Políticos e sites religiosos desinformam sobre resolução a respeito de atuação religiosa em presídios

O site Pleno.News publicou, em 2 de maio, matéria sobre a nova resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que supostamente proibiria o evangelismo nos presídios brasileiros, alegando o veto ao proselitismo religioso, ou seja, a prática de conversão ou persuasão religiosa ou de crença. 

A matéria citada destaca que o evangelismo passou a ser proibido dentro das penitenciárias do país e declara que nenhum detento poderá ser obrigado a aderir a determinada linha religiosa como requisito para transferência, admissão ou permanência na cadeia. O texto do site descontextualiza o que afirma o documento oficial de que não se trata de uma resolução do governo Lula (PT), e sim do CNPCP.

Fonte: Reprodução/Pleno.News

Parte dos parlamentares evangélicos no Congresso Nacional reagiu negativamente ao documento e acusou o governo de perseguição religiosa e de afrontar a liberdade das igrejas. O deputado federal Helio Lopes (PL-RJ) reproduziu em seu perfil no X uma imagem remetendo à matéria de Pleno.News. Já o deputado Messias Donato (PP-ES), também no X, publicou texto classificando a Resolução como indício de perseguição religiosa.

Imagem: reprodução do Instagram

Imagem: reprodução do X (Twitter)

O influenciador Guilherme Kilter também repercutiu a resolução como proibição de evangelismo nos presídios por parte do Governo Lula. O site Gospel Prime foi outro veículo que publicou matéria com conteúdo semelhante.

Imagem: reprodução do Instagram

Imagem: reprodução/Gospel Prime

O que diz a nova Resolução

A Resolução nº. 34, de 24 de abril de 2024, citada pela matéria do Pleno.News, e postada nas mídias digitais, estabelece as diretrizes e normas para a assistência religiosa nos estabelecimentos prisionais do país, levando em conta a liberdade religiosa e a laicidade do Estado. Sem caráter de lei, tem como objetivo respeitar a diversidade de crenças e a liberdade de escolha dos detentos, e não indica nenhuma proibição direta ao evangelismo.

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) é um órgão colegiado formado por juristas, acadêmicos e representantes da sociedade civil criado em 1980 e com atribuições previstas pelo artigo 64 da Lei de Execução Penal – LEP (Lei nº 7.210, 11 de julho de 1984). Embora ele esteja atrelado ao Ministério da Justiça, a atribuição de responsabilidade pela discussão e eventual publicação de resoluções pelo chefe do Poder Executivo não procede. Isso ocorre porque a composição e a definição legal do Conselho impedem a interferência do governo federal nas decisões, conforme foi determinado desde a sua implantação. 

Ainda assim, o Ministério da Justiça emitiu nota esclarecendo que a Resolução nº35 visa a garantir a laicidade do Estado e proteger os direitos dos presos, evitando abusos e manipulações. No entanto, líderes evangélicos alegam que ela dificulta o trabalho de ressocialização e recuperação dos detentos por meio da fé. 

Resolução não proíbe evangelização

A Resolução reafirma as cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 5º, inciso VI,  dispõe sobre a inviolabilidade da “liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. O artigo 19, inciso I, também reforça a separação do Estado e da religião. Vale lembrar ainda que a resolução estabelece que os agentes religiosos devem ser credenciados e seguir normas de conduta e segurança. 

O documento do CNPCP não proíbe a evangelização nos presídios, e afirma que  “será assegurado o direito de professar qualquer religião ou crença, bem como, o exercício da liberdade de consciência aos ateus e agnósticos e adeptos de filosofias não religiosas”. Além disso, “será garantido à pessoa privada de liberdade o direito de mudar de religião, consciência ou filosofia a qualquer tempo, sem prejuízo da sua situação de privação de liberdade”.

É importante reforçar que a Resolução  tem o objetivo de garantir todas as práticas religiosas, sem a interferência do Estado, e a autorização para entrada, em estabelecimentos penais, de materiais de cunho religioso para estudo e aperfeiçoamento. De acordo com o documento, a religião não pode ser forçada a ninguém, e nem a participação em cultos deve ser objeto de punição ou benesse. Além disso, oferece a fiéis de outras crenças a garantia do seu direito de culto. 

O presidente do CNPCP, Douglas de Melo, destacou que, ao contrário do que está sendo propagado e divulgado, a resolução não representa perseguição religiosa e reitera seu compromisso com a Constituição Federal e com diretrizes internacionais relativas ao tema. “Aliás, pelo contrário, pois ao longo dos debates realizados no processo de construção do documento, o CNPCP sempre se mostrou atento à necessidade de evidenciar a importância das garantias de liberdade de consciência e de crença e de livre exercício, em igualdade de condições, dos cultos religiosos. Nós reprovamos qualquer tipo de comportamento que coloque esse direito em risco”, declarou.  

A realidade prisional e das capelanias

Bereia ouviu Samuel Lourenço Filho, egresso do sistema prisional e que se converteu ao Cristianismo durante cumprimento de pena. Hoje formado em Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele expressou sua incompreensão sobre a alegada perseguição a evangélicos nos presídios. A seu ver, “não há nada na resolução que crie margem para o uso do termo”. Também desconhece “há pelo menos uns 18 anos, alguma medida que aponte para algum traço de perseguição.”. 

Sobre o documento do Conselho, Lourenço Filho, esclareceu que se trata simplesmente de uma recomendação. “Se todas as recomendações do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) fossem seguidas à risca, o cenário prisional seria mais humano e menos populoso. Portanto, não se deve interpretar a resolução de forma tão extremada”, destacou, afirmando “foi mal interpretada em sua  tentativa de aparar arestas”.  

Lourenço Filho afirmou que “quem atua na ponta, na capelania prisional, sabe muito bem que não há perseguição de governo, gestor penitenciário, policial penal, preso ou qualquer outro. A igreja na cadeia é extremamente livre”. Ele enfatizou que não cabe na recomendação a questão do dízimo: “Como dizem por aí, ‘se tem placa, tem história’. Mas eu desconheço qualquer atividade religiosa que subtrai valores da população prisional; ao contrário, ela ajuda e ajuda muito. A igreja é extremamente importante no âmbito da assistência religiosa e material”.

Outro ponto citado foi a importância do papel da igreja no sistema prisional, como “organismo vital no apoio religioso e material”. Ele abordou as críticas sobre o uso do tempo e conversão na prisão, considerando-as desajustes. “Os presos evangélicos organizam-se rapidamente para manter seus espaços de culto e criar um ambiente próprio. É uma questão de respeito mútuo, e a separação por crenças é comum. Se os evangélicos não tivessem seu espaço, a dinâmica prisional, que é complexa, não reconheceria o preso convertido como ‘pastor’. A separação contribui para a conversão, a mudança e a manutenção de uma rotina pacífica”, explicou ao Bereia

Lourenço Filho reconheceu a prática comum do dízimo entre os próprios detentos, usada para manter e melhorar a vida na prisão.  “Já participamos de coletas de dinheiro na cela, em forma de dízimos e ofertas. Isso é parte da nossa dinâmica para conservação e manutenção do ambiente prisional,” explicou. Ele também destaca o uso compartilhado de espaços como capelas ecumênicas. “As igrejas, especialmente as evangélicas, que realizam cultos diários, contribuem com materiais para a construção e manutenção desses locais, que são frequentemente cuidados pelos próprios presos”, explica Lourenço Filho.

Para concluir a entrevista ao Bereia, Lourenço Filho ressalta que a principal questão não é a imposição de crenças, mas a falta de políticas inclusivas para outras atividades religiosas. “Se violões são permitidos nos cultos, por que não atabaques em outras cerimônias? Isso reflete uma falha da administração, não do governo”, argumenta. Para ele, a igreja continua sendo a principal provedora de assistência religiosa nos presídios, um papel frequentemente mal interpretado, visto que a prisão é um espaço público. Ele critica a eficácia da recente recomendação, considerando-a parte de uma controvérsia desnecessária contra o governo. “Quem realmente visita as prisões não se preocupa com essas recomendações e sim com o bem-estar dos detentos”.

Liberdade de culto para todas as religiões  

Bereia entrevistou também Erivelto Melchiades da Silva, pesquisador da área de Direitos e Sistema de Justiça, egresso do sistema prisional e defensor dos direitos religiosos. Segundo ele, a liberdade de culto é restrita em sua maioria aos evangélicos, e o que acompanha com sua visão e experiência “é uma ‘certa’ perseguição a outras denominações religiosas, principalmente as de religiões de matriz africana e, se esta resolução for cumprida a risca, favorece a liberdade de culto e crença de quem está privado do seu direito de ir e vir”.

Silva recorda que, durante sua estadia no sistema carcerário, o “proselitismo religioso” em realidade operava de forma agressiva e opressiva contra as outras religiões.  As de matriz africana eram as mais combatidas, “demonizando, desrespeitando e oprimindo os adeptos, através dos cultos e trabalhos evangelísticos realizados nas galerias das unidades prisionais, além da não permissão a utilização do templo religioso por parte de outras denominações a não ser as evangélicas”, conclui o pesquisador Erivelto Melchiades da Silva ao Bereia.

Lula e perseguição aos cristãos: antiga estratégia de pânico moral 

Desde a redemocratização do país em 1989, circulam especulações de que o PT fecharia igrejas, principalmente evangélicas, ao chegar ao Executivo. Esses rumores acompanharam as candidaturas de Luiz Inácio Lula da Silva (1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2018 e 2022), Dilma Rousseff (2010 e 2014) e  Fernando Haddad (2018). Mesmo com Lula (PT) e Dilma (PT) eleitos e reeleitos, esses boatos nunca cessaram, sendo  exponencialmente escalonados com o uso político-partidário das mídias digitais.  

Na última eleição,  circularam de vídeos e  publicações fora de contexto que insinuavam perseguição aos evangélicos, destruição das instituições da família tradicional heteronormativa e o fechamento de templos. Isso foi  amplamente utilizado para alimentar e monetizar as páginas de opositores, líderes religiosos e empresários  nas mídias digitais.

Veículos de imprensa e portais de  notícias se tornaram vetores de respaldo e apuração, possibilitando que tais tipos de manipulações dos fatos alcançassem diversos públicos. O caráter apelativo e distorcido da realidade, incitando ódio, rancor e medo,  tem sido bem explorado por setores religiosos, especialmente os ligados à extrema-direita brasileira.

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Bereia conclui que a matéria publicada pelo Pleno.News sobre resolução Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) proibindo a evangelização em presídios é enganosa. Ao contrário do que é afirmado pelo site e por políticos evangélicos e influenciadores, a decisão do Conselho não veta a evangelização, apenas reafirma a liberdade religiosa e a diversidade de cultos aos detentos do sistema penitenciário,  já garantidas pela Constituição de 1988. Também é incorreto atribuir a Resolução como ato da Presidência da República. O título distorce o conteúdo da matéria e apresenta fatos fora do contexto com o objetivo de causar comoção, se tornar mais atrativo para ser amplamente compartilhado,  e confundir o leitor. 

Referências de checagem:

BRASIL. Resolução no 34, de 24 de abril de 2024. Estabelece diretrizes para a assistência religiosa no sistema prisional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2024. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-34-de-24-de-abril-de-2024-556521006. Acesso em: 6 maio 2024.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2023]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 7 maio 2024.

BRASIL DE FATO. Lula vai fechar igrejas? Conheça as principais mentiras contra o candidato petista. Brasil de Fato, 1º de outubro de 2022. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/10/01/lula-vai-fechar-igrejas-conheca-as-principais-mentiras-contra-o-candidato-petista. Acesso em: 6 maio 2024.

CPAD NEWS. Resolução do governo proíbe conversão religiosa em presídios. CPAD News, [s. l.], 2024. Disponível em: https://www.cpadnews.com.br/resolucao-do-governo-proibe-conversao-religiosa-em-presidios/. Acesso em: 6 maio 2024.

GOV.BR. Resolução de Conselho de política penitenciária garante liberdade religiosa em presídios. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/resolucao-de-conselho-de-politica-penitenciaria-garante-liberdade-religiosa-em-presidios. Acesso em: 7 maio 2024.

G1. É #FAKE mensagem que diz que Lula declarou que irá fechar igrejas em 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/eleicoes/noticia/2022/10/07/e-fake-mensagem-que-diz-que-lula-declarou-que-ira-fechar-igrejas-em-2023.ghtml. Acesso em: 6 maio 2024.

O GLOBO. Bancada evangélica se revolta com resolução do governo Lula que proíbe proselitismo religioso em presídios. Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2024/05/04/bancada-evangelica-se-revolta-com-resolucao-do-governo-lula-que-proibe-proselitismo-religioso-em-presidios.ghtml. Acesso em: 10 maio 2024.

POLITIZE. Liberdade religiosa: o que é e como funciona no Brasil. Politize, [s.d.]. Disponível em: https://www.politize.com.br/artigo-quinto/liberdade-religiosa/#:~:text=O%20artigo%205%C2%BA%2C%20em%20seu,culto%20e%20a%20suas%20liturgias. Acesso em: 7 maio 2024.

VEJA. Governo cria regras para liberdade de culto e apoio espiritual em presídio. Veja, [s. l.], 2024. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/governo-cria-regras-para-liberdade-de-culto-e-apoio-espiritual-em-presidio. Acesso em: 6 maio 2024.

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Foto de capa: Ron Loach/Pexels

Matéria da Agência Pública denuncia proselitismo evangélico em comunidades quilombolas

A Agência Pública veiculou em seu site e redes digitais, em 3 de julho de 2023, matéria denunciando o proselitismo abusivo dos evangélicos sobre os praticantes de religiões de matriz africana nas comunidades remanescentes dos quilombos de Pernambuco. De acordo com o texto, os habitantes das comunidades Sítio Bredos, Baixas, São Caetano e Teixeiras, situadas no município de Betânia, no sertão pernambucano, são pressionados a abandonarem suas práticas religiosas e se converterem ao Cristianismo Evangélico. 

Imagem: reprodução do site da Pública

O interesse na prática religiosa dos moradores da região do município de Betânia não começou nesta matéria da Pública. A mesma jornalista, Géssica Amorim,  já havia estado no quilombo Teixeira, em setembro de 2021 e, mais recentemente, em abril deste ano, para conversar com uma mulher que seria a última praticante da Umbanda a se converter ao evangelho na localidade. O The Intercept, usando dados da mesma matéria, também produziu reportagem sobre o tema

Imagem: reprodução do site Marco Zero

Imagem: reprodução do site The Intercept Brasil

De acordo com o texto da Pública, a região, onde vivem aproximadamente 900 famílias, foi tomada por intensa atividade missionária evangélica desde a construção da primeira igreja Assembleia de Deus, há aproximadamente 20 anos e, desde então, nove templos de denominações pentecostais e neopentecostais se instalaram nas comunidades, dentre as quais, Assembleia de Deus, Adventista do Sétimo Dia e a Mundial do Poder de Deus. Ainda, segundo a reportagem, os poucos praticantes da Umbanda que restaram, se sentem intimidados ao realizarem seus rituais e sofrem pressão para deixarem sua religião e se converterem ao Cristianismo Evangélico. 

O que diz a ciência?

A matéria da Pública ouviu a doutora em sociologia, historiadora, escritora e pesquisadora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Carolina Rocha, que estuda conflitos religiosos. Ela explica que o apagamento, a perseguição e a criminalização das tradições de matriz africana é histórica no Brasil de uma forma geral, não apenas em comunidades tradicionais. A pesquisadora ressalta ainda que existe uma série de atores nesse processo, não somente as igrejas cristãs. “Não são só as igrejas que estão despotencializando essas comunidades quilombolas. O Estado também é hostil e racista. O próprio sistema judiciário, que tira filhos de suas mães ou pais porque são levados a terreiros, é racista”, afirma Rocha à Pública. 

Diante da denúncia levantada pela publicação, Bereia ouviu outros pesquisadores que atuam especificamente com o tema das comunidades tradicionais. O sociólogo e antropólogo, doutorando em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), Alef Monteiro explica que, diferente do que supõe o senso comum, que imagina os quilombos como “pedacinhos perdidos da África nos interiores do Brasil”, a realidade não é desta forma. “Até onde nós – estudiosos de comunidades quilombolas sabemos – baseados em evidências arqueológicas, documentais e etnográficas, a religião praticada originalmente nos quilombos é o Catolicismo em sua modalidade popular”, afirma o professor, desfazendo a ideia de que religiões de matriz africanas são as “originais” nesses espaços.

O antropólogo e sociólogo da USP pesquisa movimentos evangélicos em quilombos da Amazônia e recentemente escreveu o artigo: “Dos seus pecados e iniquidades não me lembrarei mais”: intolerância religiosa, ressignificação e “esquecimento” das religiões de matriz afro-brasileira no Quilombo São Pedro, publicado no livro As tramas da intolerância e do racismo, organizado por Ana Paula Mendes de Miranda, Ilzver de Matos Oliveira e Lana Lage da Gama Lima. No estudo, Monteiro apresenta dados que comprovam que a conversão de mais da metade dos moradores da Comunidade Quilombola São Pedro, no município de Castanhal, no Pará, à fé pentecostal, tem apagado as tradições ligadas às religiões de matriz afro-brasileiras na comunidade em questão. “Em minha pesquisa, além de alguns outros efeitos, percebi que a conversão ao pentecostalismo engendra uma ressignificação depreciativa das práticas religiosas de matriz afro-brasileiras, bem como o não acesso das gerações mais jovens ao conhecimento das vivências religiosas de suas famílias no passado”, analisa na primeira página do capítulo supramencionado. 

Imagem: reprodução da capa do livro “As tramas da intolerância e do racismo”

Para o pesquisador da USP,  a reportagem de Géssica Amorim, publicada no site da Agência Pública, apesar de valiosa por trazer ao debate público o fenômeno do crescimento das igrejas evangélicas e decréscimo de religiões de matriz afro-brasileira nos quilombos brasileiros a partir de alguns casos no interior de Pernambuco, deixa lacuna por  desconsiderar fatores científicos já apurados por pesquisadores da área

“Considero algumas ideias exageradas, cientificamente pouco plausíveis e algumas equivocadas. Por exemplo, a ideia de que a chegada das igrejas citadas mudou a dinâmica religiosa local a tal ponto que o avanço evangélico passou a ‘ameaçar as religiões afro’ desconsidera todas as mudanças estruturais pelas quais os quilombos brasileiros, e os quilombos pernambucanos em questão, vêm passando nas últimas décadas”, declarou  ao Bereia o pesquisador Alef Monteiro.  

Monteiro ressalta também que as igrejas evangélicas são apenas uma parte dessa mudança estrutural. “Além de outros motivos corolários, os quilombolas se convertem às religiões evangélicas porque estas lhes parecem estruturalmente dotadas de maior plausibilidade, uma vez que realizam de modo mais eficiente a intermediação entre o imaginário mágico-religioso popular, a racionalidade capitalista moderna e a religiosidade cristã historicamente hegemônica”.  

O doutor em sociologia e professor da Universidade Federal do Maranhão (Ufma) Gamaliel da Silva Carreiro afirma no estudo “O crescimento do pentecostalismo entre quilombolas: por uma sociologia da presença pentecostal em comunidades quilombolas de Alcântara (MA)”, realizado com membros de 16 povoados desta região que, em alguns grupos, o número de evangélicos já supera outras tradições religiosas. “Detectou-se o desaparecimento de parte da cultura oral dos grupos, tais como: contos, lendas e mitos que povoam os mais diferentes lugares da região e o imaginário popular. E, finalmente, verificou-se o questionamento das regras de uso comum da terra. Conclui-se que o pentecostalismo é parte das causas internas que, em consonância com as externas, estão alterando os padrões culturais dos grupos”, aponta no resumo. 

No decorrer do estudo, o pesquisador avalia as causas que levaram os quilombolas de Alcântara à conversão ao pentecostalismo e suas consequências. Assim como o entrevistado pesquisador da USP Alef Monteiro, Carreiro atribui a mudança de crença a uma série de fatores, não apenas ao proselitismo praticado pelas igrejas evangélicas presentes nessas comunidades. “Os quilombos não estão mais isolados no meio da mata, mas encontram-se inseridos em relações capitalistas e elas se intensificam à medida que as distâncias entre os grupos e as grandes cidades diminuem. (…) O pentecostalismo é um pouco mais moderno do que o catolicismo popular, possuindo maiores afinidades eletivas com os valores da sociedade contemporânea. Funcionaria como uma atualização cognitiva que permite ao sujeito entrar e se adaptar no novo mundo”, destaca. 

A geógrafa e pesquisadora do Grupo de Pesquisa GeografAR (vinculado à Universidade Federal da Bahia – UFBA) Edite Luiz Diniz, também foi ouvida pelo Bereia. Mestre em Geografia pela UFBA, Diniz se dedica ao estudo das comunidades tradicionais no litoral norte da Bahia. Segundo a pesquisadora, a situação relatada por Géssica Amorim é um pequeno exemplo de uma realidade que acontece em outras comunidades remanescentes de quilombos no país. “Este caso em Pernambuco reflete justamente a realidade que não está somente em Pernambuco, mas nos diversos territórios onde estão as comunidades tradicionais. Isso é uma pena porque vamos perdendo a nossa cultura, a cultura de base, a cultura do povo, para grupos que têm uma mentalidade totalmente diferente, que usam a religião para que Deus resolva os problemas das comunidades”, afirma.

Ainda de acordo com a geógrafa, a ação de religiosos nos quilombos leva ao enfraquecimento de sua organização interna e de sua capacidade de enfrentamento em prol dos seus direitos básicos, como o acesso à terra, além de gerar o silenciamento. “Os membros das comunidades tradicionais enfrentam a discriminação racial, cultural e religiosa de diversas formas. Eles são desvalorizados, invisibilizados e têm suas fontes de sobrevivência, como a água, contaminados”.  Ela ressalta ainda o exemplo de duas comunidades baianas que estão sofrendo com ataques discriminatórios. “Os quilombos Rio dos Macacos e Porto de Dom João têm sofrido com o fechamento de escolas, não há professores que ensinem sobre a cultura e religiosidade afro-brasileiras. No momento que a religiosidade não é respeitada, contribui com o enfraquecimento da luta pelos direitos dessas comunidades, além de trazer uma outra visão de mundo”, reitera.

O que são povos e comunidades tradicionais? 

De acordo com a definição apresentada pelo Governo Federal, povos e comunidades tradicionais são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (inciso I, Art. 3°, Decreto 6.040/2007).

São considerados como povos e comunidades tradicionais no Brasil os povos indígenas, as comunidades remanescentes de quilombos, os pescadores artesanais, ribeirinhos, os povos ciganos, os povos de terreiro, os pantaneiros, os faxinalenses do Paraná (que consorciam o plantio da erva mate com a suinocultura e com o extrativismo do pinhão, as comunidades de fundo de pasto da Bahia, os geraizeiros, os apanhadores de flores sempre-vivas, entre outros que, somados, representam grande parcela da população brasileira.

Imagem: Reprodução do site do Governo Federal/Instituto Chico Mendes

Os quilombolas

Sobre as comunidades remanescentes de quilombos, a historiografia oficial afirma que os primeiros quilombos surgiram no Brasil ainda no século XVI, no início da colonização, quando grupos de africanos e afrodescendentes, fugindo do sistema escravista decidiram se reunir em comunidades para resistir à recaptura, ocupando terras de difícil acesso, longe das fazendas, mas também com o anseio de manterem suas tradições e culturas vivas.

De acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no dia 27 de julho de 2023, a população quilombola no Brasil é de 1.327.802 pessoas e  representa 0,65% do total dos habitantes do país. Essa é a primeira vez que o IBGE investiga os quilombos brasileiros, os dados fazem parte do Censo 2022. Ainda dentro das informações divulgadas, a região Nordeste continua sendo a maior concentração de quilombolas, com 68,19%. De todos os estados brasileiros, a Bahia possui a maior quantidade de quilombolas: 397.059 pessoas, um percentual de 29,90%. O estado ultrapassa o Maranhão (com 269.074 pessoas), Minas Gerais (135.310), Pará (135.033) e Pernambuco (78.827). Bahia e Maranhão concentram metade (50,16%) da população quilombola do país.

Imagem: reprodução do site do IBGE

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Bereia teve acesso às matérias da Agência Pública e do site Intercept Brasil publicadas em em 3 de julho de 2023 e 10 de maio de 2023, respectivamente, e, dada a relevância do tema, foi feita uma pesquisa mais abrangente sobre outras abordagens referentes à temática.

  • o pesquisador Alef Monteiro ouvido pela reportagem alerta para um conjunto de situações para além do proselitismo de igrejas evangélicas que afetam a sobrevivência de tradições de matriz africana em quilombos,  e entende que apontar a ação pentecostal como principal causa é exagerado, “cientificamente pouco plausíveis e equivocado”. Para ele, a conversão se dá, porque há um interesse maior nessa religião em detrimento da anterior por fazer uma ponte mais racional entre o espiritual e o capitalismo. 
  • Gamaliel Carneiro em suas pesquisas também fala dessa peculiaridade que torna o pentecostalismo tão atraente aos quilombolas. Ele aborda fatores externos e internos que causam tais mudanças nas comunidades objetos do estudo em questão. Sobre os internos, reconhece o papel das igrejas pentecostais, entre os externos está a proximidade com as cidades, centros urbanos, dando acesso ao “estilo de vida atraente” desses locais. De acordo com Carneiro, os quilombolas são atraídos para as igrejas evangélicas por estas terem “afinidades eletivas com os valores da sociedade contemporânea”. 
  • A pesquisadora da UFBA Edite Luiz Diniz, também ouvida pelo Bereia, reconhece o pentecostalismo como agente nocivo à manutenção das tradições quilombolas e aponta essas igrejas como responsáveis por prejuízos que vão além da religiosidade, questão também citada por Carneiro ao reconhecer a valorização do indivíduo em detrimento do coletivo como uma mudança cultural trazida pela igreja evangélica. 

Bereia considerou a matéria imprecisa pois, apesar de trazer dados verdadeiros e relevantes, não considera os amplos elementos contextuais que são responsáveis pelas mudanças ocorridas nos quilombos em Betânia (PE). O artigo não traz à baila a reflexão promovida por diversas pesquisas específicas da área. Com isso, pode-se levar leitores e leitoras a um julgamento equivocado de que as denominações evangélicas presentes na região são as únicas responsáveis pelo processo de extinção de expressões religiosas e culturais quilombolas que está em curso. Tal abordagem generalizante pode reforçar preconceitos e promover intolerância religiosa.

Bereia identificou que, ao final da matéria da Pública, foi buscado superar o risco da generalização e destacada a existência de atuação de evangélicos, em especial de um pastor de uma Igreja Batista na região, por meio do projeto Nós na Criação, em apoio aos quilombos, em diálogo e cooperação inter-religiosa. Como a abordagem foi muito resumida, Bereia buscou contato com as fontes citadas para ampliar, aqui nesta matéria, a informação sobre a atuação deste grupo de evangélicos. Os pastores até retornaram o contato mas estão em uma imersão e não puderam responder às questões enviadas. Tão logo enviem uma resposta, esta matéria será atualizada.

Referências de checagem:

Agência Pública:

https://apublica.org/2023/07/avanco-evangelico-ameaca-religioes-afro-em-quilombos-de-pernambuco/ Acesso em 25 de outubro de 2023

Brasil de Fato:

https://www.brasildefato.com.br/2023/07/04/avanco-evangelico-ameaca-religioes-afro-em-quilombos-de-pernambuco Acesso em 25 de outubro de 2023

Africas:

https://www.africas.com.br/noticia/avanco-evangelico-ameaca-religioes-afro-em-quilombos-de-pernambuco Acesso em 25 de outubro de 2023

Marco Zero: 

https://marcozero.org/a-conversao-da-ultima-umbandista-do-quilombo-teixeira/ Acesso em 25 de outubro de 2023

The intercept Brasil: 

https://www.intercept.com.br/2023/05/10/neopentecostais-intimidam-adeptos-de-religioes-afro-com-assedio/ Acesso 25 de outubro de 2023

Editora Telha: 

https://editoratelha.com.br/product/as-tramas-da-intolerancia-e-do-racismo/ Acesso 25 de outubro de 2023 

Instituto Chico Mendes:

https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/populacoes-tradicionais Acesso em 25 de outubro de 2023

Fundação Interamericana:

https://www.iaf.gov/pt/content/historia/making-their-own-way-brazils-quilombola-communities/  Acesso em 25 de outubro de 2023

IBGE: 

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/37464-brasil-tem-1-3-milhao-de-quilombolas-em-1-696-municipios Acesso em 25 de outubro de 2023

Mídias religiosas desinformam ao afirmar que procedimentos para salvar yanomamis boicotam liberdade de religião

Leitores e leitoras do Bereia enviaram solicitações de checagem sobre uma série de publicações que circulam em mídias sociais religiosas e afirmam que o governo Lula estaria promovendo impedimento às ações missionárias em solo Yanomami.  Os textos apresentam o o argumento de que durante o governo anterior houve maior possibilidade de atuação religiosa com povos originários, enquanto o atual governo estaria promovendo um boicote religioso movido por questões políticas. 

Imagem: reprodução de site Pleno.News
Imagem: reprodução do Twitter

O que o atual governo federal encaminhou

Ao tomar conhecimento da atual situação dos povos Yanomami, o atual governo, junto a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), do Ministério da Saúde, expediram conjuntamente a Portaria GM/MS Nº 28, de 20 de janeiro de 2023, que estabelece uma série de procedimentos para acesso à Terra Indígena Yanomami. Diz a parte principal do documento:

Art. 1º Definir procedimentos para acesso à Terra Indígena Yanomami visando o resguardo a respeito aos povos indígenas durante o enfrentamento da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional.

 Art. 2º O ingresso à Terra Indígena Yanomami será coordenado a partir das ações prioritárias definidas no Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública ( CO E – Yanomami ) .

 Art. 3º As autorizações em vigor já existentes e emitidas pela Funai para ingresso na Terra Indígena Yanomami deverão ser reavaliadas pelo órgão indigenista, visando resguardar a integridade dos indígenas. 

Art. 4º A Funai suspenderá novas autorizações de ingresso à Terra Indígena Yanomami no período de vigência da Portaria GM/MS Nº 28, de 20 de janeiro de 2023. 

Art. 5º As autorizações de que trata esta Portaria não se aplicam aos profissionais de saúde e saneamento vinculados à Sesai e às instituições parceiras, aos servidores da Funai e aos demais servidores e agentes públicos em missão na respectiva Terra Indígena para os quais devem ser seguidas as orientações e as regulamentações específicas de seus órgãos, sempre em respeito aos direitos dos povos indígenas.

A decisão governamental visa, sobretudo, a recuperação de territórios invadidos por garimpeiros, grileiros e pessoas que promovem o desmatamento ilegal da área de florestal na reserva ecológica. Foi por conta das ações desses invasores em solo yanomami que se deu a crise sanitária  descoberta quando o atual governo tomou posse. Foi verificado que jovens e adultos indígenas apresentavam quadros severos de contaminação por mercúrio, desnutrição grave e malária. 

Com as medidas de controle territorais, apenas servidores em missão da FUNAI e SESAI poderão entrar em solo Yanomami. Ou seja, não apenas garimpeiros e grileiros estão sendo retirados das reservas nacionais, como também quaisquer outros grupos de pessoas não ameríndios que vinham tendo livre acesso à Terra Indígena Yanomami. Esta medida visa garantir a recuperação física dos povos originários, uma vez que boa parte das doenças, infecções e problemas de saúde que porventura venham a acometer essa população, são levadas até eles por meio do contato com pessoas de outras origens. Contudo, o procedimento também garante a não disseminação de enfermidades tropicais que podem circular entre os yanomamis em outras áreas do país, já que, ao transitar entre áreas urbanas e reservas, os missionários podem levar contaminações de uma área para outras.

A Portaria Conjunta, de janeiro passado, contém um anexo com as várias orientações aos servidores de órgãos como a FUNAI, o Ministério da Saúde, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), entre outros, únicas pessoas não-ameríndias que podem ter acesso à Terra Yanomami para prestar serviços. O anexo contém um termo de compromisso individual, que deve ser assinado por quem ingressa na Terra com o registro do objetivo da solicitação de entrada e da ciência de oito obrigações legais, entre elas a carteira de vacinação atualizada, mais as “Normas de conduta em Terras Indígenas”, compostas por 14 pontos: ida às aldeias, postura, saúde, uso de armas, drogas e bebidas alcóolicas, linguagem, alimentação, gestão do lixo, biodiversidade, artesanato, respeito à diversidade, uso de cartão de banco e senhas, outros. 

O ponto nº 11 das “Normas de conduta em Terras Indígenas” diz: “Proselitismo religioso: é terminantemente proibido o exercício de quaisquer atividades religiosas junto aos povos indígenas, bem como o uso de roupas com imagens ou expressões religiosas”. Foi este registro o conteúdo explorado nas publicações de mídias religiosas, enviadas por leitores e leitoras ao Bereia para checagem, com a denúncia de impedimento da liberdade religiosa.

Abusos do proselitismo religioso

A presença de missões religiosas (católicas e evangélicas, especialmente) em terras indígenas no Brasil tem histórico que remonta à colonização. Direitos culturais são os mais afetados por ações de homogeneização e ocidentalização de usos e costumes, na busca do apagamento de diferenças. A conversão à fé cristã significou, também, ao longo dos séculos, a assimilação da cultura dos missionários na imposição da língua, da forma de vestir, de comer, de organizar a família e se relacionar com ela, de viver em comunidade, de se integrar ao meio ambiente, de fazer política.

Jesus Alfonso Flórez Lopes e Roberto Antônio Liebgott, em entrevistas à pesquisa “Fundamentalismos, crise da democracia e ameaça aos direitos humanos na América do Sul: tendências e desafios para a ação”, promovida pelo Fórum Ecumênico América do Sul, da articulação ecumênica ACT Aliança (FESUR), em 2020, afirmam que

“A Igreja Católica Romana mudou de atitude depois do Concílio Vaticano II, com a instituição das pastorais sociais e da discussão sobre inculturação do Evangelho, na América Latina, em especial, nas Conferências Episcopais Latino-Americanas de Medellín (1968) e Puebla (1979). Ainda assim, os grupos fundamentalistas, que se destacam no Catolicismo Romano na região, desde os anos do pontificado de João Paulo II, exercem incidência sobre as atividades missionárias, gerando tensão entre agentes comprometidos com as causas indígenas e negras e líderes que cobram ‘conversões‘”.

A pesquisa FESUR explica que “grupos evangélicos começam a atuar mais intensamente em meados do século 20, entre indígenas, especialmente por meio de agências missionárias estadunidenses, e entre populações negras, por meio de projetos evangelísticos de igrejas em territórios ocupados por elas. Nos anos 2000 identifica-se a ampliação das atividades destes grupos fundamentalistas, algumas delas atreladas a empresas do agronegócio, mineradoras, madeireiras, de garimpo e de especulação imobiliária, que buscam intervir em territórios dessas populações para alcançar seus interesses econômicos”.

Algumas agências missionárias evangélicas já foram alvo de processos judiciais por conta de violação de direitos indígenas no Brasil. Entre elas estão a Jovens com Uma Missão (Jocum) e a Missão Novas Tribos, que teve a identidade alterada, em 2017, para Ethnos 360º. A pesquisa FESUR mostra que a Jocum sofreu processo e teve missionários expulsos da aldeia Suruwahá, no Amazonas, em 2003, por “praticar proselitismo, desestruturar a comunidade (tendo gerado suicídios em massa), escravização de indígenas, extração ilegal de sangue, biopirataria de sementes da floresta, construção de pista de pouso ilegal, venda ilegal de madeira, remoção de indígenas de forma ilegal, sequestro de crianças e racismo”.

A pesquisa FESUR também mostra que a Missão Novas Tribos (Ethnos 360º) foi alvo de vários processos judiciais. Em 1991, o Supremo Tribunal Federal (STF) baniu a agência do território Zo’é, especialmente por conta da transmissão de doenças (gripe e malária), que ocasionaram 45 mortes de indígenas e, também, ações incompatíveis com a política para povos isolados em curso no país. 

Durante o governo de Jair Bolsonaro, tanto a Jocum quanto a Missão Novas Tribos tiveram portas abertas para a ampliação de suas ações entre indígenas, em especial, os habitantes de aldeias isoladas (sem contato com pessoas não-indígenas). No final de janeiro de 2020, o presidente da MNT do Brasil Edward Luz, anunciou publicamente a aquisição do “helicóptero Ethnos360 Aviation R66” e disse a um pequeno grupo de evangélicos em reunião no Rio de Janeiro, que: “Deus fará qualquer coisa para que a humanidade ouça a Sua Palavra. Se um helicóptero se torna necessário, Ele o fornece”.

No início de 2020, um dos ex-missionários da MNT, o antropólogo Ricardo Lopes Dias foi nomeado para comandar a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai. A nomeação foi contestada por associações indígenas, por organizações não-governamentais que atuam pelos direitos dos povos originários, pela Associação Brasileira de Antropologia, pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, e pelo Ministério Público Federal, que ajuizou uma ação civil pública, em fevereiro de 2020, para suspender a nomeação do missionário Ricardo Lopes Dias. O processo pediu a suspensão da nomeação por evidente conflito de interesses, incompatibilidade técnica, risco de retrocesso na política de não contato adotada pelo Brasil, desde a década de 1980, e aponta ameaça de genocídio e etnocídio contra os povos indígenas.

Depois de nove meses de disputas judiciais com afastamentos e reconduções, Ricardo Lopes Dias foi exonerado (27 de novembro de 2020). Durante o período em que esteve na Funai, o missionário foi acusado, por lideranças indígenas, de omissão diante da ameaça da covid-19 nas aldeias, e de ter permitido a entrada de missionários da Ethnos 360° na área de índios isolados.  Este caso foi denunciado ao Ministério Público Federal e à Diretoria de Proteção Territorial da Funai, classificado como ameaça à  política pública do não contato aos índios isolados, e acusa o então coordenador da Funai de “proselitismo religioso junto aos  indígenas recém-contatados”.

Religião e contaminação

No livro, “A queda do céu”, a liderança yanomami Davi Kopenawa e o antropólogo Bruce Albert lembram que os povos originários não têm o mesmo sistema imunológico que as pessoas de outras origens, logo, boa parte dos problemas de saúde que vitimam os yanomamis são frutos desse contato. “Fumaças de doença” ou “fumaça do metal” é como os povos yanomamis chamam as enfermidades provenientes do garimpo. Outras como gripes, sarampo, malária e varíola são chamadas de “doenças de contato”.

Neste contexto,as práticas de proselitismo religioso com povos ameríndios  são, ainda hoje, uma questão recorrente nos debates públicos (políticos e acadêmicos). Estão incluídas dentre essas questões as práticas missionárias, a concepção de pessoa e infanticídio amerindio, crises humanitárias e questões socioculturais. Os defensores do isolamento, ou do mínimo contato, com os yanomamis argumentam que os mesmos possuem uma diferente compreensão e composição da realidade, o que difere substancialmente da visão ocidental. Nas discussões se argumenta que os yanomamis possuem uma compreensão e uma composição da realidade que diferem substancialmente da visão dos não-indígenas. É uma estrutura cultural que o pesquisador brasileiro Eduardo V. de Castro chama de “ontologia ameríndia”. Nesse contexto se destacam os povos ameríndios que ainda não possuem contato com pessoas de outras origens. Este processo cria uma série de impasses e questões humanitárias, uma vez que, com a cultura diferente, o contato entre esses dois grupos humanos gera não apenas um mal-estar físico (com as doenças trazidas pelos não-ameríndios), como um choque cultural, o que acaba por promover uma série de violências simbólicas e físicas, levando à morte em ambos os grupos. 

Com a crise de saúde pública e humanitária que assola os povos yanomamis, passou a ser definido, oficialmente, que somente pessoas autorizadas pelo governo federal têm a permissão para entrar na Terra Indígena. As autorizações de permanência na região, segundo a Portaria, se aplicam aos profissionais da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e a Funai,  responsáveis pela contratação de servidores e agentes públicos na respectiva terra indígena, os quais devem seguir as orientações e as regulamentações específicas de seus órgãos, sempre em respeito aos direitos dos povos indígenas

Impedimento à liberdade religiosa?

Bereia já realizou checagens de publicações similares a essas e verificou que elas envolvem denúncias enganosas que buscam levar fiéis cristãos a acreditarem que há ações de perseguição de certos grupos políticos contra igrejas e projetos missionários no Brasil. 

No caso que envolve os povos Yanomami, as restrições e medidas protetivas estabelecidas na Portaria GM/MS Nº 28 são emergenciais e representam a garantia e manutenção da vida daquela população. Representam também a suspensão de ações abusivas de instrumentalização da religião cristã nos órgãos públicos que devem atuar na defesa da vida dos povos indígenas.

A abordagem sobre a proibição do proselitismo religioso em solo yanomami como impedimento da liberdade religiosa apaga a crise humanitária enfrentada na região provocada pela omissão governamental do mandato anterior. Os textos manipulam o teor da Portaria do atual governo, uma vez que o ponto referente ao proselitismo religioso não é medida inédita e está alocado em um conjunto de normas de conduta a serem observadas pelos profissionais que terão acesso às terras. 

No art. 7º do documento está previsto que “os demais casos de solicitações de entrada em Terra Indígena não detalhados nesta Portaria serão avaliados pela Funai, sempre em diálogo com as comunidades indígenas, Sesai e COE, devendo a solicitação ter antecedência mínima de 5 dias úteis da data de ingresso pretendida”.

Tratar as medidas de salvamento da população yanomami sob grave risco de morte como impedimento à livre prática da religião é abordagem que não apenas ignora a seriedade da situação como também reduz uma crise humanitária e de saúde pública a uma disputa ideológico-partidária. 

Bereia registra que atuação de igrejas e instituições religiosas em terras indígenas é uma questão complexa, que demanda reflexão e estudo, uma vez que não se trata de como  agentes religiosos são recebidos ou tratados pelo governo federal, mas de como se dá a relação entre os agentes e os povos tradicionais e as consequências deste processo. 

Para maior aprofundamento, Bereia recomenda a leitura do livro “A queda do Céu” e os estudos do antropólogo americanista Eduardo Viveiros de Castro, obras elucidativas sobre a vida, a cultura e o contato entre povos ameríndios e de outras origens.

Referências de checagem:

Governo Federal.

https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/svsa/resposta-a-emergencias/coes/coe-yanomami/publicacoes-tecnicas/decretos-e-portarias/portaria-conjunta-funai-sesai.pdf/view Acesso em: 14 fev 2022

https://www.gov.br/funai/pt-br/atuacao/povos-indigenas/povos-indigenas-isolados-e-de-recente-contato Acesso em: 14 fev 2022

G1.

https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2023/02/10/mais-de-mil-yanomami-sao-atendidos-em-hospital-de-campanha-durante-crise-de-saude.ghtml Acesso em: 14 fev 2022

https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2023/01/29/malaria-pneumonia-desnutricao-contaminacao-por-mercurio-fantastico-mostra-a-tragedia-humanitaria-na-terra-indigena-yanomami.ghtml Acesso em: 14 fev 2022

Pesquisa FESUR. https://kn.org.br/noticias/fundamentalismo-crise-na-democracia-e-ameaca-aos-direitos-humanos-na-america-do-sul-e-tema-de-pesquisa-publicada-por-koinonia/7837 Acesso em: 13 fev 2023

Ministério Público Federal. http://www.mpf.mp.br/df/sala-de-imprensa/docs/acp-coordenador-funai-1 Acesso em: 13 fev 2023

Revista Arquivos Analíticos de Políticas Educativas. https://www.redalyc.org/pdf/2750/275022797034.pdf Acesso em: 14 fev 2022

Youtube.

https://www.youtube.com/watch?v=eSrJcwnqOt4 Acesso em: 14 fev 2022 

https://www.youtube.com/watch?v=pjHAsIDbBEQ Acesso em: 14 fev 2022

https://www.youtube.com/watch?v=xuDflgXnPVY Acesso em: 14 fev 2022

Revista Espaço Ameríndio. https://seer.ufrgs.br/index.php/EspacoAmerindio/article/view/46403 Acesso em: 14 fev 2022

MPF. http://www.mpf.mp.br/df/sala-de-imprensa/docs/acp-coordenador-funai-1 Acesso em: 14 fev 2022.

Coletivo Bereia. 

https://coletivobereia.com.br/ministra-damares-alves-faz-acusacoes-sem-provas-sobre-contaminacao-de-indigenas-por-covid-19/ Acesso em: 14 fev 2022

https://coletivobereia.com.br/o-atual-governo-levou-morte-aos-indigenas/ Acesso em: 14 fev 2022

https://coletivobereia.com.br/site-desinforma-ao-afirmar-que-o-ministro-do-stf-proibe-missionarios-de-pregarem-a-tribos-indigenas-isoladas/ Acesso em: 14 fev 2022

https://coletivobereia.com.br/?s=indigenas Acesso em: 14 fev 2022

https://coletivobereia.com.br/liderancas-evangelicas-publicam-falsidades-sobre-a-crise-humanitaria-dos-yanomamis/ Acesso em: 14 fev 2022

Poder 360. https://www.poder360.com.br/justica/pf-identificou-financiadores-do-garimpo-ilegal-em-terras-yanomami/ Acesso em: 14 fev 2022

Revista USP. https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/165236 Acesso em: 14 fev 2022

KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. 2015. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras. 729 p. 2015.

Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/Internet/comissao/index/perm/cdh/Tratados_e_Convencoes/Indios/declaracao_universal_direitos_povos_indigenas.htm#:~:text=8 Acesso em: 14 fev 2022

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Imagem de capa: reprodução do Twitter

Deputado apresenta Projeto de Lei que proibiria pregações em espaços públicos

Bereia recebeu dos leitores uma indicação de checagem sobre a postagem da deputada estadual Rosane Félix (PSD) do Rio de Janeiro, que fala sobre o projeto de lei 4257/18 em tramitação na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) e que, supostamente, proíbe “pregações, evangelismo e convites a pregação” em espaços públicos.

Imagem: reprodução Facebook

O projeto de lei em questão, de autoria do deputado Átila Nunes (MDB), entrou em pauta nesta quarta-feira (15) e saiu após receber 92 emendas de plenário. Segundo o texto do artigo 1º, a proposta proíbe “o assédio religioso nas instituições públicas e privadas no Estado do Rio de Janeiro”. Embora, inicialmente, constasse a proibição ao proselitismo, o termo foi retirado ao longo da tramitação na Casa legislativa. Criado em 2018, somente este ano ele foi alvo de parlamentares da bancada religiosa com a justificativa de que a proposta fere os princípios de liberdade religiosa. 

Durante a tramitação dentro da Assembleia, o texto sofreu inúmeras modificações, foi arquivado, desarquivado e recebeu diversas emendas, mas, até a data da postagem, 14 de dezembro, a deputada Rosane Félix não havia feito emendas ao projeto como afirma em sua conta no Facebook.

Autora da postagem e disseminadora da desinformação, Rosane Félix é locutora, foi radialista por mais de 20 anos e está em sua primeira legislatura. Antes de ser eleita pelo PSD em 2018, trabalhava na rádio gospel 93 FM, empresa pertencente ao grupo MK, idealizado pelo falecido senador Arolde de Oliveira (PSD). Na eleição, a parlamentar contou com o apoio do senador e de Flávio Bolsonaro (PL).

Imagem: reprodução do Facebook


Após ouvir todas as manifestações dos deputados da bancada evangélica da ALERJ, o deputado Átila Nunes (MDB), atual presidente da CPI da Intolerância, identificou-se como umbandista cristão e saiu em defesa de seu projeto. Visivelmente emocionado, indagou aos pares: “É justo zombar, é justo fazer comentários pejorativos, escrever ofensas pessoais, ameaçar alguém por razões religiosas?”. O projeto “não atinge a liberdade religiosa do indivíduo em ostentar símbolos e realizar práticas devocionais”, finalizou o deputado.

Proselitismo é diferente de assédio

Para aprofundar as questões que giram em torno do projeto, Bereia entrevistou o mestre em Filosofia pela UERJ e doutor em Teologia pela PUC e pastor evangélico Irenio Chaves, e a professora e antropóloga pesquisadora em religiões e política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Instituto de Estudos da Religião (ISER), Christina Vital .

A polêmica em torno do projeto parte também da falta de educação no uso do espaço público, como explica o pastor Irenio Chaves: “Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que o espaço público deve ser compreendido como laico e democrático, como também admitir que há excessos no uso desse espaço para fins de proselitismo e de propaganda indevida de ideias religiosas. Entretanto, é preciso entender essas manifestações no âmbito da Constituição Federal, que garante a livre manifestação na esfera pública.”

Sobre o proselitismo que envolve a expressão cultural e religiosa, Chaves diz: “as atividades religiosas no espaço público não se restringem ao proselitismo, mas também a expressões culturais e até manifestações sociais em defesa de direitos. A grande questão é se, a título de orientar as atividades religiosas, não está embutida nessa lei uma inibição às formas de livre expressão e de manifestação em todos os sentidos, principalmente aquelas que estão relacionadas à cultura, à defesa de ideias e de pensamento.”

“Qualquer forma de cerceamento da liberdade de expressão, seja religiosa, filosófica ou ideológica, é sempre uma ameaça à democracia. E isso não é bom.” conclui Chaves.

Sobre a liberdade de culto, citada pela deputada, o pastor e filósofo faz um alerta:  “quando tais atitudes extrapolam para a intolerância, já não estamos mais tratando de liberdade, mas de uma violação ao direito do outro, que pode até vir a ser tipificado como crime. Aí nesse caso, o Estado deve agir na forma jurídica, da lei, que foi aprovada em instâncias maiores”. 

Com relação ao termo “assédio religioso” disposto no projeto, Chaves, afirma:” o projeto inclusive tipifica algumas das atitudes que corresponderiam ao assédio religioso, mas que são, na verdade, ações de intolerância, de preconceito e de discriminação. Nesse caso, a pessoa que se sentir prejudicada deve ser orientada e estimulada a buscar seus direitos, provando que foi vítima de intolerância, preconceito ou discriminação” conclui.

A exploração do tema

Segundo a pesquisadora Christina Vital, esse tipo de desinformação gera um ambiente de ameaças e define três pontos em sua análise. O primeiro é a exploração da retórica da perda, no caso a liberdade de culto. Ela explica que é cultivada por atores que, futuramente, se apresentarão como gestores de uma falsa conquista. É como se vendesse a ideia de que algo está sendo perdido, mas na realidade, não está. 

Outro ponto destacado é o uso da falácia na retórica por parte dos disseminadores de fake news. “Como toda falácia, ela envolve meias verdades”, explica, “em parte, em situações que estão sendo observadas, mas são distorcidas”. A pesquisadora reforça que os pontos estão “umbilicalmente” ligados.

Por último, Vital alerta que esse caso tenta fortalecer uma retórica da intolerância contra o cristão no Brasil, a “cristofobia”. “Envolver o cristianismo, de forma geral, é uma estratégia para a propagação da agenda da cristofobia, por parte de atores evangélicos especialmente articulados para isso”, explica.

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Bereia classifica como FALSA a afirmação que o projeto de lei 4257/2018 irá proibir cultos, pregações e evangelismos na rua. O artigo do projeto de lei, na sua última redação, não proíbe o proselitismo religioso, não proíbe culto, não proíbe o evangelismo.

O artigo primeiro proíbe, sim, o assédio religioso, entendido como a prática, a indução ou a incitação à discriminação ou preconceito. Bereia vem alertando aos seus leitores que o pânico moral é uma estratégia política a fim de mobilizar eleitores em torno de um projeto comum. Segundo a pesquisadora e editora-geral do Bereia Magali Cunha, a retórica da cristofobia é uma das mentiras que mais circulam na internet e está sendo usada como estratégia eleitoral. Em texto publicado originalmente na Carta Capital e reproduzido aqui, ela explica: “o termo “cristofobia” não se aplica, por conta da predominância cristã no País, onde há plena liberdade de prática da fé para o grupo. Manipula-se, neste caso, a noção de combate a inimigos para alimentar disputas no cenário religioso e político. Além disso, se configura uma estratégia de políticos e religiosos extremistas que pedem mais liberdade e usam a palavra para falarem e agirem como quiserem contra os direitos daqueles que consideram “inimigos da fé”. Ou seja, contra ativistas de direitos humanos, partidos de esquerda, movimentos por direitos sexuais e reprodutivos, religiosos não cristãos e até cristãos progressistas – nem os da mesma família da fé são poupados.”

Referências de checagem:

Alerj – PL em votação no dia 15 de dezembro.

http://www3.alerj.rj.gov.br/lotus_notes/default.asp?id=7&URL=L3NjcHJvMTUxOS5uc2YvMGM1YmY1Y2RlOTU2MDFmOTAzMjU2Y2FhMDAyMzEzMWIvNjVlMjkyOWFjZDI3YWZiMzAzMjU4N2E2MDA1YzY1Njc/T3BlbkRvY3VtZW50JkhpZ2hsaWdodD0wLDIwMTgwMzA0MjU3&amp%5Ch# Acesso em: 23 dez 2021.

Alerj – PL original com justificativa.

http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/scpro1519.nsf/18c1dd68f96be3e7832566ec0018d833/2a21b8843412a250832582ba006e8475?OpenDocument&Start=1&Count=200&Expand=1.1.1 Acesso em: 23 dez 2021.

Bereia.https://coletivobereia.com.br/as-mentiras-que-circulam-em-ambientes-religiosos-no-brasil/ Acesso em: 23 dez 2021.