Circulam nas redes digitais, publicações que divulgam que o secretário de defesa dos Estados Unidos Pete Hegseth compartilhou em seu perfil no X (antigo Twitter), no último 7 de agosto, um vídeo no qual pastores afirmam serem contra o direito das mulheres votarem.
Esta não é a primeira vez que Pete Hegseth deixa claro sua postura contra os direitos das mulheres. Em novembro de 2024, o recém-nomeado secretário de Defesa do governo Donald Trump, afirmou, para o podcast “The Shawn Ryan Show” que os militares “não deveriam ter mulheres em posições de combate”, com base na crença em uma capacidade masculina superior, como justificativa para essa pauta.
Neste agosto de 2025 Hegseth escreveu “Tudo de Cristo para toda a vida”, para compartilhar o vídeo contra o direito das mulheres voltarem e concordar com o conteúdo das entrevistas reunidas. Em uma delas, o pastor da King`s Cross Church (Igreja da Cruz do Rei, estado de Idaho, EUA) Toby Sumpter afirma: ”Na minha sociedade ideal, nós votamos em famílias. Normalmente, eu seria a pessoa a votar, mas seria uma decisão tomada com a minha família”.
Em 9 de agosto passado, o porta-voz do Pentágono Sean Parnell declarou à imprensa estadunidense que o secretário Pete Hegseth é ”um orgulhoso membro de uma igreja filiada a CREC”, e que “aprecia muitos princípios e ensinamentos” do pastor Douglas Wilson, criador da organização.
Ao observar que a ênfase da imprensa no caso se voltou apenas para o conteúdo compartilhado pelo secretário do Pentágono, Bereia checou o protagonismo de Wilson no material produzido.
Durante a entrevista à CNN, realizada em agosto, o pastor da Christ Church diz ser contra a presença de mulheres nos altos cargos dentro das igrejas, “porque a Bíblia diz para ser assim”, justifica.
Douglas Wilson é alvo de críticas tanto fora quanto dentro do meio evangélico. Grande parte das controvérsias advêm da defesa que o pastor faz da escravidão, registrada em seu livro “Black and Tan” (Preto e Pardo). Na obra, o autor define a escravidão como algo natural para os escravizados, além de duvidar de uma reabilitação de dignidade na vida deles: “a grande maioria desses escravos já tinham sido escravizados na África”, escreve. O texto do líder religioso também afirma que “a restauração desses escravos à sua condição inicial era fisicamente impossível”.
Imagem: Captura de Vídeo – CNN
Ainda na reportagem para a CNN, Douglas Wilson diz ser a favor que a sociedade retroceda para a década de 1970, quando passou a “ministrar o evangelho”, período em que pessoas LGBTQIAP+ eram criminalizadas e punidas por suas orientações sexuais em todo os Estados Unidos.
O direito das mulheres ao voto
O sufrágio universal é o direito de votar e ser votado independentemente de fatores sociais, como gênero, cor, renda e escolaridade, gerando representação popular política.
Por muitos anos este direito foi negado às mulheres, por conta da ideologia patriarcal que as classifica como inferiores e dependentes dos homens. Porém, desde o século 18 existiram movimentos liderados por mulheres para a conquista do sufrágio feminino no mundo. A NovaZelândia foi o primeiro país a garantir o direito das mulheres ao voto, em 1893. Nos Estados Unidos o voto das mulheres foi conquistado em 1920. Já no Brasil, o direito foi garantido em 1932.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) enfatiza que o sufrágio universal é um direito humano básico. A ampliação da cidadania política é marca das democracias nos Estados modernos.
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Bereia verificou ser verdadeira a notícia de que o secretário de Defesa dos Estados Unidos compartilhou, portanto referendou, conteúdo de cunho religioso que apregoa o fim do direito das mulheres votarem nos Estados Unidos.
Bereia chama a atenção para a propagação de conteúdo em mídias digitais que apregoa a extinção de direitos historicamente conquistados e que são base das democracias Tais conteúdos são baseados em desinformação que recorre a discursos religiosos para o convencimento do público.
Por meio de um pronunciamento gravado, a Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves participou da reunião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) em 22 de fevereiro. O portal gospel Pleno News noticiou o evento e destacou a afirmação da ministra em defesa da família. No entanto, a matéria não aponta a desinformação contida no discurso de Damares Alves, que abordou desde o combate à pandemia até o orçamento para os direitos das mulheres.
O governo não apresentou planos estruturados contra da covid-19
Logo na abertura de seu discurso, a ministra afirmou: “A Covid-19 impôs ao mundo inteiro grandes desafios na área dos direitos humanos, especialmente entre os grupos mais vulneráveis. Para enfrentar essa realidade, o governo brasileiro apresentou planos de contingência estruturados nos eixos saúde, proteção social e proteção econômica.”
De fato, a pandemia atinge com maior gravidade grupos mais vulneráveis. Uma nota técnica publicada em maio de 2020 pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS), que reúne acadêmicos da PUC-Rio, FioCruz, USP e IDOR, concluiu que a taxa de letalidade da covid-19 é maior entre pretos e pardos em relação aos brancos. O estudo levou em conta cerca de 30 mil casos encerrados, ou seja, que já tiveram desfecho: óbito ou recuperação (alta). Destes, 37,9% dos brancos faleceram. Essa taxa sobe para 54,7% entre pretos e pardos. Essa taxa também é maior conforme o grau de escolaridade das pessoas diminui. Cerca de sete em cada dez dos casos daqueles sem escolaridade terminaram em óbitos. Entre aqueles com Ensino Superior, o índice cai para 22,5%. .
Bereia já havia verificado como falsa a afirmação – repetida pelo próprio presidente – de que o Supremo Tribunal Federal teria impedido o Governo Federal de agir contra a pandemia. O STF determinou que União, Estados e Municípios têm responsabilidade concorrente diante da crise sanitária.
Cestas básicas citadas pela ministra são cumprimento de obrigação (e não iniciativa) do Governo
À reportagem da Rádio Agência, a Funai esclareceu que cumpriria a decisão depois da apresentação de alguns critérios de identificação pelo juiz federal. A Fundação afirmou que já faz ações do tipo. De fato, entregas de cestas básicas e kits de higiene fazem parte do Plano de Enfrentamento e Monitoramento da Covid-19. O plano revisado foi entregue em setembro ao STF por determinação do ministro Luís Roberto Barroso. A versão, no entanto, não foi homologada por Barroso, que demandou um novo plano. Entre os argumentos da negativa está a consideração, por parte do ministro, que a redação foi genérica e vaga.
Apenas 2,7% do valor empenhado às políticas para mulheres foi gasto
Damares Alves também disse à ONU que o orçamento de 2020 para os direitos das mulheres foi o maior dos últimos cinco anos. É o que divulga o site do Governo Federal sobre o trabalho da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM). No entanto, um levantamento da agência Gênero e Número aponta que apenas 2,7% do valor empenhado para o Direitos das Mulheres foram gastos pelo governo.
Nesse sentido, destaca-se o baixo investimento na Casa da Mulher Brasileira. O levantamento da Gênero e Número mostra que de R$ 61 milhões de reais empenhados foram gastos apenas R$ 66 mil, pouco mais de 0,1% Em junho de 2020, um pronunciamento do Governo Federal explicou que a execução de verba só tinha sido autorizada em maio daquele ano por conta da pandemia.
Um estudo da consultoria da Câmara dos Deputados, divulgado em junho, apontou que o Governo tinha gastado, até aquele momento, apenas R$ 5,6 milhões dos R$ 126,4 milhões previstos para políticas direcionadas aos direitos das mulheres, menos de 5%. A situação estava no contexto de um aumento de denúncias de violência contra mulher. Abril de 2020 apresentou um aumento de 35% dessas denúncias em relação ao mesmo mês do ano anterior.
Defesa dos idosos e vacinação
A matéria do site gospel Pleno News ainda relata que a ministra destacou ações pelos idosos, como combate à violência e prioridade na vacinação no contra covid-19. É verdade que os números de denúncias de violência a idosos aumentaram. Dados obtidos via Lei de Acesso à Informação demonstram que foram feitas 25.533 denúncias ao Disque 100 entre março e junho de 2020. Esse número representa um aumento de 59% em relação ao mesmo período do ano passado.
Além disso, é também verdadeiro que o Governo Federal agiu para investigar e punir a violência contra idosos. A fala da ministra se refere à Operação Vetus, uma cooperação do Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos e do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A ação aconteceu no DF e nos 26 estados e desde o início, em 1 de outubro, até 4 de dezembro, 567 pessoas foram detidas.
Já sobre a prioridade na vacinação contra a covid-19, idosos, de fato, fazem parte dos grupos prioritários, como divulgou o Ministério da Saúde, seguindo as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS). A ordem pela qual os diferentes perfis de idosos (por idade, por exemplo) serão imunizados fica a cargo de estados e municípios.
A prioridade aos idosos tem sido padrão em outros países que já iniciaram a vacinação. No Reino Unido, profissionais de casas de cuidados com este grupo de pessoas são a primeira prioridade, seguidos daqueles com 80 anos ou mais e os profissionais de saúde e assistência social. Os próximos da fila são outros grupos de idosos. Israel também priorizou idosos, como mostram os dados coletados pelo Our World In Data.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos recomenda que profissionais de saúde e de asilos sejam a primeira prioridade, seguidos de profissionais de atividades essenciais e pessoas com 75 anos ou mais. Nos EUA, cada estados define seu próprio plano de vacinação. Fica não-dito no pronunciamento da ministra, a não priorização da compra de vacinas por parte do governo do Brasil, que centralizou o processo e não tem um plano efetivo, diferentemente de outros países
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Bereia conclui que a matéria do site Pleno News é enganosa ao tratar do discurso da ministra Damares Alves. O texto apenas reproduz o que disse a ministra sem verificar se o pronunciamento condiz com as ações do governo federal. É verdadeiro que tem havido combate à violência contra idosos e que há prioridade a essa parcela da população na campanha de vacinação, o que significa seguir as orientações da Organização Mundial de Saúde, o que tem já sido feito por muitos países.
Por outro lado, é impreciso afirmar que o governo federal foi responsável pela distribuição de kits de higiene e cestas básicas para indígenas, sem considerar que uma parcela dessas ações estiveram negligenciadas e, por isso, foram determinadas pela Justiça. Além disso, o plano da Funai para combate à covid foi mal elaborado e não foi homologado pelo STF.
De igual forma, as afirmações de Damares Alves quanto ao investimento pelos direitos das mulheres e sobre a iniciativa estruturada do Governo Federal contra a pandemia não se sustentam – a primeira pode ser confrontada com dados oficiais do próprio Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e a segunda, pela postura do presidente Jair Bolsonaro, que minimiza permanentemente a gravidade da situação e tem agido contra a vacinação.