Sites religiosos desinformam sobre protestos pró-Palestina em universidades

Os protestos de estudantes que começaram em universidades americanas e se espalham por outras instituições ao redor do mundo, inclusive no Brasil, têm gerado uma onda de notícias enganosas que se alastram tanto nos Estados Unidos quanto em solo brasileiro. Sites evangélicos como Pleno.News, Gazeta do Povo e Gospel Mais classificam os protestos como antissemitas e denunciam suposta ameaça aos judeus que frequentam as universidades em questão. 

O portal evangélico Pleno.News publicou, em 8 de maio, matéria apontando o acampamento de estudantes da USP como “anti-Israel”, já o Gospel Mais repercutiu as falas do Pr. Jack Graham, da Igreja Batista Prestonwood, na cidade de Plano, no Texas (EUA). O pastor acredita que os protestos contra os ataques israelenses fazem parte de uma “batalha espiritual” contra o povo de Deus e que “Satanás odeia o que Deus ama”. Os veículos criticam a ação dos universitários e classificam como uma ameaça aos judeus que estudam ou trabalham nessas instituições. 

De igual modo, o jornal Gazeta do Povo publicou, em 4 de maio, editorial que critica duramente os universitários, alegando um suposto “ódio aos judeus”. No mesmo texto, há relatos de ataque a judeus, exaltação ao terrorismo e crimes de ódios, entretanto sem detalhes que comprovem a denúncia. 

Imagem: Reprodução/Pleno.News

Imagem: Reprodução/Gospel Mais

Imagem: Reprodução/Gazeta do Povo

A disseminação de que os movimentos pró-Palestina são antissemitas é uma construção traduzida no posicionamento de parte de líderes políticos e religiosos brasileiros, que mostram como existe uma visão sionista de parcela da comunidade cristã brasileira, algo que se estruturou nos útlimos anos, conforme Bereia já abordou. Figuras públicas como a deputada federal Carla Zambelli e o Influenciador Guilherme Kitler repercutem e reforçam esses posicionamentos, ao apoiarem as medidas tomadas pelo governo estadunidense em relação aos protestos e declarar a existência de ritos islâmicos entre os estudantes.

Imagem: Reprodução Instagram

Imagem: Reprodução/Instagram

Desde o início do conflito, a Liga Anti-Difamação (ADL, na sigla em inglês) tem sido fonte sobre aumento do número de denúncias de supostos casos de antissemitismo em todo o mundo. O material apresentado pela organização em janeiro aponta que os casos de antissemitismo aumentaram quase 400% nos EUA, contudo os dados apresentados são usados como forma de reprimir os protestos e movimentos pró-Palestina, no que é um modus operandi da ADL. 

Cristãos que se manifestaram pró-Palestina e contra o sionismo

Em contrapartida a essa parcela da população, nos Estados Unidos e ao redor do globo, que acredita que os movimentos em favor da Palestina são antissemitas e anti-sionistas, como mostram os textos publicados nos sites supracitados e as publicações nas mídias sociais, outras instituições religiosas defendem e apoiam os movimentos. As instituições americanas United Methodist Church (UMC), United Church of Christ, Conference of Bishops of the Evangelical Lutheran Church in America (ELCA) e Presbyterian Church (U.S.A.)’s Office of Public Witness não só declararam apoio aos movimentos, mas criticaram o governo israelense e exigiram dos Estados Unidos o desinvestimento na guerra, um cessar fogo e auxílio para as pessoas que estão em condições precárias na Palestina. 

Algumas das ações realizadas pelas organizações citadas repercutiram na mídia. O Escritório de Testemunhas da Igreja Presbiteriana enviou, em conjunto com outras cem instituições, uma carta ao presidente Biden na qual pedem que o governo aprove o restabelecimento do financiamento à Agência de Assistência e Obras das Nações Unidas, organização que realiza serviços sociais para refugiados palestinos. Membros da Igreja Metodista Unida se uniram aos estudantes em protesto pela Palestina e bispos da Igreja Evangélica Luterana na América enviaram ao presidente estadunidense uma carta em que pedem pelo cessar fogo em Gaza.

Imagem: Reprodução United Methodist Church (UMC)

Imagem: reprodução Presbyterian Church (U.S.A.)’s Office of Public Witness

Imagem: Reprodução Conference of Bishops of the Evangelical Lutheran Church in America (ELCA)

Bereia ouviu o professor e atual coordenador do departamento de história e estudos ecumênicos do Princeton Theological Seminary (Seminário Teológico de Princeton), em Nova Jersey, Dr. Raimundo César Barreto, Jr. que tem apoiado os estudantes acampados na Universidade de Princeton nos protestos. “O acampamento de solidariedade à Palestina está acontecendo na universidade, mas conta com a participação de estudantes do seminário. Dentre os estudantes que foram injustamente banidos do campus (de Princeton), dois eram do seminário. Um chegou a ser preso”, conta o professor que participa de um grupo de docentes que apoia as manifestações. 

“Professores também têm se organizado nas diversas universidades para apoiar os estudantes. (Aqui), um grupo de Professores pela Justiça na Palestina (do qual eu e mais dois colegas do seminário também fazemos parte) foi formado. Este grupo vem se reunindo regularmente e participando dos eventos em apoio aos estudantes”, relata Dr. Barreto.

“O movimento é completamente liderado e organizado por estudantes, de caráter não violento, na tradição de outros movimentos anti-guerra e mesmo do movimento pelos direitos civis dos anos 60”, afirma o professor. Ele ressalta ainda que apesar do caráter pacífico das manifestações, a resposta da universidade foi violenta desde o início, com a polícia do campus impedindo a colocação de tendas no acampamento e prendendo dois estudantes nos primeiros 15 minutos do acampamento. 

Barreto acrescenta que “Desde os protestos contra a Guerra no Vietnã, passando pelas manifestações contra o apartheid na África do Sul, a indiferença e dureza encontrada na administração do atual presidente da universidade Christopher L. Eisgruber levou um grupo de estudantes a iniciar uma greve de fome, na tentativa de provocar um diálogo. Apesar da comoção na comunidade, Eisgruber continua resistindo ao diálogo”, lamenta.  

Relação Israel-EUA é motor dos protestos

Para o professor do Princeton Theological Seminary, a resposta de Israel aos ataques do Hamas no dia 7 de outubro foram desproporcionais, ultrapassando em muito o que possa ser considerado um legítimo direito de defesa do Estado de Israel. “Em menos de dois meses de ação militar em Gaza, quase 16.000 palestinos, muitos dos quais crianças e até bebês recém-nascidos tinham sido mortos, 41.000 feridos e a destruição completa de 60% das casas na Faixa de Gaza”. Além disso, continua Barreto, “toda a população de Gaza foi afetada pela falta de água, energia elétrica, e acesso à ajuda humanitária. Tal resposta, não por acaso, foi compreendida como uma política genocida. Estes números foram quase triplicados nos últimos meses”. 

O pastor explica ainda que o apoio financeiro e político dos EUA ao governo israelense tem sido questionado pelos universitários. “Foi esta cumplicidade dos EUA com o massacre da população palestina em Gaza que reativou um movimento já existente no país e em muitas universidades. Os estudantes pedem não apenas o cessar-fogo imediato em Gaza, mas o desinvestimento de suas universidades, ou de qualquer companhia que apoie ou financie (se beneficie) os atos genocidas do Estado de Israel, além de transparência nos investimentos”, alega.  Segundo o professor, algumas universidades e seminários, inclusive o Union Theological Seminary, em Nova Iorque, têm respondido a estas demandas de forma positiva, adotando um compromisso com o desinvestimento. “As universidades de Princeton, Columbia, Harvard e Emory, entre outras, no entanto, adotaram uma resposta dura, com uso da força policial para intimidar os estudantes ou desmantelar os acampamentos, se negando a sequer se sentar com os estudantes para negociar suas demandas”.

Não-violência e multi-etnicidade

O pastor brasileiro radicado nos EUA afirma que tem testemunhado diariamente o compromisso dos estudantes com a ação não-violenta. “Mesmo quando são provocados por grupos de israelitas sionistas que têm sido muito agressivos no contra-protesto, querendo provocar confrontos, ou mesmo diante da violência e provocação por parte de seguranças e policiais. A imprensa tem se calado sobre a participação de muitos estudantes judeus no movimento e do convívio harmonioso entre islâmicos, judeus, cristãos e sem religião nos acampamentos, que inclui o máximo respeito aos atos de devoção de cada grupo”, garante.  

Barreto finaliza exaltando os estudantes que são de origem diversa como Oriente Médio, Índia, México, afro-americana, entre outras “É um despertar para uma injustiça sistêmica que se tornou inaceitável. Um movimento demandando um basta à cumplicidade dos EUA, que sustentam esta violência sistêmica com doações anuais de bilhões de dólares, e das universidades que investem em companhias que têm sangue em suas mãos. Mesmo os estudantes que foram presos, fichados na polícia, criminalizados, não tem se deixado intimidar, demonstrando uma determinação de continuar na luta, mesmo numa situação de tremenda desvantagem”.

Como tudo começou?

No dia 7 de outubro de 2023 o mundo presenciou o ataque que causaria o início do atual conflito. Classificado por diversas autoridades públicas como um ataque terrorista, realizado pelo partido político palestino Hamas (Movimento de Resistência Política). Entretanto, o grupo não é reconhecido como terrorista pela Organização das Nações Unidas). O acontecimento marcou o início de uma guerra na qual Israel está respondendo com uso de força considerada desproporcional pelas autoridades públicas. Bereia checou estes dados. 

O Hamas, por sua vez, alega que os ataques se restringiram a alvos militares. em entrevista ao jornal Correio Braziliense, o Chefe do Departamento Político em Gaza e membro do Comitê Político do Hamas Basem Naim disse que os alvos do grupo eram complexos militares e soldados. “Nós evitamos civis, mulheres, crianças e homens. Ao mesmo tempo, temos dito que estamos prontos para receber qualquer comitê de investigação da ONU ou internacional, a fim de apurar o que ocorreu em 7 de outubro”, assegurou.  

Naim garante que cerca de 70% dos palestinos ainda apoiam a resistência, apesar da agressão e da destruição. “A popularidade do Hamas aumentou depois de 7 de outubro. O Hamas é parte do tecido social e político palestino”, explicou o líder que ocupou o posto de ministro da Saúde entre 2007 e 2012”. 

Desde o início do conflito, o ataque de Israel na Faixa de Gaza foi tão intenso a ponto da guerra ser considerada a mais mortal da história da Palestina desde 2015. Esse posicionamento ofensivo atrelado ao apoio financeiro que Israel recebe por parte dos Estados Unidos foi criticado por autoridades políticas e sociais, inclusive por membros do governo estadunidense, o que culminou para o início dos protestos pró-Palestina em universidades estadunidenses, além do  posicionamento de organizações religiosas a favor do movimento. 

O que está acontecendo nos protestos pró-Palestina nas universidades?

Nos Estados Unidos as tensões se agravaram após a reitora da Universidade de Columbia, Nemat Minouche Shafik, reprimir os protestos que se iniciavam no dia 18 de abril. Após a fala da reitora, os protestos se espalharam por diversos outros campi nos EUA, como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, na Universidade do Texas, na Universidade de Michigan e na Universidade da Califórnia. Os manifestantes exigem que as universidades cortem laços com Israel.

Após a repercussão das manifestações, o presidente estadunidense, Joe Biden, afirmou que a liberdade de expressão e o direito de protestar são válidos, mas condenou a violência e o vandalismo, além de afirmar que os movimentos seriam antissemitas. Contudo os protestos seguem, o número de manifestantes presos já ultrapassa 2 mil e o apoio a eles cresce ao redor do mundo: nos últimos dias foram observados protestos no Reino Unido, França, Índia, Canadá e Brasil. 

No Brasil estudantes organizados pelo Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino ocuparam os prédios de História e Geografia da Universidade Estadual de São Paulo (USP). Os manifestantes exigem que a universidade corte relações com as universidades israelenses parceiras, além de mobilizarem um abaixo-assinado para que outras universidades do país realizem as mesmas reivindicações.

Imagem: Reprodução/G1

Contraponto

Apesar do apelo midiático que define os movimentos como antissemitas, estudiosos afirmam que não existem manifestações de ódio entre os estudantes. O professor de História Europeia e Estudos Alemães na Universidade Brown nos EUA Omer Bartov contou em entrevista ao jornal Democracy Now que esteve presente nas manifestações na Universidade da Pensilvânia. 

Bartov, que é israelense, diz ter observado jovens estadunidenses, judeus e árabes pedindo por justiça em um clima agradável, sem violência ou discursos de ódio. “Não houve absolutamente nenhum som – nenhum sinal de qualquer violência, de qualquer anti-semitismo. Havia estudantes judeus lá. Havia estudantes árabes lá. Havia todos os tipos de jovens lá. E a atmosfera era muito boa”, conta o professor. “os numerosos governos sob o comando de Benjamin Netanyahu têm promovido esta agenda argumentando que qualquer crítica às políticas israelitas, às políticas de ocupação israelitas, como antissemita”

Omer Bartov aponta ainda que ouviu entrevistas de estudantes judeus que dizem se sentir ameaçados, mas ele coloca em discussão como não há questões ameaçadoras no ato dos estudantes se oporem à ocupação e opressão causada por Israel. De acordo com o professor, estes estudantes sentem medo, porque aprenderam a se sentir assim diante da bandeira palestina ou de símbolos que representam os muçulmanos. 

“Tenho ouvido algumas entrevistas com estudantes judeus que se sentem ameaçados, parece-me que muitos deles se sentem ameaçados porque veem uma bandeira palestina, porque ouvem pessoas clamando pela intifada. ‘Intifada’ significa ‘sacudir’, sacudir para se livrar da ocupação. Mas não há nada de ameaçador em opor-se à ocupação e à opressão. Isso não é antissemitismo, da mesma forma ser anti-sionista não é ser antissemita”.

Imagem: Reprodução/Democracy Now

Durante a entrevista o professor aborda um pouco sobre o direito que os estudantes têm de se manifestar enquanto cidadãos. Os protestos pelo fim do ataque de Israel ecoam os movimentos que marcaram a história dos EUA nos anos 1960, quando os estudantes estadunidenses se uniram pelo fim da Guerra do Vietnã. Apesar das diferenças entre os dois conflitos, os manifestantes se unem em prol do fim da violência e do fim do financiamento das guerras pelo governo estadunidense.

Imagem: Reprodução/BBC

Bereia ouviu o teólogo pela PUC-Rio, pesquisador, especialista em teologia negra e ativista de direitos humanos Ronilso Pacheco. Para ele, não há nenhuma ação dos manifestantes no intuito de impedir que alunos judeus acessem a universidade. “Eu falo do lugar de quem estudou na Universidade de Colúmbia, de quem mantém vínculos com amigos, com pessoas e professores que estão em Colúmbia e que está acompanhando os protestos de perto. Não tem, nem nunca teve na verdade, esse tipo de ação”, afirma o pesquisador que é mestre em Religião e Sociedade no Union Theological Seminary (Columbia University) em NY e autor de “Ocupa, Resistir, Subverter” (2016) e “Teologia Negra: O sopro antirracista do Espírito” (2019).

Pacheco explica, ainda, que desde o início grupos conservadores de judeus e protestantes estadunidense usaram o suposto antissemitismo para deslegitimar o movimento dos estudantes. “Isso é um debate desde o início. Uma espécie de estratégia de movimentos conservadores tentando emplacar a ideia de que estudantes judeus estão sendo impedidos de professar o seu judaísmo ou de acessar os campos ou de assistir aulas”, lamenta o teólogo que é diretor de programas do Instituto de Estudos da Religião (ISER). 

“Muitos estudantes judeus, anti-sionistas ou mesmo sionistas de esquerda estão ao lado dos estudantes no protesto em defesa da Palestina e contra a resposta cruel e completamente desequilibrada e desigual de Israel. Muitos estudantes do Jewish Theological Seminary, um seminário teológico-judaico, estavam no campus da Columbia nos protestos”, continua Pacheco. 

O pastor ressalta que os críticos do movimento dos universitários tentam transformar as críticas ao sionismo e ao governo de Benjamin Netanyahu, premier israelense, ao ódio à judeus. “Eles pegaram essas falas e essas críticas pontuais como uma forma de intimidação dos estudantes judeus e casos absolutamente isolados de uma outra crítica mais exacerbada virou uma generalização de que isso era uma filosofia do movimento, e não era”. 

Judaísmo e Islamismo

Outro ponto destacado por Pacheco é a suposta conversão dos estudantes ao islamismo como uma forma de lavagem cerebral do movimento. “Não tem nenhum processo de conversão ao islamismo. Eles fizeram um recorte de ocasiões em que estudantes muçulmanos, estavam no seu momento de oração. Não tem nenhuma prova, que houve conversão ao islamismo no campus. O que houve foram as orações dos estudantes muçulmanos, que é uma imagem forte e que é muito simbólica. Afinal de contas, você está falando de uma agressão contra a Palestina”, frisa o pesquisador. 

“(O que acontece em Gaza, hoje) É uma investida direta com relação ao território da Palestina e contra o povo. Estratégias que desconsideram completamente a sociedade civil palestina. Todo o movimento é no sentido de que Israel recue da sua estratégia mal pensada, que tem colocado em risco a vida de milhões, milhares de palestinos, como uma forma de pressionar o Hamas. É Israel que dialoga com o Hamas, não são os protestos”, analisa o pastor.

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Bereia conclui que as publicações que declaram as manifestações estudantis pró-Palestina como antissemitas são enganosas pois induzem o público a construir uma visão negativa e parcial sobre o posicionamento dos estudantes e todas as organizações que defendem o fim da opressão e ocupação realizada por Israel em Gaza.

Enquanto matérias publicadas em veículos religiosos e reproduzido por figuras públicas nas mídias sociais afirmam que o posicionamento pró-Palestina é antissemita, há organizações religiosas que reconhecem nos movimentos a importância de defender as pessoas que estão sendo oprimidas e em situações precárias na Palestina, como observado nas matérias publicadas pelas próprias organizações. Além disso, estudiosos e membros de instituições religiosas que presenciaram os últimos acontecimentos defendem a legitimidade e o caráter pacífico das manifestações.

Referências de checagem:

BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cqeplqy3e3eo – Acesso em 8 de maio de 2024.

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cgl3jnpz7dyo – Acesso em 8 de maio de 2024.

G1
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/10/09/conflito-entre-israel-e-hamas-e-o-mais-mortal-em-territorio-israelense-desde-2008-na-palestina-desde-2015.ghtml – Acesso em 8 de maio de 2024.

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/05/07/estudantes-da-usp-se-juntam-a-onda-mundial-de-protestos-e-montam-acampamento-pro-palestina.ghtml – Acesso em 8 de maio de 2024.


Agência Brasil https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/internacional/audio/2024-02/israel-x-hamas-4-meses-de-guerra-quase-29-mil-mortos-e-nenhum-acordo – Acesso em 8 de maio de 2024.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-04/universidades-dos-eua-tem-protestos-pro-palestina-autoridades-reagem – Acesso em 8 de maio de 2024.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-04/reitora-de-universidade-dos-eua-sofre-pressao-por-reprimir-protesto – Acesso em 8 de maio de 2024.

The Guardian
https://www.theguardian.com/us-news/2024/apr/27/bernie-sanders-benjamin-netanyahu-israel-gaza-war
– Acesso em 8 de maio de 2024.

adl.org
https://www.adl.org/resources/blog/global-antisemitic-incidents-wake-hamas-war-israel – Acesso em 8 de maio de 2024.

CNN Brasil
https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/das-manifestacoes-pro-palestina-as-reacoes-judaicas-entenda-os-protestos-em-universidades-dos-eua/ – Acesso em 8 de maio de 2024.

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/onde-protestos-universitarios-pro-palestina-estao-acontecendo-ao-redor-do-mundo/#:~:text=A – Acesso em 8 de maio de 2024.

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/protestos-pro-palestina-universidades-estados-unidos-pessoas-presas/ – Acesso em 8 de maio de 2024.

newsweek
https://www.newsweek.com/christian-church-under-pressure-divest-israel-1895303 Acesso em 7 de maio de 2024.

westernjurisdictionumc.org
https://westernjurisdictionumc.org/students-delegates-join-in-protest-for-students-protesting-palestine/ Acesso em 7 de maio de 2024.

umnews.org
https://www.umnews.org/en/news/bishops-delegates-join-rally-for-palestine  – Acesso em 7 de maio de 2024.

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https://www.presbyterianmission.org/story/the-pcusas-office-of-public-witness-signs-letter-urging-funding-restoration-to-unrwa/  – Acesso em 7 de maio de 2024.

unitedmethodistbishops.org
https://www.unitedmethodistbishops.org/newsdetail/united-methodist-bishops-call-for-ceasefire-in-gaza-18303396 – Acesso em 7 de maio de 2024.


elca.org
ELCA Conference of Bishops calls for cease-fire in Gaza / stands in solidarity with migrants. https://www.elca.org/News-and-Events/8219 Acesso em 7 de maio de 2024.

UCC.ORG https://www.ucc.org/ucc-officers-issue-statement-amid-ongoing-unrest-on-college-campuses/ – Acesso em 7 de maio de 2024.


The New York Times. https://www.nytimes.com/2024/01/28/us/politics/black-pastors-biden-gaza-israel.html?unlocked_article_code=1.ok0.LRap.jtX1qjhT_tCB&smid=wa-share – Acesso em 7 de maio de 2024.

YouTube.
https://www.youtube.com/watch?v=9aTAnFDZSr8 – Acesso em 7 de maio de 2024.

‘Estudantes protestam como contra Guerra do Vietnã’: a crise nas universidades dos EUA por conflito em Gaza. https://www.bbc.com/portuguese/articles/c3gl0w34gx1o – Acesso em 10 de maio de 2024.

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Foto de capa: AI-Monitor

Chegada do Talibã ao poder no Afeganistão movimenta mídias sociais e aumenta o número de fake news compartilhadas

Com a colaboração de André Mello

Circulam pelas mídias sociais inúmeras postagens sobre a situação dos cristãos no Afeganistão, com a chegada ao poder do grupo extremista Talibã. Muitas delas com conteúdo falso ou enganoso, por isso, Bereia reuniu algumas dessas mensagens, com a devida checagem. Bereia ouviu também especialistas no tema para esclarecer a real situação dos cristãos no país asiático e os reflexos das ações do Talibã no Brasil e no mundo.

Desde maio deste ano, quando o governo dos Estados Unidos anunciou a retirada das últimas tropas que estavam no Afeganistão, o Talibã iniciou uma série de ataques a diversas cidades do país, culminando com a conquista da capital, Cabul, tomada pelo grupo no dia 15 de agosto. 

O que é o Talibã?

Talibã significa “estudantes” em pashto, uma das línguas faladas no Afeganistão e surgiu com um grupo de estudantes fundamentalistas islâmicos formado no fim da invasão soviética do Afeganistão, entre 1979 e 1989. São considerados fundamentalistas por que  defendem uma rígida interpretação do livro sagrado do Islã, o Alcorão, para governar o país. O grupo governou o Afeganistão de 1996 até a invasão dos Estados Unidos, em 2001. “O grupo interpreta a religião de um jeito peculiar. Vê os outros ramos do Islã como deturpados e abertos ao ocidente, então, acreditam ser os portadores do ‘verdadeiro Islamismo’”, explica o professor de Geografia Daniel Simões.  

A secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) Pastora Romi Bencke, falou com o Bereia sobre o tema. Segundo ela, o Afeganistão joga luz na relação entre religião, poder e economia. “Assim como o cristianismo, o Islã não é uma religião violenta. Ao contrário, é uma religião que pode contribuir muito para o fortalecimento de valores emancipatórios. Há países de maioria muçulmana que não são teocráticos. O que está colocado ali e que deve acender uma luz também para nós, é que os valores e princípios fundamentalistas, presentes em todas as religiões, foram acionados em função de interesses de grandes potências. No caso do Afeganistão, foi no contexto da Guerra Fria em que duas potências disputaram aquele território. De um lado a União Soviético e do outro os EUA”, ressalta Bencke. 

A pastora faz um paralelo do interesse americano no Brasil e como foi no Afeganistão. “Precisamos acompanhar com muita atenção os interesses norte-americanos na região, suas inúmeras tentativas de ampliar suas bases militares em nosso país, que faz fronteira com dez países, sendo que a maioria destes países é muito rico em recursos naturais. A base militar de Alcântara é um exemplo bem concreto do que significam as bases militares americanas em um país. Três empresas que operam lá são americanas e uma é canadense. Isso significa para nós, brasileiros e brasileiras, perda de soberania. O Afeganistão, embora distante geográfica e culturalmente, nos alerta para isso: as potências estrangeiras exploram países periféricos e, quando  não há mais interesse, saem e fazem o falso discurso que temos que decidir sobre nós mesmos”, alerta.

Banho de sangue cristão?

Reprodução do vídeo que circula nas mídias sociais

Um vídeo com uma mulher sendo executada na rua, diante de um grupo de homens armados, com a legenda “Eles já iniciaram os julgamentos públicos” está circulando nas mídias sociais, associando a execução à ação do Talibã na retomada ao poder no Afeganistão e ao fato de ser a mulher supostamente uma cristã com o aplicativo da Bíblia instalado em seu celular. No entanto, o vídeo é de 2015 e foi gravado na Siria. De acordo com o site da ONG Instituto de Pesquisa de Mídia do Oriente Médio (Middle East Media Research Institutea), as imagens registram o assassinato de uma mulher que teria sido acusada, pela organização islâmica radical Al-Qaeda, de prostituição .

Reprodução do site da ONG Instituto de Pesquisa de Mídia do Oriente Médio

Além deste vídeo, uma mensagem afirmando que 229 missionários cristãos seriam assassinados também circula nas mídias sociais. De acordo com o texto, uma missionária de nome Judith Carmona foi quem enviou a mensagem. No entanto, de acordo com o site de checagem “Aos Fatos”, não há registros de que, após retomar ao poder no Afeganistão, o Talibã tenha sentenciado à morte 229 missionários cristãos que atuavam no país. “Este texto, na realidade, surgiu na internet em 2009 a partir da distorção de fatos sobre um sequestro de 23 sul-coreanos pelo grupo extremista em 2007. Cerca de uma década depois, em 2017, a peça de desinformação voltou a circular com menção a 229 capturados. É esta a versão que voltou à tona nas redes sociais como se fosse recente”. O site ressalta também que este boato circula em outros países e, inclusive, já foi objeto de checagem de inúmeras agências de fact-checking internacionais.  

De fato, a postagem traz todas as características de uma notícia falsa: não tem fonte (quem produziu a informação?), não tem data (hoje, amanhã – quando?), não identifica as pessoas envolvidas (quem é Judith Carmona? missionária? ligada a qual instituição?), e tem vários erros de português. 

Reprodução da mensagem falsa em um perfil no Facebook


Reprodução do site de checagem “Aos Fatos”.

Há também uma variação deste post com um vídeo que mostra, supostamente, os 229 missionários sendo executados. O vídeo, na verdade, é antigo e foi gravado na Síria em 2014, na ocasião em que grupos rebeldes extremistas islâmicos tomaram o hospital Al-Kindi, em Aleppo. As imagens mostram a execução de soldados sírios que defendiam o local. De acordo com a agência de checagem Lupa, a página da Organização para a Democracia e Liberdade na Síria também cita a gravação, em post de 28 de março de 2014

Reprodução de mensagem do WhatsApp com conteúdo falso
Reprodução da página da Agência Lupa com o conteúdo verificado

De acordo com outra mensagem compartilhada, inúmeras vezes desde o dia 15 de agosto, um casal de missionários dentistas que atua na Albânia e na Bósnia e recebeu uma outra missionária enfermeira que acabara de chegar do Afeganistão, pede oração pelos cristãos que lá continuaram. Bereia fragmentou a mensagem com o intuito de checar cada informação contida no texto reproduzido na imagem abaixo.

Reprodução de imagem de mensagem de WhatsApp com conteúdo falso

De acordo com o site O Fuxico Gospel, esse casal faz parte do quadro missionário da Igreja Cristã da Aliança, liderada pelo Pr. Renato Vargens. Bereia entrou em contato com a igreja que, em nota assinada pelo pastor Renato, esclarece que essa informação é falsa. “Está rolando um boato em que a Igreja Cristã da Aliança de Niterói, igreja que sou pastor, possui dois missionários em Cabul, e que eu estou solicitando ajuda e oração para essas pessoas. Isso não procede. Nossa igreja não possui missionários no Afeganistão, e nem estamos pedindo ajuda para pessoas que vivem lá”, diz a nota. 


Reprodução do site Fuxico Gospel

Reprodução do site Fuxico Gospel
Reprodução da mensagem enviada pela Igreja Cristã da Aliança para o Bereia no WhatsApp

O post afirma que a cidade afegã Mazar-e-Sharif havia sido invadida na véspera pelo Talibã. De fato, no dia 14 de agosto, o Talibã tomou a cidade de Mazar-e-Sharif e, no dia seguinte, 15, conquistou a capital, Cabul

O texto relata ainda que o Talibã ordenou que todas as meninas de 15 anos que não tenham se casado, devem ser distribuídas entre os seus soldados. Segundo o jornal Britânico “The Sun, há uma carta de suposta autoria do Talibã exigindo que mulheres solteiras ou viúvas de 15 a 45 anos sejam listadas pelos líderes religiosos e disponibilizadas para se casarem com os soldados do grupo, a matéria é de 14 de julho. O porta-voz do grupo extremista, Zabihullah Mujahid, no entanto diz que o novo governo vai respeitar o direito das mulheres

Reprodução da suposta carta exigindo lista de mulheres solteiras e viúvas

China apoia novo governo Talibã?

A última frase do post verificado pelo Bereia diz que “O governo da China está apoiando abertamente o Talibã”. A  afirmativa é enganosa. O governo chinês, de fato, tem se aproximado do grupo extremista que agora lidera o país, mas ainda não o reconhece como governo constituído do Afeganistão. De acordo com o El País, o ministro das Relações Exteriores chinês, Wang Yi, recebeu um grupo de representantes do Talibã de forma oficial, mesmo antes da ascensão ao poder do grupo extremista, com a tomada de Cabul, em 15 de agosto. O G1 também relata o apelo do ministro chinês para que o mundo pare de pressionar o Afeganistão, no entanto, até o fechamento da matéria, o governo chinês ainda não havia reconhecido o Talibã oficialmente como novo governo.

Com o intuito de rotular o grupo extremista islâmico aos movimentos de esquerda, muitas dessas mensagens que circulam em grupos evangélicos usam o apoio da China ao Talibã , que é governada pelo Partido Comunista, para justificar esse rótulo. 

Segundo a Dra. Francirosy Campos Barbosa Ferreira, antropóloga, professora e pesquisadora da Universidade de São Paulo, em entrevista ao Bereia, o Talibã não tem esse tipo de ideologia, esquerda ou direita. “O Talibã faz parte de um grupo étnico chamado pashtun, não tem nada a ver com esquerda ou direita, influência dos EUA, da Rússia, da China, é uma análise que eu levo mais como brincadeira do que como uma análise séria”, afirma a pesquisadora que tem tentado desmistificar a relação do Islã com o terrorismo. “Esse é o exercício que tenho feito há mais de uma semana, tentando separar o que é terrorismo do que é Islã. A religião não pode ser refém daqueles que se dizem praticantes da religião”, ressalta. 

Esse é o exercício que o Sheikh Jihad Hammadeh também tem feito. Para o presidente do Conselho de Ética da União Nacional das Entidades Islâmicas do Brasil (UNI), também ouvido pelo Bereia, as atitudes erradas do talibã não se encaixam nem na direita, nem na esquerda, mas no extremismo. Hammadeh acredita que o preconceito contra os povos muçulmanos tende a aumentar com a ascensão do Talibã. “O que pode afetar o Brasil é a questão social, aumentar o preconceito contra os muçulmanos, contra os estrangeiros, a xenofobia, isso pode acontecer porque as informações que vêm através de uma parte da mídia são todas negativas e associa a religião a atos extremistas, de um grupo que já esteve no poder no Afeganistão e agora retornou, porém ninguém sabe como vai proceder”, pondera o Sheikh que nasceu na Síria e é naturalizado brasileiro. Há 35 anos, ele dá palestras e cursos para difundir a cultura islâmica no Brasil. “Devemos mostrar a realidade da religião islâmica e o que ela realmente prega, principalmente quanto a questão dos direitos humanos, dos direitos da mulher, os direitos que a religião já garante há 14 séculos. Não há nada melhor do que o conhecimento para dissipar a ignorância, as fake news, o preconceito a discriminação”, ressalta. 

Brasil extremista?

O Afeganistão e outras nações teocráticas cujo regime político é baseado na religião, de certo modo, servem de alerta para o Brasil que, nos últimos anos, tem um cenário político que mistura políticas de Estado com princípios cristãos. É o que acredita a Dra. Andréa Silveira de Souza, doutora em Ciência da Religião e professora na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, em entrevista ao Bereia. “Quando emergem fatos lamentáveis, porém não impensáveis, como o ocorrido com o Afeganistão nos últimos dias, é importante refletirmos sobre os processos, sobre tudo o que atravessa a conjuntura, de modo a compreendermos assim, a complexidade das relações entre Estado e Igrejas, entre religião e política. Salvaguardadas as devidas proporções e todas as diferenças culturais, históricas e políticas, a atual conjuntura afegã pode ser sim um instrumento de alerta para o que tem se desenrolado no Brasil nas últimas décadas”, alerta a professora que é pesquisadora na área de religião e política, fundamentalismo religioso, religião e educação e ensino religioso. “Os fundamentalismos no Brasil têm avançado a olhos vistos, com o apoio de uma parcela da sociedade e ao total desconhecimento de outra parcela que despreza as consequências que essa ação ostensiva pode ter para a democracia brasileira. A imposição de uma única perspectiva religiosa no poder, como tem se desenvolvida atualmente no Brasil, além de ferir os próprios princípios da laicidade, ainda que flexível, que marca o nosso país, representa a perda progressiva de direitos fundamentais, a garantia de um regime democrático e uma sociedade que preza pela justiça social”, conclui. 

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Referências

Guia do Estudante. https://guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/o-que-e-o-taliba-e-como-o-grupo-tomou-o-poder-no-afeganistao/ Acesso em: [26 ago 2021]

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Aos Fatos. https://www.aosfatos.org/noticias/posts-reciclam-boato-ao-alegar-que-taliba-condenou-morte-229-missionarios-cristaos/ Acesso em: [26 ago 2021]

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Organização para a Democracia e Liberdade na Síria. http://www.odf-syria.org/fr/news/news/ribal-alassad-condemns-cold-blooded-execution-carried-out-by-islamist-rebels Acesso em: [26 ago 2021]

Jornal O Estado de Minas. https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2021/08/14/interna_internacional,1295850/taliba-toma-controle-de-mazar-i-sharif-grande-cidade-do-norte-do-afeganist.shtml Acesso em: [26 ago 2021]

Deutsche Welle no Brasil. https://www.dw.com/pt-br/about-dw/reda%C3%A7%C3%A3o-dw-brasil/s-32444 Acesso em: [26 ago 2021]

Jornal Britânico “The Sun”, https://www.thesun.co.uk/news/15588781/taliban-list-girls-widows-married-fighters/ Acesso em: [25 ago 2021]

Site de notícias G1, https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/08/17/taliba-entrevista-coletiva.ghtml Acesso em: [26 ago 2021]

Site do jornal espanhol El País, https://brasil.elpais.com/internacional/2021-07-29/china-e-os-talibas-consolidam-aproximacao.html Acesso em: [26 ago 2021]

Site de notícias G1, https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/08/19/ministro-de-relacoes-exteriores-da-china-diz-que-mundo-deveria-apoiar-o-afeganistao-em-vez-de-pressionar-o-pais.ghtml Acesso em: [26 ago 2021]

Notícias sobre cristofobia em portais gospel não contextualizam questão ao redor do mundo

O Portal Folha Gospel publicou em 24 de setembro de 2020 a matéria “Falar de cristofobia incomoda, mas vamos chamar a atenção para isso, diz Ernesto Araújo”.

O texto reproduz matéria do Portal Guia-me, que sintetiza a entrevista que o Ministro de Relações Exteriores Ernesto Araújo deu à rede de TV CNN, em 22 de setembro passado. Araújo defendeu a relevância do discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, no qual abordou o combate à cristofobia. Na entrevista, o ministro afirmou que o conceito existe e o presidente não foi o primeiro a usar.

Araújo acrescentou à CNN que existe uma conscientização pequena ao redor do mundo acerca da cristofobia e chama a atenção para essa realidade em países cuja maioria da população é cristã e onde, às vezes, o cristianismo é atacado e outras religiões não são.

Ele se referiu ao discurso de Bolsonaro na ONU que incluiu o tema da liberdade religiosa e mencionou o conceito de cristofobia, em defesa dos cristãos que sofrem perseguição.

De acordo com a matéria, parte da imprensa teria repercutido negativamente o discurso do presidente do Brasil, alegando a inexistência de cristofobia no Brasil. Folha Gospel destaca que o ministro acredita que o Brasil é um país majoritariamente cristão, por isso tem responsabilidade em defender os cristãos perseguidos ao redor do mundo (em torno de 260 milhões, número apontado pela ONG Cristã Portas Abertas e reproduzido no Folha Gospel).

Na edição publicada pela Folha Gospel, o ministro Araújo avalia que, em um país como o Brasil, que apresenta a porcentagem de 90% de cristãos, o cristianismo é responsável por parte da sua identidade e da sua essência, o que levaria as autoridades brasileiras a assumirem a responsabilidade de chamarem a atenção para a questão.

A matéria traz a citação do ministro à CNN, referente a um estudo enviado ao Ministério de Relações Exteriores do Reino Unido, que aponta que 80% dos perseguidos por religião no mundo são cristãos. Araújo, segundo a síntese publicada pela Folha Gospel, defende o uso do termo “cristofobia”, já que islamofobia é utilizado para definir a perseguição aos muçulmanos. “Isso precisa ter um nome, para que as pessoas se conscientizem disso”, destacou, de acordo com a edição da Folha Gospel.

Ernesto Araújo afirmou à CNN, segundo a matéria reproduzida, que o discurso do presidente nas Nações Unidas não se limitou à diplomacia, mas foi “relevante, inovador e corajoso”. “Falar de cristofobia pode incomodar algumas pessoas, mas vamos chamar atenção para isso”, disse o ministro na entrevista.

A síntese publicada pela Folha Gospel destaca que o ministro foi questionado por jornalistas da CNN sobre o discurso de Jair Bolsonaro não ter contemplado brasileiros de outras religiões, e ele esclareceu que o presidente não deixou de olhar para as outras religiões, pois defende a liberdade religiosa para todos. A matéria destacou, novamente, que Araújo ressaltou que, pelo fato do Brasil ser um país cristão, as autoridades se sentem responsáveis por chamar a atenção sobre a intolerância religiosa. “Não excluímos ninguém, mas queremos recuperar a identidade nacional, não queremos ser um país genérico”, afirmou o ministro à CNN.

O discurso do presidente Bolsonaro na ONU

Em seu discurso de abertura da 75° Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que durou pouco mais de quatorze minutos, o presidente Jair Bolsonaro destacou a covid-19 e o desemprego, como dois problemas a serem resolvidos e apontou a imprensa brasileira como agente disseminador de pânico entre a população. Falou sobre as medidas tomadas pelo governo federal no âmbito da pandemia, como o auxílio emergencial.

Bolsonaro falou ainda sobre a Amazônia e o Pantanal e a propagação de “desinformação” sobre os incêndios que devastaram os dois ecossistemas, que segundo o presidente, começaram na área em que índios e caboclos mantém plantações, sendo que estas áreas já se encontram desmatadas e comentou sobre o derramamento de óleo venezuelano em 2019 na costa brasileira.

Ao afirmar que “a liberdade é o bem maior da humanidade”, Bolsonaro faz uso do tema da liberdade religiosa e do combate à cristofobia e afirma que “o Brasil é um país cristão e conservador, e tem na família a sua base”.

Sobre o conteúdo do discurso do presidente Bolsonaro na ONU, o projeto Aos Fatos verificou 41 afirmações, tendo avaliado 12 delas como verdadeiras e 29 como desinformação, entre 11 falsas, 7 imprecisas, 6 insustentáveis, 4 contraditórias e uma exagerada. O tema da cristofobia não foi verificado.

A doutora em Ciências da Comunicação, pesquisadora sobre religião e política, jornalista e editora-geral do Coletivo Bereia Magali Cunha afirma que o discurso de Bolsonaro na ONU se revelou recheado de falácias, ou seja, informações falsas, estrategicamente utilizadas para passar a impressão de serem verdadeiras.

A apresentação do tema da “cristofobia” como uma das grandes questões a serem enfrentadas no mundo, representou, para Magali Cunha, um forte aceno aos apoiadores do presidente, tanto católicos quanto evangélicos brasileiros e não é dirigida como “apelo à comunidade internacional”, como faz parecer.

De acordo com a editora-geral do Coletivo Bereia, o termo “cristofobia” não se aplica ao Brasil, por conta dos cristãos serem ampla maioria religiosa e, não haver nesse contexto, perseguição à religião cristã, como ocorre em outros países. Casos de perseguição religiosa a este grupo no país são pontuais, reflexos da ignorância e do preconceito contra evangélicos e de situações, como atentados a símbolos e templos católico-romanos por extremistas evangélicos.

São as religiões de matriz africana que sofrem perseguição religiosa recorrente no Brasil, conforme apontam relatórios elaborados pelo governo federal, fruto de histórica demonização destas religiões por conta da hegemonia cristã exclusivista e do racismo estrutural, por serem expressões de fé da cultura negra. Segundo Magali Cunha, a estratégia discursiva adotada pelo presidente visa a ampliação de forças fundamentalistas anti-direitos de minorias sociais. Para isso, o governo brasileiro tem buscado assessoria de juristas fundamentalistas entre católicos e evangélicos. A atuação da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) com o ministro Ernesto Araújo em pautas internacionais, é um exemplo.

O professor da Universidade de Brasília (UNB) e coordenador do grupo de pesquisa sobre Filosofia da Religião na instituição, Agnaldo Cuoco Portugal, afirmou em entrevista ao Portal Congresso em Foco que o discurso de combate ao ódio contra cristãos não é necessariamente novo. “Já vi o Papa Francisco falando desta perseguição. O patriarca de Moscou também. Aí faz sentido a estas autoridades falar contra a perseguição de cristãos”, disse, referindo-se ao líder da Igreja Católica Apostólica Romana e a Cirilo I, líder da Igreja Ortodoxa Russa.

O discurso bolsonarista mostra que não se trata apenas da interferência da religião na política, mas também da interferência da política na religião. Qualquer uma das duas manobras, pondera Agnaldo, é perigosa. “O chefe de nação defender determinada religião incorre no perigo de aumentar sua legitimidade política. E é algo perigoso numa democracia por conta de sua laicidade- o Estado não pode tomar uma posição religiosa, em detrimento de uma ou outra expressão”, explicou.

O conceito de cristofobia

Em entrevista ao Coletivo Bereia, o teólogo e pastor batista Irenio Chaves analisou o uso do termo “cristofobia”.

Não existe cristofobia no Brasil. Esse termo foi usado para descrever a perseguição a cristãos em países dominados por outros fundamentalismos e regimes extremistas, muitas vezes com martírio, desterro e violência. Não é o nosso caso. Não resta a menor dúvida de que há uma herança histórica de preconceito a protestantes, que vem diminuindo e quase desaparecendo, que é aquele que diz que todo o crente é sem entendimento e de classes sociais inferiores.

Irenio Chaves

Ouvida por Bereia, a professora de Antropologia da Religião na Unicamp Brenda Carranza explica que o uso do termo “cristofobia” pode estar relacionado às falas do Deputado Marco Feliciano em reação à Parada Gay em São Paulo. “Utilizar pública e aleatoriamente o termo Cristofobia é pavimentar a ideia de que existe um ódio contra o cristianismo. Tal ódio, segundo os disseminadores do termo, é nutrido por minorias sociais, étnicas e demográficas (entre elas comunidades LGBTQ+, movimentos sociais, indígenas, negros, pobres e feministas) que ameaçam o moral e costumes cristãos e acalentam desejos de atacar os cristãos”, afirma a pesquisadora. Em 2015, o então Presidente da Câmara Eduardo Cunha tentou votar com urgência um projeto de lei sobre cristofobia. O PL se encontra na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e teve relatório favorável em 2019.

No entanto, o pastor Irênio Chaves interpreta que o aumento de antipatia a segmentos fundamentalistas do evangelicalismo brasileiro acontece devido a um alinhamento deles a uma mensagem política e social imbuída de discurso de ódio, obscurantismo e negacionismo.

“Infelizmente, esse discurso é assumido por lideranças que têm acesso a grandes somas de dinheiro, a uma grande quantidade de pessoas e ao uso de mídias e redes sociais. Infelizmente, essa realidade tem favorecido o fortalecimento da extrema direita, como sinônimo de ‘conservadorismo’, e a divisão nas comunidades, com perseguição e ataques aos que pensam diferente. Se podemos falar em alguma ‘cristofobia’ no Brasil, é o que parte de fundamentalistas contra esses cristãos que querem colocar em prática a mensagem de amor e acolhimento de Jesus no contexto atual.”

Irênio Chaves

O pesquisador e mestre em Ciência das Religiões, Nelson Lellis, ouvido por Bereia, explica que o conceito é impossível de ser aplicado no Brasil:

O conceito Cristofobia diz sobre intolerância religiosa aos cristãos, o que é impossível sua aplicação no Brasil. Cristãos católicos ainda são a maioria; os evangélicos, em crescimento constante, protagonizarão esse cenário em 2032. O atual governo possui vários atores cristãos no poder. O presidente se declara cristão e frequenta missas e cultos. Como o Brasil pode ser cristofóbico? O fato é que as religiões de matriz africana continuam em primeiro lugar como foco de intolerância religiosa. Os principais “perseguidores” são evangélicos. Além de demonizarem sua teologia, destroem terreiros e apedrejam membros desses segmentos. O uso do termo “cristofobia” faz parte de uma tarefa propagandista política conservadora do atual governo. Seu intento é garantir a pauta “Deus, pátria e família”, um mote já bastante conhecido e defendido por igrejas bolsonaristas.

Nelson Lellis

Em entrevista ao Portal O Povo o padre Rafhael Maciel, sacerdote eleito pelo Papa Francisco como Missionário da Misericórdia, disse que o termo cristofobia se refere à aversão ou ridicularização pública de uma pessoa, em razão de sua fé em Jesus Cristo. “A igreja é repleta de mártires, vários santos no passado foram perseguidos porque acreditavam em Cristo. Naqueles primeiros tempos, não chamávamos de cristofobia”, esclarece o padre, recordando que a perseguição contra os cristãos se tornava testemunho de fé.

O sacerdote reconhece que o termo também é empregado para mascarar discursos que negam o extremismo religioso por parte de cristãos. O padre Rafhael salienta que assim como existem preconceitos de raça ou sexual, existem preconceitos ligados à questão religiosa.

Também entrevistado pelo portal O Povo, Christian Dennys, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e estudioso sobre religião há 25 anos, afirma que o conceito de cristofobia tem sido utilizado por supremacistas de direita para afirmar que maiorias cristãs são vítimas “das esquerdas”. Segundo o pesquisador, o termo ganhou novo significado com a midiatização (via mídias sociais) e a judicialização (através de bancadas evangélicas).

“‘Cristofobia’ não existe: mas pode virar uma lei para incriminar, de forma hedionda, quem atente contra a pregação de um ‘neopentecostal’- ultimamente tornado sinônimo do verdadeiro evangélico cristão”, comenta o professor. No entendimento de Dennys, o discurso da cristofobia é instrumento de revanchismo usado por grupos de extrema direita.

Dentro das esferas evangélicas o termo cristofobia tem sido utilizado para se referir a perseguições sofridas por adeptos do cristianismo em diversos países, principalmente onde são minoria. Há inúmeros relatos de prisões, violência e assassinatos de cristãos na Ásia, em países do Oriente Médio e da África.

No Brasil o termo tem sido usado para se referir a episódios de preconceito e discriminação contra evangélicos, embora não exista no país um sistema estruturado de perseguição violenta contra esse segmento religioso.

Entrevistado pela BBC Brasil, Marco Cruz, secretário-geral da ONG Portas Abertas, disse que não dá para falar em “cristofobia” no Brasil. “Há casos isolados de preconceito, mas, no nosso contexto, não consideramos que exista no Brasil uma perseguição estruturada e sistemática contra cristãos, como em outros países. Nós podemos expressar nossa fé livremente, ninguém é expulso de algum local por ser cristão, nenhuma pessoa morre ou é presa no Brasil por ser cristã”, afirma.

Magno Paganelli, doutor em história social pela Universidade de São Paulo (USP), disse à BBC Brasil que embora as religiões afro-brasileiras sofram mais com a discriminação, acredita que de fato existe cristofobia no Brasil, “se você considera o rigor do conceito de islamofobia, lgbtfobia e afins”, afirma.

Liberdade religiosa e perseguição de cristãos ao redor do mundo

A liberdade religiosa ou de crença faz parte dos direitos humanos, como afirma o artigo 18º da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

“Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.”

Declaração Universal dos Direitos Humanos

A ONU já publicou diversas resoluções e documentos a respeito da questão, desde a relação da liberdade religiosa com grupos vulneráveis até a intersecção desse direito com outros direitos humanos. Além disso, 22 de Agosto é o Dia Internacional contra a Violência baseada na religião e outras crenças.

Além de instituições religiosas como Porta Abertas e Ajuda à Igreja que Sofre, que colocam atenção à perseguição de cristãos, há organizações, como Pew Research Center, órgão de pesquisa estadunidense, que olham a questão de forma ampla, para além do Cristianismo, e têm publicado levantamentos anuais a respeito das restrições à liberdade de qualquer crença ao redor do mundo.

O pesquisador Brian Grim expôs a metodologia do estudo do Pew Research Forum em um TEDx: mede-se tanto as restrições governamentais quanto as hostilidades sociais relacionadas à liberdade religiosa ou de crença. De forma geral, 52 países (26% do total) impunham grandes ou muito grandes restrições governamentais à crença em 2017. Já os países com grandes ou muito grandes hostilidades sociais relacionadas à religião somavam 56.

Ao separar por religião, o estudo aponta o Cristianismo como confissão mais alvo de restrições em 2017. São 143 países em que cristãos sofrem alguma forma de assédio (termo usado pela pesquisa). Logo atrás vêm o islamismo, com 140 países em que restrições são impostas a seus praticantes. A pesquisa nota que essas religiões são mais alvejadas porque também são os maiores grupos religiosos do mundo.

Cristãos sofrem restrições em todos os 20 países do Oriente Médio e Norte da África e em 75% dos países da região Asiática do Pacífico. Já muçulmanos têm algum tipo de restrição em 95% do Oriente Médio e Norte da África e 93% da Europa. Vale lembrar a explicação de Grim: esses dados levam em conta todo tipo de restrição (governamental ou social): desde a prefeitura de Moscou restringir a 4 o número de mesquitas em seu território até o Paquistão punir o crime de blasfêmia com prisão ou pena capital. Ainda que o estudo avalie a gravidade das restrições por país, não o faz por religião.

Por último, é importante notar que o tema da liberdade religiosa voltada para cristãos faz parte de uma das prioridades da política externa estadunidense sob Donald Trump, como um aceno político ao apoio que recebe desse segmento religioso . A Casa Branca já publicou uma Ordem Executiva tratando do tema em 2020 e o Departamento de Estado dos EUA deixa público relatórios sobre o assunto produzidos desde 2017. A menção de Bolsonaro à liberdade religiosa e à cristofobia faz parte de um alinhamento brasileiro à política externa norte-americana nessa questão, buscando acenar também a seus apoiadores cristãos. inserir esta referência

O cristianismo como elemento formador da identidade brasileira

Em seu discurso, Bolsonaro disse que o Brasil é um país cristão, ponto reafirmado por Ernesto Araújo. No entanto, esta afirmação é enganosa, pois, apesar da predominância numérica cristã, o Brasil é um país com ampla pluralidade de religiões, e não pode ser chamado de cristão.

O Pew Research Center aponta que o país tem a maior população católica absoluta do mundo, apesar da queda nas últimas décadas. De acordo com dados do Censo Demográfico de 1970, os seguidores do Vaticano eram 91,8%. Hoje a população cristã tornou-se mais diversa. O Censo de 2010 aponta que evangélicos são 22,2% de todos os brasileiros e, somados aos católicos, os cristãos correspondem a 86,8% da população brasileira.

A predominância cristã tem relação com a colonização por Portugal, uma nação que esteve no regime do Padroado. De acordo com Eduardo Navarro, livre-docente do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade de São Paulo, nesse regime, a Igreja Católica assistia o direito ou incumbia o dever aos reis de Espanha e Portugal de evangelizar as terras colonizadas. Além disso, os patronos também podiam nomear bispos e comandar missionários em seu território.

Durante o Império de Pedro I e Pedro II, o Brasil manteve o Catolicismo Romano a religião oficial do Estado, ainda que permitisse outras práticas (como a protestante muitas vezes trazida por imigrantes como alemães luteranos na região sul ou ingleses anglicanos), sem autorização de erguer-se templos. Foi apenas com a Proclamação da República em 1889 que o país tornou-se laico, o que não mudou o caráter hegemônico do catolicismo entre os brasileiros. Os símbolos tradicionais dessa vertente do cristianismo ainda se fazem presentes no espaço público, como os crucifixos em prédios da Justiça.

No entanto, o cristianismo não é o único elemento formador da identidade brasileira. A cultura indígena tem marcas profundas na religiosidade popular e a cultura africana dos que foram trazidos como escravizados durante séculos também se faz presente entre os brasileiros, seja na culinária, música e também na religião. Em 2010, 0,3% da população brasileira se declarava umbandista ou candomblecista. Além disso, 8% da população se diz sem religião, 2% segue o espiritismo e há uma pluralidade de religiões de diferentes origens presentes no país, conforme o Censo de 2010.

Nesse sentido, ainda que cristãos sejam a maioria, o Estado é laico e, portanto, não favorece nem persegue credos específico e deve garantir que todos tenham plena liberdade de crer e de não crer , conforme definem os Artigos 5º e 19 da Constituição Federal de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

VI – e inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

Art. 19 “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; II – recusar fé aos documentos públicos; III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”

Constituição Federal de 1988

O Coletivo Bereia classifica a matéria da Folha Gospel como imprecisa. O texto que reproduz matéria de outro veículo gospel, o Portal Guiame, faz uma edição de conteúdos da entrevista concedida pelo Ministro das Relações Exteriores do Brasil à CNN que atua como promoção da fala do político e, por sua vez, do tema da cristofobia, na linha de uma assessoria de imprensa, sem contextualização das diversas afirmações do político apresentadas de forma imprecisa. Além disso, a matéria da Folha Gospel ainda acusa veículos de imprensa de repercutirem negativamente o discurso de Jair Bolsonaro na ONU, sem informar quais foram estes veículos e o que disseram exatamente. Com isso, Folha Gospel (e o Portal Guia-me) produz desinformação e animosidade do público contra veículos de imprensa em geral, tendo transformado o tema, tratado pelo ministro de forma vaga, em título da matéria.

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Foto de capa: Pixabay/Reprodução

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Referências

CORREIO BRAZILIENSE, https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/mundo/2020/01/15/interna_mundo,820607/mais-de-250-milhoes-de-cristaos-foram-perseguidos-no-mundo-em-2019.shtml. Acesso em: 29 set. 2020.

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PLANALTO (YOUTUBE): https://youtu.be/821wal-DuEA. Acesso em: 27 set. 2020

RELATÓRIO INTOLERÂNCIA E VIOLÊNCIA RELIGIOSA BRASIL: https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/RelatorioIntoleranciaViolenciaReligiosaBrasil.pdf. Acesso em: 27 set. 2020.

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IBGE, https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/14244-asi-censo-2010-numero-de-catolicos-cai-e-aumenta-o-de-evangelicos-espiritas-e-sem-religiao. Acesso em: 28 set. 2020.

PLANALTO, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 28 set. 2020.

Matérias sobre pastor que sofreu espancamento na Índia são desinformativas

Em 01 de julho, a coluna Giro Cristão disponível no site da Rádio 93 FM, emissora com sede na cidade do Rio de Janeiro, do Grupo MK, do senador evangélico Arolde de Oliveira (DEM/RJ) focada em temas cristãos, publicou uma matéria intitulada: “Pastor é espancado na Índia depois de orar por um doente”.De acordo com o texto, assinado pela jornalista Marcella Bastos, oito ataques contra cristãos teriam acontecido na Índia após a flexibilização do isolamento social por causa da Covid-19. 

Um deles teria sido contra o pastor Suresh Rao. O ato contaria com cerca de 150 pessoas que o arrastaram e espancaram, sob a justificativa de que Rao teria orado por uma pessoa doente. “Eles me arrastaram para a rua e me jogaram no chão. Começaram a pisar em mim, rasgaram minhas roupas, me chutaram por todo o corpo e socaram meu olho esquerdo. Sofri uma lesão ocular grave como resultado de um coágulo sanguíneo”, explicou a vítima em depoimento. Segundo a matéria, que não cita a fonte da notícia, os agressores acusaram o pastor de converter hindus ao Cristianismo, afirmando que a Índia seria uma nação hindu e não teria lugar para cristãos. 

Bereia verificou que sites de notícias cristãs do exterior publicaram matéria sobre o caso, dias antes. Um deles é o CBN News  (Christian Broadcasting Network) que noticiou a agressão ocorrida no dia 21 de junho, ocasião em que o Pastor Rao estaria orando por um doente na vila de Kolonguda. As informações foram baseadas em texto de outro grupo cristão que publica notícias na internet: International Christian Concern (ICC), instituição de caridade, sem fins lucrativos, que se declara prestadora de assistência, conscientização e serviços jurídicos a igrejas cristãs perseguidas em todo o mundo, desde 1995. A matéria na coluna “Persecution” [Perseguição], provavelmente a base para as demais, relaciona o aumento repentino de ataques a cristãos na Índia a partir da suspensão do isolamento social imposto contra a Covid-19. 

“Eles disseram que a Índia é uma nação hindu e que não há lugar para cristãos”, explicou Rao ao ICC. Em outro ponto, ele afirma: “Estou preparado para esse tipo de eventualidade”, explicou o pastor Rao. “Conheço o custo de servir a Jesus nessas aldeias remotas e continuarei a servir as pessoas desta região”. 

O ICC aponta também um outro incidente da mesma natureza no estado indiano de Tamil Nadu, onde uma igreja teria sido reduzida a cinzas, deixando 100 cristãos sem local de culto. “Fiquei tão angustiado e com dores no coração“, disse Ramesh, pastor da Igreja da Paz Real, em entrevista ao ICC, replicada também na matéria da CBN News.

“Foi um trabalho árduo por dez anos construir a igreja. Todo o trabalho árduo e doações de sacrifício dos pobres membros da congregação foram derrubados no chão. Tudo o que resta são cinzas”. Na entrevista, ele acrescentou: “Nos últimos dez anos, radicais me disseram várias vezes para fechar a igreja. Pela graça de Deus, fui capaz de suportar todas essas dificuldades e abusos, mas desta vez é uma devastação total”, acrescentou o pastor.

Um terceiro exemplo apontado na publicação diz respeito a possíveis ameaças de radicais aos membros da Igreja Evangélica Leigos, realizadas em 13 de junho, feitas quando eles estavam montando a igreja para reabrir após o confinamento motivado pela Covid-19. Como explicitado na matéria, o pastor Augustine salientou que os radicais estariam dizendo aos cristãos que orar ou se reunir na igreja era proibido e que os cristãos haviam causado a propagação do vírus.

“Não sabemos o que o futuro reserva”, disse o pastor Augustine. “No entanto, estamos preocupados que os radicais não nos permitam ter um culto na igreja”.

O texto apresenta o temor dos cristãos indianos, preocupados que a perseguição continue à medida que mais pessoas comecem a emergir do isolamento social.

O site evangélico brasileiro Gospel Mais também publicou a notícia sobre o espancamento do pastor Suresh Rao, além de ter abordado o momento político na Índia, considerando-o como extremista, tendo à frente o líder ultranacionalista Narendra Modi, do Partido Bharatiya Janata, no comando do país desde 2014. Gospel Mais sinaliza ainda as restrições da liberdade religiosa aprovadas em 2018, baseadas em argumento de que evangelistas “forçam” ou dão benefícios financeiros aos hindus para convertê-los ao cristianismo.

Entenda a situação dos cristãos na Índia

A Índia é o segundo país mais populoso do mundo, ficando atrás da China. De acordo com o World Christian Database (WCD), a maior religião do país é o hinduísmo, com 72,5% da população. A religião predomina a Índia há séculos (começou a se desenvolver entre 500 e 300 a.C.). A segunda maior religião na Índia é o islamismo, com 14,4% da população. Já o cristianismo desponta como a terceira maior religião no país, com 4,8% da população. Em seguida, vêm as chamadas etno-religiões, com 3,8% da população, que são religiões tribais tradicionais anteriores à chegada do hinduísmo e do budismo no país. Por último, está o budismo, com 0,7% da população, e se originou na Índia Antiga em algum momento entre os séculos 4 e 6 a.C., de onde se espalhou por grande parte da Ásia. 

Estudos atribuem a introdução do cristianismo na Índia pelo Apóstolo Tomé, que supostamente desembarcou em Kerala em 52 d.C. Há, porém, consensos de vários estudiosos de que o cristianismo foi estabelecido na Índia pelo século 6 d.C., por algumas comunidades que usaram liturgias sírio-aramaicas.  Os cristãos são encontrados em toda a Índia, entre católico romanos, ortodoxos de várias tradições e evangélicos, com grandes grupos em partes do sul e da costa sul do país, a costa de Konkan, e também no Nordeste da Índia.

Igrejas protestantes e ortodoxas, bem como organizações ecumênicas, conselhos regionais e agências cristãs da Índia estão articuladas no Conselho Nacional de Igrejas da Índia (NCCI, sigla em inglês). O Conselho foi estabelecido em 1914 como Conselho Missionário Nacional e, em 1979, o Conselho se transformou no que é conhecido como Conselho Nacional de Igrejas na Índia. O NCCI é composto por 30 igrejas-membro, 17 conselhos cristãos regionais, 18 organizações da Índia e 7 agências relacionadas. Representa cerca de 14 milhões de pessoas na Índia. 

O Conselho e seus membros constituintes declaram estar ativamente engajados nos serviços religiosos, na construção da nação e na transformação social. É um Conselho autônomo inter-confessional que indica promover e coordenar vários tipos de atividades pela vida e pelo testemunho responsáveis, pela defesa da dignidade humana, pela justiça ecológica e econômica, pela transparência e prestação de contas e pela equidade e harmonia, através de seus membros constituintes e em parceria com a sociedade civil, ONGs, movimentos populares e simpatizantes em nível local, nacional e internacional.

Cristãos indianos sempre contribuíram significativamente para a vida pública na Índia, segundo o NCCI, e estão representados em várias esferas da vida nacional, entre ministros de Estado, governadores e comissários eleitorais principais. 

A intolerância religiosa na Índia

Apesar da constituição da Índia ser secular e tolerante no tocante à liberdade religiosa, de haver representação religiosa ampla em vários aspectos da sociedade, incluindo no governo, do papel ativo desempenhado por órgãos autônomos, tais como a Comissão Nacional de Direitos Humanos da Índia e a Comissão Nacional para as Minorias, e do trabalho de organizações não- governamentais, há um histórico de perseguição a cristãos e muçulmanos na Índia. Vinham sendo ações pontuais de grupos radicais hindus que consideram tanto o islamismo quanto o cristianismo religiões estrangeiras que devem ser removidas do país, desta forma, muçulmanos e cristãos enfrentam intolerância de parte destes grupos. Já os budistas e siques (membros do siquismo, religião monoteísta que se originou no século XV, em Punjabe, cidade que limita a Índia e o Paquistão) são muito mais aceitos pelos radicais hindus, pois essas religiões se originaram em território indiano.

Pesquisa dos professores da Universidade Tecnológica Nanyang de Singapura, Nilay Saiya, Stuti Manchanda, mostra que, desde 1967, sete dos 29 estados da Índia têm imposto leis de ‘anticonversão’, que são projetadas para impedir que indivíduos e grupos convertam ou tentem converter, direta ou de outra forma, pessoas através de meios ‘forçados’ ou ‘fraudulentos’, incluindo ‘atração’ ou ‘ indução’. Saiya e Manchanda afirmam: 

“Esse pode parecer um objetivo nobre o suficiente [liberdade religiosa]; no entanto, argumentamos que as leis anticonversão realmente servem para gerar violenta perseguição anticristã, criando uma cultura de vigilantismo nos estados onde essas leis existem. Nossa análise conclui que os estados que aplicam leis anti-conversão têm, de fato, estatisticamente mais probabilidade de dar origem a violenta perseguição contra os cristãos do que estados onde essas leis não existem”.

A situação se agrava desde 2014, quando o partido de extrema-direita Bharatiya Janata (BJP, na sigla em inglês) tomou o poder e tem incentivado a ideia de que a Índia deve ser uma nação hindu, com o hinduísmo como sua única fé. Ligada à legenda, a organização Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS) é a principal responsável por disseminar essas ideias, por meio da perseguição religiosa.

Cristãos e muçulmanos têm visto o aumento drástico dos casos de agressão física, de ataques contra igrejas e comunidades, de prisões arbitrárias e de violência sexual, desde que o BJP conquistou a maioria dos assentos no Parlamento e seu líder, Narendra Modi, assumiu o comando do país como primeiro-ministro. Modi renovou o mandato nas eleições de 2019.

O objetivo expresso pelo governo de Modi é fazer da Índia uma nação 100% hindu, livre de outras religiões minoritárias até o fim de 2021. Os poderes Legislativo e Judiciário e organizações ligadas ao governo têm sido incentivados a trabalhar para isso.

Um relatório da organização Human Rights Watch (Observatório de Direitos Humanos) trata dos graves eventos ocorridos em 2018, com perseguição da parte do governo do BJP a ativistas, advogados, defensores de direitos humanos, jornalistas que se colocaram diante dos ataques a minorias religiosas e comunidades marginalizadas. Foram contabilizados 18 ataques apenas no mês de novembro daquele ano.

Em 2017, o jornal O Globo noticiou a prisão de um grupo de 32 católicos enquanto ouvia músicas de Natal no estado de Madhya Pradesh, na Índia, sob suspeita de tentar converter outras pessoas ao cristianismo. Na data, quando um grupo de sacerdotes foi à delegacia de polícia indagar sobre as detenções, o carro em que estavam foi incendiado no estacionamento. Os suspeitos pertencem a um grupo hindu de direita, de acordo com informações do secretário geral da Conferência Episcopal da Índia, Theodore Mascarenhas.

O NCCI (Conselho Nacional de Igrejas da Índia) tem, frequentemente, se manifestado publicamente contra as ações violentas contra cristãos e muçulmanos, por meio de cartas abertas dirigidas ao primeiro-ministro. Da mesma forma a Conferência Cristã da Ásia, organização regional que representa 15 conselhos nacionais de igrejas de mais de 100 denominações cristãs.

Lei recentemente aprovada pelo parlamento indiano foi condenada pelo NCCI e teve repercussão mundial. É a emenda à Lei da Cidadania, aprovada em 2019, que dá cidadania aos hindus, sikhs, budistas, jainistas, parses e cristãos não-indianos residentes na Índia antes de 2014, mas exclui os muçulmanos. O comissariado de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que esta lei é “fundamentalmente discriminatória”.

O relatório do Alto Comissário dos Direitos Humanos da ONU, de março de 2018, já afirmava:

“Na Índia, estou cada vez mais perturbado pela discriminação e violência dirigida a minorias, incluindo dalits e outras castas programadas, e minorias religiosas como muçulmanos. Em alguns casos, essa injustiça parece ativamente endossada por autoridades locais ou religiosas. Estou preocupado com o fato de as críticas de políticas governamentais serem frequentemente contestadas por alegações de que constituem sedição ou ameaça à segurança nacional. Estou profundamente preocupado com os esforços para limitar as vozes críticas através do cancelamento ou suspensão do registro de milhares de ONGs, incluindo grupos que defendem os direitos humanos e até grupos de saúde pública”.

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Diante da verificação empreendida pelo Coletivo Bereia, é possível afirmar que casos de intolerância e perseguição religiosa contra cristãos e outras minorias religiosas, em especial muçulmanos, que eram pontuais na Índia há muitas décadas, estão ocorrendo com mais intensidade desde que o partido de extrema-direita Bharatiya Janata, com o primeiro ministro Narendra Modi, chegaram ao poder em 2014. 

É possível que o relato do espancamento do pastor Suresh Rao tenha ocorrido, diante deste quadro, no entanto, este caso específico não pode ser comprovado nas pesquisas empreendidas pelo Bereia. A matéria da Rádio 93 FM, do Rio, publicada também no Gospel Mais, a partir de veículos de notícias cristãs internacionais, é classificada, portanto, como imprecisa. A matéria não apresenta dados relevantes como a fonte de onde foi baseada a notícia, a data do ocorrido, o nome da igreja ao qual o pastor está vinculado, a cidade onde ocorreu a possível ação violenta e as providências tomadas por justiça em relação a este caso de violência e o contexto em que se dá o caso (exceção do Gospel Mais, neste ponto).

A imagem utilizada como capa da notícia é o registro de um protesto entre hindus e mulçumanos, e não entre cristãos (Foto: Reuters/Danish Siddiqui)

Além disso faz uso de foto enganosa. A foto de um homem sendo espancado atribuída pela Rádio 93 FM ao pastor Rao, é, na verdade, da Agência Reuters, de caso ocorrido em 26 de junho de 2020, com ataque ao muçulmano Mohammad Zubai que se dirigia a uma mesquita. A possível fonte localizada pelo Coletivo Bereia, o International Christian Concern também não oferece dados sobre o caso, apenas diz que o pastor atua no estado de Telangana mas não publicou fotos atribuídas ao caso.


Este tipo de matéria sobre a perseguição religiosa desinforma, pois, além de reforçar o sensacionalismo de imagens de violência, silencia sobre outros grupos religiosos que são alvo, além dos cristãos, até mesmo com mais discriminação por leis. O caso do uso da foto enganosa é bem ilustrativo desta postura desinformativa. Com isso se faz, leitores pensarem que apenas cristãos sofrem violações naquele país, reforçando imaginários de vitimização exclusiva. De igual modo, as matérias ignoram as ações diante desta violação de direitos humanos nos países em que ocorre a perseguição, inclusive as dos próprios Conselho de Igrejas locais e as pressões de órgãos internacionais por procedimentos de justiça nestes casos, levando à falsa compreensão de que nada é realizado.

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Referências da Checagem:

Pastor que orava por doentes é arrastado e espancado por multidão na Índia. Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/pastor-orava-espancado-multidao-india-136861.html. Acesso em 06 de julho de 2020.

Pastor espancado por Mob, igreja incendiada enquanto a perseguição cristã violenta aumenta na Índia.  Disponível em: https://www1.cbn.com/cbnnews/world/2020/june/pastor-beaten-by-mob-church-set-on-fire-as-violent-christian-persecution-escalates-in-india. Acesso em 06 de julho de 2020.

Giuliano Martins Massi. Cristianismo na Índia: os cristãos de São Tomé, sua constituição, suas tradições e suas práticas religiosas. Dissertação de Mestrado, Ciência da Religião UFJF. Disponível em: http://bdtd.ibict.br/vufind/Record/UFJF_7564a2e9be6e6356aa1ff80bf65c2653   Acesso em 06 de julho de 2020.

Católicos são presos na Índia após cantar músicas de Natal. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/catolicos-sao-presos-na-india-apos-cantarem-musicas-de-natal-22195956. Acesso em 06 de julho de 2020.

Nilay Saiya, Stuti Manchanda. Anti-conversion laws and violent Christian persecution in the states of India: a quantitative analysis. Ethnicities Volume: 20 issue: 3, page(s): 587-607  Disponível em https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1468796819885396. Acesso em 07 jul 2020

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy. A Constituição da Índia. Jus.com.br, jan 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10831/a-constituicao-da-india#:~:text=A%20constitui%C3%A7%C3%A3o%20da%20%C3%8Dndia%20principia,a%20igualdade%20e%20a%20fraternidade.. Acesso em 07 jul 2020

O Estado de São Paulo. Ódio religioso: políticas de líder indiano acendem barril de pólvora, 6 mar 2020. Disponível em: https://outline.com/aKrUdz. Acesso em 07 jul 2020.

El País. Índia dá vitória à tradição e ao nacionalismo hindu nas urnas, 24 mai 2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/23/internacional/1558592881_394460.html Acesso em 07 jul 2020. 

NCCI (Conselho Nacional de Igrejas da Índia). Disponível em: https://ncci1914.com/1825/2014/07/03/general-news/. Acesso em 07 jul 2020

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Human Rights Watch. Disponível em: https://www.hrw.org/world-report/2019/country-chapters/india. Acesso em 07 jul 2020

ONU, Direitos Humanos. Disponível em https://news.un.org/en/story/2019/12/1053511 Acesso em 07 jul 2020

Zeid Ra’ad al-Hussein (March 2018). High Commissioner’s global update of human rights concerns (Report). UN Office of Human Rights. Dsiponível em: https://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=22772&LangID=E. Acesso em: 07 jul 2020

Tabibi Tossul – https://tabibitosoul.com/2014/08/12/cristaos-na-india-2a-parte/