Em vídeo sobre preço de combustíveis, influenciadora religiosa dissemina desinformação
Diante do recente reajuste no custo dos combustíveis, novamente circulam pela internet materiais especulando sobre as razões para tal aumento, que ocorreu mesmo após o Presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) prometer projeto para reduzir os preços. Em vídeo postado em 7 de novembro de 2021, e que voltou a circular neste março de 2022, a odontóloga aposentada e influenciadora cristã Luciana Monteiro atribui culpa exclusivamente ao Partido dos Trabalhadores (PT) e à oposição ao governo Bolsonaro pelo aumento da gasolina, utilizando-se de argumentos que envolvem notícias falsas já investigadas e amplamente desmentidas por uma série de veículos midiáticos.
Sobre a influenciadora
A odontóloga aposentada Luciana Monteiro foi candidata a vereadora em Natal (RN) pelo Partido Progressista (PP) nas últimas eleições municipais. Cristã declarada, a influenciadora religiosa possui posts com cerca de 60 mil interações e contabiliza mais de 45 mil seguidores em suas mídias sociais.
As publicações de Monteiro se alinham aos temas e pautas governistas. Dentre os posts investigados e marcados como fake news, estão o que se refere à distribuição de kits com material escolar gratuito comprados por Bolsonaro e um vídeo em que ela defende que o Brasil é o único país que ainda mantém o uso de máscara como medida preventiva contra a covid-19, enquanto proíbe o uso de Ivermectina como remédio auxiliar no combate à doença. No Facebook, alguns de seus vídeos foram filtrados e são classificados como informação falsa, tendo a sua circulação reduzida.
Gás e gasolina: o problema está nas refinarias?
De acordo com o vídeo publicado pela influenciadora, seriam dois os principais fatores ligados ao recente aumento no preço final do gás de cozinha e da gasolina: o primeiro deles seria as refinarias da Petrobras “entregues” pelo governo petista ao governo boliviano à época comandado por Evo Morales. Já o segundo seria o abandono do projeto de construção da refinaria de Abreu e Lima, localizada em Pernambuco, bem como da Premium II, no Ceará.
Refinarias foram vendidas pela Petrobras
O posicionamento da influenciadora faz referência ao conteúdo falso que circulou nas mídias sociais no final de 2020, em que se afirmava que o ex-presidente Lula havia, durante sua gestão, “doado” para o governo boliviano uma refinaria de gás pertencente à Petrobras. A notícia é falsa. As refinarias San Alberto e San Antonio, então pertencentes à Petrobras, foram construídas após parceria firmada entre os países, em 1999 (durante o governo de Fernando Henrique Cardoso), culminando na construção do gasoduto de transporte de gás natural Bolívia-Brasil, o GASBOL, que opera atualmente pela Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil — TBG.
Ao contrário do que é dito pela influenciadora, as refinarias que compõem parte do gasoduto Bolívia-Brasil foram vendidas por 112 milhões de dólares pela Petrobras para o Governo boliviano em 2006, e não doadas. O processo ocorreu após a nacionalização da exploração de gás na Bolívia.
Ainda, é importante destacar que o preço final ao consumidor do gás de cozinha, o chamado gás liquefeito de petróleo (GLP), pouco se relaciona com a importação de gás natural. De acordo com dados do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Sindigás), a margem bruta da Petrobras é o fator preponderante na composição do preço médio do botijão, atingindo 48% do arranjo em 2021.
Segundo o pesquisador André Ruas, em artigo publicado pela UNESCO, as relações de interdependência que o Brasil estabelece com seus países vizinhos é parte de um projeto econômico e político de integração energética que visa minimizar os custos de produção dos mesmos. Das parcerias firmadas destacadas pelo pesquisador estão a parceria com o governo boliviano para a compra e consumo de gás natural e a parceria com o governo paraguaio para a construção e manutenção da usina hidrelétrica de Itaipu.
Hoje, cerca de 30% do gás natural consumido em solo nacional vem das refinarias bolivianas. Em 2021, o Brasil importou da Bolívia 5,8 bilhões de quilogramas líquidos de gás natural na forma gasosa, representando um aumento de aproximadamente 10% em relação a 2019 e um aumento de 7% se comparado a 2020. Em meia década (2016-2021), as importações decresceram 30%. Os dados são da Comex Stat, portal para acesso gratuito às estatísticas de comércio exterior do Brasil.
Refinarias de Abreu e Lima estão operando desde 2014
Com construções embargadas por conta de polêmicas ligadas à Operação Lava Jato, o complexo de Refinarias de Abreu e Lima (RNEST) tem sua história ligada a uma série de escândalos políticos e econômicos. O projeto da RNEST foi aprovado em 2005 pelo ex-presidente Lula em parceria com a estatal venezuelana PDVSA com um orçamento primário de 2,3 bilhões de dólares. Em seu projeto inicial, previa-se a conclusão do complexo em 2011, resultando na primeira refinaria 100% brasileira com capacidade de 200 mil barris de petróleo por dia, sendo 50% destes barris vindo de substratos Venezuelanos (Carabobo) e outros 50% brasileiro (Marlim).
De acordo com artigo publicado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), em julho de 2014, a Petrobras previa um orçamento de US$ 18,5 bilhões, entretanto, contas internas estimavam que o valor poderia alcançar os US$ 20,1 bilhões. A previsão final para a conclusão das obras passou para novembro de 2014, um atraso de 3 anos quando comparado à projeção inicial.
Segundo a Petrobras, o complexo de refinarias foi construído com a capacidade de trabalhar com dois principais produtos: gás e diesel:
- Capacidade de processamento: 230 mil barris de petróleo por dia
- Produção: focada em diesel (70%). A refinaria foi projetada para produzir diesel com baixo teor de enxofre de acordo com os rígidos padrões internacionais, o Diesel S-10 (concentração de 10 partes por milhão de enxofre). Dentre as principais vantagens ambientais do Diesel S-10 está a redução em até 80% das emissões de material particulado e em até 98% das emissões de óxidos de nitrogênio.
- Produtos: Diesel S-10, nafta, óleo combustível, coque, GLP (gás liquefeito de petróleo).
Ainda segundo site da Petrobras, as operações da RNEST tiveram início em 2014, com o funcionamento limitado ao primeiro conjunto de unidades de refinaria (Trem I), com capacidade nominal de refino limitada a 115 mil barris por dia (50% do planejamento inicial). Somente em 2016 foi concedida a licença ambiental necessária para aumentar de sua produtividade, pois a mesma vinha funcionando desde então com a produção diária de 73 mil barris por dia, equivalente a 64% da capacidade disponível.
“Em 2020, a RNEST processou 101.516 b/d de petróleo, um aumento de 22% em relação à produção do ano anterior, resultando em uma produção de 54.132 b/d de derivados. Já o fator de utilização foi de 88%, o maior fator anual já observado desde o início das operações, representando uma variação positiva de 16 pontos percentuais (p.p.) quando comparado a 2019. Entre janeiro e abril de 2021, os dados apontam um volume de processamento de 94.523 b/d de petróleo e fator de utilização de 82%, representando, respectivamente, uma redução de 6% na produção diária de barris, e uma retração de 6 p.p. no fator de utilização, quando comparados com o mesmo período do ano anterior”, afirma artigo
Somente no fim de 2021, após liberação de embargos, foi possível que o governo e a Petrobras investissem mais de um bilhão de dólares na finalização das obras da Refinaria. Em entrevista à Folha de São Paulo, o então diretor de Refino e Gás da Petrobras, Rodrigo Costa, disse acreditar que com o término da obra o valor ativo da refinaria irá subir, possibilitando seu desinvestimento.
O desinvestimento mencionado por Costa diz respeito à venda de ações da refinaria e demais estatais. A venda de ativos da Petrobras é parte de um processo de 14 desinvestimentos ao longo do ano de 2021, somando cerca de 4,8 bilhões de dólares. Dentre os principais negócios feitos no ano de 2021, estão: venda de Refinaria de Landulpho Alves (RLAM), na Bahia (US$ 1,8 bilhões); Venda de Refinaria Issac Sabbá. no Amazonas (US$ 189 milhões); Unidade de Industrialização do Xisto (SIX), no Paraná (US$ 33 milhões).
Construção da refinaria Premium II foi cancelada com prejuízo de R$596 milhões
Em 29 de dezembro de 2010, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado do governador do Ceará, à época, Cid Gomes, deu início à segunda etapa dos serviços de sondagem do terreno onde seria construída a refinaria Premium II. O empreendimento, que ficaria localizado no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), na Região Metropolitana de Fortaleza, estava com o início das obras estimado para até o quarto trimestre de 2011, entrando em operação em 2017.
A expectativa era de que a refinaria seria uma das maiores do mundo, produzindo 300 mil litros de barris por dia a um investimento de US$ 11 bilhões. No entanto, suas obras foram canceladas pela Petrobras, em 2015, trazendo grandes prejuízos financeiros. Dentre os motivos para o cancelamento, foram citados a dificuldade de obtenção de financiamento por conta das denúncias da Operação Lava-Jato, bem como problemas com a empresa parceira do projeto, a petroleira chinesa Sinopec.
Em documento, a companhia apresentou os resultados consolidados do terceiro trimestre de 2015, quando houve a baixa contábil da Refinaria Premium II, bem como da Premium I, esta última no estado do Maranhão. No relatório, é possível averiguar que houve um prejuízo de R$2,7 bilhões em ambas, sendo R$2,1 bilhões referentes à Premium I e R$596 milhões à Premium II, segundo apuração do G1 na época.
Ainda de acordo com esta mesma reportagem, “a companhia atribuiu a desistência dos projetos das refinarias à falta de parceiros e à revisão das expectativas de crescimento do mercado de combustíveis”. A decisão de descontinuar os projetos foi tomada no dia 22 de janeiro de 2015 pela empresa.
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Bereia classifica as informações contidas no vídeo da odontóloga e influenciadora cristã Luciana Monteiro como ENGANOSAS. Apesar de oferecer conteúdo de substância verdadeira, como é o caso da refinaria Premium II, que de fato não foi construída, tendo gerado um prejuízo de milhões, ainda assim, sem ter considerado os motivos, a maior parte das afirmações feitas por Monteiro são falsas, e, portanto, consideradas desinformação. A refinaria de Abreu e Lima opera desde 2014, mesmo que parcialmente, e sua produção é destinada ao refino de petróleo para óleo diesel e gás líquido. Ainda, a Petrobrás não doou refinarias para o governo boliviano, como indicou a influenciadora, mas sim, as vendeu. Bereia avalia que o retorno desta circulação de desinformação entre grupos religiosos trata-se de uma investida da base aliada ao atual governo contra o candidato à presidência em 2022, o ex-presidente Lula, e ao seu partido, que lidera a corrida eleitoral segundo as últimas pesquisas.
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Foto de capa: Piqsels