Deputados federais do PL denunciados por ações criminosas têm identidade religiosa e são propagadores de desinformação

Deputados federais do Partido Liberal (PL) foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF) por ações criminosas.  Portal de notícias UOL divulgou, em 17 de setembro, matéria sobre a denúncia apresentada contra três Segundo reportagem do UOL Notícias, Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Pastor Gil (PL-MA) e Bosco Costa (PL-SE) são acusados de corrupção passiva e organização criminosa em um suposto esquema de desvio de recursos provenientes de emendas parlamentares. 

A denúncia, de acordo com o UOL, aponta para o possível desvio de R$ 1,6 milhão em verbas destinadas à Prefeitura de São José de Ribamar, no Maranhão. O ministro Cristiano Zanin, relator do caso, intimou os acusados a apresentarem suas defesas, e a Primeira Turma do STF decidirá sobre a abertura de ação penal.

Esta notícia foi coletada no radar do Bereia para verificar se os deputados denunciados têm identidade religiosa e histórico de outras ilegalidades.

O caso

A PGR denunciou os três deputados e outras seis pessoas envolvidas em um esquema de desvio de recursos destinados à Prefeitura de São José de Ribamar, no Maranhão, cidade de 244.579 habitantes, localizada na região metropolitana de São Luís Os parlamentares teriam enviado emendas visando receber parte dos valores de volta, no total de R$ 1,6 milhão. O ex-prefeito Eudes Sampaio relatou à Polícia Federal ter sofrido extorsões do grupo para repassar parte dos recursos. 

A investigação, iniciada em 2021, coincidiu com a vigência do “orçamento secreto”, criado durante o.governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), mecanismo de emendas parlamentares incluídas nas contas federais.  Este tipo de política permitiu a deputados e senadores reivindicarem o uso de verbas públicas a que têm direito, para projetos em seus estados, porém sem identificação da finalidade, o que tornou possível  contratos superfaturados e facilitou desvios de recursos públicos. Depois de ações com denúncias sobre suas consequências, o “orçamento secreto para parlamentares” foi declarado inconstitucional pelo STF, em 2022. 

No caso do Maranhão, documentos apresentados nas denúncias incluem trocas de mensagens que evidenciam a pressão exercida sobre o prefeito do município. O caso permanece em sigilo no STF. 

Quem são os denunciados?

Deputados federais do Partido Liberal (PL) estão envolvidos na denúncia: Josimar Maranhãozinho (MA), Pastor Gil (MA) e Bosco Costa (SE). Bereia levantou o perfil de cada um, com atenção à identidade religiosa e a relação deles com as mídias, em especial com a publicação de desinformação.

Josimar Maranhãozinho

Josimar Cunha Rodrigues, conhecido como Josimar Maranhãozinho, exerce o cargo de deputado federal, pelo PL, desde 2019 (no mandato anterior foi eleito pelo PR). Natural de Várzea Alegre (CE), foi prefeito de Maranhãozinho (2009-2012) e deputado estadual (2015-2018), pelo PR.

Imagem:  Josimar Maranhãozinho. Reprodução: Câmara dos Deputados 

O deputado tem publicado em sua página pessoal no Instagram vídeos pelos quais afirma que frequenta a Igreja Mundial do Reino de Deus, em São Luís do Maranhão. Em publicação de 24 de março, Mararanhãozinho está junto à sua esposa, a também deputada federal Detinha (PL-MA).

Imagem: Reprodução: Instagram

O parlamentar já foi investigado pela Polícia Federal (PF), por suposta participação em esquemas de fraude. Um deles envolvia empresas fantasmas para desviar R$ 1,8 milhão em obras de pavimentação em Zé Doca (MA) , cidade onde sua irmã é prefeita. O relatório da PF identificou crimes como falsidade ideológica, peculato, corrupção, fraude à licitação, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

A PF também acusa Maranhãozinho de desviar recursos públicos de emendas parlamentares enviadas a prefeituras do Maranhão, com crimes de peculato e lavagem de dinheiro. Em 2020, uma ação controlada autorizada pelo STF registrou o parlamentar manuseando e entregando dinheiro em espécie a aliados.

Outras acusações incluem permitir o transporte ilegal de madeira da reserva indígena do Alto Turiaçu durante sua gestão como prefeito de Maranhãozinho. Uma ação sobre patrocínio de festa de aniversário de uma rádio local para favorecer a candidatura de sua irmã foi julgada improcedente por falta de provas.

Pastor Gil

Gildenemir de Lima Sousa, conhecido como Pastor Gil, é deputado federal pelo PL do Maranhão, desde 2019. Pastor da Assembleia de Deus e membro da bancada evangélica no Congresso Nacional, é natural de São Luís (MA), e está na segunda legislatura.

Imagem: Pastor Gil. Reprodução: Câmara dos Deputados 

O deputado tem publicado em seu perfil pessoal do Instagram uma série de vídeos em apoio a candidatos políticos em várias cidades do Maranhão, nas redes ele utiliza versos bíblicos como marketing de campanha.

Imagem: Reprodução: Instagram 25 de set 2024

Em 2022, Pastor Gil foi investigado por suposto uso indevido de emendas parlamentares. A investigação, autorizada pelo então ministro do  STF Ricardo Lewandowski, incluía também os deputados Josimar Maranhãozinho e Bosco Costa. As suspeitas indicavam que os parlamentares obtinham empréstimos de um agiota no Maranhão. Para quitar as dívidas, supostamente indicavam prefeitos de cidades que receberiam as emendas, em vez de usar recursos próprios. 

Bosco da Costa

João Bosco da Costa, natural de Itabaiana (SE), foi eleito deputado federal, pelo PR do Sergipe, em 2018, após ocupar os cargos de prefeito em Moita Bonita, município na região central do estado e deputado estadual. Eleito suplente de deputado federal, pelo PL-SE, em 2022, assumiu a vaga em 2024.

Imagem: Bosco Costa. Reprodução: Câmara dos Deputados 

Em 2019, o Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe (TRE-SE) cassou o mandato de Bosco Costa e o declarou inelegível por oito anos, após denúncia do Ministério Público Eleitoral (MPE) sobre abusos de poder econômico na campanha de 2018. A investigação indicou fraudes em aproximadamente meio milhão de reais, do total dos R$ 2,09 milhões gastos, principalmente em locação irregular de veículos. O caso, no entanto, não avançou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A PF também investigou Costa por suposto envolvimento em um esquema de fraude em carteiras de habilitação, relacionado a suas atividades quando esteve à frente do Departamento de Trânsito de Sergipe (Detran/SE).

O deputado federal se autodenomina cristão, com diversas publicações nas mídias digitais em alusão à datas católicas, participação em festas e missas tradicionais de Sergipe. Em novembro de 2020, o parlamentar publicou em sua página pessoal do Facebook, felicitando os evangélicos pelo Dia do Evangélico, com os dizeres “eu sou cristão”.

Imagem: Reprodução: Facebook

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A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou três deputados do Partido Liberal (PL)  e outras seis pessoas envolvidas em um esquema de desvio de R$ 1,6 milhão em emendas parlamentares destinadas à Prefeitura de São José de Ribamar, no Maranhão. A investigação, que começou em 2021, revelou a pressão exercida sobre o ex-prefeito Eudes Sampaio, que relatou extorsões do grupo. A matéria do portal UOL ressalta que o caso está em sigilo no Supremo Tribunal Federal (STF).

Conforme levantamento realizado pelo Bereia, todos os deputados denunciados pela PGR têm identidade religiosa cristã. Josimar Maranhãozinho (MA) e Pastor Gil (MA) são evangélicos e Bosco Costa (SE) é católico. Este caso torna possível identificar controvérsias em torno do acionamento da identidade religiosa no cenário político. Envolvidos em um desvio de R$ 1,6 milhão em emendas parlamentares, esses políticos, que se apresentam como defensores de valores cristãos, demonstram como fazem uso de sua influência para propagar desinformação e legitimar práticas ilícitas. 

O caso ressalta a necessidade de eleitores e eleitoras estarem alertas em relação a líderes que acionam identidade religiosa e ao mesmo tempo praticam ações criminosas contribuindo para a deterioração do importante papel dos parlamentares eleitos pelo voto no país.

Referências

UOL. https://noticias.uol.com.br/colunas/aguirre-talento/2024/09/17/pgr-denuncia-deputados-do-pl-por-corrupcao-em-emendas-parlamentares.htm. Acesso em:  21 set 2024.

G1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/09/17/pgr-denuncia-3-deputados-do-pl-por-corrupcao-e-organizacao-criminosa-em-esquema-de-desvio-de-emendas.ghtml. Acesso em:  21 set 2024.

Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/deputados/74052/biografia.  Acesso em:  21 set 2024.

Diário do Poder. https://diariodopoder.com.br/politica/deputado-federal-bosco-costa-e-cassado-por-fraudar-quase-meio-milhao-em-campanha.  Acesso em:  21 set 2024.

Infonet. https://infonet.com.br/noticias/politica/por-falta-de-provas-tse-afasta-cassacao-do-mandato-de-bosco-costa/.  Acesso em:  21 set 2024.

Carta Capital. https://www.cartacapital.com.br/politica/quem-sao-os-deputados-do-pl-denunciados-pela-pgr-por-corrupcao-no-uso-de-emendas/.  Acesso em:  21 set 2024.

Jus Brasil. https://www.jusbrasil.com.br/noticias/em-sergipe-mpe-pede-a-cassacao-dos-mandatos-dos-deputados-bosco-costa-e-ibrain-monteiro/661053932.  Acesso em:  21 set 2024.

Carta Capital. https://www.cartacapital.com.br/politica/patrimonio-de-deputado-flagrado-com-caixas-de-dinheiro-aumentou-r-10-milhoes-nos-ultimos-quatro-anos-segundo-tse/.  Acesso em:  21 set 2024.

Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/deputados/204563/biografia. Acesso em:  21 set 2024.

G1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/07/29/pf-conclui-que-deputado-josimar-maranhaozinho-participou-de-suposto-esquema-de-fraude-em-obras-no-ma.ghtml. Acesso em:  21 set 2024.

G1. https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2019/02/28/deputados-com-processos-criminais-a-lista-do-maranhao.ghtml. Acesso em:  21 set 2024.

Carta Capital. https://www.cartacapital.com.br/politica/patrimonio-de-deputado-flagrado-com-caixas-de-dinheiro-aumentou-r-10-milhoes-nos-ultimos-quatro-anos-segundo-tse/. Acesso em:  21 set 2024.

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/04/dinheiro-de-convenios-federais-pagou-irmao-aliados-e-escola-de-filhos-de-deputado-do-pl-diz-pf.shtml. Acesso em:  21 set 2024.

Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/deputados/204570/biografia. Acesso em:  21 set 2024.

Vermelho. https://vermelho.org.br/2022/03/11/ministro-do-stf-ordena-busca-e-apreensao-contra-deputados-do-pl/.  Acesso em:  21 set 2024.

O Globo. https://oglobo.globo.com/politica/deputado-alvo-da-pf-diz-que-pegou-emprestimo-de-200-mil-de-maranhaozinho-tambem-investigado-25479710. Acesso em:  21 set 2024.

Congresso em Foco. https://congressoemfoco.uol.com.br/area/congresso-nacional/entenda-o-que-e-o-orcamento-secreto-e-porque-e-criticado/ Acesso em:  23 set 2024.

Ex-deputado e ex-presidente do PTB Roberto Jefferson é evangélico

Por conta do caso que levou o ex-deputado federal e ex-presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) Roberto Jefferson à prisão por tentativa de homicídio, Bereia checou postagens que passaram a circular nas mídias sociais, em crítica ao político, que afirmam ser ele evangélico.

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O caso

Jefferson, de 69 anos, estava em prisão domiciliar, desde janeiro passado, como consequência do inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre ações criminosas contra o Estado Democrático de Direito. Desde então, descumpriu várias medidas, como a realização de contatos com dirigentes do PTB, recebimento de visitas, concessão de entrevista e postagens em mídias sociais com discursos de ódio, inclusive, e divulgação de mentiras contra o STF e seus ministros, tendo ofendido a ministra do órgão, Carmen Lúcia, em 21 de outubro. 

Tais posturas levaram à revogação da prisão domiciliar e à determinação da condução do ex-deputado ao regime fechado. No domingo 23 de outubro, a Polícia Federal foi à casa dele cumprir a ordem de prisão, mas foi atacada por Roberto Jefferson com granadas de efeito moral e tiros de fuzil. Além de não ter o direito de portar armas, na condição de preso, o acesso a granadas não é permitida a civis. No ataque dois agentes foram feridos. 

Depois de um controverso processo de negociação de rendição, o ex-deputado foi preso, agora sob acusação de tentativa de homicídio.

O ex-deputado federal e ex-presidente do PTB se destacou na política nacional por ter por tido envolvimento no esquema de corrupção chamado de “Mensalão”. Em 2012, ele foi cassado e condenado pelo STF a sete anos de prisão, mas teve a pena reduzida por ter sido um delator nas investigações. Além de ser investigado pelo STF, desde 2021 Jefferson também é objeto de uma denúncia da Procuradoria-Geral da República por crimes de homofobia, calúnia e incitação ao crime de dano contra o patrimônio.

Batismo na Assembleia de Deus

Em maio de 2021, vários sites evangélicos de notícias informaram que Roberto Jefferson, quando ainda presidente do PTB, foi batizado pelo pastor de uma congregação da Assembleia de Deus. 

Imagem: reprodução do Instagram

No ato, “prestigiado por correligionários do partido e autoridades religiosas evangélicas”, segundo o pastor Serra, Jefferson foi recebido como membro da igreja. O pastor ainda afirma em sua publicação que pode “observar atentamente o envolvimento espiritual do mandatário do partido que é coluna política do presidente Jair Bolsonaro”. Serra acrescenta que a “Nova República Federativa do Brasil vai contar com o que há de melhor na defesa da vida, pátria, das liberdades e da família tradicional brasileira”.

Imagem: reprodução do Instagram

Em pesquisa nas mídias sociais de Roberto Jefferson, Bereia identificou que, antes de ser recebido como membro da Assembleia de Deus do Campo de São Cristóvão, os primeiros registros públicos de expressão religiosa do ex-deputado remontam a julho de 2020, com a postagem a seguir:

Imagem: reprodução do Instagram

As publicações de tom religioso se intensificam nos primeiros meses de  2021, com publicação de versículos bíblicos, de participação em igrejas diferentes e de interação com lideranças religiosas diferentes:

Imagens: reprodução do Instagram

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Bereia classifica como verdadeiras as postagens que afirmam que o ex-deputado federal e ex-presidente do PTB Roberto Jefferson é evangélico. Ele se tornou membro da Assembleia de Deus do Campo de São Cristóvão no Rio de Janeiro, depois de ser batizado nas águas. O político de 69 anos está preso sob investigação de participar de uma rede que ameaça o Estado Democrático de Direito e, há alguns dias, também sob a acusação de tentativa de homicídio.

Referências de checagem:

Supremo Tribunal Federal. https://portal.stf.jus.br/listagem/listarNoticias.asp?termoPesquisa=roberto%20jefferson Acesso em: 27 out 2022

Uol. https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/10/25/o-que-e-a-granada-de-efeito-moral-lancada-por-roberto-jefferson-contra-pfs.htm Acesso em: 27 out 2022

G1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/10/24/de-delator-do-mensalao-aos-tiros-contra-a-pf-conheca-a-trajetoria-de-roberto-jefferson.ghtml Acesso em: 27 out 2022

Gospel Mais. https://noticias.gospelmais.com.br/roberto-jefferson-batizado-aguas-assembleia-deus-146629.html Acesso em: 27 out 2022

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Foto de capa: reprodução do Instagram

Interferência de missionários ligados a igrejas evangélicas prejudica vacinação de indígenas

No dia 7 de junho foi divulgado pela imprensa que um ofício da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas foi encaminhado à Procuradoria-Geral da República. O ofício retrata que missionários da igreja Assembleia de Deus estariam propagando desinformação junto aos povos indígenas a respeito da vacinação contra a Covid-19.  Segundo a reportagem da Folha de S. Paulo,

Outra questão levantada é a dificuldade de vacinar a população indígena. Um ofício encaminhado à PGR (Procuradoria-Geral da República) revelou a influência negativa que missionários estavam exercendo sobre comunidades indígenas, infundindo temor por meio da propagação de fake news sobre a vacinação contra a Covid 19. A campanha de desinformação seria difundida via áudios e vídeos pelo celular, pelo sistema de radiofonia entre as aldeias e por cultos presenciais. No estado do Maranhão a maior influência seria da igreja Assembleia de Deus.

Trecho da reportagem da Folha de S. Paulo

O  Jornal do Almoço, da rede RBS, emitiu no dia 9 de fevereiro uma reportagem sobre a baixa movimentação dos indígenas em busca por vacinação, evidenciando a dificuldade com os povos da Reserva do Guarita, em Tenente Portela, e também na cidade de Redentora. Segundo o jornal, cerca de 1000 indígenas deveriam ser vacinados, mas nem metade compareceu. De acordo com a Secretária de Saúde, essa ausência ocorreu devido a influências religiosas  e líderes das  próprias comunidades indígenas, que fez com que muitos optassem por não tomarem a vacina.

Print da página da Globoplay

Bereia entrou em contato com Sandro Luckmann, coordenador da COMIN (Conselho de Missão entre Povos Indígenas, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana) que denota como verdadeira a interferência e a propagação de fake news sobre a eficácia e importância da vacina entre os povos indígenas, causada por missionários fundamentalistas. Segundo Luckmann, foi necessário intensificar as campanhas de vacinação para combater a desinformação. A Amazônia é um exemplo onde  há a forte presença dessa desinformação disseminada por missionários. É explícita a rejeição de algumas lideranças religiosas em relação à vacina. “Referente ao estado de Rondônia foram diversos relatos em que  presente esse tipo de situação, e também no sul do Amazonas onde foi necessário intensificar campanhas de informação, intensificar relatos em que a vacina é eficaz e ela ajuda no enfrentamento da covid”, disse Luckmann. 

Em Lábrea, sul do Amazonas, circulou entre o povo Jamamandi um vídeo do pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, questionando os resultados do que chama de vacina “chinesa” e recomendando o uso de ivermeticina. O mesmo povo expulsou com arco e flecha profissionais de saúde que chegavam à aldeia. Líderes indígenas e também evangélicos confirmaram que as aldeias mais resistentes à vacina são as que têm presença de missionários.

“Há pastores orientando os parentes [como indígenas se chamam] para que não tomem a vacina, porque ‘não é de Deus”, afirmou Nara Baré, coordenadora-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). Ela relatou casos em Itacoatiara, região do rio Urubu, Manaus, Xingu (Mato Grosso) e Rondônia. Em Santa Catarina, os indígenas da Terra Laklãnõ chegaram a participar de cultos presenciais com o pastor tocando a testa das pessoas durante as orações.

O alinhamento do discurso entre evangélicos e governo

Outra característica em comum entre as aldeias resistentes à vacina e às medidas de saúde é uma referência à postura e discursos do Governo Federal, semelhante ao dos missionários, frente ao tema. Em Dourados (MS), indígenas justificavam não querer tomar a vacina diante da declaração do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em fazer o mesmo ou de que quem tomasse a vacina poderia “virar jacaré”.  

Em fevereiro o The Intercept Brasil apontou que uma universidade privada do Paraná, que passou a receber verba do ProUni após ser credenciada pelo Ministério da Educação na gestão Abraham Weintraub, formava missionários para atuar junto aos povos indígenas.

Em Faxinalzinho, outra cidade do Rio Grande do Sul, houve denúncia sobre o uso de cloroquina para tratamento de mulher indígena na TI Kandóia, conforme Carta de Repúdio do Conselho Estadual dos Povos Indígenas do Rio Grande do Sul. A cloroquina não é recomendada pela Organização Mundial de Saúde por não ter eficácia comprovada cientificamente contra a COVID-19. E é defendida como tratamento precoce contra a COVID-19 por Bolsonaro.

A carta de repúdio foi distribuída às instituições, lideranças políticas e organizações  que trabalham com povos indígenas. Nela o Coordenador Kaingang do Estado do Rio Grande do Sul reivindica medidas cabíveis às autoridades responsáveis, para que essa população não vire cobaia do governo brasileiro.

Print da carta

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Bereia classifica as notícias como verdadeiras. De fato, ocorreram  interferências na vacinação de povos indígenas da região do Amazonas e Rondônia, causadas por influências religiosas, principalmente líderes negacionistas evangélicos, que por meio de vídeos no Whatsapp com disseminação de desinformação, intervinham de maneira incorreta  nas campanhas sanitárias. O conteúdo que circula nas aldeias apresenta ideias fraudulentas, enganosas e equivocadas diante das orientações oficiais de enfrentamento da pandemia.

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Foto de Capa: Anne Vilela EBC/Reprodução

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Referências

Folha de S.Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/06/documento-na-cpi-da-covid-aponta-troca-de-vacinas-por-ouro-em-terras-indigenas.shtml Acesso em: 21 jun 2021.

RBS, https://globoplay.globo.com/v/9252614/?s=0s Acesso em: 21 jun 2021.

BBC Brasil, https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56433811 Acesso em: 21 jun 2021.

Repórter Brasil, https://reporterbrasil.org.br/2021/02/indigenas-recusam-vacinas-da-covid-a-flechadas-e-exigem-presenca-de-missionario/ Acesso em: 21 jun 2021.

O Globo, https://oglobo.globo.com/sociedade/vacina/missionarios-espalham-medo-da-vacina-contra-covid-19-em-aldeias-dizem-liderancas-indigenas-24881049 Acesso em: 21 jun 2021.

DW Brasil, https://www.dw.com/pt-br/pastores-afastam-ind%C3%ADgenas-da-vacina%C3%A7%C3%A3o-relatam-lideran%C3%A7as/a-56380498 Acesso em: 21 jun 2021.

Diário do Alto Vale, https://diarioav.com.br/indigenas-desrespeitam-recomendacoes/ Acesso em: 21 jun 2021.

YouTube Uol, https://www.youtube.com/watch?v=lBCXkVOEH-8 Acesso em: 23 jun 2021.

The Intercept Brasil, https://theintercept.com/2021/02/22/prouni-formacao-missionarios-evangelizar-indigenas-unimissional/  Acesso em: 22 jun 2021.

Organização Pan-Americana de Saúde, https://www.paho.org/pt/covid19#cloroquina-hidroxicloroquina Acesso em: 23 jun 2021.

YouTube Uol, https://www.youtube.com/watch?v=gSSvnV9ksUE