Deputado apresenta Projeto de Lei que proibiria pregações em espaços públicos

Bereia recebeu dos leitores uma indicação de checagem sobre a postagem da deputada estadual Rosane Félix (PSD) do Rio de Janeiro, que fala sobre o projeto de lei 4257/18 em tramitação na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) e que, supostamente, proíbe “pregações, evangelismo e convites a pregação” em espaços públicos.

Imagem: reprodução Facebook

O projeto de lei em questão, de autoria do deputado Átila Nunes (MDB), entrou em pauta nesta quarta-feira (15) e saiu após receber 92 emendas de plenário. Segundo o texto do artigo 1º, a proposta proíbe “o assédio religioso nas instituições públicas e privadas no Estado do Rio de Janeiro”. Embora, inicialmente, constasse a proibição ao proselitismo, o termo foi retirado ao longo da tramitação na Casa legislativa. Criado em 2018, somente este ano ele foi alvo de parlamentares da bancada religiosa com a justificativa de que a proposta fere os princípios de liberdade religiosa. 

Durante a tramitação dentro da Assembleia, o texto sofreu inúmeras modificações, foi arquivado, desarquivado e recebeu diversas emendas, mas, até a data da postagem, 14 de dezembro, a deputada Rosane Félix não havia feito emendas ao projeto como afirma em sua conta no Facebook.

Autora da postagem e disseminadora da desinformação, Rosane Félix é locutora, foi radialista por mais de 20 anos e está em sua primeira legislatura. Antes de ser eleita pelo PSD em 2018, trabalhava na rádio gospel 93 FM, empresa pertencente ao grupo MK, idealizado pelo falecido senador Arolde de Oliveira (PSD). Na eleição, a parlamentar contou com o apoio do senador e de Flávio Bolsonaro (PL).

Imagem: reprodução do Facebook


Após ouvir todas as manifestações dos deputados da bancada evangélica da ALERJ, o deputado Átila Nunes (MDB), atual presidente da CPI da Intolerância, identificou-se como umbandista cristão e saiu em defesa de seu projeto. Visivelmente emocionado, indagou aos pares: “É justo zombar, é justo fazer comentários pejorativos, escrever ofensas pessoais, ameaçar alguém por razões religiosas?”. O projeto “não atinge a liberdade religiosa do indivíduo em ostentar símbolos e realizar práticas devocionais”, finalizou o deputado.

Proselitismo é diferente de assédio

Para aprofundar as questões que giram em torno do projeto, Bereia entrevistou o mestre em Filosofia pela UERJ e doutor em Teologia pela PUC e pastor evangélico Irenio Chaves, e a professora e antropóloga pesquisadora em religiões e política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Instituto de Estudos da Religião (ISER), Christina Vital .

A polêmica em torno do projeto parte também da falta de educação no uso do espaço público, como explica o pastor Irenio Chaves: “Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que o espaço público deve ser compreendido como laico e democrático, como também admitir que há excessos no uso desse espaço para fins de proselitismo e de propaganda indevida de ideias religiosas. Entretanto, é preciso entender essas manifestações no âmbito da Constituição Federal, que garante a livre manifestação na esfera pública.”

Sobre o proselitismo que envolve a expressão cultural e religiosa, Chaves diz: “as atividades religiosas no espaço público não se restringem ao proselitismo, mas também a expressões culturais e até manifestações sociais em defesa de direitos. A grande questão é se, a título de orientar as atividades religiosas, não está embutida nessa lei uma inibição às formas de livre expressão e de manifestação em todos os sentidos, principalmente aquelas que estão relacionadas à cultura, à defesa de ideias e de pensamento.”

“Qualquer forma de cerceamento da liberdade de expressão, seja religiosa, filosófica ou ideológica, é sempre uma ameaça à democracia. E isso não é bom.” conclui Chaves.

Sobre a liberdade de culto, citada pela deputada, o pastor e filósofo faz um alerta:  “quando tais atitudes extrapolam para a intolerância, já não estamos mais tratando de liberdade, mas de uma violação ao direito do outro, que pode até vir a ser tipificado como crime. Aí nesse caso, o Estado deve agir na forma jurídica, da lei, que foi aprovada em instâncias maiores”. 

Com relação ao termo “assédio religioso” disposto no projeto, Chaves, afirma:” o projeto inclusive tipifica algumas das atitudes que corresponderiam ao assédio religioso, mas que são, na verdade, ações de intolerância, de preconceito e de discriminação. Nesse caso, a pessoa que se sentir prejudicada deve ser orientada e estimulada a buscar seus direitos, provando que foi vítima de intolerância, preconceito ou discriminação” conclui.

A exploração do tema

Segundo a pesquisadora Christina Vital, esse tipo de desinformação gera um ambiente de ameaças e define três pontos em sua análise. O primeiro é a exploração da retórica da perda, no caso a liberdade de culto. Ela explica que é cultivada por atores que, futuramente, se apresentarão como gestores de uma falsa conquista. É como se vendesse a ideia de que algo está sendo perdido, mas na realidade, não está. 

Outro ponto destacado é o uso da falácia na retórica por parte dos disseminadores de fake news. “Como toda falácia, ela envolve meias verdades”, explica, “em parte, em situações que estão sendo observadas, mas são distorcidas”. A pesquisadora reforça que os pontos estão “umbilicalmente” ligados.

Por último, Vital alerta que esse caso tenta fortalecer uma retórica da intolerância contra o cristão no Brasil, a “cristofobia”. “Envolver o cristianismo, de forma geral, é uma estratégia para a propagação da agenda da cristofobia, por parte de atores evangélicos especialmente articulados para isso”, explica.

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Bereia classifica como FALSA a afirmação que o projeto de lei 4257/2018 irá proibir cultos, pregações e evangelismos na rua. O artigo do projeto de lei, na sua última redação, não proíbe o proselitismo religioso, não proíbe culto, não proíbe o evangelismo.

O artigo primeiro proíbe, sim, o assédio religioso, entendido como a prática, a indução ou a incitação à discriminação ou preconceito. Bereia vem alertando aos seus leitores que o pânico moral é uma estratégia política a fim de mobilizar eleitores em torno de um projeto comum. Segundo a pesquisadora e editora-geral do Bereia Magali Cunha, a retórica da cristofobia é uma das mentiras que mais circulam na internet e está sendo usada como estratégia eleitoral. Em texto publicado originalmente na Carta Capital e reproduzido aqui, ela explica: “o termo “cristofobia” não se aplica, por conta da predominância cristã no País, onde há plena liberdade de prática da fé para o grupo. Manipula-se, neste caso, a noção de combate a inimigos para alimentar disputas no cenário religioso e político. Além disso, se configura uma estratégia de políticos e religiosos extremistas que pedem mais liberdade e usam a palavra para falarem e agirem como quiserem contra os direitos daqueles que consideram “inimigos da fé”. Ou seja, contra ativistas de direitos humanos, partidos de esquerda, movimentos por direitos sexuais e reprodutivos, religiosos não cristãos e até cristãos progressistas – nem os da mesma família da fé são poupados.”

Referências de checagem:

Alerj – PL em votação no dia 15 de dezembro.

http://www3.alerj.rj.gov.br/lotus_notes/default.asp?id=7&URL=L3NjcHJvMTUxOS5uc2YvMGM1YmY1Y2RlOTU2MDFmOTAzMjU2Y2FhMDAyMzEzMWIvNjVlMjkyOWFjZDI3YWZiMzAzMjU4N2E2MDA1YzY1Njc/T3BlbkRvY3VtZW50JkhpZ2hsaWdodD0wLDIwMTgwMzA0MjU3&amp%5Ch# Acesso em: 23 dez 2021.

Alerj – PL original com justificativa.

http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/scpro1519.nsf/18c1dd68f96be3e7832566ec0018d833/2a21b8843412a250832582ba006e8475?OpenDocument&Start=1&Count=200&Expand=1.1.1 Acesso em: 23 dez 2021.

Bereia.https://coletivobereia.com.br/as-mentiras-que-circulam-em-ambientes-religiosos-no-brasil/ Acesso em: 23 dez 2021.

Como será a vida depois da quarentena?

O mundo que conhecíamos até o começo deste ano não existe mais. E não será mais o mesmo quando a quarentena por conta da pandemia provocada pelo Coronavírus terminar. Sim, a quarentena vai acabar, a pandemia vai passar e a vida retomará seu rumo. Mas o mundo não será mais do mesmo jeito, os relacionamentos não serão mais os mesmos e, muito provavelmente,  não nutriremos as mesmas ideias e ideais.

A pandemia do Covid-19 tem sido uma experiência dolorosa em todo o planeta. Os relatos das pessoas em quarentena, das famílias enlutadas e das perdas econômicas formam um quadro muito triste que permanecerá por muitos anos na memória dessa geração. Embora se possa acreditar que há uma vida pós-quarentena, a única coisa que se pode afirmar sobre ela é que o mundo não voltará ao normal.

Os epicentros dessa pandemia têm sido as grandes cidades. O vírus ganhou urbanidade, está inserido na polis. Portanto, alcançou dimensão política. A batalha contra ele não é biológica simplesmente mas, também, política. O uso político da Medicina, da Epidemiologia, da Infectologia vai determinar os caminhos a seguir. Para o bem ou para o mal. As decisões que tomarmos agora serão decisivas para o que virá quando tudo isso passar.

Há um aprendizado promovido pelo sofrimento. As épocas de calamidade deixam marcas profundas na vida social, e as pessoas em geral experimentam uma transformação no seu modo de pensar e de ver o mundo. E isso também acontece com a humanidade. Após períodos de grandes epidemias, ou mesmo de grandes guerras ou de cataclismas, o mundo procurou encontrar novas alternativas para a vida. Um bom exemplo disso foi o período da peste negra, que varreu o Ocidente. Associada ao avanço das forças otomanas sobre a Europa e à necessidade de encontrar respostas para os graves dilemas humanos, a cultura ocidental se abriu para uma nova mentalidade no campo das Artes, da Ciência, da Política e da Religião com o movimento renascentista. Ideias humanistas de valorização da liberdade e da dignidade da pessoa humana, bem como a afirmação da capacidade do homem pensar por si mesmo, resultaram no que conhecemos como mundo moderno ou modernidade.

Neste mundo de agora,  açoitado por uma crise sem precedentes , será urgente refletirmos sobre três grandes questões. A primeira relaciona-se à forma como o capitalismo chegou até aqui, favorecendo a concentração de renda de uma minoria e lançando na miséria um grande número de pessoas. A segunda indaga a respeito do cenário geopolítico em meio ao avanço da tecnologia da informação, da inteligência artificial e da internet das coisas, que influencia o surgimento de uma sociedade do controle e as mudanças nas relações de trabalho. E a terceira considera a ameaça à vida no planeta, com o esgotamento dos recursos naturais para o consumo, com o desequilíbrio ambiental e o aquecimento global.

A pandemia veio acrescentar, ainda, uma questão a mais para a humanidade: como reagimos quando tudo aquilo que acreditamos que nos daria segurança e bem-estar se torna insuficiente diante de um vírus de alto poder de contágio? Ainda não se tem uma resposta a respeito disso. Trata-se de uma questão nova, que nos conduz a uma total revisão daqueles  valores que orientam a maneira como vivemos. A busca por respostas, que não serão únicas nem definitivas, deve mobilizar agora todas as áreas do conhecimento humano, em todas as culturas e em todos os espaços. Esse vírus fez com que as pessoas parassem seu ritmo de vida a fim de que pudessem perceber que há algo mais que é preciso aprender juntos a respeito do nosso valor e de nossa condição humana. E temos aprendido coisas novas.

Aprendemos que a vida não é feita de pressa ou prazos, e que precisamos de bem menos para viver. Pessoas têm encontrado novas formas de consumir, de partilhar os recursos, de produzir bens e serviços. De repente, as pessoas descobrem o valor da vida em família, o quanto os nossos idosos são importantes, como é possível deixar um legado significativo para as gerações futuras. As pessoas têm descoberto o valor da vida em comunidade, de encontrar novas formas de se relacionar com os vizinhos que enfrentam as mesmas circunstâncias.

Aprendemos que a natureza precisa de um alívio. É possível parar o ritmo frenético das cidades, das fábricas e do comércio para dar tempo à natureza para que se recomponha e nos permita um ar mais puro, um ambiente com menos lixo e com menor taxa de agressões ambientais. As pessoas estão aprendendo a reduzir  aquilo que descartam, a dar importância à reciclagem e a cuidar de assuntos como contaminação, proteção e preservação de uma forma prática, aplicada à necessidade de sobrevivência.

Aprendemos que a economia neoliberal é a pior face do Capitalismo, que acima do mercado está a vida. E vimos que é possível pará-la. De nada adiantará um mundo com tanta capacidade econômica se isso não for aplicado na promoção e implementação de medidas emergenciais para preservar a vida.  O capital acumulado não serve para nada se as pessoas morrerem nessa pandemia. E, lembremos de que pessoas também morrem de fome, de doenças graves, de violência e de exclusão. O vírus veio nos mostrar que o neoliberalismo fracassou, pois nunca precisamos tanto do Estado e das políticas públicas, sobretudo nas áreas de saúde, educação e assistência social. O poder econômico tem que estar a serviço da vida, e não o contrário. O poder econômico precisa ser usado para frear a ganância dos poderosos, para promover justiça, diminuir as desigualdades sociais e oferecer oportunidades iguais a todos.

Aprendemos que a solidariedade , essa sim, é o que realmente nos humaniza. Diante de uma ameaça deste porte, nossas ideologias se tornam inadequadas e sem sentido. Percebemos que estamos todos fragilizados, que o vírus não poupa ninguém. A mensagem de que habitamos numa mesma casa comum começa a ganhar força. Isso tem suas implicações. As soluções que serviram para a China podem servir para os Estados Unidos. O que Itália, Espanha e França enfrentam servem de alerta para o resto do mundo. Os recursos desenvolvidos por um podem atender a necessidade de todos.

Aprendemos que a Fé não precisa do templo, do domingo ou do clero. Ela precisa de algo que nos impulsione para aquilo que está além de nós mesmos. As estruturas religiosas jamais deveriam estar engessadas em fórmulas, hierarquias, calendários ou mesmo espaços sagrados. É preciso descobrir que não há nada mais sagrado que a vida, que santidade é cuidar da vida de tal modo que toda ela seja importante, que a grande sabedoria de viver é permitir que o outro desfrute das mesmas chances que eu tenho. A Fé se realiza no encontro com o outro e com o transcendente, com esse sentimento de pertença ao outro e ao transcendente, ao mesmo tempo.

Aprendemos o valor do conhecimento, da cultura, da educação e da ciência. O que seria de nós se não fossem as universidades e os centros de pesquisas para lutarem por buscas de soluções para os problemas? O que seria de nós sem a Arte e a Literatura para superarmos o tédio desses dias? São contribuições que trabalham com o imaginário, que nos ajudam a sonhar e a ter esperança de que tudo isso vai passar e que, novamente, poderemos seguir nosso rumo.

Segundo o historiador israelense Yuval Noah Harari, em artigo no jornal inglês Financial Times, de 20 de março de 2020, a tempestade da pandemia passará, sobreviveremos, mas será outro planeta, já que muitas das medidas atuais de emergência deverão ser estabelecidas como rotinas fixas. O mundo que teremos depois dessa crise dependerá das decisões políticas que serão tomadas no decorrer dessa quarentena. Mas, passada a pandemia, teremos a chance de fazer a escolha se queremos retomar a vida de antes ou se queremos nos lançar em uma nova forma de viver.

Byung-Chul Han, filósofo coreano radicado na Alemanha, em artigo no jornal El País do dia 22 de março de 2020, disse: “Precisamos acreditar que, após o vírus, virá uma revolução humana”. Em meio aos acontecimentos, sobressai o exemplo daqueles que cuidam. Desde o modo correto de lavar as mãos até o desprendimento revelado ao se dedicarem ao serviço pelo outro, os profissionais de saúde nos ensinam como podemos cuidar e nos cuidarmos. A característica principal dessa “revolução humana” haverá de ser o cuidado, firmado no princípio da solidariedade entre todos e com todas as expressões da vida, ou não teremos aprendido nada. E os grandes revolucionários desse tempo serão aqueles que se levantaram para cuidar da vida.

A quarentena vai acabar, a humanidade vencerá mais essa pandemia, isso é certo. Mas tudo o que não queremos – ou pelo menos tudo o que não deveria acontecer – é retomarmos as coisas que fazíamos do jeito que fazíamos anteriormente. A pergunta que precisa ser feita agora é: será realmente necessário fazermos as mesmas coisas que fazíamos, produzir as mesmas coisas que produzíamos, consumir do mesmo jeito que consumíamos e viver do mesmo modo que vivíamos? A resposta que nós, como humanidade, dermos à essa questão orientará a maneira como reagiremos às transformações que virão.

Fonte da imagem: newsbeezer.com

Pentecostalismos e participação política: implicações do caso “Bonde de Jesus”

O jornal Folha de São Paulo reproduziu na última quinta, 12, a matéria do Washington Post“Neopentecostais armados atormentam minorias religiosas brasileiras” – que denuncia a existência de uma quadrilha de cristãos evangélicos extremistas, chamada “Bonde de Jesus”, na comunidade pobre de Parque Paulista, no município de Duque de Caxias. A quadrilha dava conta de ações de ataque a terreiros de matriz africana. As implicações desse caso vão além da intolerância religiosa, elas descortinam aspectos ligados à própria formação do pentecostalismo e do neopentecostalismo.

A atuação dos movimentos pentecostais, que inclui a participação dos neopentecostais, envolve muito mais que o uso da linguagem, da experiência de culto e do carismatismo. Os muitos pentecostalismos têm desenvolvido discursos e práticas relativas às questões sociais que os segmentos mais progressistas não se deram conta: pautas morais, como rejeição ao aborto e uniões homoafetivas, a demonização do espiritismo e da religiosidade afro-brasileira, além de práticas mercadológicas e comunicacionais.

Há um tipo de pentecostalismo com maior penetração entre jovens de classe média, e há um movimento pentecostal com melhor adesão nas comunidades mais carentes. Esses movimentos não se misturam. Andando pelas periferias dos grandes centros, constata-se, sem muita dificuldade, que o pentecostalismo conquistou mais fiéis do que as Comunidades Eclesiais de Base, da Teologia da Libertação, ou qualquer outro segmento religioso.

O cristianismo, de um modo geral, tem se tornado mais carismatizado e mais pentecostalizado. A presença pentecostal é uma marca desse tempo. É um movimento que tem sua origem nos grupos cristãos pertencentes a igrejas protestantes históricas dos Estados Unidos, que buscavam uma renovação espiritual no final do século XIX e começo do século XX. A ênfase era desvendar a obra do Espírito Santo e aprofundar essa experiência a partir da manifestação do falar em línguas estranhas, semelhante ao episódio ocorrido entre os primeiros cristãos e narrado no livro de Atos dos Apóstolos. Esse episódio ocorreu no dia de Pentecostes, uma data do calendário judaico.

A primeira experiência pública dessa manifestação aconteceu historicamente em 1906, na igreja da rua Azusa, em Los Angeles, Estados Unidos. A propagação dessa experiência se deu sob a forma de contágio, na medida em que pessoas que visitavam aquela igreja e recebiam a manifestação do dom de línguas tornavam-se propagadores da mensagem dessa experiência para diversas partes do mundo.

Aquela igreja chamava-se Missão Apostólica da Fé, mas em 1914 passou a se denominar Assembleia de Deus. A Missão da rua Azusa é, por assim dizer, a mãe do movimento pentecostal. O trabalho dessa missão influenciou os principais pregadores que deram início ao movimento pentecostal no Brasil. Primeiramente, com o missionário Louis Francescon, que iniciou a Congregação Cristã do Brasil em São Paulo, em 1910. Depois, com Gunnar Vingren e Daniel Berg, que iniciaram a Assembleia de Deus no Brasil, em 1911, na cidade de Belém do Pará.

Uma das características da religiosidade pentecostal é procurar uma aproximação aos ensinamentos e ao estilo de adoração dos primeiros cristãos, com uma interpretação literal e alegórica da Bíblia. Hoje, o termo pentecostal abrange uma diversidade de grupos e igrejas, diferentes em termos de perspectiva teológica, formas de organização, costumes e liturgias. Trata-se de um movimento descentralizado, sem qualquer controle ou hierarquia, que pode estar presente em qualquer grupo cristão. O mais correto seria nos referirmos a pentecostalismos. O fator comum é a ênfase na experiência do charisma ou dom, recebido como uma experiência de iniciação chamado de batismo do Espírito Santo.

O pentecostalismo é um movimento essencialmente urbano. Outro aspecto relevante é que o movimento pentecostal teve sua origem em igrejas formadas por negros e pessoas de baixa renda, e ganhou maior projeção entre os mais pobres e excluídos da sociedade. Esse fato pode ser observado, inclusive, em sua expansão na América Latina. Também é preciso ressaltar o papel da mulher, que ao longo dos anos tem participado cada vez mais da vida eclesial da igreja, assim como os leigos, embora ainda haja uma resistência ao seu papel como pastora ou pregadora em alguns grupos. Há igrejas neopentecostais lideradas por mulheres, como bispas e apóstolas. Antes, elas eram tratadas apenas como profetizas, missionárias ou líderes de círculo de oração. Hoje, elas ocupam também os púlpitos, o que de início era proibido.

O desenvolvimento do pentecostalismo no Brasil, e de um modo geral na América Latina, pode ser compreendido através de três etapas:

a) O pentecostalismo clássico – de 1911 à década de 1950, com a Congregação Cristã do Brasil e a Assembleia de Deus.

b) O pentecostalismo de segunda geração – por meio da expansão de campanhas de evangelização pelo interior do país, que resultou no surgimento da Igreja do Evangelho Quadrangular e da Igreja Brasil para Cristo. Em 1960, surgem novos grupos, como a Igreja Nova Vida, Deus é Amor e Casa da Bênção.

c) Os neopentecostais – a partir da década de 1970, como a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Internacional da Graça e a Igreja Renascer em Cristo.

A expansão dos grupos pentecostais se dá a partir das rupturas internas das igrejas, que se dividem por motivos políticos, doutrinários ou morais, dando lugar a uma infinidade de igrejas autônomas que se espalham por todas as localidades. O movimento pentecostal afetou diretamente a vida das chamadas igrejas protestantes históricas, ao promoverem movimentos de renovação, dando origem a novas igrejas pentecostalizadas ou igrejas renovadas.

Mas, mais do que isso, a participação dos pentecostais na sociedade tem afetado diretamente várias áreas, desde a relação com a criminalidade, interferindo na maneira de tratar ex-criminosos que se convertem, até a definição de candidaturas e de pautas políticas para o país.

Entre os muitos pentecostalismos, inclusive nos neopentecostalismos, há um projeto único de poder que inclui uma forma relativa de entender os Direitos Humanos, de tratar o estado laico com restrições, de suspeitar quanto à dinâmica do Estado Democrático de Direito, de questionar a garantia dos direitos das minorias, principalmente em relação às pautas identitárias, às questões de gênero e direitos reprodutivos, e de intolerância religiosa. Mas, acima de tudo, esse projeto de poder é alinhado aos interesses da direita, com um viés de demonização de qualquer ideologia de esquerda.

A influência desses movimentos se apresenta como uma resposta imediata ao crescimento da miséria provocada pelos muitos regimes de exceção na América Latina. Nesse sentido, adotaram um caráter fundamentalista para oferecer algumas respostas religiosas que permitem, ao menos em curto prazo, uma eficiente superação da crise. Trata-se de um tipo de fundamentalismo religioso que ajuda a enfrentar as incertezas com uma resposta absoluta e de forma imediata. Os pentecostalismos dessa natureza também têm a capacidade de transformar uma experiência de declínio em uma aquisição de poder. Uma crise social ou pessoal se converte em uma experiência religiosa de poder. Os conflitos sociais se projetam como expressões e interferências do sobrenatural, que contrapõem o bem e o mal. A mensagem pentecostal e neopentecostal é de cunho escatológico dispensacionalista, prometendo uma intervenção repentina do poder de Deus diante dos males do mundo.

Podemos afirmar que nos movimentos pentecostal e neopentecostal encontram-se departamentos sociais com interesses econômicos neoliberais e com um programa político de incorporação do Brasil e da América Latina à cultura norte-americana. Nesse sentido, esses movimentos, juntamente com o fundamentalismo evangélico que está presente nas igrejas protestantes históricas, é ao mesmo tempo cúmplice de exploradores e explorados, de dominadores e despojados, das elites e da pobreza. Por isso, o ecumenismo, que se mostra impossível em termos eclesiológicos e doutrinais, torna-se viável diante desse projeto de poder. São superadas, paulatinamente, as velhas fronteiras confessionais, de forma que os movimentos se juntam para polarizar em um ecumenismo do poder e um projeto político de controle da vida. O resultado é que a maioria dos fieis desse segmento votou a favor da ultradireita nas eleições de 2018.