Redes sociais espalham desinformação sobre falso massacre de cristãos na Síria

Vídeos e correntes de mensagens alarmistas sobre cristãos perseguidos e mortos na Síria inundaram perfis de identidade religiosa em mídias sociais e grupos de igrejas no WhatsApp neste mês de março. 

Estas publicações alegam que cristãos estão sendo massacrados na Síria por grupos islâmicos. Bereia checou o material.

Entre os conteúdos analisados está um vídeo da influenciadora evangélica Samia Sousil, missionária na Índia, enviado por leitores ao Bereia. A gravação, publicada no Instagram em 10 de março, viralizou nas mídias digitais e foi marcada pela plataforma como “conteúdo sensível”, contendo imagens de corpos e apelos emocionais.

Imagem: reprodução/WhatsApp
Imagem: reprodução/Instagram

Publicações semelhantes circulam em grupos no WhatsApp, principalmente entre fiéis e lideranças religiosas evangélicas:

Imagem: reprodução/Facebook
Imagem: publicação em grupo de WhatsApp

Estes conteúdos associam a nova onda de violência na Síria a perseguição religiosa a fiéis do Cristianismo, mas as vítimas são, na verdade, membros da minoria islâmica alauita, alvo de ataques após a queda do governo de Bashar al-Assad em dezembro de 2024

Assad foi deposto por forças rebeldes que tomaram a capital Damasco após 13 anos de guerra civil.  Este evento marcou o fim de seis décadas do governo da família Assad na Síria e representou uma mudança significativa na geopolítica do Oriente Médio.

Agências internacionais relatam massacre de Alauitas

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), os recentes assassinatos na Síria ocorreram maioritariamente em bairros alauitas nas províncias costeiras de Latakia e Tartus, redutos históricos de apoio ao ex-presidente Bashar al-Assad. Em declaração oficial, o secretário-geral António Guterres alertou para a escalada das tensões sectárias e pediu que todas as partes envolvidas protejam civis e evitem discursos de ódio e ações violentas, após 14 anos de guerra e cinco décadas de governo autoritário no país.

O discurso de que a violência na Síria seria motivada pela perseguição a cristãos foi desmentido e não encontra respaldo em agências de notícias internacionais confiáveis, como Reuters, BBC, CNN, Associated Press e Al Jazeera. Os relatos indicam que os ataques têm como alvo principal a comunidade étnico-religiosa alauita. Na pesquisa, Bereia não encontrou relatos a respeito de ataques a cristãos na Síria. 

A rede de TV Al Jazeera informou que, após a deposição do presidente Bashar al-Assad, ocorreram ataques significativos contra vilarejos alauitas, resultando na morte de centenas de pessoas

Uma investigação da CNN revelou o massacre de uma comunidade alauita na vila de al-Sanobar As forças alinhadas ao novo governo comemoraram os atos de violência, o que evidencia ainda mais a brutalidade dos ataques contra essa minoria religiosa.

Em 10 de março de 2025, o Observatório dos Direitos Humanos (HRW) publicou o relatório intitulado “Síria: Pôr fim à onda de assassinatos na costa, proteger civis”:

O documento detalha execuções sumárias e outras atrocidades ocorridas na região costeira da Síria após ataques insurgentes contra forças de segurança sírias A comunidade alauita foi mais afetada por essa violência.

A HRW enfatiza que, embora os novos líderes sírios tenham prometido romper com os horrores do passado, graves abusos em escala alarmante estão sendo relatados contra os alauitas em diversas partes da Síria.

Já o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH) relatou que, entre 6 e 10 de março de 2025, pelo menos 803 pessoas foram executadas na Síria. O relatório destaca que a maioria das vítimas eram civis, incluindo mulheres e crianças, e que as execuções ocorreram principalmente em vilarejos alauitas na região costeira do país.

Quem são os alauitas e por que estão sendo perseguidos?

A atual perseguição à minoria alauita na Síria tem origem em um contexto histórico e político profundo. Os alauítas são uma vertente do islamismo xiita e representam cerca de 10 a 15% da população síria. Suas crenças têm elementos esotéricos e místicos, o que faz com que sejam considerados hereges por muitos grupos sunitas ortodoxos. 

Durante séculos, este segmento foi marginalizado e excluído das estruturas de poder, até a ascensão de Hafez al-Assad ao governo sírio em 1971, o que marcou o início de uma nova fase para o grupo religioso. 

De acordo com a obra The History of Syria: 1900–2012, de Clement M. Hall, o regime da família Assad, estabelecido por Hafez al-Assad, consolidou-se como uma ditadura centralizadora, mas procurou garantir certa estabilidade interna ao adotar uma política de proteção às minorias religiosas.

Em um país marcado por forte fragmentação sectária, o primeiro Assad a governar, pertencente à minoria alauíta, sustentou um discurso de laicismo e unidade nacional, promovendo a convivência entre diferentes grupos religiosos, como cristãos, drusos, xiitas e armênios. Embora repressivo em termos políticos, este governo conteve o avanço do sectarismo e favoreceu a presença de minorias no funcionalismo público e nas forças armadas.

Essa abordagem foi mantida, ao menos nos primeiros anos, pelo sucessor, o filho Bashar al-Assad, que assumiu o poder em 2000 e ampliou alianças estratégicas com segmentos religiosos minoritários. Estas alianças seriam rompidas com a explosão do conflito sectário durante a guerra civil iniciada em 2011.

Em entrevista à Agência Brasil, o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC(UFABC) Mohammed Nadir avalia que “os [atuais] assassinatos em massa de civis alauitas, incluindo famílias inteiras e de crianças, enfraquecem o discurso do novo presidente do país, Ahmed al-Sharaa(al-Jolani), de que o novo poder irá respeitar as minorias e promover um governo de união nacional”. 

De acordo con o prof. Nadir, este segmento é o segundo maior grupo religioso do país, atrás dos muçulmanos sunitas. Estão localizados em maior número nas províncias costeiras sírias de Latakia e Tartus, mas estão presentes também em outros países como o Iraque, o Líbano e a Turquia.

O vínculo dos alauitas com o antigo regime transformou essa minoria em uma espécie bode expiatório para setores radicais do novo poder. Ainda que não haja um projeto oficial de extermínio, os ataques sistemáticos contra comunidades alauitas demonstram a fragilidade da promessa de união nacional e reforçam o cenário de instabilidade e violência sectária que ainda domina o país.

A queda de Assad

A queda do regime de Bashar al-Assad em dezembro de 2024 ocorreu após anos de guerra civil, desgaste econômico e abandono progressivo por aliados estratégicos, como a Rússia e o Irã. 

Lucas Kerr-Oliveira, Ana Karolina Morais Silva e Issam Rabih Menem explicam ao Le Monde Diplomatique Brasil, que a guerra civil síria teve início em 2011, no contexto da Primavera Árabe, com protestos populares contra o regime de Bashar al-Assad que rapidamente se transformaram em um conflito armado complexo e multifrontal. 

Ao longo de 13 anos, o país viveu disputas entre o governo, grupos rebeldes seculares, milícias curdas, facções jihadistas e potências estrangeiras. O regime de Assad, sustentado por aliados como Irã, Rússia e Hezbollah, resistiu até ser derrubado entre novembro e dezembro de 2024, após uma ofensiva da coalizão  Hay’at Tahrir al-Sham ou Organização para a Libertação do Levante (HTS), liderada por Abu Mohammed al-Jawlani

 Em menos de duas semanas, o grupo, que tem origem jihadista e já controlava áreas do norte da Síria, conseguiu avançar sobre a capital e derrubar um regime que esteve no poder há mais de cinco décadas. A vitória da HTS, que se apresenta hoje como força política moderada, mas tem raízes na organização armada Al-Qaeda.

A ascensão do novo governo liderado por Ahmed al-Sharaa , foi marcada por promessas de reconciliação nacional. No entanto, essas promessas rapidamente deram lugar a uma onda de violência brutal contra comunidades alauitas, vistas como base de sustentação do regime anterior. Os agressores veem os alauitas como “traidores” e “cúmplices” das décadas de ditadura.

Diversidade étnico-religiosa na Síria

É impossível obter dados precisos e atuais sobre a composição populacional da Síria, após mais de uma década de guerra civil que deixou cerca de 600 mil mortos e forçou o deslocamento de 13 milhões de pessoas, segundo a ONU. No entanto, as estimativas amplamente aceitas indicam que cerca de 70% da população é formada por muçulmanos sunitas. 

Os muçulmanos xiitas, entre eles os alauitas — grupo do qual fazia parte o ex-presidente Bashar al-Assad — representam cerca de 13%. Cerca de 10% dos sírios são cristãos, entre eles ortodoxos gregos, maronitas e católicos. Os curdos, também em torno de 10%, vivem principalmente no norte do país. No sul, estão concentrados os drusos, grupo religioso com práticas esotéricas.

Além disso, a Síria abriga comunidades armênias, assírias, circassianas e turcomanas. Essa diversidade, embora culturalmente rica, tem sido fonte de tensões e conflitos, especialmente quando minorias são associadas a regimes políticos ou se tornam alvo de perseguições, como ocorre atualmente com os alauitas

Imagem: Coletivo Bereia 

Cristãos na Síria

Durante o governo da família Assad — tanto sob Hafez al-Assad (1971–2000) quanto sob seu filho Bashar al-Assad (2000–2024) — os cristãos na Síria viveram um período de relativa estabilidade e liberdade religiosa, especialmente se comparado à situação de cristãos em outros países do Oriente Médio. 

O regime reconhecia diversas igrejas, como a Ortodoxa Grega, a Maronita e a Católica Síria, e permitia a construção de templos, a realização de celebrações públicas e a manutenção de escolas religiosas. Cristãos também ocupavam postos relevantes no funcionalismo público, nas Forças Armadas e nas universidades, compondo parte da elite urbana em cidades como Damasco, Homs e Aleppo. 

A aliança dos Assad com minorias religiosas, incluindo cristãos, era estratégica para equilibrar o poder da maioria sunita. Com o início da guerra civil em 2011, a ameaça representada por grupos jihadistas como o Estado Islâmico e a Frente al-Nusra fortaleceu o apoio cristão ao regime, visto como uma proteção contra o extremismo religioso.

Embora haja temor e insegurança entre cristãos sírios diante do novo cenário político no país, não há registros recentes de ataques sistemáticos ou massacres direcionados especificamente contra essa comunidade, conforme apurado por agências internacionais e pela ONU.

Há casos específicos, como na cidade de  Maaloula, de maioria cristã, conhecida por preservar o idioma aramaico. Residentes denunciaram  assédio e vandalismo, especialmente devido a acusações de apoio a grupos de oposição durante a guerra civil. Apesar de solicitar proteção ao novo governo islâmico liderado por Ahmad al-Sharaa, poucas mudanças foram observadas.

Em dezembro de 2024, cristãos sírios participaram de missas de Natal pela primeira vez desde a queda de Assad. Apesar das medidas de segurança reforçadas, incidentes como o incêndio de uma árvore de Natal na província de Hama geraram preocupações sobre a proteção de locais cristãos.

Em Damasco, de acordo com a RFI/UOL, a preocupação dos cristãos aumentou após os ataques contra os alauitas. O receio é de que outras minorias religiosas passem a ser alvo de violência em regiões onde o novo governo não exerce pleno controle.

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Bereia considera que, embora exista uma preocupação legítima da comunidade cristã diante da instabilidade na Síria, não há evidências concretas de perseguição ou massacres direcionados aos cristãos no cenário atual. A desinformação que circula nas redes sociais distorce fatos, instrumentaliza a fé e contribui para o aumento da intolerância religiosa.

O uso de tragédias reais, como o massacre da minoria alauita na Síria, para sustentar falsos discursossobre perseguição a cristãos compromete a compreensão pública dos fatos e alimenta preconceitos, especialmente contra muçulmanos. Tais publicações, além de promoverem o medo, servem a interesses políticos e financeiros.

Bereia reforça que é essencial buscar fontes confiáveis e verificar o contexto de informações que circulam nas redes sociais, especialmente quando envolvem temas sensíveis como perseguição religiosa. O respeito à diversidade e à verdade dos fatos é essencial para o diálogo e a convivência democrática entre os povos e as religiões.

Referências:

Reuters: https://www.reuters.com/world/middle-east/syria-rebels-celebrate-captured-homs-set-sights-damascus-2024-12-07/ Acesso em 15 mar 2025

https://www.reuters.com/investigations/pray-us-theyve-arrived-how-syria-descended-into-revenge-bloodshed-2025-03-17/ Acesso em 15 mar 2025

https://www.reuters.com/world/middle-east/syrians-trickle-home-sanctuary-russian-air-base-2025-03-14/ Acesso em 15 mar 2025

Observatório dos Direitos Humanos (HRW) https://www.hrw.org/news/2025/03/10/syria-end-coastal-killing-spree-protect-civilians Acesso em 15 mar 2025

Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH) https://snhr.org/blog/2025/03/11/803-individuals-extrajudicially-killed-between-march-6-10-2025/ Acesso em 15 mar 2025

CNN https://edition.cnn.com/2025/03/17/middleeast/syria-massacre-alawite-minority-intl-invs/index.html Acesso em 15 mar 2025

Agência Brasil https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2025-03/massacre-na-siria-viola-promessa-de-uniao-do-governo-diz-especialista. Acesso em 15 mar 2025

https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2016-07/sirios-da-frente-al-nusra-deixam-al-qaeda Acesso em 15 mar 2025

BBC https://www.bbc.com/portuguese/articles/c04zv0zn11ko.amp. Acesso em 15 mar 2025

 https://www.bbc.com/portuguese/articles/c2exgd18rrjo Acesso em 16 mar 2025

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c9de6pg9w5qo?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bgoogle.news%5D-%5Bheadline%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D Acesso em 16 mar 2025

Enciclopédia Britânica: https://www.britannica.com/biography/Hafiz-al-Assad Acesso em 15 mar 2025


Deutsche Welle https://www.dw.com/pt-br/entenda-quais-grupos-%C3%A9tnicos-e-religiosos-vivem-na-s%C3%ADria/a-71025365 Acesso em 15 mar 2025

  https://www.dw.com/pt-br/entenda-quais-grupos-%C3%A9tnicos-e-religiosos-vivem-na-s%C3%ADria/a-71025365 Acesso em 15 mar 2025

ONU https://news.un.org/pt/story/2025/03/1846016  Acesso em 15 mar 2025

Al Jazeera https://www.aljazeera.com/news/2024/12/2/hayat-tahrir-al-sham-and-the-other-syrian-opposition-groups-in-aleppo  Acesso em 15 mar 2025

Extremista foragido engana sobre crise econômica e humanitária de Cuba para disseminar pânico social no Brasil

Uma publicação no Instagram sobre crise humanitária em Cuba tem circulado em perfis e grupos de igrejas nas mídias sociais, desde 25 de julho passado, e foi encaminhada por leitor ao Bereia.

A imagem é composta por um grupo que protesta em uma rua, as pessoas usam máscara de proteção sanitária e empunham cartazes com textos como “SOS Cuba”, “Democracia” e “Cuba libre, ya!”.  No título está a frase “Em Cuba, controlada pelo Regime Comunista, apoiado por Lula, cristãos são perseguidos e fome severa atinge vulneráveis”, com o subtexto “Partido Comunista Cubano deixa mulheres grávidas, idosos, crianças e pessoas doentes passarem fome com racionamento severo de alimentos, com muitos ficando 20hs sem alimentação básica”.

O texto da publicação traz a palavra de “uma líder cristã”, citada apenas com o primeiro nome, Ângela, voluntária da organização evangélica internacional Portas Abertas, que acompanha casos de perseguição a cristãos em diferentes países. Ela teria participado de uma videochamada pela qual descreveu a situação de Cuba, que enfrenta crise econômica e social. A postagem remete a texto completo da Revista Exílio.

Bereia checou a fonte e a veracidade das informações.

Imagem: Reprodução da postagem do Instagram recebida pelo Bereia

Imagem: Reprodução da notícia em questão na página da revista Exílio

Sobre a Revista Exílio

A Revista Exílio pertence ao blogueiro brasileiro Allan dos Santos. Ele está foragido do Brasil, desde outubro 2021, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) emitiu um mandato de prisão, decorrente da atuação do blogueiro em milícias digitais na promoção de ataques ao Estado Democrático de Direito.

Ex-padre católico, como Bereia já checou, Allan dos Santos foi proprietário do canal do Youtube Terça Livre, veículo do extremismo de direita no Brasil, suspenso por conta do inquérito. O mandato de prisão preventiva foi emitido como resultado de investigações da Polícia Federal (PF) que reuniram evidências sobre a atuação dele em milícias digitais na forma de organização criminosa, crimes contra a honra e incitação a crimes, preconceito e lavagem de dinheiro.

Mesmo foragido nos Estados Unidos, que negou o pedido de extradição do Estado brasileiro, Allan dos Santos continua a agir nas mesmas bases das acusações que são registradas contra ele, com a propagação de conteúdo digital nocivo. Em julho passado, foi instaurado novo inquérito na PF, determinado pelo STF, para apurar a conduta do blogueiro, no caso em que ele é acusado de forjar mensagens com autoria atribuída à jornalista Juliana Dal Piva (ICL Notícias).

A Revista Exílio oferece o mesmo conteúdo com formato jornalístico que era propagado pelo canal Terça Livre. A marca do canal é utilizada nas chamadas para comunicação com os seguidores perdidos com a suspensão do canal.

Imagem: Reprodução da página de abertura da Revista Exílio

Imagem: Reprodução dos dados do perfil do Instagram da Revista Exílio

A notícia sobre perseguição a cristãos e fome em Cuba

No site da Revista Exílio há várias matérias com conteúdo negativo referente a Cuba. O país, localizado em ilha do Caribe, é frequentemente mencionado em publicações de grupos extremistas de direita, que recorrem ao imaginário do comunismo como ameaça aos elementos simbólicos que defendem, “Deus, Pátria e Família”, como Bereia já checou.

Sobre a grave crise econômica e humanitária vivida por Cuba, desde o período da pandemia da covid-19, a afirmação é verdadeira. Porém, uma breve pesquisa no noticiário e em produções científicas mostra que este é um caso amplamente conhecido e debatido em espaços diplomáticos e de notícias internacionais, com causa conhecida: o bloqueio econômico dos Estados Unidos que perdura há quase 60 anos.

As 243 medidas do bloqueio econômico, que ganharam amplitude nos governos Trump e Biden, impuseram a Cuba uma série de dificuldades não só para a exportação de produtos cubanos, mas de aquisição do que não é produzido na ilha.

O bloqueio é uma das medidas mais condenadas pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), onde todos os anos, desde 1992, é aprovada uma resolução contra a imposição estadunidense. Apenas Estados Unidos e Israel aprovam a medida.

Com o agravamento, atualmente faltam energia, petróleo, alimentos, remédios e vacinas, produtos básicos como material para higiene. “Os danos acumulados durante quase seis décadas de aplicação dessa medida totalizam US$ 144 bilhões (cerca de R$ 734 bilhões)”, registra o governo cubano no documento “Cuba vs. Bloqueio” apresentado à Assembleia Geral da ONU em 2020.

A situação econômica de Cuba foi ainda mais agravada com a pandemia da covid-19, uma vez que a abertura da economia se deu para o turismo e este foi suspenso por dois anos, o que tornou a recuperação econômica do país ainda mais difícil. Esta avaliação é partilhada por analistas internacionais de várias procedências. É fato que, por conta deste quadro, muitas pessoas estão deixando o país em busca de vida melhor, especialmente as mais jovens.

É verdade que a liberdade de expressão, limitada pelo regime socialista cubano, de partido único e controle do Estado, justificada para proteção dos valores da Revolução, contra os ataques dos Estados Unidos, é questionada pela população, especialmente pelos mais jovens. O acesso à internet, liberado à população desde 2018, tornou mais evidente o controle estatal sobre a mídia – a imprensa é do Estado bem como os canais de televisão e estações de rádio. Porém, não há restrições a mídias sociais, na única operadora, que é estatal. O WhatsApp é amplamente utilizado bem como Facebook, Instagram e todos os aplicativos do Google, como outras redes e sites. O bloqueio se dá a sites que têm relação financeira com os EUA.

Há abertura para manifestações no país. Em 2023, depois de protestos nas ruas, que expressam uma população cansada das perdas de qualidade de vida, que exigem alimentos e remédios, o governo cubano anunciou a suspensão temporária de restrições alfandegárias a medicamentos, alimentos e remessas de valores em dinheiro.

Igrejas não são proibidas

É falso que as igrejas são proibidas em Cuba. As igrejas não foram fechadas depois da Revolução Cubana, pelo contrário, permaneceram e ampliaram sua atuação, tanto a Católica, a que tem mais apelo popular, como as evangélicas. Houve tensionamentos entre o governo e lideranças católicas e evangélicas que se colocavam contra as políticas socialistas e faziam propaganda anti-Revolução. Há um autônomo Conselho de Igrejas de Cuba.

Imagem: Igreja Cristã Pentecostal de Cuba Porta do Céu /Global Ministries

As diversas igrejas e religiões têm liberdade de culto e estão sob a regulação constitucional assim como as demais associações. Sobre as igrejas, há um crescimento pentecostal muito forte, na linha do que ocorre em outros países latino-americanos. Ele se deu a partir dos anos 90, com a deterioração da qualidade de vida estabelecida pelo fim da aliança com a União Soviética. Igrejas começaram a entrar no país, como missões dos Estados Unidos, e a distribuir artigos de primeira necessidade não disponíveis por conta do bloqueio.

Teólogo e jurista cubano avalia a matéria da Revista Exílio

Bereia ouviu o teólogo e jurista cubano Loyet García Broche, que integra a Coordenação Colegiada do Centro Memorial Martin Luther King, localizado em Havana, sobre a publicação da Revista Exílio. Loyet Broche confirma vários pontos, conforme a pesquisa do Bereia mostra:

“É verdade que a situação é crítica, como nunca. É verdade que a pobreza aumentou e também a desigualdade. E é certo que há uma grande escassez. O tema da imigração também é verdadeiro: estes dados já foram compartilhados de maneira oficial no país. É lamentável, por certo, o êxodo é gigantesco, principalmente de pessoas jovens, o que torna a situação mais complexa pelo nível de envelhecimento que a ilha tem”.

Porém, o teólogo e jurista alerta que é “exagerada a informação de que pessoas ficam 20 horas sem comer. Não me parece que cheguemos a este extremo. A grande diferença é que o governo segue tentando lutar contra as pressões externas”.

Sobre a situação de cristãos em Cuba, o teólogo e jurista contesta: “não podemos falar de perseguição a cristãos. As igrejas, mais do que nunca, têm liberdade para exercer suas atividades e expressar-se livremente. De fato, as igrejas fizeram isto durante o processo da nova Constituição e do Código das Famílias, e houve as que manifestaram sua oposição radical e não ocorreu nada de mal contra elas”.

Imagem: acima, igreja católica em Havana; abaixo, seminário metodista (Fotos de Nalu Rosa) e igreja pentecostal em Santiago de Cuba (YouTube)

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Bereia classifica a publicação da Revista Exílio enviada por leitor como enganosa. De fato, Cuba vive uma crise econômica e humanitária grave, internacionalmente reconhecida, cuja principal causa é o embargo econômico dos Estados Unidos, que perdura há quase 60 anos, agravado com os efeitos da pandemia da covid-19. A Revista Exílio explora os efeitos e o drama humanitário do país, mas omite as causas, para levar seguidores a crerem que é uma situação provocada pelo “regime comunista”, o que aciona o imaginário de pânico social construído em torno deste tema.

O veículo, editado pelo extremista de direita foragido Allan dos Santos, conhecido propagador de desinformação, também aproveita o tema para fazer campanha política e criticar o governo federal do Brasil, sob a Presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, ao atrelá-lo ao “regime comunista de Cuba” e identificá-lo, na chamada, como apoiador.  

Já a informação de que cristãos são perseguidos em Cuba e sofrem os efeitos da crise econômica de forma mais grave é falsa. Não há perseguição oficial a cristãos na ilha e os fiéis das igrejas podem praticar livremente sua religião, com abertura para a implantação de diferentes igrejas e de manifestação crítica a políticas públicas.

Bereia alerta leitores e leitoras para não assimilarem conteúdo de veículos que produzem material com formato jornalístico, mas não realizam pesquisa e apuração nem oferecem informação coerente com situações e fatos. Tais espaços servem apenas para divulgar declarações e noções baseadas em opiniões para defesa e publicização de ideias e de personagens.

Referências de checagem:

STF, https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/ministro-alexandre-de-moraes-acolhe-pedido-da-pf-e-determina-prisao-de-allan-dos-santos/ Acesso em 1 ago 2024

R7, https://noticias.r7.com/brasilia/moraes-abre-inquerito-para-investigar-allan-dos-santos-por-suposta-difusao-de-noticias-falsas-30072024/ Acesso em 1 ago 2024

BBC, https://www.bbc.com/portuguese/articles/c9r262zler0o Acesso em 1 ago 2024

BBC, https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57862474 Acesso em 1 ago 2024

BBC, https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57832440 Acesso em 1 ago 2024

Marcos Menezes, “Dinâmicas econômicas sob sanções: embargo e suas consequências em Cuba”, https://lume.ufrgs.br/handle/10183/273017 Acesso em 1 ago 2024

News UN, https://news.un.org/pt/story/2023/11/1822847 Acesso em 1 ago 2024
Cuba vs. Bloqueo, https://cubavsbloqueo.cu/en/node/57 Acesso em 1 ago 2024

IJNET, https://ijnet.org/pt-br/story/m%C3%ADdias-emergentes-em-cuba-desafios-amea%C3%A7as-e-oportunidades Acesso em 1 ago 2024

Consejo de Iglesias de Cuba, https://www.facebook.com/people/Consejo-de-Iglesias-de-Cuba/100064645723492/ Acesso em 1 ago 2024

Opera Mundi, https://operamundi.uol.com.br/politica-e-economia/nova-constituicao-de-cuba-e-aprovada-com-8685-dos-votos-em-referendo-popular/ Acesso em 1 ago 2024

Cuba Debate, http://www.cubadebate.cu/noticias/2022/09/25/cuba-vota-en-referendo-su-nuevo-codigo-de-las-familias/ Acesso em 1 ago 2024

Global Ministries, www.globalministries.org Acesso em 1 ago 2024

Youtube, www.youtube.com%2fuser%2fIDDPMI2012/RK=2/RS=s714tq77KBkl48LvCqHVBZw9204- Acesso em 1 ago 2024

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Foto de capa: reprodução/YouTube