Site gospel cria pânico sobre “remoção de nome da mãe” do CPF pela Receita Federal

O site Pleno News publicou, em 17 de fevereiro passado, matéria na qual afirma que a Receita Federal foi obrigada pela Justiça a remover “nome da mãe” do Cadastro de Pessoa Física, para que passe a constar a palavra “filiação”.

Imagem: reprodução Pleno News

Com o mesmo tom negativo do título que diz que a Justiça “obriga”, Pleno News afirma no corpo da matéria que a Justiça Federal de Curitiba “ordenou” a Receita Federal a fazer a alteração nos formulários. O site gospel indica que a determinação “atende a uma ação civil movida por entidades de defesa da diversidade sexual e de gênero, assim como representantes da comunidade LGBTQIAPN+”.

A decisão judicial

A Justiça Federal do Paraná determinou, no prazo de 180 dias, em sentença ainda sujeita a recurso, que a Receita Federal adeque os formulários de cadastramento e retificação do CPF, substituindo o campo “nome da mãe” por “filiação” e incluindo as opções de gênero “não especificado”, “não binário” e “intersexo”. 

A ordem judicial, com base em ação civil movida pela Defensoria Pública da União, pelo Ministério Público Federal e por entidades de defesa da diversidade sexual e de gênero,  tendo em vista o reconhecimento e a valorização da multiplicidade de arranjos familiares e identidades de gênero no Brasil. A ação civil pública buscou garantir a proteção e o reconhecimento legal dos direitos de indivíduos LGBTQIAPN+, com foco em questões como igualdade, não discriminação e respeito à diversidade de gênero.

A ação foi ajuizada em 2021, depois que a Receita Federal sob orientação do Ministério da Economia do mandato do presidente Jair Bolsonaro, não atendeu às demandas coletivas por alteração do relatório.

A juíza Anne Karina Stipp Amador Costa, que assina a decisão, considerou que o STF já reconheceu a união homoafetiva como núcleo familiar e determinou igual tratamento à união heteroafetiva e que a mudança nos formulários do CPF leva a Receita a respeitar a dignidade humana, “reconhecendo a diversidade de arranjos familiares e identidades de gênero em nosso país, bem como a condição de intersexualidade”, conforme os direitos fundamentais de personalidade, igualdade, liberdade, autodeterminação, entre outros.. 

A decisão destaca  ainda que tais adequações já foram realizadas pela Polícia Federal e pelos Cartórios quando da lavratura da certidão de nascimento, o que evidencia a necessidade de adequação do CPF, documento considerado central e de grande importância na vida do cidadão brasileiro. 

A determinação da Justiça Federal admite que a adequação dos formulários de CPF para incluir opções de gênero mais abrangentes e a substituição do termo “nome da mãe” por “filiação” reconhece oficialmente a existência e a legitimidade de arranjos familiares diversos, contribuindo para a redução do estigma e da discriminação. A decisão considera também que o encaminhamento facilita inúmeros processos legais e burocráticos para indivíduos cujas identidades não eram anteriormente reconhecidas e respeitadas. 

Pleno News e desinformação

Bereia classifica a matéria do site Pleno News como enganosa. A notícia oferece conteúdo de substância verdadeira, mas a forma como é apresentada contribui para confundir o leitor.  Dessa forma, representa desinformação e precisa de contextualização e correções. 

Pleno News apresenta a decisão do judiciário em tom que aponta suposta arbitrariedade do Poder Judiciário com o uso de termos “obriga” e “ordena”.  

A matéria também afirma que a Justiça Federal de Curitiba atendeu a uma ação civil movida por entidades de defesa da diversidade sexual e de gênero, bem como de representantes da comunidade LGBTQIAPN+, sem a devida contextualização. Isto pode levar a crer que este grupo é privilegiado pelo Judiciário em decisões, e reforçar a teoria da conspiração que afirma existir uma “ditadura gay” que impõe regras.

Dessa forma, o portal induz uma percepção negativa da decisão, omitindo seu contexto jurídico e social, bem como sua fundamentação constitucional. A escolha vocabular e a disposição dos enunciados no discurso têm por estratégia confundir e polarizar, distraindo o leitor da percepção do avanço significativo na inclusão e no respeito à diversidade.  A determinação não retira o nome da mãe do documento, mas visa garantir o direito de quaisquer interessados à retificação dos dados do CPF, se assim desejarem.

Matérias cujo conteúdo estão relacionados à temática de gênero, podem ser acessados em outras checagens desenvolvidas pelo Bereia

Referências de checagem:

Portal Unificado da Justiça Federal da 4ª Região https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=27870 Acesso em 19 FEV 2024 

Defensoria Pública da União https://direitoshumanos.dpu.def.br/acao-pede-reconhecimento-de-familias-homotransafetivas-no-registro-do-cpf/ Acesso em 19 FEV 2024 

Ação Civil Pública https://www.dpu.def.br/images/stories/foto_noticias/2021/20210913_Peticao_Inicial_CPF_-_final_para_assinaturas_-_COM_TARjA.pdf Acesso em 19 FEV 2024 

Supremo Tribunal Federal.

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=504856&ori=1#:~:text=Em%20maio%20de%202011%2C%20o,homoafetiva%20como%20um%20n%C3%BAcleo%20familiar. Acesso em 19 FEV 2024 

https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633 Acesso em  FEV  2024

Superior Tribunal de Justiça https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/29012023-Decisoes-do-STJ-foram-marco-inicial-de-novas-regras-sobre-alteracao-no-registro-civil-de-transgeneros.aspx#:~:text=Decis%C3%B5es%20do%20STJ%20foram%20marco,no%20registro%20civil%20de%20transg%C3%AAneros&text=Atualmente%2C%20%C3%A9%20poss%C3%ADvel%20mudar%20o,realiza%C3%A7%C3%A3o%20de%20cirurgia%20de%20transgenitaliza%C3%A7%C3%A3o. Acesso em 19 FEV 2024 

Bereia. https://coletivobereia.com.br/checagens-feitas-por-bereia-subsidiam-estudo-que-avalia-desinformacao-sobre-genero-e-sexualidade/ Acesso 22 FEV 2024

Metropoles. https://www.metropoles.com/colunas/igor-gadelha/depoimento-bolsonaro-pf-cis Acesso em FEV 2024

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Foto de capa: Agência Brasil

Após perda de mandato de Dallagnol, políticos religiosos propagam narrativa enganosa de perseguição

* Matéria atualizada em 29/05/2023 para correção de informações

No último 16 de maio, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou, por unanimidade, o registro da candidatura a deputado federal de Deltan Dallagnol (Podemos-PR), enquadrando-a na Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n. 135/2010) . A decisão teve como consequência a perda do mandato por parte do ex-coordenador da Operação Lava-Jato em Curitiba.

Nos dias subsequentes, Deltan Dallagnol e outros políticos, que se utilizam da religião como plataforma política, manifestaram-se nas redes digitais de maneira contrária à decisão do TSE, alimentando um discurso religioso de perseguição.

Bereia apurou os acontecimentos recentes e os analisou a partir dos fatos, da legislação vigente e da opinião de especialistas, muitos dos quais também se manifestaram em plataformas digitais.

Deltan Dallagnol perde mandato de deputado federal

A federação partidária Brasil da Esperança, que reúne os partidos PT, PCdoB e PV, junto com o PMN, promoveu ação, no TSE, sobre a regularidade da candidatura de Dallagnol, argumentando que sindicâncias e reclamações disciplinares no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) contra o ex-procurador o impediam de deixar a carreira de procurador da República.

Segundo a Lei da Ficha Limpa, membros do Ministério Público (como Deltan Dallagnol) ficam inelegíveis por oito anos se pedirem exoneração ou aposentadoria voluntária enquanto tramitarem processos administrativos disciplinares. O relator do caso, ministro do TSE Benedito Gonçalves, entendeu que Deltan Dallagnol, ao pedir a exoneração para concorrer ao cargo de deputado federal, buscou se esquivar da regra que poderia torná-lo inelegível.

Estavam em trâmite no Conselho Nacional do Ministério Público 15 procedimentos administrativos de variada natureza que poderiam resultar em Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e, possivelmente, na aposentadoria compulsória ou na perda do cargo de procurador por Dallagnol. O então procurador teria pedido exoneração para evitar que esses procedimentos se tornassem PADs, o que o impediria de se candidatar.

Gonçalves destacou, em seu voto, que, como consequência do pedido de exoneração, “todos esses procedimentos (…) foram arquivados, extintos ou mesmo paralisados, e, como se verá, a legislação e os fatos apurados poderiam perfeitamente levá-lo à inelegibilidade”. Em outro trecho, o ministro afirmou que “o pedido de exoneração teve propósito claro e específico de burlar a incidência da inelegibilidade”.

Interpretação extensiva e controvérsia sobre cassação

A perda do cargo de Deltan Dallagnol ensejou uma série de debates acerca da decisão do TSE e do voto do ministro Benedito Gonçalves. Juristas, acadêmicos e jornalistas repercutiram uma possível controvérsia na interpretação dos fatos concretos à luz do que prevê a Lei da Ficha Limpa. Isto porque a lei seria clara ao dizer que a inelegibilidade se dá nos casos em que a exoneração acontece “na pendência de processo administrativo disciplinar”, o que não era o caso quando Deltan se exonerou.

O advogado e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal da Abracim-SP, Marcelo Aith, em artigo de opinião para o site Consultor Jurídico, aponta que “embora entenda que as condutas de Deltan sejam deploráveis diante do cargo que ocupava (…) não há menção expressa em relação aos procedimentos preparatórios”, em referência aos 15 procedimentos administrativos em curso no CNMP. Para Aith, a interpretação da lei deveria ser feita de modo restritivo, já que há em jogo uma sanção.

Em editorial, o jornal Folha de São Paulo manifestou contrariedade à cassação de Dallagnol: “Neste universo em que vivemos, o Judiciário deveria se guiar não por hipóteses, mas por fatos. E os fatos são simples: não havia nenhum PAD contra Deltan no momento de sua exoneração, e a lei menciona de maneira explícita justamente esse tipo de processo”. O texto do jornal destaca que “As regras, para terem o respeito de todos, não podem se dobrar ao sabor das circunsâncias”. 

Entretanto, as avaliações sobre o caso não são unânimes. A doutora e mestre em Direito do Estado Letícia Kreuz veiculou, nas plataformas digitais, considerações sobre a Lei da Ficha Limpa e a cassação de Dallagnol. Para Kreuz, o voto de Gonçalves “é ruim e abre uma porteira bizarra, com precedentes perigosos”, mas há motivos para a cassação, como o fato de o ex-procurador ter requerido a suspensão de sanções que recebeu em PADs, fazendo com que tais PADs continuassem em tramitação e tornando, de fato, Dallagnol inelegível.

Para o PhD em Direito, Política e Sociedade Fábio de Sá e Silva, com estudos sobre a Operação Lava Jato e seus efeitos, que também veiculou considerações nas mídias digitais, a decisão de cassar o mandato de Dallagnol não se fundamentou na pendência de PAD, mas no cometimento de fraude por parte de Dallagnol. Silva destaca, ainda, que “a decisão do TSE oferece um incentivo correto contra a instrumentalização da magistratura e do MP para fins de construção de carreiras políticas. Se juízes e procuradores/promotores querendo aparecer começam a cometer abusos, serão alvos de representações”.

Imagem: reprodução do Twitter

O portal ConJur veiculou, no dia seguinte à cassação, a opinião de diversos especialistas sobre o caso, que consideraram a atuação do TSE “coerente e adequada”. Para o membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) Carlos Medrado, ouvido pelo portal, “A fraude é sempre de difícil demonstração. E foi no conjunto de indícios e presunções, como autoriza o artigo 23 da Lei das Inelegibilidades, que o ministro formou convicção, acompanhado, aliás, por todos os outros integrantes do TSE”. O referido artigo diz que o tribunal formará sua convicção a respeito da inelegibilidade a partir de uma livre apreciação dos fatos públicos e notórios, “ainda que não indicados  ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”.

Defesa de Dallagnol e aceno ao eleitorado cristão

Após perder o cargo de deputado federal, Deltan Dallagnol passou a se dizer vítima de uma perseguição. Em pronunciamento à imprensa, disse que foi cassado por uma “inelegibilidade imaginária”. “Existia algum processo administrativo disciplinar? Não. Nenhum. Zero. Mas eles construíram suposições”, alegou.

Imagem: reprodução do Twitter

Na mesma ocasião, Dallagnol afirmou: “como muitos cristãos ao longo da história, quando parecia que eles tinham tomado um tombo e que era o fim, na verdade aquilo era um novo começo”. Os acenos ao eleitorado cristão continuaram, inclusive com referência a diversas passagens bíblicas.

Ainda, em nota divulgada via Twitter, Dallagnol declarou: “Meu sentimento é de indignação com a vingança sem precedentes que está em curso no Brasil contra os agentes da lei que ousaram combater a corrupção. Mas nenhum obstáculo vai me impedir de continuar a lutar pelo meu propósito de vida de servir a Deus e ao povo brasileiro”.

Imagem: reprodução do Twitter

Segundo matéria de O Globo, alguns parlamentares fizeram coro à ideia de “perseguição política”. Entre os políticos que saíram em defesa de Deltan Dallagnol, muitos têm no eleitorado cristão sua principal base de apoio. Os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Nikolas Ferreira (PL-MG) e André Fernandes (PL-CE) criticaram a cassação de Dallagnol e a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) disse que estava “orando” pelo parlamentar cassado.

Em 20 de maio, o senador Sérgio Moro (União Brasil-PR) e Deltan Dallagnol participaram da Marcha para Jesus, em Curitiba, como noticiou o portal Poder 360. Moro, em discurso posteriormente compartilhado em suas redes digitais, fala em “gigantesca injustiça” e faz um apelo aos fiéis presentes: “Queria pedir para vocês orações, não só para que nós possamos ter justiça na Terra em relação ao Deltan, mas também para afastar as sombras dos corações e mentes de Brasília.

Sérgio Moro e Deltan Dallagnol discursam durante Marcha para Jesus, em Curitiba

Imagem: reprodução do Twitter

Desde 2021, Bereia produz materiais informativos acerca da relação estreita entre religião e política no Brasil. A falsa narrativa de perseguição a cristãos já foi destaque em checagem e Bereia já produziu, também, conteúdo sobre a desinformação envolvendo a chamada “cristofobia”.  A plataforma Religião e Poder, iniciativa do Instituto de Estudos da Religião (ISER), produz reportagens e estudos que contribuem para o debate sobre a temática.

Pastor condena discurso religioso de perseguição

Bereia ouviu o pastor e advogado da Igreja Evangélica de Confissão Luterana em Curitiba Walter Schenkel sobre o uso do discurso religioso que caracteriza perseguição ao ex-procurador batista Deltan Dallagnol. Ele avalia que não há perseguição como se apregoa. “Temos que entender que vivemos em um país laico, de maioria cristã. Dificilmente se vai encontrar uma pessoa no Brasil sofrendo por ser cristã. Ainda mais uma pessoa pública como ele. Dificilmente Dallagnol sofreria por ser cristão, pois conhece as leis, ou deveria conhecê-las, e sabe se defender”.

Schenckel se contrapõe, ainda, à consideração de que o ex-procurador sofre censura e perseguição política e ideológica. “Ao chegar em Curitiba [depois de ter o seu registro de candidatura cassado], Dallagnol subiu em um carro de som; dois dias depois esteve na Marcha para Jesus e fez uso da palavra; no domingo, convocou um ato de defesa do mandato dele. Quem sofre censura, perseguição política, não poderia conduzir tais atos”.

O pastor luterano, evocando a Bíblia, conclui: “Tem uma passagem que diz ‘Todos carecem da glória de Deus. Todos somos pecadores’. (…) Enquanto vivermos como cidadãos especiais, com uma imagem de estarmos acima de outros porque somos cristãos, ou de nos fazermos mártires, colocando-nos no papel de vítimas, quando na verdade, somos causadores da própria desgraça, nós estamos, não só enganando a população, como desfazendo do próprio Evangelho. Porque, nesse caso, Dallagnol usa a palavra de Deus para produzir uma defesa que não existe”.

Deslizes de Dallagnol e planos pessoais

O Jornal da Universidade de São Paulo (USP), em matéria publicada em maio de 2022, destaca que questionamentos sobre a Operação Lava-Jato mudaram o entendimento da imprensa internacional sobre a força-tarefa que, por algum tempo, foi sinônimo de combate à corrupção.

Em 2016, reportagem do jornal alemão DW mostrou que, já nos primeiros anos da operação, alguns observadores apontavam “espetacularização e exageros” por parte da Lava-Jato. Em entrevista ao jornal, o então diretor da Fundação Heinrich Böll no Brasil Dawid Bartelt alertava para a necessidade de que a Justiça não se torne parte de uma disputa política. É fato notório, porém, que personagens centrais da Lava-Jato se utilizaram dessa posição de destaque para migrar para a política, ocupando um espaço identificado com posições conservadoras e religiosas.

A série de reportagens conhecida como “Vaza-Jato”, conduzida por sete veículos de imprensa com o objetivo de analisar mensagens privadas tornadas públicas entre procuradores da Força-Tarefa, membros do Ministério Público e juízes, foi responsável por desvendar uma série de controvérsias nos métodos utilizados, por tais personagens, no esforço de combate à corrupção. Os desvios levariam, por exemplo, à anulação da condenação de Lula Inácio Lula da Silva (PT).

Especificamente no caso de Deltan Dallagnol, a Vaza-Jato mostrou, após acesso a mensagens trocadas pelo ex-coordenador da força-tarefa, uma série de práticas que extrapolaram sua atuação como membro do MP. Reportagens apontaram, entre outras coisas, a utilização de organizações sociais para pressionar o STF e o governo, a aliança com ONGs internacionais para moldar a imagem pública da Lava-Jato e, ainda, o esforço empreendido junto ao eleitorado evangélico para viabilização de sua candidatura ao Congresso Nacional nas eleições de 2022.

A esse respeito, mensagens de 2018, no aplicativo Telegram,  indicam que Dallagnol estudava uma saída estratégica do MP. O então procurador da República optou, à época, por permanecer no cargo, mas não deixou de tecer considerações para seu futuro na política: “Precisaria me dedicar bastante a isso e me programar. Para aumentar a influência, precisaria muito começar uma iniciativa de grupos de ação cidadã. Dois pilares seriam: grupos de ação cidadã em igrejas e viagens.”

Antevendo problemas com o Conselho Nacional do Ministério Público, continuou: “Tem um risco de CNMP, mas é pagável, cabendo fazer uma pesquisa de campanhas públicas (de órgãos) de voto consciente, para me proteger”.

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Após checagem dos fatos recentes, analisados à luz da legislação, bem como dos debates acerca da cassação do registro de candidatura de Deltan Dallagnol, Bereia considera enganosa a repercussão, promovida por políticos religiosos, que tenta caracterizar como “perseguição” a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Há vasto material informativo sobre a decisão e um rico debate, em curso, quanto à extensão interpretativa da Lei da Ficha Limpa. Não é possível, no entanto, afirmar que haja uma perseguição em andamento, como alguns políticos religiosos querem fazer acreditar.

Os pronunciamentos que propagam o discurso de perseguição não apresentam todos os elementos necessários para serem classificados como verdadeiros, sendo materiais que demandam cuidado, atenção e acompanhamento antes de se chegar a conclusões.

Referências de checagem:

CNN Brasil. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/tse-marca-para-dia-16-julgamento-de-acao-contra-candidatura-de-dallagnol/ Acesso em: 25 mai 2023

Planalto. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp135.htm Acesso em: 25 mai 2023

Consultor Jurídico. https://www.conjur.com.br/2023-mai-17/marcelo-aith-controversias-cassacao-deltan-dallagnol Acesso em: 23 mai 2023

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/05/tse-no-metaverso.shtml Acesso em: 24 mai 2023

Consultor Jurídico. https://www.conjur.com.br/2023-mai-17/cassar-deltan-tse-nao-deu-interpretacao-extensiva-inelegibilidade Acesso em: 24 mai 2023

O Globo. https://oglobo.globo.com/blogs/sonar-a-escuta-das-redes/noticia/2023/05/perseguicao-criticas-e-oracao-de-eduardo-bolsonaro-a-damares-oposicao-reage-a-cassacao-de-deltan-dallagnol.ghtml?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter Acesso em: 23 mai 2023

Poder 360. https://www.poder360.com.br/justica/moro-e-deltan-participam-de-marcha-para-jesus-em-curitiba/ Acesso em: 25 mai 2023

Jornal da USP. https://jornal.usp.br/ciencias/questionamentos-sobre-a-lava-jato-mudaram-visao-da-imprensa-internacional-sobre-a-operacao-aponta-pesquisa/ Acesso em: 25 mai 2023

DW. https://www.dw.com/pt-br/observadores-veem-espetaculariza%C3%A7%C3%A3o-e-exageros-na-lava-jato/a-19109844 Acesso em: 25 mai 2023

STF. https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=464261&ori=1 Acesso em: 25 mai 2023

Agência Pública.

https://apublica.org/2019/09/deltan-captava-recursos-de-empresarios-para-instituto-mude/ Acesso em: 25 mai 2023

https://apublica.org/2020/09/a-alianca-da-lava-jato-com-a-transparencia-internacional/ Acesso em: 25 mai 2023

https://apublica.org/2019/09/de-olho-em-vaga-no-senado-em-2022-dallagnol-mirou-apoio-de-evangelicos/ Acesso em: 25 mai 2023

https://apublica.org/especial/vaza-jato/ Acesso em: 25 mai 2023

Terra. https://www.terra.com.br/noticias/de-coordenador-da-lava-jato-a-deputado-cassado-as-polemicas-de-deltan-dallagnol,a0a5ebaf2f532c28c6212ba72c2ac98598oq7zyq.html Acesso em: 25 mai 2023

Thread Reader App. https://threadreaderapp.com/thread/1658832952975867906.html Acesso em: 24 mai 2023

Bereia.

https://coletivobereia.com.br/?s=cristofobia Acesso em: 25 mai 2023

https://coletivobereia.com.br/religiao-e-politica-no-olho-do-furacao/ Acesso em: 25 mai 2023

https://coletivobereia.com.br/lider-evangelico-afirma-que-cristaos-comecaram-a-ser-perseguidos-no-brasil/ Acesso em: 25 mai 2023

Religião e Poder. https://religiaoepoder.org.br/ Acesso em: 25 mai 2023

Twitter. https://twitter.com/deltanmd/status/1658940277283856385 Acesso em: 26 mai 2023

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Foto de capa: Lula Marques/Agência Brasil

Protesto em igreja de Curitiba é classificado em vídeo enganoso como crime religioso

* Matéria atualizada em 10/02/2022 às 11:54, 16:12 e 23:15; e em 18/02/2022 às 16:24

Bereia recebeu em seu número de WhatsApp solicitação de verificação de um vídeo que trata da manifestação ocorrida na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Curitiba, liderada pelo vereador Renato Freitas (PT-PR). No vídeo, o deputado estadual e membro da Igreja Cristã Maranata Capitão Assumção (Patriotas-ES), chama o parlamentar de “bandido”, afirmando que a manifestação foi uma “invasão” na qual “centenas de petistas e comunistas forçaram a entrada, durante a missa”. Algumas cenas dos manifestantes dentro da igreja são mostradas enquanto se ouve ao fundo Renato Freitas discursando.

Imagem: reprodução do aplicativo Kwai

Em seguida o deputado do Espírito Santo afirma que o ato deveria ser considerado “crime contra o sentimento religioso, artigo 208 do código penal”, que trataria sobre “escarnecer de alguém publicamente por motivo de crença religiosa e impedir ou perturbar cerimônia; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto”. Finaliza dizendo que isso seria uma “amostra do que o candidato do PT vai fazer com nossos cultos no Brasil”, evocando uma suposta perseguição religiosa.

Esta não é a primeira vez que Capitão Assumção envolve-se em polêmica a partir de vídeos em mídias sociais. No ano passado a Justiça determinou que ele retirasse do ar um vídeo em que simulava uma entrevista com o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), cujas respostas foram inseridas fora de contexto via montagem, induzindo que houve corrupção na gestão da Secretaria de Saúde do estado. 

O que ocorreu

No dia 5 de fevereiro um protesto contra o assassinato do imigrante congolês Moïse Kagambe começou a ocorrer do lado de fora da igreja durante uma missa, na trilha de um grande número de manifestações que ocorreram em todo o Brasil e fora dele. O local foi escolhido, segundo o vereador Renato Freitas afirmou em seu perfil no Twitter, porque a igreja “foi construída em 1737, durante o regime de escravidão, por pessoas pretas e para pessoas pretas, a quem era negado o direito de entrar em outros lugares”. 

Neste link é possível assistir a gravação de toda a missa. Perto do final, o pároco Luiz Haas reclama do barulho de fora da igreja e diz não ser contra a realização de protestos, desde que não atrapalhem a celebração. Os manifestantes entram após a missa ter acabado e com os fieis já tendo saído, estando o templo vazio. Não houve interrupção da cerimônia religiosa.  O vereador discursa, os manifestantes gritam palavras de ordem e se retiram pacificamente. O padre permaneceu durante o tempo todo com o grupo e em entrevista afirmou que os manifestantes “não quebraram nada, não sujaram nada, que isso fique bem claro”.

Como repercutiu

O caso ganhou muita repercussão nas mídias sociais, com informações e posicionamentos tanto de pessoas comuns quanto de lideranças religiosas e políticas.

Em tuíte divulgado nesta terça-feira, 8 de fevereiro, a vereadora de São Paulo Sonaira Fernandes (Republicanos), ex-estagiária de Eduardo Bolsonaro na Polícia Federal, divulgou a apresentação de uma notícia-crime contra o vereador de Curitiba Renato Freitas (PT). Nas postagens que seguem a vereadora afirma que adotará as medidas jurídicas cabíveis e, caso necessário, sairá às ruas para combater o que ela chama de “hordas demoníacas”. Apesar de acusar Freitas de atuar, baseada em um fato fora da sua jurisdição, a vereadora de São Paulo age contra o vereador de Curitiba sob a justificativa de que a manifestação contra “uma igreja cristã deve ser entendido como um ataque à toda a Igreja de Cristo”. no esforço de universalizar o ato cometido no bairro de São Francisco.

Imagens: reprodução do Twitter

Também no Twitter, o assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República Filipe Martins associou a presença de uma bandeira do Partido Comunista Brasileiro (PCB) à perseguição religiosa aos cristãos, afirmando que “o ataque ao Cristianismo é regra e não exceção na conduta comunista”, afirmando ser uma “ideologia que assassinou” cristãos e que o faria até os dias atuais. 

Martins também retuitou uma postagem antiga do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), associando uma declaração de apoio ao vereador Renato Freitas, após uma abordagem policial abusiva à uma suposta aprovação ao ato liderado por Freitas dentro da Igreja do Rosário, dessa forma, retirando-a de contexto. O assessor, um dos poucos seguidores do ativista político, inspirador do bolsonarismo, recentemente falecido, Olavo de Carvalho, que restaram no governo Bolsonaro, está sendo investigado pela Polícia Federal no inquérito sobre as “milícias digitais”

Imagens: reprodução do Twitter

Uma postagem falsa de Twitter atribuída ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com a defesa da manifestação também foi compartilhada nas redes. 

O ex-juiz e ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Sergio Moro, também repercutiu o ocorrido, afirmando que locais de culto “não podem ser utilizados para ofensas ou propaganda política”. Ontem, o pré-candidato à Presidência da República pelo Podemos divulgou uma “Carta de Princípios para os Cristãos”, buscando se aproximar deste segmento da população.

Imagem: reprodução do Twitter

O jornalista Alexandre Garcia chamou a manifestação de “profanação” e associou o ato aos protestos populares no Chile, em 2021, quando ocorreu o incêndio de um templo católico, insinuando tratar-se de novo caso perseguição religiosa (o que Bereia já verificou a divulgação do caso do Chile por certas lideranças como enganosa).

Imagem: reprodução do Twitter

Movimentos e personalidades de outros matizes políticos também se manifestaram a respeito. O grupo Cristãos Trabalhistas, ligado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), divulgou uma nota de repúdio aos “incidentes finais” do protesto, classificando a entrada na igreja como agressão à liberdade religiosa. O sacerdote do candomblé e interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, Babalawo Ivanir dos Santos, manifestou votos de solidariedade ao padre e aos fiéis da igreja.

Imagem: reprodução do Facebook

Em nota, o diretório do PT no Paraná afirmou que “Em relação ao ato público que ocorreu em Curitiba, a Comissão Executiva Estadual do PT do Paraná lamenta o episódio e esclarece que não participou nem da organização nem da decisão de adentrar o templo religioso. Há, por parte da imprensa tendenciosa, a manipulação de fatos para prejudicar o Partido dos Trabalhadores, pois os vídeos evidenciam que no momento em que os manifestantes estiveram no interior da paróquia, a missa já havia terminado e o templo estava vazio.”

O Setorial Inter-religioso do PT soltou nota pública sobre o ocorrido afirmando que “Entendemos que a escolha da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, para manifestação foi justa e legítima, por ser esta igreja construída, no século XVII, como um lugar de veneração, de celebração da fé católica pelos escravizados que eram impedidos de frequentar outras Igrejas juntamente com os brancos.(…) Repudiamos aqueles, sobretudo a imprensa tendenciosa, que manipulam os fatos para prejudicar o Partido dos Trabalhadores e Trabalhadoras e ampliar o discurso do ódio e da intolerância. O PT é defensor histórico da liberdade religiosa, da liberdade de crenças e cultos, bem como respeita os templos, igrejas, terreiros, e demais espaços religiosos representativo do sagrado de todos os segmentos religiosos. Ressaltamos que estes espaços são invioláveis”.

A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) também se manifestou por meio de nota de repúdio: “A ANAJURE repudia, ainda, a conduta do vereador Renato Freitas, que, no papel
de representante popular, deveria pautar suas ações com base nos ditames constitucionais,
mas assim não procedeu. (…) A conduta de Freitas não observa o compromisso assumido como um
representante do povo, no sentido de preservar a democracia e a harmonia no tecido social”.

O que diz o vereador

No Twitter o vereador Renato Freitas afirmou que “Vídeos sem contexto e informações falsas estão sendo divulgadas a respeito de ato contra o racismo, a xenofobia e pela valorização da vida, do qual participamos no sábado. A manifestação foi realizada em memória e por justiça para Moïse Kabagambe e Durval Teófilo Filho, dois homens negros brutalmente assassinados nos últimos dias. Ressaltamos que não houve invasão à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito, pois ela se encontrava aberta e a missa já havia terminado, como facilmente se constata nas imagens, já que o lugar estava vazio”.

ATUALIZAÇÃO: durante sessão da Câmara Municipal de Curitiba o vereador pediu desculpas aos que se sentiram ofendidos pelo protesto. ““Algumas pessoas se sentiram profundamente ofendidas [pela manifestação contra o racismo ter adentrado à igreja] e a elas eu peço perdão, pois não foi, de fato, a intenção de magoar ou ofender o credo de ninguém, até porque eu mesmo sou cristão”, disse Freitas.

O que diz a Igreja Católica

Em nota repercutida pela Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), a Arquidiocese de Curitiba repudiou a ação, declarada como “profanação injuriosa”. Segundo a nota, como a manifestação transcorria durante a missa os manifestantes foram solicitados a não tumultuarem a liturgia religiosa quando houve, conforme a Arquidiocese, “comportamentos invasivos, desrespeitosos e grotescos” e manifestações de agressividades e ofensas da parte dos manifestantes.

A igreja finaliza a nota afirmando que “não se quer “politizar”, “partidarizar” ou exacerbar as reações”, lembrando que esses tipos de confronto não são pacificadores. A declaração foi assinada pelo arcebispo Metropolitano de Curitiba D. José Antonio Peruzzo, que se envolveu em 2020 num embate com a CNBB, episódio em que o arcebispo saiu em defesa do padre Reginaldo Manzotti para obtenção de licença para operadoras de telecomunicações.

Avaliações

Em declaração ao Bereia, o padre Superior dos Padres Jesuítas em Curitiba (ordem à qual a Igreja do Rosário está ligada), afirmou:“Sobre o ocorrido, sabemos que foi um fato lamentável, mas estamos serenos. Não queremos endossar a espiral de raiva e, sim, promover a paz. Por orientação de Dom Peruzzo, rezaremos pela paz e reconciliação nas missas deste final de semana.”

O Coordenador Nacional do Setorial Inter-religioso do PT, Gutierres Barbosa, disse ao Bereia que “estão transformando um momento, politizando-o, para tentar dizer que o PT é um partido contra as religiões. Isso não procede. Tem um conjunto de fake news, uma série de tentativas de pegar um vídeo, ora balançando a câmera de um lado para outro, para dar a ideia de que há um tumulto. Contudo, quando assistimos outros vídeos de forma frontal, vemos que há um diálogo entre o padre e os manifestantes e não tinha missa. Então tem uma série de informações mentirosas sendo veiculadas. Estão tentando transformar o fato de que existia uma movimentação dentro da igreja, que também entendemos que deveria ser melhor conversada, para não ficar nenhuma dúvida sobre a legitimidade do movimento, que é em favor de duas pessoas negras que foram mortas, e não podemos esquecer isso como centralidade. Mas, ao mesmo tempo, respeitar os espaços de fé. Não queremos colocar lenha na fogueira, para colocar o vereador contra a igreja, a igreja contra o vereador, contra o PT, como é a tentativa de setores da mídia e da parte das fake news. É momento de cautela, queremos um ambiente de paz. Respeitamos muito a liberdade religiosa”.

Sobre o enquadramento penal do caso 

O professor do Ibmec-BH Alexandre Bahia, falou ao Bereia a respeito do enquadramento do protesto no artigo 208 do Código Penal, que trata de ofensa religiosa. “Em tese, numa análise muito superficial, seria possível enquadrar. O caso poderia estar em uma dessas duas possibilidades do artigo: impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso, ou vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso. Porém,tudo depende de como a coisa de fato aconteceu. Teria-se que provar se uma das duas coisas aconteceu e demonstrar o ‘dolo’ (intenção)”. 

No entanto, Bereia apurou que o próprio padre local não interpretou a atividade dessa forma, uma vez que o protesto ocorreu após a celebração religiosa, e pelo fato de ele  ter declarado que não houve qualquer prejuízo ao templo e seus pertences, e também não registrou queixa. 

O que Bereia avalia

Bereia conclui que o vídeo em que o deputado estadual Capitão Assumção relata os fatos ocorridos na igreja em Curitiba é enganoso. O vídeo se baseia em conteúdos de substância verdadeira, mas a apresentação interpretativa deles é desenvolvida para confundir. As imagens não correspondem ao que foi gravado na íntegra, disponível nas redes digitais. Além disso, o político oferece teores distorcidos que instigam julgamentos negativos de uma pessoa (o vereador Renato Freitas), de um grupo (o Partido dos Trabalhadores e outros de esquerda) e de movimentos sociais (o movimento negro), além de recorrer ao sensacionalismo, com terrorismo verbal, para conquistar audiência. Este material representa desinformação e necessita de correções, substância e contextualização. Bereia apurou que o protesto começou fora da igreja e, de fato, os manifestantes entraram no templo. Porém, a entrada dos manifestantes não foi forçada, e tampouco interrompeu celebração religiosa, como confirmado pelas imagens recuperadas em mídias digitais e pela declaração pública do próprio pároco local. 

Pela desproporção entre o ocorrido e a repercussão, com pesquisa sobre a interpretação e a condução política e midiática do caso, percebe-se que o episódio serviu de motivação para fortalecer a mentira que circula há alguns anos em ambientes religiosos sobre a existência de uma suposta perseguição a cristãos  no Brasil (“cristofobia’), que ganhou força na campanha eleitoral de 2020. 

Conforme avaliação da antropóloga, professora da UNICAMP Brenda Carranza, “numa primeira leitura, a opção simbólica [pelo local do protesto] foi uma evocação histórica acertada pelo peso político e religioso que possa ter. Porém, durante o protesto vieram à tona acusações à Igreja Católica sobre os resquícios de racismo religioso que a acompanham, revelando a longa convivência do cristianismo com a escravidão, uma das diversas dimensões que o termo encerra”.

“Tanto o aspecto simbólico quanto os conteúdos (racismo religioso, racismo estrutural, violência, perda de humanidade) do protesto são válidos e legítimos, mas, talvez a performance na ocupação da igreja não tenha tido o impacto desejado. Isso porque, protestos em espaços sagrados têm sua própria lógica e a eficácia política advêm do uso da linguagem religiosa (por exemplo vigílias frente à igreja, silêncios prolongados, velas e cruzes, procissões etc.)”, avalia a antropóloga.

Carranza ainda explica que “há um outro elemento interessante nessas reações contra o manifesto na Igreja de São Benedito: invocar a perseguição aos cristãos como objetivo do ato político. Em países como na Índia, Coreia do Norte, Afeganistão, Argélia, entre outros, onde os cristãos são minorias, frequentemente se verifica hostilidade e perseguição a eles”. 

A professora, porém afirma categoricamente: “Não é o caso do Brasil, que é histórica, demográfica e culturalmente cristão, contudo, há um imaginário de perseguição religiosa que as elites pastorais e influencers religiosos vem cultivando nos últimos anos sob o mote de “cristofobia”. Entretanto, as acusações de uma perseguição “cristofóbica”, na verdade, esconde a justificativa de uma ofensiva contra grupos considerados inimigos da religião cristã”.

Brenda Carranza analisa com detalhes este caso, em artigo exclusivo para o Bereia. Sobre as mentiras em torno da “cristofobia”, a antropóloga que estuda o tema das religiões, já havia produzido artigo, também para o Bereia, que pode ser acessado aqui.

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Foto de capa: reprodução Instagram

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Referências:

Portal GGN. https://www.portalgn1.com.br/sancionada-lei-do-deputado-capitao-assumcao-que-torna-a-igreja-crista-maranata-patrimonio-historico-do-espirito-santo/  [Acesso 10 Fev 2022]

G1. https://g1.globo.com/es/espirito-santo/noticia/2021/07/07/justica-determina-que-deputado-apague-video-que-simula-entrevista-com-governador-do-es.ghtml   [Acesso 9 Fev 2022]

BBC Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-60224204  [Acesso 9 Fev 2022] 

Twitter. https://twitter.com/Renatoafjr/status/1490812142454550529?s=20&t=BptXFu753bUT3hymAp29bQ  [Acesso 10 Fev 2022]

YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=p3PYwJXZ4Rg  [Acesso 9 Fev 2022]

Meio Dia Paraná. https://globoplay.globo.com/v/10281342/  [Acesso 9 Fev 2022]

Câmara Municipal de São Paulo. https://www.saopaulo.sp.leg.br/vereador/sonaira-fernandes/  [Acesso 9 Fev 2022]

Twitter. https://twitter.com/Sonaira_sp/status/1491029556089991174?t=A_oFyP2UHhHVV9zBUpk3MA&s=08  [Acesso 9 Fev 2022]

Plural Curitiba. https://www.plural.jor.br/noticias/vizinhanca/lula-condena-truculencia-policial-contra-renato-freitas-veja-outras-reacoes/  [Acesso 9 Fev 2022]

Metrópoles. https://www.metropoles.com/colunas/igor-gadelha/olavista-filipe-martins-depoe-a-pf-no-inquerito-das-milicias-digitais  [Acesso 9 Fev 2022]

Revista Fórum. https://revistaforum.com.br/redes-sociais/twitter-falso-de-lula-ataca-igrejas-e-defende-acao-de-vereador-renato-freitas/  [Acesso 9 Fev 2022]

O Globo. https://oglobo.globo.com/politica/em-carta-aos-cristaos-moro-defende-imunidade-tributaria-de-igrejas-se-posiciona-contra-aborto-25384343  [Acesso 9 Fev 2022]

Bereia. https://coletivobereia.com.br/incendio-de-igrejas-no-chile-nao-e-caso-de-perseguicao-a-cristaos/  [Acesso 9 Fev 2022]

Twitter. https://twitter.com/cristaostrabpdt/status/1490773409768394759/photo/2  [Acesso 9 Fev 2022]

Site do Partido dos Trabalhadores no Paraná. http://www.pt-pr.org.br/Noticia/65031/nota-do-pt-pr-respeito-pelas-instituicoes-religiosas-e-justica-pela-barbarie-contra-o-povo-negro  [Acesso 9 Fev 2022]

Nota pública do Setor Inter-religioso do Partido dos Trabalhadores. file:///C:/Users/lessa/Documents/Freela/Bereia/Checagens/09%20fev%20-%20Renato%20Freitas/Nota%20P%C3%BAblica%20do%20Setorial%20Interreligioso.pdf [Acesso 18 Fev 2022]

Nota de repúdio da Associação Nacional de Juristas Evangélicos. https://anajure.org.br/wp-content/uploads/2022/02/07-02-2022-anajure-nota-invasao-igreja-curitiba.pdf [Acesso 18 Fev 2022]

Câmara Municipal de Curitiba. https://www.curitiba.pr.leg.br/informacao/noticias/201cnao-foi-intencao-ofender-o-credo-de-ninguem201d-diz-freitas-sobre-manifestacao [Acesso 10 Fev 2022]

Instagram. https://www.instagram.com/p/CZry1xRJoUH/  [Acesso 9 Fev 2022]

O Estado de São Paulo. https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,arcebispo-de-curitiba-contraria-cnbb-e-defende-padre-que-ofereceu-midia-positiva-a-bolsonaro,70003332069  [Acesso 9 Fev 2022]

JusBrasil.https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10612290/artigo-208-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940  [Acesso 9 Fev 2022]

Vídeo de Marisa Lobo desinforma sobre perseguição religiosa

Circula nas mídias sociais um vídeo em que a presidente do partido Avante no Estado do Paraná, Marisa Lobo, apresenta uma operação policial na Igreja Assembleia de Deus Madureira em Curitiba. No material, é possível ver nove veículos policiais de diferentes forças de segurança e um guincho. No entanto, Marisa Lobo desinforma ao classificar o ato como “intolerância religiosa”, ao dizer que atividades religiosas eram serviço essencial e ao mostrar o vídeo como sendo recente.

A operação policial ocorreu em 12 de julho de 2020 na capital paranaense, quando então vigorava o Decreto Municipal nº 870/2020, que determinava que se mantivessem as medidas estabelecidas no artigo 5º do Decreto no 470/2020, publicado em 26 de março. O documento elenca as atividades essenciais no município, e cultos religiosos não estavam inclusos. Foram listadas 51 atividades, como serviços médicos, de transporte e de mercados/feiras, mas celebrações religiosas não foram consideradas essenciais.

Além disso, a operação não pode ser classificada como “intolerância religiosa” ou “perseguição a cristãos” pois para se caracterizar como tal uma situação deve conter ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo, escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar com a intenção de deliberadamente inviabilizar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso (Código Penal art. 208). Mesmo a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) emitiu em seu “caso 33” nota informando que a denúncia de aglomeração no culto tinha sido anônima e que não se perpetuaram violações ou danos à igreja.

“Após o ocorrido, o Prefeito de Curitiba, o Governador do Paraná e o Comandante da Polícia Militar do Estado buscaram contatar a liderança do Ministério Madureira, para obter mais informações e esclarecer o ocorrido. Tendo conhecimento das circunstâncias, as autoridades se desculparam pelo transtorno gerado pela denúncia falsa e reafirmaram o direito das igrejas de realização das cerimônias virtuais”

Comunicado da ANAJURE

O vídeo voltou a circular com frequência em mídias digitais religiosas no fim de fevereiro e início de março deste ano, porém não se refere a uma ação ocorrida em 2021. Foi exibido originalmente no perfil do YouTube de Marisa Lobo, que era então pré-candidata à Prefeitura de Curitiba-PR pelo Avante. A publicação foi feita em 13 de junho de 2020, e pode-se observar que a gravação que passa na TV às suas costas tem 20 segundos de duração, com repetição automática, dando a impressão de um vídeo mais longo. Marisa Lobo não foi eleita, tendo recebido apenas 0,51% dos votos válidos.

Em 26 de fevereiro de 2021, a Resolução nº 221 da Secretaria de Saúde do Estado do Paraná classificou as atividades religiosas como essenciais desde que haja o cumprimento das medidas sanitárias determinadas por ela. A resolução está em vigor hoje no município, e pode ser conferida na íntegra aqui. Portanto, à época em que o vídeo foi produzido, celebrações e cultos religiosos não figuravam como atividade essencial.

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O Coletivo Bereia classifica como falsas as afirmações de perseguição religiosa e de culto porque igrejas não foram classificadas como atividade essencial pela Prefeitura de Curitiba em 2020: não há perseguição religiosa, tal como tipificado na lei brasileira nesse caso. Na ocasião do vídeo as igrejas estavam fechadas como medida de saúde pública (prevenção da contaminação por covid-19). A igreja Assembleia de Deus Madureira em Curitiba foi autuada porque estava funcionando, desrespeitando o decreto municipal. O vídeo publicado em 13 de junho de 2020 não representam o momento atual da cidade, que permite as atividades essenciais, desde que cumpridos os protocolos de segurança.

O vídeo a que se refere esta verificação chegou até o Coletivo Bereia por meio de seu WhatsApp oficial e de parceiros da Rede Nacional de Combate à Desinformação. Sempre que você encontrar um conteúdo suspeito, envie para WhatsApp ou Telegram do Coletivo Bereia – (38) 98418-6691.

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Referências

Prefeitura de Curitiba, https://mid.curitiba.pr.gov.br/2020/00295866.pdf. Acesso em: 11 mar. 2021.

Anajure, https://anajure.org.br/caso-33-curitiba-pr-denuncia-falsa/. Acesso em: 11 mar. 2021.

Youtube, https://www.youtube.com/watch?v=ihVyivqIFLE. Acesso em: 10 mar. 2021.

Legisweb, https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=410133#:~:text=Disp%C3%B5e%20sobre%20as%20medidas%20de,05%20de%20fevereiro%20de%202021. Acesso em: 11 mar. 2021.