A intolerância religiosa é um problema estrutural que afeta profundamente a sociedade brasileira e aponta para desigualdades históricas e sociais. De janeiro a junho de 2024, o Brasil registrou um aumento alarmante nos casos de intolerância religiosa. O Disque 100, canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos, contabilizou 1.227 ocorrências no primeiro semestre, um salto de mais de 80% em comparação ao mesmo período de 2023, quando foram registradas 681 denúncias. Esse número já representa quase o total de registros de todo o ano passado (1.482), com a média preocupante de quase sete casos por dia.
As denúncias refletem um padrão recorrente de vítimas: a maioria é composta por mulheres e pessoas negras. Dos casos registrados no primeiro semestre de 2024:
60,5% das vítimas eram mulheres;
32,4% eram homens;
0,24% eram intersexo;
6,84% não informaram ou não declararam o gênero.
As raízes do problema
A origem do problema está diretamente ligada ao período colonial e ao processo de colonização europeia, particularmente no contexto das Américas e do Brasil, de acordo com a análise da pesquisadora do ISER Carolina Rocha. Durante esse período, as populações africanas escravizadas e suas práticas culturais e religiosas foram hierarquizadas e inferiorizadas em relação aos valores europeus, predominantemente cristãos.
No verbete “Racismo Religioso”, a pesquisadora explica que a Igreja Católica Apostólica Romana desempenhou um papel crucial nesse processo, ao demonizar e criminalizar as práticas religiosas de matriz africana, associando-as à bruxaria e à idolatria. Esse enquadramento religioso e cultural serviu para justificar a exploração econômica, a violência e a desumanização das pessoas negras.
Contudo, o termo “racismo religioso” ainda é objeto de construção e debate acadêmico. Pesquisadores como Carolina Rocha destacam que, embora a expressão seja frequentemente usada para descrever o preconceito e a violência direcionados contra adeptos de religiões de matriz africana, é preciso um esforço maior na produção de conhecimento sobre este conceito.
O fato é que mesmo com a formalização da liberdade religiosa na Constituição de 1891, as religiões afro-brasileiras continuam enfrentando perseguição e preconceito, muitas vezes intensificados por discursos de ódio promovidos por setores religiosos hegemônicos no país.
Outros grupos religiosos também sofrem com a intolerância
Embora as religiões de matriz africana sejam as mais afetadas, outros grupos também sofrem. Islâmicos, especialmente mulheres muçulmanas, frequentemente enfrentam agressões físicas e verbais. Judeus e sinagogas são alvos de atos de vandalismo e discursos antissemitas. Cristãos evangélicos, por sua vez, lidam com generalizações que os desqualificam como “alienados”, “ignorantes”, e os associam exclusivamente a práticas ultraconservadoras e charlatanismo, desconsiderando a diversidade interna do segmento e sua contribuição histórica para ações sociais e a defesa dos direitos humanos. Católicos também sofrem com a profanação de templos e imagens sagradas, muitas vezes usados como símbolos de resistência política e cultural.
Nos últimos anos, a intolerância religiosa tem sido intensificada pela instrumentalização política da religião, especialmente por movimentos de extrema-direita. Líderes religiosos de diferentes tradições se aliaram a pautas antidemocráticas, usando a retórica da “liberdade religiosa” para promover exclusivismo e atacar minorias. Este cenário, descrito pela pesquisadora e editora-geral do Bereia Magali Cunha aqui e aqui, representa uma ameaça à pluralidade religiosa e à convivência democrática.
Caminhos para a transformação
O aumento das denúncias é um alerta e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para mudanças. Políticas públicas voltadas à educação religiosa e ao respeito à diversidade cultural são essenciais para enfrentar a intolerância.
Datas do calendário cívico ajudam a reforçar o compromisso com a pluralidade, a diversidade e o respeito à liberdade de crença. Em 21 de janeiro, por exemplo, o país chama atenção para o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, oficializado pela Lei n.º 11.635, de 2007, em memória à Mãe Gilda, uma liderança religiosa do Candomblé que foi vítima de perseguição e intolerância religiosa até falecer em decorrência de um infarto, em 2000.
16ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, Copacabana. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Outra importante iniciativa é a Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, realizada anualmente no terceiro domingo de setembro na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. Este evento, organizado pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP) e pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), reúne praticantes de diferentes crenças e defensores da diversidade para denunciar casos de intolerância e racismo religioso. Esta ação é realizada em outras cidades do Brasil.
Medidas práticas incluem a criação e o fortalecimento de órgãos especializados, como a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (DECRADI), no Rio de Janeiro, e canais de denúncia, como o Disque 100. Iniciativas como o Observatório Mãe Beata de Iemanjá e a Comissão Parlamentar de Inquérito Contra a Intolerância Religiosa da Alerj também mostram como políticas públicas voltadas ao monitoramento e denúncias contribuem para o enfrentamento do problema.
Além disso, é fundamental que o ambiente digital também seja monitorado para combater a disseminação de discursos de ódio e desinformação religiosa. Os dados do Observatório Nacional dos Direitos Humanos (ObservaDH) mostram que as denúncias de crimes de intolerância religiosa online triplicaram em seis anos, passando de 1,4 mil em 2017 para 4,2 mil em 2022. Embora o relatório com os dados consolidados de 2023 ainda não tenha sido divulgado, as tendências dos últimos anos reforçam a relevância das redes sociais digitais como palco de propagação de discursos de ódio.
Por fim, outro ponto significativo é a implementação de campanhas educativas para promover o respeito à liberdade de crença, sobretudo em escolas e espaços religiosos, onde a conscientização pode moldar novas gerações mais tolerantes.
A Agência Pública veiculou em seu site e redes digitais, em 3 de julho de 2023, matéria denunciando o proselitismo abusivo dos evangélicos sobre os praticantes de religiões de matriz africana nas comunidades remanescentes dos quilombos de Pernambuco. De acordo com o texto, os habitantes das comunidades Sítio Bredos, Baixas, São Caetano e Teixeiras, situadas no município de Betânia, no sertão pernambucano, são pressionados a abandonarem suas práticas religiosas e se converterem ao Cristianismo Evangélico.
De acordo com o texto daPública, a região, onde vivem aproximadamente 900 famílias, foi tomada por intensa atividade missionária evangélica desde a construção da primeira igreja Assembleia de Deus, há aproximadamente 20 anos e, desde então, nove templos de denominações pentecostais e neopentecostais se instalaram nas comunidades, dentre as quais, Assembleia de Deus, Adventista do Sétimo Dia e a Mundial do Poder de Deus. Ainda, segundo a reportagem, os poucos praticantes da Umbanda que restaram, se sentem intimidados ao realizarem seus rituais e sofrem pressão para deixarem sua religião e se converterem ao Cristianismo Evangélico.
O que diz a ciência?
A matéria da Pública ouviu a doutora em sociologia, historiadora, escritora e pesquisadora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Carolina Rocha, que estuda conflitos religiosos. Ela explica que o apagamento, a perseguição e a criminalização das tradições de matriz africana é histórica no Brasil de uma forma geral, não apenas em comunidades tradicionais. A pesquisadora ressalta ainda que existe uma série de atores nesse processo, não somente as igrejas cristãs. “Não são só as igrejas que estão despotencializando essas comunidades quilombolas. O Estado também é hostil e racista. O próprio sistema judiciário, que tira filhos de suas mães ou pais porque são levados a terreiros, é racista”, afirma Rocha à Pública.
Diante da denúncia levantada pela publicação, Bereia ouviu outros pesquisadores que atuam especificamente com o tema das comunidades tradicionais. O sociólogo e antropólogo, doutorando em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), Alef Monteiro explica que, diferente do que supõe o senso comum, que imagina os quilombos como “pedacinhos perdidos da África nos interiores do Brasil”, a realidade não é desta forma. “Até onde nós – estudiosos de comunidades quilombolas sabemos – baseados em evidências arqueológicas, documentais e etnográficas, a religião praticada originalmente nos quilombos é o Catolicismo em sua modalidade popular”, afirma o professor, desfazendo a ideia de que religiões de matriz africanas são as “originais” nesses espaços.
O antropólogo e sociólogo da USP pesquisa movimentos evangélicos em quilombos da Amazônia e recentemente escreveu o artigo: “Dos seus pecados e iniquidades não me lembrarei mais”: intolerância religiosa, ressignificação e “esquecimento” das religiões de matriz afro-brasileira no Quilombo São Pedro, publicado no livro “As tramas da intolerância e do racismo”, organizado por Ana Paula Mendes de Miranda, Ilzver de Matos Oliveira e Lana Lage da Gama Lima. No estudo, Monteiro apresenta dados que comprovam que a conversão de mais da metade dos moradores da Comunidade Quilombola São Pedro, no município de Castanhal, no Pará, à fé pentecostal, tem apagado as tradições ligadas às religiões de matriz afro-brasileiras na comunidade em questão. “Em minha pesquisa, além de alguns outros efeitos, percebi que a conversão ao pentecostalismo engendra uma ressignificação depreciativa das práticas religiosas de matriz afro-brasileiras, bem como o não acesso das gerações mais jovens ao conhecimento das vivências religiosas de suas famílias no passado”, analisa na primeira página do capítulo supramencionado.
Imagem: reprodução da capa do livro “As tramas da intolerância e do racismo”
Para o pesquisador da USP, a reportagem de Géssica Amorim, publicada no site da Agência Pública, apesar de valiosa por trazer ao debate público o fenômeno do crescimento das igrejas evangélicas e decréscimo de religiões de matriz afro-brasileira nos quilombos brasileiros a partir de alguns casos no interior de Pernambuco, deixa lacuna por desconsiderar fatores científicos já apurados por pesquisadores da área
“Considero algumas ideias exageradas, cientificamente pouco plausíveis e algumas equivocadas. Por exemplo, a ideia de que a chegada das igrejas citadas mudou a dinâmica religiosa local a tal ponto que o avanço evangélico passou a ‘ameaçar as religiões afro’ desconsidera todas as mudanças estruturais pelas quais os quilombos brasileiros, e os quilombos pernambucanos em questão, vêm passando nas últimas décadas”, declarou ao Bereia o pesquisador Alef Monteiro.
Monteiro ressalta também que as igrejas evangélicas são apenas uma parte dessa mudança estrutural. “Além de outros motivos corolários, os quilombolas se convertem às religiões evangélicas porque estas lhes parecem estruturalmente dotadas de maior plausibilidade, uma vez que realizam de modo mais eficiente a intermediação entre o imaginário mágico-religioso popular, a racionalidade capitalista moderna e a religiosidade cristã historicamente hegemônica”.
O doutor em sociologia e professor da Universidade Federal do Maranhão (Ufma) Gamaliel da Silva Carreiro afirma no estudo “O crescimento do pentecostalismo entre quilombolas: por uma sociologia da presença pentecostal em comunidades quilombolas de Alcântara (MA)”, realizado com membros de 16 povoados desta região que, em alguns grupos, o número de evangélicos já supera outras tradições religiosas. “Detectou-se o desaparecimento de parte da cultura oral dos grupos, tais como: contos, lendas e mitos que povoam os mais diferentes lugares da região e o imaginário popular. E, finalmente, verificou-se o questionamento das regras de uso comum da terra. Conclui-seque o pentecostalismo é parte das causas internas que, em consonância com as externas, estão alterando os padrões culturais dos grupos”, aponta no resumo.
No decorrer do estudo, o pesquisador avalia as causas que levaram os quilombolas de Alcântara à conversão ao pentecostalismo e suas consequências. Assim como o entrevistado pesquisador da USP Alef Monteiro, Carreiro atribui a mudança de crença a uma série de fatores, não apenas ao proselitismo praticado pelas igrejas evangélicas presentes nessas comunidades. “Os quilombos não estão mais isolados no meio da mata, mas encontram-se inseridos em relações capitalistas e elas se intensificam à medida que as distâncias entre os grupos e as grandes cidades diminuem. (…) O pentecostalismo é um pouco mais moderno do que o catolicismo popular, possuindo maiores afinidades eletivas com os valores da sociedade contemporânea. Funcionaria como uma atualização cognitiva que permite ao sujeito entrar e se adaptar no novo mundo”, destaca.
A geógrafa e pesquisadora do Grupo de Pesquisa GeografAR (vinculado à Universidade Federal da Bahia – UFBA) Edite Luiz Diniz, também foi ouvida pelo Bereia. Mestre em Geografia pela UFBA, Diniz se dedica ao estudo das comunidades tradicionais no litoral norte da Bahia. Segundo a pesquisadora, a situação relatada por Géssica Amorim é um pequeno exemplo de uma realidade que acontece em outras comunidades remanescentes de quilombos no país. “Este caso em Pernambuco reflete justamente a realidade que não está somente em Pernambuco, mas nos diversos territórios onde estão as comunidades tradicionais. Isso é uma pena porque vamos perdendo a nossa cultura, a cultura de base, a cultura do povo, para grupos que têm uma mentalidade totalmente diferente, que usam a religião para que Deus resolva os problemas das comunidades”, afirma.
Ainda de acordo com a geógrafa, a ação de religiosos nos quilombos leva ao enfraquecimento de sua organização interna e de sua capacidade de enfrentamento em prol dos seus direitos básicos, como o acesso à terra, além de gerar o silenciamento. “Os membros das comunidades tradicionais enfrentam a discriminação racial, cultural e religiosa de diversas formas. Eles são desvalorizados, invisibilizados e têm suas fontes de sobrevivência, como a água, contaminados”. Ela ressalta ainda o exemplo de duas comunidades baianas que estão sofrendo com ataques discriminatórios. “Os quilombos Rio dos Macacos e Porto de Dom João têm sofrido com o fechamento de escolas, não há professores que ensinem sobre a cultura e religiosidade afro-brasileiras. No momento que a religiosidade não é respeitada, contribui com o enfraquecimento da luta pelos direitos dessas comunidades, além de trazer uma outra visão de mundo”, reitera.
O que são povos e comunidades tradicionais?
De acordo com a definição apresentada pelo Governo Federal, povos e comunidades tradicionais são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (inciso I, Art. 3°, Decreto 6.040/2007).
São considerados como povos e comunidades tradicionais no Brasil os povos indígenas, as comunidades remanescentes de quilombos, os pescadores artesanais, ribeirinhos, os povos ciganos, os povos de terreiro, os pantaneiros, os faxinalenses do Paraná (que consorciam o plantio da erva mate com a suinocultura e com o extrativismo do pinhão, as comunidades de fundo de pasto da Bahia, os geraizeiros, os apanhadores de flores sempre-vivas, entre outros que, somados, representam grande parcela da população brasileira.
Imagem: Reprodução do site do Governo Federal/Instituto Chico Mendes
Os quilombolas
Sobre as comunidades remanescentes de quilombos, a historiografia oficial afirma que os primeiros quilombos surgiram no Brasil ainda no século XVI, no início da colonização, quando grupos de africanos e afrodescendentes, fugindo do sistema escravista decidiram se reunir em comunidades para resistir à recaptura, ocupando terras de difícil acesso, longe das fazendas, mas também com o anseio de manterem suas tradições e culturas vivas.
De acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no dia 27 de julho de 2023, a população quilombola no Brasil é de 1.327.802 pessoas e representa 0,65% do total dos habitantes do país. Essa é a primeira vez que o IBGE investiga os quilombos brasileiros, os dados fazem parte do Censo 2022. Ainda dentro das informações divulgadas, a região Nordeste continua sendo a maior concentração de quilombolas, com 68,19%. De todos os estados brasileiros, a Bahia possui a maior quantidade de quilombolas: 397.059 pessoas, um percentual de 29,90%. O estado ultrapassa o Maranhão (com 269.074 pessoas), Minas Gerais (135.310), Pará (135.033) e Pernambuco (78.827). Bahia e Maranhão concentram metade (50,16%) da população quilombola do país.
Imagem: reprodução do site do IBGE
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Bereia teve acesso às matérias da Agência Pública e do site Intercept Brasil publicadas em em 3 de julho de 2023 e 10 de maio de 2023, respectivamente, e, dada a relevância do tema, foi feita uma pesquisa mais abrangente sobre outras abordagens referentes à temática.
o pesquisador Alef Monteiro ouvido pela reportagem alerta para um conjunto de situações para além do proselitismo de igrejas evangélicas que afetam a sobrevivência de tradições de matriz africana em quilombos, e entende que apontar a ação pentecostal como principal causa é exagerado, “cientificamente pouco plausíveis e equivocado”. Para ele, a conversão se dá, porque há um interesse maior nessa religião em detrimento da anterior por fazer uma ponte mais racional entre o espiritual e o capitalismo.
Gamaliel Carneiro em suas pesquisas também fala dessa peculiaridade que torna o pentecostalismo tão atraente aos quilombolas. Ele aborda fatores externos e internos que causam tais mudanças nas comunidades objetos do estudo em questão. Sobre os internos, reconhece o papel das igrejas pentecostais, entre os externos está a proximidade com as cidades, centros urbanos, dando acesso ao “estilo de vida atraente” desses locais. De acordo com Carneiro, os quilombolas são atraídos para as igrejas evangélicas por estas terem “afinidades eletivas com os valores da sociedade contemporânea”.
A pesquisadora da UFBA Edite Luiz Diniz, também ouvida pelo Bereia, reconhece o pentecostalismo como agente nocivo à manutenção das tradições quilombolas e aponta essas igrejas como responsáveis por prejuízos que vão além da religiosidade, questão também citada por Carneiro ao reconhecer a valorização do indivíduo em detrimento do coletivo como uma mudança cultural trazida pela igreja evangélica.
Bereia considerou a matéria imprecisa pois, apesar de trazer dados verdadeiros e relevantes, não considera os amplos elementos contextuais que são responsáveis pelas mudanças ocorridas nos quilombos em Betânia (PE). O artigo não traz à baila a reflexão promovida por diversas pesquisas específicas da área. Com isso, pode-se levar leitores e leitoras a um julgamento equivocado de que as denominações evangélicas presentes na região são as únicas responsáveis pelo processo de extinção de expressões religiosas e culturais quilombolas que está em curso. Tal abordagem generalizante pode reforçar preconceitos e promover intolerância religiosa.
Bereia identificou que, ao final da matéria da Pública, foi buscado superar o risco da generalização e destacada a existência de atuação de evangélicos, em especial de um pastor de uma Igreja Batista na região, por meio do projeto Nós na Criação, em apoio aos quilombos, em diálogo e cooperação inter-religiosa. Como a abordagem foi muito resumida, Bereia buscou contato com as fontes citadas para ampliar, aqui nesta matéria, a informação sobre a atuação deste grupo de evangélicos. Os pastores até retornaram o contato mas estão em uma imersão e não puderam responder às questões enviadas. Tão logo enviem uma resposta, esta matéria será atualizada.
* Matéria atualizada em 25/08/2023 para acréscimo de informações
Circula em mídias sociais uma postagem que afirma que o Sistema Único de Saúde (SUS) incluiu as religiões de matriz africana como auxiliares do SUS, com suposta exclusão do Cristianismo no grupo.
O texto afirma:
“No Brasil, a Constituição Federal garante a liberdade de crença e culto religioso e toda religião é aceita !!! AGORA… Incluir o candomblé e congêneres como auxiliar do SUS na gestão da saúde, na cura de enfermidade e recebimento de recursos públicos (impostos) pagos por Cristãos (em sua maioria) SEM INCLUIR O CRISTIANISMO NO MESMO PATAMAR… É algo absurdo e um exemplo claro de CRISTOFOBIA.”
Conforme definido no site do Ministério da Saúde , o Conselho Nacional de Saúde (CNS) é uma instância colegiada, deliberativa e permanente do Sistema Único de Saúde (SUS), integrante da estrutura organizacional do Ministério. Criado em 1937, sua missão é fiscalizar, acompanhar e monitorar as políticas públicas de saúde nas suas mais diferentes áreas, levando as demandas da população ao poder público, por isso é chamado de controle social na saúde. As atribuições atuais do CNS estão regulamentadas pela Lei n° 8.142/1990.
O CNS é composto por 48 conselheiros(as) titulares e seus respectivos primeiros e segundos suplentes, que são representantes dos segmentos de usuários, trabalhadores, gestores do SUS e prestadores de serviços em saúde. Além do Ministério da Saúde, fazem parte do CNS movimentos sociais, instituições governamentais e não-governamentais, entidades de profissionais de saúde, comunidade científica, entidades de prestadores de serviço e entidades empresariais da área da saúde.
Etapas municipais e estaduais das Conferências de Saúde e a organização da 17ª Conferência Nacional
Dentre as principais atribuições, o CNS é responsável por realizar conferências e fóruns de participação social, além de aprovar o orçamento da saúde e acompanhar a sua execução, e avaliar o Plano Nacional de Saúde a cada quatro anos. Tudo isso para garantir que o direito à saúde integral, gratuita e de qualidade, conforme estabelece a Constituição de 1988, seja efetivado a toda a população no Brasil.
A etapa nacional das conferências de saúde, com o tema “Garantir Direitos, defender o SUS, a Vida e a Democracia – Amanhã vai ser outro dia!”, foi o resultado das etapas preparatórias para a 17ª Conferência Nacional de Saúde. Os eventos mobilizaram dois milhões de pessoas de Norte a Sul do País.
O CNS organizou a 17ª Conferência Nacional de Saúde reuniu, entre os dias 02 e 05 de julho de 2023 mais de 5000 participantes dentre as quais 4.048 pessoas foram eleitas delegadas para deliberar sobre 1.500 propostas e diretrizes, elaboradas em conferências municipais, estaduais e conferências livres.
O que é e o que diz a Resolução 715
A 17ª CNS apontou 245 diretrizes e 1.198 propostas em seu relatório final, deliberadas pelas 3.526 pessoas delegadas eleitas nas etapas anteriores da conferência. E são essas diretrizes que compuseram o texto da Resolução 715 do CSN.
A finalidade da Resolução está registrada no seu artigo 1º:
Publicar as orientações estratégicas para o Plano Plurianual (PPA) e para o Plano Nacional de Saúde (PNS) 2024-2027, formuladas a partir das diretrizes aprovadas na 17ª Conferência Nacional de Saúde e das prioridades para as ações e serviços públicos de saúde pelo CNS, com vistas a contribuir com o processo democrático e constitucional de formulação da política nacional de saúde, baseados nos Anexos I e II desta Resolução.
Nessa direção, a orientação nº 46 do anexo II, estabelece como proposta de atividade estratégia encaminhada pela 17ª Conferência Nacional de Saúde:
46. (Re)conhecer as manifestações da cultura popular dos povos tradicionais de matriz africana e as Unidades Territoriais Tradicionais de Matriz Africana (terreiros, terreiras, barracões, casas de religião, etc.) como equipamentos promotores de saúde e cura complementares do SUS, no processo de promoção da saúde e 1ª porta de entrada para os que mais precisavam e de espaço de cura para o desequilíbrio mental, psíquico, social, alimentar e com isso respeitar as complexidades inerentes às culturas e povos tradicionais de matriz africana, na busca da preservação, instrumentos esses previstos na política de saúde pública, combate ao racismo, à violação de direitos, à discriminação religiosa, dentre outras.
Como o texto registra, o que o item estabelece é o reconhecimento de terreiros, terreiras, barracões, casas de religião de matriz africana, como“equipamentos promotores de saúde e cura”, o que, historicamente foi concedido a outras religiões, entre muitos exemplos. Verifica-se que não se trata de excluir o Cristianismo. Bereia buscou na resolução elementos que produzisse restrições a outros grupos religiosos e não as localizou, ao contrário do que diz o post.
Bereia realizou busca online sobre o posicionamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a respeito da participação das igrejas cristãs como parceiras na implementação políticas públicas de saúde e em outras áreas de interesse da sociedade e, como resultado das buscas, destaca a citação da Carta aos Evangélicos:
“Como todos devem se lembrar, no período de meu governo, tivemos a honra de assinar leis e decretos que reforçaram a plena liberdade religiosa. Vivemos, entretanto, um período em que mentiras passaram a ser usadas intensamente com o objetivo de provocar medo nas pessoas de boa-fé. Com a prosperidade que ajudamos a construir, foi no nosso governo que as igrejas mais cresceram, principalmente as evangélicas, sem qualquer impedimento e até tiveram condições de enviar missionários para outros países. Posso lhes assegurar, portanto, que meu governo não adotará quaisquer atitudes que firam a liberdade de culto e de pregação ou criem obstáculos ao livre funcionamento dos templos. Se Deus e o povo brasileiro permitirem que eu seja eleito, além de manter esses direitos, vou estimular sempre mais a parceria com as igrejas no cuidado com a vida das pessoas e das famílias brasileiras.” (PRESIDENTE LULA, 2022).
Nessa direção, destacamos também a checagem do site Boatos.org sobre assunto, onde é mostrado que os espaços de culto das Igrejas cristãs de tradição evangélica já tem sido utilizados como espaço terapêutico para tratamento de doenças como no exemplo do ocorrido no Estado do Amapá. Checagem do Bereia já exemplificou como as afirmações noticiosas sobre a existência de cristofobia na forma de preconceitos ou restrições à participação das Igrejas e seus locais de culto nas políticas públicas em saúde e demais áreas de interesse da sociedade não correspondem à realidade.
Cristofobia, uma mentira repetida
O tema da suposta cristofobia no Brasil vem sendo utilizado para crítica política há algum tempo. Bereia já checou diversas publicações a respeito, como nas eleições de 2022.
A perseguição a cristãos no Brasil, sob o rótulo de “cristofobia”, tem apelo porque é um discurso que responde à ideia do cristão perseguido como prova de fidelidade ao Evangelho”. No entanto, o termo “cristofobia” não tem aplicabilidade no Brasil, uma vez que o país tem maioria de cristãos e existe completa liberdade de prática de fé para esse grupo.
A pesquisadora de religiões Brenda Carranza explica: “Manipula-se, neste caso, a noção de combate a inimigos para alimentar disputas no cenário religioso e político. Isto se configura uma estratégia de políticos e religiosos extremistas que pedem mais liberdade e usam desta expressão para garantirem voz contra os direitos daqueles que consideram “inimigos da fé”, em especial, direitos sexuais e reprodutivos e os de comunidades quilombolas e indígenas. Histórias relacionadas a situações ocorridas no exterior são amplamente utilizadas para reforçar a ameaça de que o que se passa fora pode ocorrer no Brasil.”
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Diante da apuração, Bereia conclui que a postagem checada é enganosa. A Resolução 715 do CNS, ao reconhecer a cultura dos povos tradicionais de matriz africanas, bem como os seus espaços e equipamentos religiosos como participantes importantes na promoção de saúde no país, não excluiu e nem discriminou outros grupos culturais, espaços, equipamentos e tradições religiosas como elementos promotores de saúde na sociedade brasileira. Ao contrário disso, incluiu grupos de brasileiros e brasileiras historicamente excluídos do debate público e da participação e controle social no estabelecimento de políticas públicas em saúde.
Da mesma forma que outros grupos e coletivos sociais, os grupos e coletivos de matriz africanas passam a ser considerados para contribuírem com o Sistema Único de Saúde (SUS) na elaboração de políticas públicas em saúde de maneira participativa, integrando os espaços públicos disponibilizados pelo governo. Desta forma, não é verdade que a Resolução 715 inclua as religiões de matriz e exclua outros grupos religiosos ou coloque algum grupo religioso em situação privilegiada em relação aos demais.
A postagem adota as mesmas estratégias de desinformação observadas em outras checagens, ao silenciar sobre fatos relevantes a respeito da decisão proferida, contextualizar de maneira insuficiente e inverter a relevância dos fatos para induzir leitores a crerem que cristãos sofrem perseguição de instituições públicas no Brasil.
Vídeos em que pessoas vestidas com as indumentárias de orixás do candomblé estariam dançando e cantando em shoppings viralizaram em mídias sociais. Os vídeos em questão não dizem onde ou quando as imagens foram feitas, mas em legendas os usuários levam à compreensão de que o ato se deu após evangélicos começaram a cantar e pregar em centros comerciais. Com estas postagens se afirma que tais manifestações seriam uma resposta e uma tentativa de evangelização por parte dos candomblecistas.
Evento no shopping
Em perfis do Twitter foi informado que o “ato” em questão diz respeito a uma ação de marketing do Shopping Barra, realizada anualmente, com o nome “Lavagem do Barra”. O evento é parte de uma série de intervenções culturais que acontecem no shopping a fim de anunciar a primeira liquidação do ano, entre os meses de janeiro e fevereiro. O Shopping Barra fica em Salvador (Bahia), próximo ao Farol da Barra, ponto turístico da cidade.
A intervenção publicitária faz alusão ao evento popularmente conhecido como a Lavagem do Bonfim, evento inter-religioso que acontece no segundo domingo após o Dia de Reis, em janeiro, e consiste no cortejo entre as Igrejas da Conceição da Praia e do Senhor do Bonfim e a lavagem de suas escadarias.
No entanto, as imagens mostram pessoas vestidas como orixás, e não baianas. Bereia entrou em contato com o Shopping Barra e com o dono do perfil que divulgou as imagens para checar se elas se referem, de fato, ao evento. Porém até o fechamento deste texto não obteve resposta.
Por ter sido movimento aparentemente espontâneo, as ações provocaram a circulação de postagens de exaltação ao ato, como um “avivamento”. Porém, o que aconteceu em várias cidades do país, faz parte do projeto IDE de evangelização, criado pela Igreja Fonte da Vida, que tem por principal objetivo propagar a palavra de Deus para fora da igreja adentrando em lugares de massiva movimentação de pessoas.
Todavia, essa ação não representa necessariamente uma novidade para com as práticas de proselitismo e evangelização da Igreja. É possível encontrar vídeos publicados há pouco mais de sete anos em que essa mesma prática é realizada em praças de alimentação de shoppings. O termo IDE também foi usado nesses vídeos.
Bereia apurou que religiões de matrizes afro-ameríndias e afro-brasileiras não têm a prática de realizarem intervenções urbanas com o objeto de fazer proselitismo, uma vez que o ato de conversão por convencimento não pertence à atividade dessas expressões religiosas. Em sua dissertação de mestrado pela Universidade de Brasília, a pesquisadora e advogada Milene Santos lembra que não apenas religiões de matriz afro não praticam o proselitismo público, como elas são um dos principais alvos das práticas de intolerância e importunação religiosa da parte de cristãos.
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Bereia classifica como inconclusiva a notícia de que fiéis do candomblé estariam praticando proselitismo e apelo à conversão em shoppings. Embora determinados eventos do calendário cívico secular tenham sido sincretizados e fazerem parte de comemorações de fiéis afrorreligiosos (a exemplo, a Lavagem do Bonfim) não é comum às religiões de matrizes afro-ameríndias realizarem atos de conversão pública. Também não é possível afirmar, até o momento, que as imagens que circularam referem-se a uma ação publicitária de um shopping em Salvador.
* Matéria atualizada em 06/03/2023 às 15:21 para acréscimo de informações
Uma publicação nas páginas oficiais do Governo da Bahia nas mídias sociais, em referência ao Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa (comemorado em 21 de janeiro), causou grande polêmica, principalmente entre internautas cristãos.
Portais de notícias gospel como Pleno News e Folha Gospel noticiaram o incidente virtual e, em 23 de fevereiro, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), enviou um ofício para a Ouvidoria Geral do Estado da Bahia solicitando a remoção da publicação alegando que esta tinha “tom preconceituoso contra cristãos”. No dia seguinte, a publicação tornou-se indisponível nas mídias sociais do governo baiano.
Bereia recebeu de leitores solicitações de checagem sobre a veracidade das críticas que circulavam em torno das postagens do governo da Bahia.
O que dizia a publicação
A publicação veiculada nas mídias digitais do Governo da Bahia era do tipo conhecido como “carrossel”, uma sequência de imagens que formam um único post. No caso em questão, a publicação tinha como título “Você acha que não, mas é Intolerância religiosa, sim”, e a frase “Você precisa encontrar Jesus” estava entre as listadas como crime de intolerância religiosa. Como justificativa para o enquadramento da frase como intolerância, lia-se os dizeres “não é só Jesus”, acompanhado, ao lado, de um símbolo alusivo ao coração.
Segundo a Anajure, os autores da postagem confundiram o proselitismo e a intolerância. Para a associação, a tentativa de convencimento não constitui uma intolerância e é preciso considerar que faz parte da fé cristã acreditar que todos são necessitados de Cristo, e somente dele. “O abuso desse direito (…) teria lugar apenas em ocasiões nas quais o discurso fosse utilizado de forma coercitiva ou em meio a agressões ao ouvinte. Afirmar que alguém precisa de Jesus não é uma ameaça, uma agressão nem um menosprezo”, diz o texto da organização.
A entidade reforçou a laicidade do Estado brasileiro, baseada no artigo 19 da Constituição Federal, que o obriga a não impossibilitar as atividades religiosas, afirmando que não cabe ao Estado deliberar a validade das crenças. O ofício enviado pelo departamento jurídico da Anajure foi dirigido ao governador da Bahia Jerônimo Rodrigues Souza.
Segundo fonte ouvida por Bereia, que prefere não ser identificada, “muitas pessoas se sentiram ofendidas ao verem expressões e símbolos da sua fé serem criminalizados, principalmente o ato de apelo que faz parte da liturgia da maioria dos cultos evangélicos, o que não aconteceu com os demais credos”. Ainda, segundo a mesma fonte, o card que aparentava ser uma defesa do credo evangélico apresentava a figura de um um terço, símbolo da fé católica, “soando assim como zombaria”.
Histórico de intolerância religiosa na Bahia
O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa é celebrado em 21 de janeiro em memória de Mãe Gilda de Ogum, ialorixá e ativista social baiana morta na mesma data, no ano 2000. Em 1999, a Folha Universal, jornal sustentado pela Igreja Universal do Reino de Deus, acusou as religiões de matriz africana de charlatanismo, ilustrando a publicação com uma foto de Mãe Gilda. Pouco tempo depois, a casa e o terreiro de Mãe Gilda foram invadidos e depredados, episódio que deteriorou a saúde da ialorixá, tendo, possivelmente, contribuído para sua morte por infarto em 21 de janeiro de 2000.
O tema da intolerância religiosa é, por esse e outros episódios, candente na Bahia, motivo pelo qual há um esforço por parte deste estado em promover ações em prol da tolerância. Desta vez, porém, parece ter havido, ao menos, um descuido. A professora associada do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) Christina Vital da Cunha, consultada pelo Bereia, afirma que “a tentativa do governo da Bahia de proteger a sociedade contra essas ações é legítima, mas o desafio é abordar a questão sem incorrer em uma acusação ao mesmo tempo direta e generalista sobre um grupo religioso em especial sob o risco de ser tomado como intolerante”.
O que explicaria o teor da postagem por parte do governo baiano é a existência de um histórico de violências morais e físicas praticadas em relação a religiosos de matriz afro-brasileira, principalmente na Bahia e no Rio de Janeiro, num processo que se desenvolve a partir dos anos 1990 tendo como principais algozes alguns líderes evangélicos.
“O Estado e o movimento social sempre precisarão atuar lembrando aos grupos religiosos monoteístas de perfil mais exclusivista que a diversidade nas formas de viver a espiritualidade tem que ser resguardada. A liberdade de culto é cláusula pétrea em nossa Constituição. Outra questão é o conflito em torno da identidade religiosa. Ou seja, há uma pluralidade de grupos religiosos que, pela lei, deve ser garantida pelo Estado, e uma diversidade interna nos modos de experimentar a fé em cada um desses grupos. Neste caso, trata-se de uma disputa interna por legitimidade e, às vezes, poder, cabendo alguma interferência estatal somente em caso de algum crime ou impasse judicializado”, afirma Christina Vital.
Enfrentamento ao racismo religioso
O racismo religioso, termo que se refere ao conjunto de práticas violentas direcionadas às religiões de matriz africana e seus adeptos, vem ganhando visibilidade no debate sobre intolerância religiosa no Brasil. Em entrevista ao Bereia, a assessora para Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso da CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviço), reverenda Bianca Daébs, afirma que “é preciso implementar uma campanha nacional contra o Racismo Religioso em diálogo com entes públicos, escolas e movimentos sociais, (…) e fortalecer as organizações baseadas na Fé de caráter ecumênico e Inter-religioso”.
Daébs discorda quanto ao teor ofensivo da publicação por parte do Governo da Bahia: “as pessoas não estão acostumadas a serem confrontadas com suas atitudes racistas e com a falta de respeito à fé do outro. Uma campanha como essa é importante porque educa o povo ao tempo que sinaliza para a sociedade que o Estado, que tende a reproduzir práticas racistas de modo sistêmico, também está repensando suas práticas.”
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Após realizar checagem do conteúdo publicado pelo governo da Bahia, bem como da repercussão que a publicação gerou, Bereia considera o episódio em tela inconclusivo. O post, removido pelo governo baiano, parece ter sido um deslize na tentativa de conscientizar a população sobre a intolerância religiosa.
A publicação até apresenta alguma substância informativa, mas não contém todos os elementos necessários para ser classificada como informação verdadeira. Além disso, traz outros elementos que corroboram para classificá-la também como desinformação.
Por outro lado, as acusações de que o governo baiano teria cometido crime também carecem de substância ou interpretação mais abrangente do fenômeno, principalmente à luz do histórico de episódios de intolerância na Bahia. Estas acusações podem servir para alimentar a desinformação que vem sendo alvo de uma série de checagens do Bereia desde 2020: a suposta perseguição sistemática a cristãos no Brasil, com o nome de “cristofobia”.
Circula em mídias sociais de perfis cristãos uma mensagem de áudio em que locutor anônimo faz alusão a uma suposta lei, aprovada pelo atual governo, que impediria o uso de determinados termos em orações. O áudio é dirigido a cristãos e aparentemente, alerta sobre o risco de igrejas ou indivíduos responderem à justiça se forem flagrados fazendo uso de palavras para se referirem criticamente a fiéis de religiões de matriz africana.. A pedido de um leitor, Bereia fez a checagem deste conteúdo que tem circulado amplamente.
No áudio, o locutor faz um alerta aos fiéis: “Para quem não sabe, não pode mais orar falando mal dos catimbozeiro, macumbeiro, feiticeiro na oração, não pode. (…) foi uma lei outorgada agora nessa última quinta feira. (…) Sejamos cautelosos nessas questões (…) infelizmente é o presidente que foi elegido (sic) e infelizmente, são as leis do nosso país, agora tem que respeitar.”
Pela data de veiculação do áudio, possivelmente, a norma mencionada trata-se da Lei 14.532, de 2023, aprovada em 11 de janeiro pelo atual governo, com o objetivo de alterar a Lei do Crime Racial (7.716/1989) e o Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940) para tipificar a injúria racial como racismo. Ao contrário do tom dado ao conteúdo do áudio, não se trata de um cerceamento à liberdade religiosa, mas de mais uma camada de proteção a esta liberdade que, comprovadamente, é historicamente negada às tradições de matriz africana.
Injúria racial e racismo
Ao alterar a redação da Lei do Crime Racial, a Lei 14.532/2023, sancionada logo no primeiro mês de governo de Luiz Inácio Lula da Silva, equipara o crime de injúria racial ao de racismo e prevê punição para os delitos resultantes de discriminação não apenas por cor, raça e etnia, mas também por religião ou procedência nacional.
A injúria racial é um dos crimes contra a honra, previsto no Código Penal como uma forma qualificada para os atos de injúria. Para que este tipo de crime ocorra, deve haver ofensa à dignidade de uma pessoa por sua raça, cor, etnia, religião ou origem. Já a prática de racismo, prevista na Lei de Crime Racial tipifica esta discriminação contra a coletividade, sem considerar este tipo de violência direcionada ao indivíduo. A injúria racial é uma maneira de conseguir abranger esses tipos de delitos direcionados a uma pessoa.
Com a equiparação, a pena para injúria racial torna-se equivalente à aplicada para racismo. A nova redação prevê pena de dois a cinco anos de reclusão e multa no caso de injúria racial, podendo a pena ser aumentada de metade se o crime for cometido por duas ou mais pessoas. Se cometida no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público, além da pena de reclusão, pode-se aplicar a proibição de frequência a locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais (a depender do caso) por três anos – a frequência a locais destinados à prática religiosa permanece garantida. Incorre nas mesmas penas quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas.
Os novos dispositivos podem ser interpretados de diversas formas, a depender do caso concreto em questão. Ouvido pelo Bereia, o advogado, mestre em Direitos Fundamentais e membro da Rede Cristã de Advocacia Popular José Carlos Muniz, afirma que “a interpretação normativa é, em alguma medida, ampla. O que a gente tem que considerar é o contexto. Uma norma dessa pode ser utilizada para finalizar práticas de incitação ou indução à discriminação religiosa contra qualquer religião. Durante muito tempo era muito comum haver preconceito contra evangélicos, mas pode ser contra religiões de matriz africana.” E continua: “Não se pode ter o discurso de uma religião que induza o preconceito e a discriminação de outra, seja qual for”.
Intolerância religiosa no Brasil
Nos últimos anos, o Brasil assistiu ao crescimento de ataques contra centros de umbanda e candomblé. Segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), levantados pelo Portal UOL, entre 2021 e 2022 houve um aumento de 141% nas denúncias de intolerância religiosa, com 586 denúncias em 2022, contra 243 no ano anterior. O portal ainda expõe que obteve, por meio da Lei de Acesso à Informação, dados que apontam o registro de mais de 15 mil denúncias de ataques religiosos recebidos pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP).
Em depoimento ao Jornal Nacional, da Rede Globo, o padre Marcus Barbosa Guimarães afirma que a intolerância vem crescendo nas dimensões religiosa, humana e social, e afirma que a nova lei surge como um gesto concreto de combate à intolerância. Já o pastor , da Comunidade Caverna SP Levi Araújo, relembra a etimologia da palavra religião, que conclama a união, jamais o desrespeito.
Para a antropóloga Christina Vital o senso comum sobre a liberdade religiosa não reflete a totalidade da questão no Brasil. Segundo Vital as disputas políticas aumentam a complexidade deste tema. “A ação de evangélicos protestantes e pentecostais foi dada como fundamental para a garantia da liberdade religiosa no Brasil como um meio de ação contra a hegemonia da Igreja Católica. Aos religiosos de matriz afro-brasileira, a identificação com o tema teria surgido mais recentemente e na forma das ações de combate à intolerância religiosa. Contudo, cada vez mais a liberdade religiosa como afirmação da democracia e combate à violência vem sendo ativada por esses religiosos afro-brasileiros como meio de disputa com os grupos majoritários da agenda em nível global” afirma Vital.
Na onda conservadora que atravessa o mundo infiltrando-se em todas as áreas da sociedade, desde a política até a religião, a afirmação de convicções pessoais tem cedido espaço a ataques que provocam cismas sociais. É o que explica Ana Gualberto, historiadora e coordenadora de ações com comunidades negras tradicionais na Koinonia Presença Ecumênica e Serviço, em entrevista à Rádio Brasil de Fato: “A gente tem vivido, hoje, no mundo e no Brasil, um movimento em que o conservadorismo e as práticas fundamentalistas estão ganhando espaço e, com isso, as pessoas se sentem mais à vontade para infringir a lei”.
O advogado José Carlos Muniz, na entrevista ao Bereia, ressalta que “se alguém tem a intenção de injuriar, o fato de fazer isso em culto religioso não torna a conduta lícita”. Nesse sentido, o novo entendimento acerca da injúria racial, equiparando-a, na lei, ao crime de racismo, vem preencher uma lacuna jurídica, visando a garantir ampla e efetiva liberdade religiosa. Isto é, o Estado atuando de modo a garantir a livre manifestação de todas as crenças, sem ameaças, ataques ou preconceitos.
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Bereia classifica como impreciso o conteúdo do áudio enviado por leitor. A declaração oferece uma informação verdadeira, mas vaga e sem apresentar os fatos e o contexto na amplitude necessária. A ausência de diferentes perspectivas, por exemplo, contribui para a caracterização da desinformação. Assim, o áudio pode colaborar, mesmo que de maneira implícita, para a construção de uma narrativa errônea, segundo a qual o atual governo federal estaria cerceando a liberdade de religião cristã, e protegendo apenas determinadas certas confissões religiosas. Ao desinformar, além de buscar criar aversão de cristãos contra o atual governo, o áudio anônimo ainda transmite a defesa de um falso direito de expressão que libera a ofensa e a injúria contra quem professa fé diferente.O conteúdo, de fato, omite que o que ocorre é a proteção ampla a todos os tipos de crença, na esteira do aumento dos casos de ataques religiosos, e a previsão de penas para crimes comuns praticados dentro ou fora dos espaços da religião.
Bereia alerta leitores e leitoras para a divulgação deliberada de conteúdo impreciso para confundir sobre temas de interesse público. A desinformação, nestes casos, se caracteriza pela falta de consistência na informação veiculada, sem apresentar os fatos e o contexto na amplitude necessária, pelo anonimato (não registra quem está falando e suas fontes), e por recorrentes erros no uso da língua portuguesa.
Bereia também chama à participação cidadã com atenção ao Disque 100 para denúncia de violação de Direitos Humanos, incluídos os casos de intolerância religiosa citados nesta matéria.
A campanha eleitoral começou oficialmente em 16 de agosto. Os programas de televisão e rádio, além das publicações nas mídias sociais, devem respeitar as regras estabelecidas pela legislação eleitoral. Porém, no ciberespaço, aparentemente sem regulação e controle, a campanha eleitoral começou há algum tempo, ou melhor, não parou e esta edição está ativa desde 2018.
No campo virtual não existem regras. Quanto mais alarmante e absurdo, melhor. O objetivo é gerar pânico e com isso, compartilhamentos. No que diz respeito às religiões, nestas eleições nacionais de 2022, os temas da cristofobia (perseguição aos cristãos no Brasil), além de temas como intolerância religiosa e racismo religioso, parecem estar no centro da disputa por votos e para criticar adversários.
Para além de indivíduos religiosos, o discurso cristão é uma linguagem familiar a quase todos os brasileiros, compreendido pela ampla maioria. Isto porque, existe uma referência histórica e cultural desde a colonização portuguesa, que trouxe com ela o Cristianismo católico, e cria um senso de identidade, ainda que grande parte da população não frequente uma igreja. Desta maneira, o discurso religioso com ênfase cristã é utilizado como arma política para além dos muros das igrejas.
A controvérsia do Estado laico
Num Estado laico como o Brasil, lideranças políticas não devem se comportar como fiéis de uma crença particular, e muito menos atacar qualquer religião. No entanto, não é isto que se observa neste conturbado processo eleitoral. Em tempos de mídias sociais, a desinformação com a circulação de conteúdo falso e enganoso, especialmente, as chamadas fake news, se tornaram armas mais poderosas do que as antigas artilharias militares.
De acordo com a antropóloga, pesquisadora e coordenadora de Religião e Política do ISER Lívia Reis,“de forma abrangente, podemos dizer que um Estado é laico quando há uma separação oficial entre Estado e religião. Isso significa que não existe uma religião oficial de Estado, que nenhuma religião pode ser beneficiada em detrimento de outras e que a interferência religiosa não é permitida em decisões estatais. Assim, ao invés de divulgar, perseguir ou hostilizar religiões, um Estado laico deve garantir que todas as religiões sejam valorizadas e tenham o direito de existir igualmente.
Entretanto, Bereia tem monitorado discursos e publicações em mídias sociais de personagens políticos importantes como a primeira dama Michelle Bolsonaro e o deputado pastor Marco Feliciano, além de um grande número de políticos e “influenciadores” digitais cristãos e observa o quanto pregam a intolerância religiosa, reverberando discursos de ódio e disseminando pânico com falsas notícias.
O caso da intolerância contra religiões de matriz africana
O vídeo foi publicado originalmente pela vereadora autodenominada cristã, de igreja não identificada, Sonaira Fernandes (Republicanos-SP). Na legenda da publicação, a vereadora escreveu: “Lula entregou sua alma para vencer essa eleição. Não lutamos contra a carne nem o sangue, mas contra os principados e potestades das trevas. O cristão tem que ter a coragem de falar de política hoje para não ser proibido de falar de Jesus amanhã.”
Na mesma direção da referência negativa de Sonaira Fernandes, dias antes da postagem no Instagram, no domingo, 7 de agosto, a primeira-dama e o presidente participaram de culto na Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte, ao lado do pastor André Valadão e outras lideranças religiosas. Michelle Bolsonaro, ao se referir sobre os palácios de governo em Brasília, afirmou, ao lado do presidente em lágrimas, que:
“Por muitos anos, por muito tempo, aquele lugar foi um lugar consagrado a demônios. Cozinha consagrada a demônios, Planalto consagrado a demônios e hoje consagrado ao Senhor Jesus.” (a partir do 00:06:00 min do vídeo).
Bereia avalia que o caso da postagem de Sonaira Fernandes, compartilhada por Michelle Bolsonaro, ao lado da afirmação feita pela primeira dama na Igreja Batista em Belo Horizonte, não é um simples caso de desinformação sobre uma determinada expressão religiosa. Como pesquisadores cujos estudos Bereia tem acesso afirmam, é um caso de desinformação baseada em intolerância religiosa utilizada como campanha política.
O antropólogo e Conselheiro do ISER Marcelo Camurça, observa que “diante da aproximação das eleições presidenciais de 2022, com a perda crescente de popularidade de Bolsonaro, e o avanço de sua ação tóxica de afrontar as instituições democráticas da república, a estratégia (que começa a se esboçar nos “gabinetes do ódio” e redes de expansão de fake news) de intolerância religiosa como forma de atingir adversários políticos pode recrudescer. Projetos políticos que articulam o pluralismo cultural, religioso, étnico começam a ser rotulados como provindos de religiões do “mal” e por isso ditos “anti-evangélicos”. Não é por outra que Bolsonaro e seus partidários vêm levantando o argumento de uma inexistente “cristofobia” para justificar, como nos exemplos acima, uma confrontação política na forma de “guerra espiritual”.
A desinformação produzida pela vereadora Sonaira Fernandes, compartilhada por Michele Bolsonaro, foi reproduzida por outras personagens do mundo político, como o deputado federal Pastor Marco Feliciano (PL-SP) e continua circulando amplamente mesmo depois de denúncias às plataformas de mídias sociais.
Perseguição às igrejas no Brasil: a mentira que tem mais de 30 anos
Supostas notícias relacionando o Partido dos Trabalhadores, o ex-presidente Lula e a “esquerda” com o a perseguição e o fechamento de igrejas têm sido compartilhadas diariamente com diversas mídias digitais religiosas.
Esta desinformação é antiga e foi disseminada já nas primeiras eleições diretas para a Presidência da República depois da ditadura militar, em 1989. Naquela ocasião, circulava entre fiéis a orientação de não votar em candidatos da esquerda, especialmente no candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, porque, no poder, fecharia as igrejas e perseguiria cristãos. Esta campanha foi amplificada quando boa parte do segmento pentecostal decidiu apoiar o candidato Fernando Collor de Mello (PRN). Esta afirmação foi repetida em todos os pleitos em que Lula se candidatou depois de 1989.
Tais “notícias” nunca apresentam as fontes para as informações apresentadas, têm autoria desconhecida e com teor alarmante, pedem o compartilhamento urgente da mensagem. Há ainda casos da criação de postagens com autoria falsa, como é o caso desta postagem atribuída falsamente ao ex-presidente Lula, com a afirmação de que em um futuro governo a igreja teria seus benefícios cortados entre outras “punições”.
Além do compartilhamento nos grupos de mensagens e nas redes sociais digitais, estes conteúdos são legitimados por autoridades públicas, como o já citado pastor deputado Marco Feliciano (PL-SP), destacado propagador de desinformação.
“Conversamos sobre o risco de perseguição, que pode culminar no fechamento de igrejas. Tenho que alertar meu rebanho de que há um lobo nos rondando, que quer tragar nossas ovelhas através da enganação e da sutileza. A esmagadora maioria das igrejas está anunciando a seus fiéis: ‘tomemos cuidado’”disse Feliciano, que é pastor da Assembleia de Deus Ministério Catedral do Avivamento.
Lei da liberdade religiosa sancionada em 2003 pelo então presidente Lula
Na primeira fila da cerimônia de sanção da lei da liberdade religiosa em 2003, dentre várias autoridades, destacamos o pastor e então senador, Magno Malta.
Em 2022, agora em campanha para voltar ao Senado, Magno Malta publica ataques ao Partido dos Trabalhadores, relacionando seus líderes a uma suposta cristofobia. Na imagem publicada pelo agora candidato Magno Malta, ele utiliza a foto do ex-chefe de gabinete de Lula e ex-ministro de Dilma Rousseff, Gilberto Carvalho. Entre aspas, coloca uma frase jamais dita por Gilberto Carvalho.
“Olá meus companheiros pastores. Durante muito tempo eu disse que Deus escreve certo por linhas tortas. Eu não sei se é coincidência ou não, mas essa é a última lei que eu sanciono este ano. Ah e eu não sei se coincidência ou não é exatamente uma lei que
torna livre a liberdade religiosa no país. Por quê que eu digo coincidência porque durante muitos e muitos anos eu encontrava com pastores pelo Brasil a fora que perguntavam para mim: Lula é verdade que se você ganhar as eleições, você vai fechar as igrejas evangélicas? E no primeiro ano do meu governo e a última lei do ano de 2003 é exatamente para dizer que aqueles que me difamaram, agora vão ter que pedir desculpas não a mim, mas a Deus e a sua própria consciência. Eu dizia sempre que tem três coisas que demonstram que um país vive em democracia: uma é liberdade política, outra é liberdade religiosa e a liberdade sindical. Eu penso que nós estamos vivendo esses momentos de liberdade no Brasil.”
Porém,em tempos de pós-verdade, os fatos não importam. Como disse o então presidente Lula na cerimônia da lei de liberdade religiosa, na campanha de 2002 ele já era questionado a respeito do fechamento de igrejas, caso eleito. Vinte anos depois, as mesmas acusações são repaginadas em tempos de mídias digitais. Magno Malta estava na cerimônia que sancionou a lei de liberdade religiosa, um marco para as igrejas evangélicas do Brasil, e hoje, promove ataques e acusações aos mesmos que sancionar a lei. Um dos maiores porta-vozes das acusações infundadas contra o agora candidato Lula, é pastor deputado Marco Feliciano:
Como enfrentar estas mentiras
A intolerância contra as expressões religiosas e culturais de indígenas e negros remonta à escravização e à exploração destes povos desde o período colonial. Séculos depois, e ainda sem a devida superação desta questão dramática, o artigo do antropólogo Marcelo Camurça, “Intolerância religiosa e a instrumentalização da religião pelo autoritarismo” chama atenção para uma “nova modalidade de intolerância que se coloca ao dispor da estratégia política de correntes de extrema direita para seus projetos de poder”. O artigo apresenta dois casos recentes de intolerância religiosa praticada por políticos.
O presbiteriano e vereador do PTB de Belo Horizonte Ciro Pereira, que fez uma postagem em sua rede social onde dizia: “engana-se quem pensa que não existe uma guerra espiritual acontecendo. Lula busca as forças ocultas africanas, foi ungido e benzido por várias entidades”. E concluía dizendo: “ a guerra começou e eu luto pela minha família e pelo futuro de minha pátria”.
Em seguida, a deputada estadual pelo Partido Social Cristão de Pernambuco Clarissa Tercio, da Assembleia de Deus, postou uma foto de Lula ladeado por suas ialorixás paramentadas com suas roupas religiosas, todos de máscara anti-covid, com a seguinte legenda: “Lula recebe benção de Zé Pelintra para vencer a eleição de 2022”, seguido de um comentário da vereadora: “Já o meu presidente Jair Messias Bolsonaro vai ao culto receber a benção do Deus todo poderoso”.
Marcelo Camurça encerra e afirma que: “uma ignominiosa e inaceitável “demonização” das religiões afro-brasileiras é estendida a Lula pela ameaça que sua candidatura significa para os planos continuístas de Bolsonaro; como se a agenda do ex-presidente com lideranças do Candomblé e Umbanda fosse prova já dada de que ambos estariam urdindo “feitiços” maléficos contra a nação”.
As publicações e declarações de figuras políticas e religiosas que atacam as religiões de matriz africana, são o retrato de um país que está longe de respeitar os princípios da Constituição de 1988.
Um Estado laico é um Estado onde todos estão livres para praticar sua religião. Um credo não se sobrepõe a outra e nenhuma religião deve ser perseguida ou atacada. Entretanto, o que se vê hoje é a utilização do discurso religioso com fins políticos e como arma eleitoral.
O deputado Marco Feliciano projeta suas próprias convicções políticas nos adversários, numa tática de inversão de posições. Ao pregar intolerância contra religiões de matriz africana e criticar posições de personagens e grupos progressistas, por exemplo, ele faz crer que os alvos do ataque são os intolerantes e perseguidores. Os fatos não importam. O objetivo é gerar pânico entre fiéis e disseminar o maior número de notícias falsas e alarmantes.
Um texto sobre uma suposta encomenda de 100 touros para serem “sacrificados para Satanás em favor do babuê Luiz Inácio Lula da Silva” circulou nas mídias sociais na última semana. Apesar de não haver identificação de quem fala, a seguinte mensagem foi encaminhada:
ATENÇÃO PASTORES E SERVOS QUE AINDA CREEM NA INTERVENÇÃO DIVINA.
“É HORA DE ORAR E JEJUAR PELO BRASIL”.
Não posso dar a fonte. Mas já está encomendado daqui de Novo Hamburgo-RS, 100 touros para serem sacrificados para Satanás em favor do babuê Luiz Inácio Lula da Silva, bruxo, pela perturbação das eleições, e para favorece-lo.
Crianças tb serão sacrificadas no altar de Belzebu. Não vamos brincar, não faça aquela oração de preguiçoso, vamos jejuar e orar por nossa Pátria. Existem acordos firmados por esses governantes do PT entregando a Nação nas mãos do Diabo com a autoridade delegada por nós qdo demos a eles através do nosso voto. O que vamos viver nessas próximas eleições é uma tomada de poder no Reino Espiritual.
Não é só o voto, a Igreja de Cristo precisa tomar posição de guerra, porque o mundo espiritual entrará em batalha 00hs do dia 07, a batalha será campal…Orem, orem! O Brasil nunca precisou tanto que a igreja dobre os seus joelhos em favor dele .
Muito sério isso.
Publicado no Grupo da Ordem de Pastores Batistas DF.
Que Deus tenha misericórdia de nós e de nossas crianças, e nos livre a nós e a elas também, em nome de Jesus. Ora Brasil, chora Brasil, clama Brasil. (II Crôn. 7:13 a 15 e Jer. 33:3) 🙏🇧🇷
R E P A S S A N D O !!!
O site Boatos.org já havia feito checagem a respeito do fato em 2018, quando o texto foi distribuído pelas mídias sociais pela primeira vez. Ou seja, trata-se de mensagem antiga. Além disso, a apuração mostrou que “a mensagem tem todas as principais características conteúdos falsos pela rede: vaga, alarmista, com erros de português, pedido de compartilhamento e sem citar fontes confiáveis”.
Após a recente circulação da mensagem, a Ordem dos Pastores Batistas do Brasil (OPBB) emitiu nota oficial no dia 26 de maio desmentindo o texto e reprovando a divulgação de notícias falsas no grupo de WhatsApp da OPBB (imagem abaixo). Por meio do número de contato no seu site, via WhatsApp, a entidade confirmou que a nota oficial foi distribuída a todos os seus afiliados.
Até o fechamento desta nota, Bereia não conseguiu confirmar o significado do título “babuê” com fontes seguras, apenas menções em sites dedicados ao ocultismo sobre ser um título relacionado a “magia negra”. No entanto, é importante advertir que o uso do termo “magia negra” tem conotação racista, frequentemente utilizada em contextos de intolerância religiosa ou de forma pejorativa para com religiões de matriz africana. Além disso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é publicamente declarado católico, o que foi confirmado ao Bereia por lideranças da Igreja Católica consultadas.
É importante que leitores e leitoras redobrem a atenção quanto a não compartilharem conteúdos sem antes verificarem a veracidade deles. Em tempos em que as mídias já exploram possíveis disputas eleitorais, ações de disseminação de conteúdos para destruição da reputação de pessoas públicas serão frequentes.
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Bereia classifica, portanto, a mensagem como FALSA, por trazer informações já verificadas como igualmente falsas, desmentidas pela única possível fonte mencionada. Bereia também recomenda atenção para toda e qualquer mensagem em que a pessoa que fala não se identifica, pois tais condições são comuns a conteúdo falso ou conteúdo criado para causar desinformação, podendo gerar consequências graves para a vida das pessoas associadas a esses conteúdos.