecer do TCU e SBD sobre a compra

Como base do relatório do TCU está a referida fiscalização, citada nas matérias de O Globo e Revista Oeste. Ambos os veículos de notícia omitiram a informação de que a fiscalização foi solicitada ainda em 2022, através da Proposta de Fiscalização e Controle (PFC) 01/2022, de autoria do deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), aprovada pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara dos Deputados em maio de 2022. 

O relatório do TCU traz ainda, a informação de que o risco de falta de insulina foi identificado principalmente a partir “do fracasso por ausência de propostas dos pregões 99/2022 e 10/2023, para aquisição do medicamento, realizados em 23/8/2022 e 26/1/2023”.

Em março, o portal Metrópoles divulgou que, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, quase um milhão de canetas de insulina de ação rápida foram descartadas por perderem a validade.  Os lotes vencidos causaram um prejuízo de cerca de R$ 15 milhões.

Segundo o documento, o TCU identificou que os fabricantes que forneceram o medicamento anteriormente pediram quase 2,5 vezes mais que a GlobalX ou não tinham condições de atender nem a quantidade nem o prazo pedido pelo Ministério da Saúde (MS).

O parecer da corte de contas descreve ainda que “os produtos a serem importados em caráter de excepcionalidade (produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na ANVISA), devem possuir registro válido em país cuja autoridade regulatória competente seja membro do Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos de Produtos Farmacêuticos de Uso Humano (International Council for Harmonisation of Technical Requirements for Pharmaceuticals for Human Use – ICH)”, o que é o caso da China.

Outro trecho importante a ser considerado é o que cita algumas etapas do processo de importação de medicamentos sem registro na Anvisa que, segundo o documento “exige a execução de várias etapas por diferentes atores, entre essas etapas estão a análise de documentação pela Anvisa para concessão de excepcionalidade de importação, obtenção de licença de importação, desembaraço aduaneiro.”  

Durante a pandemia da covid-19, o governo federal fez uma solicitação semelhante para compra de seringas e agulhas na mesma empresa, também sem registro à época. O relatório de análise pode ser encontrado no site da Anvisa. 

O posicionamento da Sociedade Brasileira de Diabetes pode ser encontrado no portal da organização. A manifestação sobre a compra feita pelo Ministério da Saúde foi publicada em 17 de maio, e deixa claro que um dos requisitos para aprovação da Anvisa é a existência de estudos comparativos. A SBD ressalta que não encontrou nenhum estudo com esta finalidade na literatura médica e afirma que o solicitou ao Ministério da Saúde para que haja “tranquilidade científica”.

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Quanto às informações acerca da compra realizada pelo Ministério da Saúde, Bereia checou que se trata de conteúdo enganoso, principalmente por deixar de citar informações sobre medidas, gastos e fiscalização do governo anterior que mostram que a situação atual decorre, entre outras coisas, de decisões anteriores. Assim como por fazer um recorte intencional ao destacar no título e ao longo da matéria palavras associadas negativa  e massivamente à ideais de esquerda por políticos religiosos, como o caso da China e medidas sanitárias. 

A estratégia de desinformação trata o fato como algo errado e perigoso, com o intuito de provocar medo e revolta, e desconsidera que a medida também foi tomada pelo governo anterior, apoiado pelos mesmos políticos religiosos. Bereia reitera aos leitores que é sempre importante verificar a origem das informações, mas quando se trata de conteúdos relacionados à saúde, a atenção deve ser redobrada. 

Referências de checagem:

Metrópoles. https://www.metropoles.com/brasil/cristaos-extremistas-de-direita-atacam-campanha-da-fraternidade-comunismo Acesso em: 17 mai 2023

Terra. https://www.terra.com.br/diversao/gente/bernardo-kuster-tem-redes-sociais-bloqueadas-apos-decisao-do-stf,277837927c9b7e68c0f0fc5d47a65f02x6jmrphx.html Acesso em: 17 mai 2023

Cremeb. https://www.cremeb.org.br/index.php/noticias/resolucao-cfm-que-define-ozonioterapia-como-pratica-experimental-no-pais-e-publicada-no-diario-oficial/ Acesso em: 17 mai 2023

Youtube/CNN. https://www.youtube.com/watch?v=lL-KL_3RWzk&ab_channel=CNNBrasil Acesso em: 17 mai 2023

Instituto Butantan. https://butantan.gov.br/covid/butantan-tira-duvida/tira-duvida-fato-fake Acesso em: 17 mai 2023

Anvisa. https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2022/ozonioterapia-anvisa-esclarece-as-indicacoes-aprovadas-ate-o-momento/sei_anvisa-1922590-nota-tecnica.pdf Acesso em: 17 mai 2023

Instagram. https://www.instagram.com/p/Ch-eJ0KuJMF/?utm_source=ig_embed&ig_rid=388489e6-c7ed-4151-bbeb-a27190e130e8&ig_mid=C86B61A5-1D9E-47A1-9D53-10AB20C89B66 Acesso em: 18 mai 2023

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/saude/saude-compra-insulina-de-fabricante-sem-registro-na-anvisa-para-garantir-tratamento-pelo-sus/ Acesso em: 17 mai 2023

Metrópoles.

https://www.metropoles.com/saude/risco-de-desabastecimento-leva-governo-a-comprar-insulina-sem-registro Acesso em: 17 mai 2023

https://www.metropoles.com/brasil/tcu-denuncia-risco-de-falta-de-insulina-no-sus-a-partir-do-2o-trimestre Acesso em: 17 mai 2023

https://www.metropoles.com/saude/sociedade-de-diabetes-alerta-para-riscos-da-falta-de-insulina-no-sus Acesso em: 17 mai 2023

https://www.metropoles.com/brasil/governo-bolsonaro-deixou-vencer-r-15-milhoes-em-canetas-de-insulina Acesso em: 17 mai 2023

Sociedade Brasileira de Diabetes. https://diabetes.org.br/posicionamento-da-sbd-sobre-a-aquisicao-pelo-ministerio-da-saude-da-insulina-asparte-da-china/ Acesso em: 18 mai 2023

Anvisa. https://www.gov.br/anvisa/pt-br/composicao/diretoria-colegiada/reunioes-da-diretoria/votos-dos-circuitos-deliberativos-1/2022/cd-660-2022-voto.pdf/view Acesso em: 18 mai 2023

Rádio Senado. https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2021/04/05/oms-nao-recomenda-ivermectina-para-tratar-covid-19 Acesso em: 19 mai 2023

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2023-05/saude-anuncia-compra-de-insulina-em-meio-risco-de-desabastecimento Acesso em: 19 mai 2023

*** Foto de capa: Pexels/Nataliya Vaitkevich

Revista desinforma ao afirmar que inflação fechou menor no governo Bolsonaro do que sob governos de países desenvolvidos

* Matéria atualizada às 16:49 para correção de título

Ao repercutir o relatório World Economic Outlook (Panorama Econômico Mundial) divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), em 11 de abril deste ano, a Revista Oeste publicou matéria dando destaque ao governo de Jair Bolsonaro (PL), ao citar o relatório do FMI: “No último ano de mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro,  a inflação do Brasil fechou menor que a de países como Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido e Áustria, nações consideradas campeãs de austeridade no mundo”. O site também disse que  de acordo com levantamento feito pelo jornal Valor Econômico, a posição do Brasil conforme dados do FMI, “é a melhor para a economia brasileira desde 1995”. o conteúdo foi repercutido por políticos religiosos, como a deputada Carla Zambelli (PL-SP):

Imagem: reprodução do Twitter

A matéria do site do Valor Econômico/Globo noticiou a informação do relatório do FMI sobre a inflação no Brasil: “A inflação brasileira terminou o ano passado acima da meta do Banco Central para 2022, mas o indicador nunca ficou tão abaixo na comparação internacional desde pelo menos 1995. Entre 191 países, a inflação do Brasil foi a 144ª mais alta. A melhor posição anterior do país havia sido em 2007, quando a alta de 4,5% foi a 123ª maior entre 192 países, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI)”.

No entanto, o jornal contextualizou e explicou esse resultado: “É preciso lembrar, porém, que essa desaceleração se deu em grande parte, graças aos artifícios do governo Jair Bolsonaro na busca da reeleição, ao reduzir tributos sobre as tarifas de energia, combustíveis e telecomunicações”.

Imagem: reprodução do World Economic Outlook, publicação do FMI

                         

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, em janeiro deste ano, que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) terminou 2022, portanto, após o período eleitoral, com 5,79%, acima da meta do Banco Central para 2022, que foi de 3,5%.  Já em 2021, os preços no Brasil atingiram a 28ª maior alta do mundo, quando subiram 10,1%. Segundo a matéria do Valor Econômico, o núcleo da inflação no Brasil ficou acima do apresentado pelos Estados Unidos da América (USA), pelo da zona do euro e de uma mediana de países praticamente todo o tempo desde 2019. “Os núcleos são considerados medidas mais ‘limpas’ para a inflação, porque excluem itens mais voláteis e sobre os quais bancos centrais têm menor poder de manobra, como alimentos e energia”, informou o Valor.

Ainda a matéria divulgada pelo Valor Econômico em 23 de abril passado, diz que “Um exercício feito pelo ICMS mostrou que, se fossem desconsiderados os itens gasolina e energia elétrica no cálculo da inflação, o IPCA teria encerrado 2022 com alta de 9,56%, e não de 5,79%. Esse cálculo mostra o impacto da redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre esses itens, embora ele não seja o único fator que influenciou a variação de preços desses produtos. Em 2022, os preços no mundo subiram em média 8,9%, a maior alta desde 1995 (12,6%)”.

O relatório divulgado pelo FMI em abril deste ano alertou que a inflação no mundo está “muito mais pegajosa, do que o previsto, mesmo alguns meses atrás”.

Conforme matéria publicada pelo site G1/Economia sobre a inflação oficial do Brasil entre 2019 e 2022, no governo de Jair Bolsonaro, o resultado “ficou em 26,93%, no maior patamar para um mandato desde o primeiro governo de Dilma Rousseff, que aconteceu entre 2011 e 2014 (27,03%)”.

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Com base na checagem, Bereia considera a matéria publicada pelo site Revista Oeste enganosa, pois apesar de referenciar a matéria do Valor Econômico com os índices econômicos, não apresentou as demais informações que os contextualizam. A inflação menor em 2022 é apresentada como um feito positivo do governo Bolsonaro, mas não são listadas as decisões do Executivo questionáveis para se chegar ao índice. O texto oferece conteúdos verdadeiros,  mas não traz informações sobre o contexto do fato em pauta. É desinformação e necessita de complementações e contextualização.

Referências de checagem:

BBC News Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/articles/c25vy8glw18o. Acesso em:  04 mai 2023

FMI. https://www.imf.org/en/Publications/GFSR/Issues/2023/04/11/global-financial-stability-report-april-2023?cid=bl-com-spring2023flagships-GFSREA2023001. Acesso em 28 abri 2023

Folha/UOL. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/04/comercio-global-desacelera-e-inflacao-retrocede-no-mundo-diz-fmi.shtml. Acesso em 04 mai 2023

G1.Economia. https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/01/10/inflacao-no-governo-bolsonaro-atinge-o-maior-patamar-para-um-mandato-desde-a-primeira-gestao-de-dilma.ghtml. Acesso em 03 mai 2023

Infomoney. https://www.infomoney.com.br/economia/fmi-reduz-projecao-para-o-pib-global-em-2023-e-ve-alemanha-e-reino-unido-em-recessao/. Acesso em: 5 mai 2023

ONU News.  https://news.un.org/pt/story/2023/04/1812712. Acesso em:  03 mai 2023

Valor Economico/Globo. https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/04/23/inflacao-do-brasil-nunca-ficou-tao-baixa-no-ranking-internacional-compare-com-outros-190-paises.ghtml. Acesso em:  28 abr 2023

Valor Economico/Globo.  https://valor.globo.com/mundo/noticia/2023/04/11/fmi-economia-global-segue-no-rumo-de-gradual-recuperacao-da-pandemia-e-da-guerra-na-ucrania.ghtml.  Acesso em: 03 mai 2023

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Imagem de capa: reprodução do Twitter