Líderes religiosos pedem que Bolsonaro acione Forças Armadas contra medidas de combate à pandemia

No último dia 18 de março, o site gospel Pleno News repercutiu um vídeo em que o Pastor Silas Malafaia pede ao Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que convoque as Forças Armadas porque “a lei e a ordem têm que ser estabelecidas.” O pastor inicia o vídeo esclarecendo que seu pedido não trata do fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal (STF), ditadura militar ou de um golpe militar. De acordo com o líder religioso, decretos que estabelecem estado de sítio, toque de recolher ou multas não podem ser editados por prefeitos e governadores porque seriam ações inconstitucionais. 

Além disso, entre outros comentários, o líder religioso crítica desmontes de hospitais de campanha, questiona medidas de isolamento social, propõe que estados e municípios paguem salários de informais, tributos de empresas que fecharem e responsabiliza corrupção de governos petistas por falta de investimento em saúde.

O argumento contra ações de governadores e prefeitos

Para sustentar seu pedido, Malafaia cita trechos da Constituição Federal de 1988. São eles:

Art. 5º: II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Art. 5º: XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Art. 5º: XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

Art. 142 – As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem

Trechos da Constituição de 1988

O pastor diz que governadores e prefeitos não podem impedir o trabalho e também não podem, em tempo de paz, restringir a locomoção. Além disso, o inciso II do Artigo 5º da Constituição permitiria agir contra as restrições porque governadores e prefeitos realizam tais restrições por meio de decretos. Diante desse cenário, alega-se que as Forças Armadas poderiam ser convocadas para garantir a lei e a ordem. Malafaia explica ainda como o Artigo 5° é uma cláusula pétrea.

Comparação de lockdown com estado de defesa e de sítio por Bolsonaro

A argumentação de Silas Malafaia dá suporte das iniciativas de Jair Bolsonaro em comparar as medidas de combate à pandemia por estados e municípios com os estados de defesa e de sítio, medidas atribuídas à Presidência da República, previstas na Constituição. 

Em 4 de março, durante discurso na cerimônia de assinatura para inauguração de um novo trecho da ferrovia Norte-Sul em São Simão (GO), Jair Bolsonaro voltou a atacar o isolamento social: “Temos que enfrentar nossos problemas. Chega de frescura, de mimimi, vamos ficar chorando até quando? Respeitar obviamente os mais idosos, aqueles que têm doenças. Mas onde vai parar o Brasil se nós pararmos?”.

As definições para aplicação do Estado de Defesa estão dispostas no Artigo 136 da Constituição: “O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.”

A decretação desse estado, que passa por aprovação do Congresso Nacional, implica restrições de direitos como o de reunião, sigilo de correspondências e sigilo de comunicação telegráfica e telefônica.

Já o Estado de Sítio está previsto nos Artigos 137, 138 e 139 da Constituição. O requisitos para que essa situação seja decretada pelo chefe do Executivo Federal estão especificados nos incisos I e II do Artigo 137: “I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II – declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.” Assim como Estado de Defesa, o Estado de Sítio passa por aprovação do parlamento, mas contém algumas restrições a mais, por exemplo: obrigação de permanência de localidade determinada (Artigo 139, Inciso I) e até restrições à liberdade de imprensa (Artigo 139, Inciso III).

As leis do Brasil para enfrentamento da pandemia e atividades essenciais

O que o Brasil viveu de março até 31 de dezembro de 2020 foi uma situação de calamidade pública decretada pelo Congresso Nacional. O estado de calamidade pública está relacionado com gastos governamentais e regras fiscais reguladas pelos artigos 167-B, 167-C, 167-D, 167-E, 167-F e 167-G da Constituição.

Além disso, as medidas de combate à pandemia estão reguladas pela Lei 13.979/2020, sancionada pelo Presidente Bolsonaro. A lei prevê a possibilidade da aplicação de isolamento e de quarentena (Artigo 3º, Incisos I e II), e ainda afirma no parágrafo 9º do Artigo 2º: “A adoção das medidas previstas neste artigo deverá resguardar o abastecimento de produtos e o exercício e o funcionamento de serviços públicos e de atividades essenciais, assim definidos em decreto da respectiva autoridade federativa”.

Conforme Bereia já verificou, o Governo Federal propôs concentrar no Presidente a definição de quais atividades seriam consideradas essenciais. Enquanto o Partido Democrático Trabalhista (PDT) movia uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ao STF, o Palácio do Planalto chegou a editar um Decreto-Lei que tornava essenciais as atividades religiosas de qualquer culto, obedecidas as regras do Ministério da Saúde. Foi apenas em 15 de abril de 2020 que o STF julgou a ADI apresentada pelo PDT e reconheceu a competência concorrente de União, estados, Distrito Federal e municípios nas ações de combate ao novo coronavírus, sem eximir o papel do governo federal, por ser o Brasil uma federação de estados

Reações de Bolsonaro à decisão do STF

A mesma verificação feita pelo Bereia mostra como o Presidente adotou o discurso de “mãos atadas”, dizendo que o STF o impediu de tomar medidas de combate ao coronavírus. O próprio Supremo desmentiu Bolsonaro a esse respeito

Em 19 de março de 2021, Bolsonaro seguiu seu novo argumento sobre estado de defesa e de sítio e protocolou uma ADI contra decretos dos Governos do Distrito Federal, Rio Grande do Sul e Bahia que estabeleciam toque de recolher e fechamento de atividades não essenciais. O Presidente argumentou que só a legislação formal poderia impor restrições de locomoção ou exercício de atividades econômicas. Segundo ele, restrições de locomoção estão previstas na Constituição apenas no estado de defesa e estado de sítio, sob a prerrogativa da Presidência mediante aprovação no Congresso. Além disso, Bolsonaro avaliou as medidas que contesta como desproporcionais diante de sua finalidade.

O Ministro Marco Aurélio Mello negou o trâmite da ADI, argumentando que faltou assinatura do Advogado-Geral da União (AGU) à Ação, e reafirmou a necessidade de o Presidente, como representante da União, coordenar e liderar esforços para o bem-estar dos brasileiros. A não assinatura do então Advogado-Geral da União José Levi do Amaral à ADI, por discordância do teor da ação, é apontada como uma das razões que levaram a sua demissão em 29 de abril, o terceiro ministro a deixar o governo naquele dia.

Diferenças entre combate à pandemia e estados de defesa e de sítio

Em entrevista à BBC Brasil, o professor de direito da FGV-Rio Wallace Corbo detalhou as diferenças entre os estados de defesa e de sítio e as ações de combate à pandemia. Corbo explica que as medidas de combate à pandemia como lockdowns têm punições administrativas, como multas. Já o estado de sítio prevê uma série de limitações aos direitos fundamentais, podem ter o uso das forças de segurança para imposição de restrições estabelecidas e suas punições chegam à detenção.

“Mas ninguém vai ser preso por desrespeitar o horário de fechamento do comércio. Isso [uso de forças para impor restrições] não vai acontecer nas medidas de isolamento social. Para o lockdown não existe essa previsão”, afirma o professor.

O Artigo 268º do Código Penal chega a prever detenção e multas em casos nos quais alguém “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. “Mas é algo válido para situações pontuais, em que houve um crime, e que não têm nada a ver com a necessidade de proteger o Estado em si, como no caso do estado de sítio”, explica Corbo.

Ações de outros líderes religiosos

O ex-senador evangélico Magno Malta e o deputado federal Pastor Marco Feliciano (Republicanos-SP) também postaram em suas mídias sociais declarações em apoio ao Presidente Bolsonaro. Ambos se colocam contra aos confinamentos sociais decretados pelos governadores e prefeitos do Brasil, assim como o presidente e o pastor Malafaia fizeram.

Feliciano compara o lockdown com as ações contra cristãos da parte do imperador Nero: “Escutem perseguidores tiranos: em 2000 anos de existência como igreja nós enfrentamos gente muito pior do que vocês, que dirá Nero. Nós fomos crucificados, fomos serrados, esquartejados, queimados vivos, jogados às feras e nas arenas servimos de espetáculo para pessoas tão impiedosas como vocês. Nos mataram no passado e se preciso morremos no tempo presente”.

Foto: Declaração em vídeo do deputado federal Pastor Marco Feliciano em 18 de março de 2021 em sua conta no Twitter.

Sem qualquer referência concreta que justificasse a acusação, Malta afirma que o anseio da implementação das medidas preventivas seria tirar o presidente do poder. “Estão decididos a derrubá-lo, a tirá-lo do Brasil, a quebrá-lo, não importa”. E vai além, dizendo que o STF tirou deles o direito de falar.

Foto: Declaração em vídeo de Magno Malta em 18 de março de 2021, em sua conta no Facebook.

Desgaste de Bolsonaro contra as Forças Armadas

Durante o mandato do Presidente Jair Bolsonaro, em diversos momentos houve algum tipo de embate entre o Governo e as Forças Armadas. Na semana em que o golpe militar de 1964 completou 57 anos, o acúmulo de atritos do chefe do executivo com líderes do Exército levou à demissão do então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo.

Já em dezembro de 2020, o então comandante do Exército, general Edson Pujol afirmou “não queremos fazer parte da política, muito menos deixar ela entrar nos quartéis.” De acordo com o jornal Folha de São Paulo, o alvo dessa fala era o então Ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello.

Outro evento que ajudou no recente desgaste, veio após o então responsável pela área de saúde do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira relatar ao Correio Braziliense que medidas de distanciamento social ajudaram o Exército a combater a covid-19. Bolsonaro se queixou das falas porque poderiam afetar a imagem do governo e pediu a demissão do militar. O Ministro da Defesa se negou a fazê-lo e se demitiu. No anúncio de sua demissão, o ministro afirmou que preservou as Forças Armadas como instituições de Estado – ideia pela qual órgãos não mudam suas finalidades de acordo com o governo corrente.

Depois da demissão de Azevedo, os comandantes das três Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) colocaram seus cargos à disposição. O general Walter Braga Netto que atuava na Casa Civil, assumiu o Ministério da Defesa, confirmou a saída dos três e nomeou os novos comandantes.

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Bereia classifica como verdadeiro que líderes evangélicos tenham pedido que o Presidente Jair Bolsonaro acione as Forças Armadas para impedir medidas de combate à covid-19, como lockdowns. Tal discurso está alinhado e servem de apoio às diversas declarações em que o Presidente compara – erroneamente – medidas restritivas de estados e municípios com os estados de defesa e de sítio. Essas afirmações estão também no contexto do desgaste entre Bolsonaro e comandantes militares, que levou à demissão do general Fernando Azevedo do Ministério da Defesa e à troca dos comandantes das Forças Armadas. As postagens dos pastores Silas Malafaia e deputado Marco Feliciano e do ex-senador Magno Malta atuam também na disseminação de pânico moral contra supostos inimigos, elemento que tem atuado na manutenção do apoio de vários segmentos religiosos ao governo federal, como já demonstrado em matérias do Coletivo Bereia.

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Foto de Capa: Sgt Bianca – Força Aérea Brasileira/Reprodução

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Referências

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Diário Oficial da União (Congresso em Foco), https://static.congressoemfoco.uol.com.br/2020/03/DECRETO-LEGISLATIVO-DECRETO-LEGISLATIVO.pdf. Acesso em: 31 de março de 2021.

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Valor Econômico, https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/05/14/bolsonaro-acusa-stf-de-deixa-lo-de-maos-atadas-veja-empresarios-que-participaram-da-reuniao.ghtml. Acesso em: 31 de março de 2021.

Correio, https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/stf-desmente-que-impediu-governo-federal-de-atuar-na-pandemia/. Acesso em: 31 de março de 2021.

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STF, http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=462819&ori=1. Acesso em: 31 de março de 2021.

Poder 360, https://www.poder360.com.br/governo/jose-levi-deixa-agu-e-e-3o-ministro-a-desembarcar-do-governo-em-1-dia/. Acesso em: 04 de abril de 2021.

Planalto, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 02 de abril de 2021.

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Marco Feliciano, https://twitter.com/marcofeliciano/status/1372530420093452294.  Acesso em: 01 de abr de 2021.

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/11/nao-queremos-fazer-parte-da-politica-nem-deixar-ela-entrar-nos-quarteis-diz-chefe-do-exercito.shtml. Acesso em: 04 de abril de 2021.

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/03/bolsonaro-demitiu-ministro-da-defesa-porque-quer-mais-apoio-militar.shtml. Acesso em: 04 de abril de 2021.

Correio Braziliense, https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/03/4914583-general-paulo-sergio-diz-que-exercito-ja-espera-3—onda-da-covid.html. Acesso em: 04 de abril de 2021.

G1, https://g1.globo.com/politica/blog/gerson-camarotti/post/2021/03/30/comandantes-das-forcas-armadas-decidem-colocar-cargos-a-disposicao-de-braga-netto.ghtml. Acesso em: 04 de abril de 2021.

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/03/veja-o-perfil-dos-novos-comandantes-de-exercito-marinha-e-aeronautica.shtml. Acesso em: 04 de abril de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/sao-falsos-videos-sobre-suposta-operacao-storm-no-brasil/. Acesso em: 05 de abril de 2021.

Vídeo engana ao atribuir a Lula acusação de que igrejas matam na pandemia

Circula nas mídias sociais um trecho do discurso do ex-presidente Lula atribuindo a ele a acusação de que as igrejas seriam culpadas pelas mortes da pandemia. O vídeo com uma tarja “Lula culpa as igrejas por mortes na pandemia” reproduz 20 segundos do pronunciamento de cerca de 90 minutos, mais a coletiva de imprensa realizada em seguida.

Recorte não reproduz toda a fala de Lula sobre igrejas

No trecho selecionado para as postagens críticas, Lula diz: “Muitas mortes poderiam ter sido evitadas, muitas mortes. E que o papel das igrejas é ajudar para orientar as pessoas, não é vender grão de feijão ou fazer culto cheio de gente sem máscara, dizendo que tem o remédio pra sarar.”

Essa fala começa a partir dos 58 minutos e 20 segundos do discurso público e o recorte que viralizou não dá conta do contexto nem mostra a fala completa do ex-presidente sobre as igrejas. Pouco antes, Lula criticou o uso de fake news, atribui a elas a eleição de Donald Trump para presidência dos EUA. A seguir ele cita o exemplo do terraplanismo (crença sem base científica de que a terra é plana, e não esférica, como atesta a ciência).

A partir desse ponto, Lula começa a falar do papel das igrejas com o trecho reproduzido acima. No entanto, o vídeo que viralizou omite o que veio a seguir: “Eu acredito que Jesus pode salvar as pessoas, mas as pessoas precisam se ajudar. Se a pessoa for ignorante, não usar máscara, não fazer o isolamento, não fizer a lavagem das mãos necessária, Deus vai dizer: “Peraí, eu tenho muita gente pra cuidar meu filho. Se cuide”.

Venda de semente para cura da covid-19 e desinformação sobre remédios

A menção de venda de grão de feijão por Lula é uma referência indireta à iniciativa do Apóstolo Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD). Bereia verificou como verdadeiro que em maio de 2020 o religioso ofereceu semente que teria o poder de curar da covid-19. Já em agosto de 2020, Bereia também reproduziu o anúncio de que o Ministério Público Federal (MPF) acionou Valdemiro Santiago e o Ministério da Saúde a respeito da falsa cura.

Cinco meses depois, a Justiça determinou pela segunda vez que o Ministério da Saúde informasse se a semente vendida por Valdemiro cura a covid-19. A IMPD afirma em nota que a semente não é promessa de cura, “mas sim um início de um propósito com Deus”.

Religiosos também disseminaram desinformação a respeito de remédios e outros tratamentos para a covid-19. Bereia verificou como falso que uma receita de gargarejo tenha sido recomendada por Israel e que mataria o coronavírus. Além disso, o pastor Silas Malafaia (Assembleia de Deus Vitória em Cristo) também divulgou informações enganosas sobre a ivermectina, conforme Bereia investigou em conjunto com parceiros do Projeto Comprova. O site Gospel Prime também veiculou informações verificadas como imprecisas por Bereia a respeito de remédio produzido em Israel para combater a covid-19.

Culto com aglomeração e sem máscaras

Ao falar de “culto cheio de gente sem máscaras”, Lula também se refere a casos verdadeiros. Um exemplo foi o que ocorreu em Curitiba e outra vez envolve a Igreja Mundial do Poder de Deus. Em 24 de fevereiro, quando a cidade registrava 93% das UTIs ocupadas, a celebração “Noite de Abraão” com cerca de 2.000 pessoas foi encerrada pela Ação Integrada de Fiscalização Urbana (Aifu). A justificativa das autoridades locais para interditar o culto e aplicar multas foram a falta de distanciamento entre os participantes e a falta de controle do número de pessoas. Naquele momento, os cultos em Curitiba podiam ocorrer com apenas 50% da capacidade. A reportagem da BandNews FM também menciona a falta de uso de máscaras por funcionários e fiéis.

No dia seguinte, culto com o pastor Silas Malafaia em Curitiba também recebeu denúncias. Porém, a equipe da Polícia Militar verificou que o local estava com menos da metade da capacidade ocupada. O MP notificou a igreja e pediu explicações sobre autorização para realização do evento.

Respostas de religiosos ao pronunciamento de Lula

Tanto o Pastor Silas Malafaia quanto o Apóstolo Valdemiro Santiago reagiram ao discurso de Lula. As principais críticas dos religiosos é de que Lula fez generalizações. O pastor assembleiano respondeu em vídeo que o ex-presidente teria feito uma “acusação leviana” ao atribuir às igrejas aumento de número de mortes por covid-19. Malafaia afirmou que as igrejas estão sujeitas às normas sanitárias assim como estabelecimentos comerciais, o que é verdade. Ele também afirmou que a resposta para charlatanismo como venda de curas para covid-19 está no código penal e que esse tipo de postura “não representa nem 1% da igreja evangélica no Brasil”. 

Valdemiro Santiago também disse que Lula fez generalizações ao falar das igrejas. Além disso, ele pediu provas de que sua igreja teria vendido sementes para cura do coronavírus.

Ambos aproveitaram para criticar escândalos de corrupção ocorridos nos governos petistas. Malafaia afirmou que Lula e Dilma são responsáveis por mortes ao usar dinheiro para corrupção quando poderiam ter investido em saúde e educação. Já Santiago, entre outras críticas e acusações, citou que há dois anos o atual Governo não tem escândalos de corrupção.

Voz da Verdade 

O pastor José Luiz Moisés, do Ministério Voz da Verdade, repercutiu o discurso de Lula e desinformação sobre lockdown em uma pregação transmitida em 11 de março, que viralizou nas redes sociais e em portais cristãos como Gospel Prime. 

Na ocasião, além de criticar a fala do ex-presidente, o pastor se posicionou contra o fechamento de igrejas no pico da pandemia, como determinou o governador do estado de São Paulo João Dória, e afirmou que não há comprovação científica para o lockdown (recolhimento da população em suas casas e restrição de circulação em espaços públicos), pois supostamente “em Nova York a maioria em isolamento pegou”. O pastor ainda comparou o lockdown ao nazismo.

Lockdown é medida recomendada em situações de colapso

A afirmação sobre Nova York é enganosa, mas vem sendo reproduzida para sustentar a mentira de que medidas de isolamento social não funcionam para combater o novo coronavírus, como demonstra a agência de checagem Aos Fatos. O dado foi retirado de uma entrevista com o governador de Nova Iorque Andrew M. Cuomo em maio de 2020, que levava em consideração uma pesquisa realizada com 1.289 pacientes que foram internados ao longo de três dias em 113 hospitais de Nova York. Segundo a pesquisa, 84% das pessoas estavam evitando sair de casa antes de serem infectadas. Isso não significa, no entanto, que foram infectadas em casa. Na ocasião, o estado de Nova York adotava medidas de lockdown que se mostraram eficazes no combate ao novo coronavírus. O governador explicou que, mesmo assim, era importante que as pessoas, além de permanecer em casa quando pudessem, utilizassem medidas de prevenção como usar a máscara e higienizar as mãos quando tivessem que sair de casa, como explica em um outro trecho da entrevista: 

“[Essa pesquisa] reforça aquilo que a gente vinha falando, que muito depende de como você se protege. Tudo está fechado. O governo fez tudo o que podia. A sociedade fez tudo o que podia. Agora cabe a você. Você está usando uma máscara? Você está fazendo a higiene das mãos? Se você tem pessoas mais jovens que o visitam, estão saindo por aí e podem ser menos diligentes com o distanciamento social, vocês estão se mantendo afastados das pessoas mais velhas?” 

Andrew M. Cuomo, governador de Nova York

Segundo a reconhecida instituição Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Brasil enfrenta o maior colapso sanitário e hospitalar da história do Brasil, visto que em 17 de março de 2021, 24 estados e o Distrito Federal estão com taxas de ocupação de leitos de UTI Covid-19 para adultos no Sistema Único de Saúde (SUS) iguais ou superiores a 80%, sendo 15 com taxas iguais ou superiores a 90%. 

Fonte: Fiocruz

O lockdown é uma estratégia a ser considerada em situações mais críticas e medidas de distanciamento físico e social, além do uso de máscaras em larga escala e aceleração da vacinação, são indispensáveis. O boletim da Fiocruz ainda elogia as medidas de lockdown adotadas em Araraquara:

“As medidas restritivas de isolamento social adotadas pela Prefeitura em fevereiro, incluindo o bloqueio ou lockdown, deram resultado e fizeram cair, ao menos preliminarmente, o número de novos casos confirmados de Covid-19 e a média móvel diária neste início de março. Entre 21 de fevereiro e 10 de março (17 dias), a média móvel diária de novos casos de Covid-19 caiu de 189,57 para 108, uma redução de 43,02%.” 

Boletim da Fiocruz

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Bereia conclui que é enganoso que o ex-presidente Lula tenha culpado as igrejas pelas mortes na pandemia. Em seu discurso, o líder político criticou grupos que desrespeitam as medidas preventivas contra  a contaminação, reconheceu que as igrejas deveriam orientar as pessoas sobre a pandemia e não promover supostas curas e cultos fora das determinações sanitárias (“cheio de gente sem máscaras”). As referências indiretas que o ex-presidente fez em seu pronunciamento a respeito da venda de sementes para cura para covid-19 e cultos aglomerados sem máscaras de fato ocorreram, inclusive tiveram punições da justiça. Além disso, as críticas do Pastor José Luiz Moisés às políticas de lockdown são enganosas. Os dados sobre Nova York não significam que pessoas foram infectadas em casa. De acordo com a Fiocruz, o lockdown é medida indicada para situação de colapso em conjunto com outras atitudes como uso de máscaras e distanciamento social. A eficácia   da medida foi destacada pela entidade científica ao abordar o exemplo de Araraquara (SP).

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Foto de Capa: Edilson Dantas/O Globo/ Reprodução

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Referências

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Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/e-verdade-que-apostolo-valdemiro-santiago-oferece-semente-que-cura-covid-19/. Acesso em: 17 de março de 2021.

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G1, https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/01/05/justica-determina-pela-2a-vez-que-ministerio-da-saude-informe-se-feijao-do-pastor-valdemiro-santiago-cura-covid-19.ghtml. Acesso em: 17 de março de 2021.

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Revista Época, https://epoca.globo.com/guilherme-amado/mp-notifica-igreja-apos-culto-de-malafaia-em-curitiba-24901385. Acesso em: 17 de março de 2021.

Fiocruz. https://agencia.fiocruz.br/observatorio-covid-19-aponta-maior-colapso-sanitario-e-hospitalar-da-historia-do-brasil?utm_source=Twitter&utm_medium=AFN&utm_campaign=campaign&utm_term=term&utm_content=content. Acesso em 17 de março de 2021. 

O Globo. https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus/apos-lockdown-transmissao-do-coronavirus-em-araraquara-sp-caiu-50-24926596. Acesso em 17 de março de 2021.