Deputado católico mente sobre projeto de lei de taxação de offshores

Em duas publicações na plataforma X/Twitter, com milhares de acessos e compartilhamentos, o deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ) afirmou que o Projeto de Lei 4173/2023, conhecido como “Lei de taxação de offshores” ou “Taxação de super-ricos”, seria mais um instrumento para “assaltar o povo” e que uma suposta emenda ao projeto teria sido rejeitada pela base do governo.

Bereia verificou as informações apresentadas pelo deputado Jordy e o conteúdo do Projeto de Lei enviado pelo Governo Federal à Câmara dos Deputados. 

O que diz o Projeto de Lei

Ao se acessar dados do Banco Central do Brasil sobre investimentos no exterior, verifica-se que as pessoas físicas possuem ativos no exterior em valor total superior a USD 200 bilhões. Parte expressiva se refere a participações em empresas e fundos de investimento, especialmente nos chamados “paraísos fiscais”. Estes rendimentos auferidos pelas pessoas físicas por meio de tais estruturas de investimentos raramente são levados à tributação do imposto de renda brasileiro.

O Projeto de Lei 4173/2023 apresentado à Câmara de Deputados pelo governo federal, em 28 de agosto de 2023, dispõe sobre a tributação da renda auferida por pessoas físicas residentes no País em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior. 

O Projeto de Lei prevê a taxação das “offshores” (investimentos no exterior) e dos fundos exclusivos (fundos de investimento personalizados para pessoas de alta renda). “Offshores” são rendimentos obtidos fora do Brasil, por meio de aplicações financeiras ou empresas no exterior.

Os fundos exclusivos são feitos de forma personalizada para o cotista e, pelas regras atuais , têm pagamento de imposto somente no momento do resgate da aplicação. No caso das offshores, esse momento pode ser postergado com a intenção de adiar o pagamento do imposto.

O Projeto de Lei das Offshores e Trusts prevê a tributação anual de rendimentos de capital aplicado no exterior (Offshores), com alíquotas progressivas de 0% a 22,5%. Atualmente, o capital investido no exterior é tributado apenas quando resgatado e remetido ao Brasil.

Ao contrário do que diz Carlos Jordy, o projeto não faz qualquer referência ao teto para isenção de imposto de renda. Na postagem, o deputado vincula dois assuntos distintos – teto de imposto de renda  e taxação dos mais ricos – e promove confusão de entendimento.

Enquanto o PL 4173/2023 se refere à tributação de Offshores e Trusts, que exige o investimento mínimo de R$ 10 milhões, com custo de manutenção de até R$ 150 mil por ano, a Medida Provisória 1171/2023, diz respeito à alteração dos valores da tabela mensal do IRPF, com vistas a aumentar o valor do limite de aplicação da alíquota zero em 10,9% (dez inteiros e nove décimos por cento).

O PL foi aprovado na Câmara dos Deputados, em 25 de outubro passado, por 323 votos a favor e 119 contra, o texto seguiu para análise do Senado. O Partido Liberal, ao qual Carlos Jordy está vinculado, votou em grande maioria contra o projeto.

Fonte: Poder 360

Renda do cidadão brasileiro e desigualdade

O sociólogo e pesquisador no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marcelo Medeiros, autor  do livro “Os ricos e os pobres: O Brasil e a desigualdade”, explica que o Brasil é formado por uma grande massa de pessoas de baixa renda, que compõem cerca de 80% da população. Metade dos adultos brasileiros ganha R$1.200,00 por mês. 

Por outro lado, cerca de 90% da riqueza brasileira está entre o 0,5% e 1% da população. Segundo  Medeiros, a taxação daqueles que estão no topo da pirâmide não deve ser tratada com receio. Uma suposta fuga de capitais e investimentos, de acordo com o sociólogo, é um medo ingênuo e sem fundamento, pois três quartos da riqueza não podem ser deslocados. São empresas, máquinas e fazendas. 

Os dados levantados pelo autor apontam que o 1% mais rico do Brasil tem boa parte de seus rendimentos oriundos de heranças, divisão patrimonial em divórcios, rendimentos financeiros, ganhos de capital e, os que representam a maior parcela, 24%, da distribuição de lucros e dividendos.

Tributação da riqueza

De acordo com Pedro Carvalho Junior e Marc Morgan, autores de “Tributação da riqueza: princípios gerais, experiência internacional e lições para o Brasil”,  existem muitos argumentos válidos para a implementação do Imposto Sobre Grandes Fortunas (IGF) no Brasil, o principal são os altos níveis de desigualdade de renda e riqueza que ainda persistem no país. Além disso, a implementação de um imposto sobre a riqueza seria uma maneira democrática e transparente de rastrear e avaliar diretamente a distribuição da riqueza entre a população. 

A Constituição de 1988 estabeleceu que o IGF deveria ser implementado por uma Lei Complementar Federal,  no entanto, apesar de duas votações no parlamento, o IGF nunca foi implementado. Em 2017, havia 23 projetos de lei complementar que regulamentavam o IGF no Brasil, 18 na Câmara dos Deputados e cinco no Senado Federal. Um Projeto de Lei foi aprovado no Senado em 1989 e encaminhado à Câmara dos Deputados, mas após 11 anos de tramitação, foi rejeitado pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados em 2000. 

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Bereia classifica a declaração do deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ) como falsa.

O Projeto de Lei 4173/2023 tem como objetivo tributar aqueles com maior poder aquisitivo e regular modalidades de investimento ainda sem regras claras no Brasil. Desta maneira, uma pequena parte dos cidadãos, mas que concentram uma enorme fatia da riqueza nacional, serão tributados.   

A declaração do deputado mente sobre a  taxação ser dirigida ao “povo”, oculta informações relevantes em relação ao projeto, fragmenta dados, embaralha informações e utiliza o púlpito da Câmara dos Deputados para desinformar e manipular a percepção da população. 

A fala do deputado busca confundir e desorientar para criar um fato negativo contra o Projeto de Lei apresentado pelo governo à Câmara Federal. Jordy se refere ao PL como mais um imposto a ser cobrado no país, mas esconde o real objetivo da nova legislação: tributar os mais ricos e diminuir a desigualdade, o que está determinado na Constituição Federal. 

Referências de checagem:

“Tributação da riqueza: princípios gerais, experiência internacional e lições para o Brasil”. Pedro Carvalho Junior e Marc Morgan. Capítulo integrante do livro “Brasil: Estado Social contra a Barbárie“. Disponível gratuitamente: https://bit.ly/3fCj421 Acesso em 31 OUT 23

Câmara dos Deputados PL 4173/2023 

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2383287 Acesso em 31 OUT 23

PL Redação Final enviada ao Senado https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2353734&filename=Tramitacao-PL%204173/2023 Acesso em 31 OUT 23

https://www.camara.leg.br/noticias/1010815-camara-aprova-projeto-que-tributa-investimentos-de-brasileiros-em-offshores-e-fundos-de-alta-renda/ Acesso em 31 OUT 23

Governo Federal https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2023/08/presidente-assina-mp-que-tarifa-super-ricos-e-envia-projeto-para-tributar-capital-de-brasileiros-em-paraisos-fiscais Acesso em 31 OUT 23

Auditoria Cidadã

https://auditoriacidada.org.br/ Acesso em 01 NOV 23

O Globo https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2023/10/18/sem-os-10percent-mais-ricos-brasil-seria-um-pais-igualitario-diz-autor-de-novo-livro-sobre-desigualdade.ghtml Acesso em 01 NOV 23

BBC 

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c99q4ewklvgo Acesso em 01 NOV 23

Unisinos https://www.ihu.unisinos.br/categorias/633539-livro-reflete-sobre-a-abissal-diferenca-entre-ricos-e-pobres-no-brasil  Acesso em 01 NOV 23

Poder 360 https://www.poder360.com.br/congresso/leia-como-votou-cada-deputado-na-taxacao-de-offshores-e-super-ricos/#:~:text=A%20C%C3%A2mara%20dos%20Deputados%20aprovou,chamados%20%E2%80%9Csuper%2Dricos%E2%80%9D. Acesso em 01 NOV 23

Congresso Nacional

https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/157178/pdf Acesso em 07 NOV 2023

Foto de capa: Câmara dos Deputados

Circula em meios religiosos conteúdo enganoso sobre aumento do custo do combustível

O primeiro reajuste no preço dos combustíveis em 2023, sob o novo governo, ocorreu no início de março. Postagens em mídias sociais repercutiram o aumento no valor pago pelo litro da gasolina e atribuíram ao governo Lula a culpa pelo fato. Várias dessas postagens circulam em espaços religiosos, como matérias de sites como o Terra Brasil Noticias, disseminando pânico ao relacionarem o aumento do preço da gasolina ao aumento de impostos e do custo de vida pelo novo governo.

Imagem: reprodução da internet
Imagem: reprodução do Twitter

Por que houve o aumento do preço da gasolina?

Em texto publicado pelo Ministério da Fazenda, o ministro Fernando Haddad explicou que a desoneração dos combustíveis (quando o governo abre mão de cobrar impostos sobre eles para baixar o preço para os consumidores), foi uma decisão tomada pelo governo de Jair Bolsonaro em 2022, durante o período eleitoral, que resultou em um rombo anual de R$ 200 bilhões no orçamento público. “Vários ministérios foram deixados em uma situação caótica. Educação, Saúde, Assistência Social, Meio Ambiente. Todos os ministérios estão tendo de ser reconstruídos. Mas eu, como ministro da Fazenda, tenho que tomar medidas compensatórias para equilibrar o jogo”, declarou.

A decisão de 2022 também baixou a receita dos estados e municípios, que arrecadam pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o que provocou o comprometimento de uma série de serviços providos por estes entes da União.

O atual governo herdou as consequências da decisão e teve que buscar encaminhamentos que recuperassem a arrecadação do governo, tendo em vista as metas fiscais, sem onerar ainda mais a população que sofre com os altos preços. Foi decidido o fim da isenção de PIS e Cofins sobre a gasolina e o etanol (reoneração), mas o diesel e o gás de cozinha – os que têm efeito mais forte na vida da maior parte da população – permanecerão com impostos zerados até dezembro de 2023.. Em entrevista coletiva sobre o tema, o ministro Fernando Haddad afirmou que, nas bombas, o aumento do preço da gasolina foi calculado em R$ 0,34 por litro, enquanto o etanol combustível subiria apenas R$ 0,02, valores menores do que os que eram cobrados antes da desoneração dos tributos no ano passado. 

Imagem: reprodução do Twitter

A reoneração dos combustíveis faz parte do plano governamental de crescimento econômico, anunciado pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad, no dia 1º de março passado. De acordo com ele, o Brasil tem “um problema no crédito, na atividade econômica. Temos que dar um horizonte de planejamento para os investidores, porque a 13,75% vai ficar muito difícil”.

Os textos de base sobre a reforma tributária no país ainda estão em discussão no Ministério da Fazenda. A proposta de emenda à constituição (PEC), nº 110/2019, pretende criar o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), e o texto da PEC 45/2019 busca uniformidade de alíquotas para  bens e serviços, com autonomia para União, estados e municípios fixarem suas próprias alíquotas.

Abusos dos postos de combustível

De acordo com o jornal Folha de São Paulo, em levantamento feito pelas empresas Ticket Log  e Triad Research, o preço médio do litro de gasolina no estado de São Paulo era de R$ 5,30 , no início do mês de março. Porém, na capital paulista, alguns postos de combustíveis chegaram a cobrar R$ 8,49 centavos por litro depois do reajuste autorizado pelo governo. 

A composição dos preços de combustíveis segue uma série de precificações desde as refinarias até as bombas dos postos de distribuição e revenda. Os preços devem seguir as diretrizes da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), e a margem de lucro de uma distribuidora comercial de gasolina não deve ultrapassar os 4% do valor total do produto. Como Bereia já checou, segundo a Petrobras, o preço final dos combustíveis é composto por três parcelas: realização do produtor ou importador, tributos e margens de comercialização. No Brasil, esta margem de comercialização diz respeito à atribuição de preços de distribuição e dos postos revendedores. O custo de realização da Petrobras é de 31% do valor que chega ao consumidor. Já 45% do custo é composto pelos tributos. Diferente da gasolina, a maior parte do custo do diesel (54%) pertence a realização da Petrobras.

Em entrevista para a Folha de São Paulo, o diretor da Edenrend Brasil  afirmou que “a maior alta, de 5,7%, aconteceu na região Sul, com o combustível passando em média de R$ 5,22, no dia 27, para R$ 5,52, no primeiro dia deste mês”, afirmou.  A região sudeste teve um aumento médio de 5,5% no preço médio. 

O aumento no preço dos combustíveis que extrapola os R$ 0,34 para a gasolina e os R$ 0,02 para o etanol  podem ser vistos como uma prática abusiva de mercado, sendo possível a denúncia. O Procon São Paulo lembra que a cobrança de taxas e preços acima do permitido é crime, e casos de cobrança abusivas devem ser denunciadas. 

No entanto, tal situação de abuso foi atribuída em postagens em mídias sociais ao governo federal.

Como entender o preço dos combustíveis herdado pelo atual governo

Desde o governo de Michel Temer (2016-2018), o preço dos combustíveis tem alcançado índices muito altos no Brasil. Como Bereia já explicou, em outra matéria de checagem de desinformação sobre o tema, naquele período, reajustes eram praticados diariamente, quando houve a decisão de que os preços deveriam seguir parâmetros internacionais. Ao continuar a mesma política, o governo Bolsonaro (2019-2022), os custos para os consumidores alcançaram altíssimos valores. 

Diante da alta da inflação e da insatisfação da população, tendo em vista a aproximação do ano eleitoral, o governo anterior conseguiu aprovar no Congresso Nacional a Lei Complementar 194/2022, para frear a inflação, com a adoção de algumas medidas de alteração da cobrança de tributos. Entre estas medidas estão base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), do estabelecimento de valores fixos de contribuição, redução de alíquotas, bem como desoneração de alguns tributos, como o Programa de Integração Social (PIS), o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre alguns bens e serviços. 

A lei que zerou os impostos federais (PIS e Cofins) sobre combustíveis até 31 de dezembro de 2022 e limitou a cobrança de ICMS pelos Estados à alíquota mínima de 17% ou 18%,

foi sancionada por Jair Bolsonaro em meio à forte alta internacional dos preços do petróleo, devido à guerra entre Rússia e Ucrânia. Após a aprovação da medida, os combustíveis tiveram queda de preços em julho, agosto e setembro, contribuindo para a deflação registrada pelo IPCA, índice oficial de inflação do país, nesses mesmos meses.

Porém, o fôlego das medidas se revelou curto, como declarou o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), em Nota Técnica de agosto de 2022:. “Apenas no primeiro semestre de 2022, o diesel acumulou alta de 33,39%, a gasolina, de 8,06%, e o gás de cozinha, de 7,49%. No mesmo período, a taxa geral da inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi de 5,49%”.

Na avaliação do DIEESE, “um fator tem impactado muito mais os preços do que os tributos, que é a Política de Paridade de Preços de Importação (PPI). Essa política funciona na Petrobrás desde outubro de 2016” . O DIEESE explica que, com a política de ‘desinvestimento’ na Petrobrás, que esteve em curso no país de 2016 a 2022, o governo perdeu o  controle sobre os preços dos combustíveis como um todo, uma vez que a partir da privatização das refinarias, as empresas que as adquirem podem adotar a própria política. O caso da Acelen, na Bahia, é um exemplo enfatizado pelo DIEESE.

Na avaliação do prof. Bruno Carazza, da Fundação Dom Cabral, em entrevista à BBC Brasil, “essa medida teve como objetivo agradar a fatia do eleitorado de classe média, que estava bastante incomodado com os preços altos dos combustíveis. Então foi uma medida estratégica do governo para tentar acalmar esse segmento, que foi muito decisivo para a eleição do Bolsonaro em 2018”. Para o economista, “a lei foi uma estratégia para, por vias indiretas, ao intervir no mercado de combustíveis, criar uma redução artificial da inflação, reduzindo seus efeitos para a classe de renda mais baixa. Então, sem dúvida nenhuma, isso teve um objetivo eleitoral muito forte.”

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Bereia classifica como enganosas as matérias de sites e postagens em mídias sociais sobre reajustes abusivos no preço de combustíveis, que são usadas para criar pânico em relação à situação econômica do Brasil. Estes veículos e perfis não informam o público que os aumentos abusivos da gasolina e do álcool têm sido encaminhados por postos de combustíveis e não correspondem ao que foi aprovado pelas medidas governamentais.

Referências de checagem:

Terra Brasil Notícias. https://terrabrasilnoticias.com/2023/03/vai-chegar-a-r-10-gasolina-ja-pode-ser-vista-por-r-8-49-em-postos-apos-governo-lula-retomar-impostos/ Acesso em 17 mar 2023

Folha de S. Paulo.

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/03/postos-ja-vendem-gasolina-por-r-699-em-sao-paulo.shtml Acesso em 17 mar 2023

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/02/tributo-federal-sera-de-r-047-para-gasolina-e-r-002-sobre-etanol.shtml Acesso em 17 mar 2023

Money Times.

https://www.moneytimes.com.br/75-a-mais-na-gasolina-e-21-no-etanol-veja-como-deve-ser-a-reoneracao-dos-combustiveis/ Acesso em 17 mar 2023

https://www.moneytimes.com.br/gasolina-chega-a-r-849-em-sao-paulo-com-volta-de-impostos-federais/ Acesso em 17 mar 2023

Metropoles. https://www.metropoles.com/brasil/economia-br/haddad-sobre-reforma-tributaria-ou-faz-ou-o-brasil-nao-vai-crescer Acesso em 17 mar 2023

Procon São Paulo https://www.procon.sp.gov.br/ Acesso em 17 mar 2023

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-03/pib-cresce-29-em-2022-e-fecha-o-ano-em-r-99-trilhoes#:~:text=O%20Produto%20Interno%20Bruto%20(PIB,em%20rela%C3%A7%C3%A3o%20ao%20ano%20anterior. Acesso em 17 mar 2023

Governo Federal. https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2023/marco/solucao-sobre-tributacao-dos-combustiveis-ajuda-a-pavimentar-reducao-dos-juros-no-pais Acesso em 17 mar 2023

Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.

https://www.gov.br/anp/pt-br Acesso em 20 mar 2023

https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/precos-e-defesa-da-concorrencia/precos  Acesso em 20 mar 2023

BBC Brasil- https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63419897 Acesso em 21 mar 2023Bereia- https://coletivobereia.com.br/governo-federal-reduz-impostos-no-valor-dos-combustiveis/ Acesso em 21 mar 2023

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Foto de capa: Erik Mclean/Pexels.com

O Natal de Jesus e o nosso Natal sob o Covid-19

O Natal do ano 2020 seja talvez o mais próximo do verdadeiro Natal de Jesus sob o imperador romano César Augusto.

Este imperador ordenara um recenseamento de todo o império. A intenção não era apenas como entre nós, de levantar quantos habitantes havia. Era isso, mas o propósito era cobrar de cada habitante um imposto, cuja soma com aquele de todas as províncias se destinava a manter a pira de fogo permanentemente acesa e sustentar os sacrifícios de animais ao imperador que se apresentava e assim era venerado como deus. Tal imposição a todos do Império provocou revoltas entre os judeus.

Esse fato, mais tarde, foi usado pelos fariseus como uma armadilha a Jesus: devia pagar ou não o imposto a César? Não se tratava do imposto comum, mas aquele que cada pessoa do império devia pagar para alimentar os sacrifícios ao imperador-deus.

Para os judeus significava um escândalo pois adoravam um único Deus, Javé, como poderiam pagar um imposto para venerar um falso deus, o imperador de Roma? Jesus logo entendeu a cilada. Se aceitasse pagar o imposto seria cúmplice da adoração a um deus humano e falso, o imperador. Se o negasse se indisporia com as autoridades imperiais negando-se a pagar o tributo em homenagem ao imperador-deus.

Jesus deu uma resposta sábia: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. E outras palavras, dai a César, um homem mortal e falso deus o que é de César: o imposto para os sacrifícios e a Deus, o único verdadeiro, o que é de Deus: a adoração. Não se trata da separação entre a Igreja e o Estado como comumente se interpreta. A questão é outra: qual é o verdadeiro Deus, aquele falso de Roma ou aquele verdadeiro de Jerusalém? Jesus, no fundo, responde: só há um Deus verdadeiro e deem a ele o que lhe cabe, a adoração. Dai a Cesar, o falso deus, o que é de César: a moeda do imposto. Não misturem deus com Deus.

Mas votemos ao tema: o Natal de 2020, como nunca na história, se assemelha ao Natal de Jesus. A família de José e de Maria grávida são filhos da pobreza como a maioria de nosso povo. As hospedarias estavam cheias, como aqui os hospitais estão cheios de contaminados pelo vírus. Como pobres, Jesus e Maria, talvez nem pudessem pagar as despesas como, entre nós, quem não é atendido pelo SUS não tem como bancar os custos de um hospital particular. Maria estava na iminência de dar à luz. Sobrou ao casal, refugiar-se numa estrebaria de animais. Semelhantemente como fazem tantos pobres que não têm onde dormir e o fazem sob as marquises ou, num canto qualquer da cidade. Jesus nasceu fora da comunidade humana, entre animais, como tantos de nossos irmãos e irmãs menores nascem nas periferias das cidades, fora dos hospitais e em suas pobres casas.

Logo depois de seu nascimento, o Menino já foi ameaçado de morte. Um genocida, o rei Herodes, mandou matar a todos os meninos abaixo de dois anos. Quantas crianças, no nosso contexto, são mortas pelos novos Herodes vestidos de policiais que matam crianças sentadas na porta da casa? O choro das mães são eco do choro de Raquel, num dos textos mais comovedores de todas as Escrituras: “Na Baixada (em Ramá) se ouviu uma voz, muito choro e gemido: a mãe chora os filhos mortos e não quer ser consolada porque ela os perdeu para sempre” (cf.Mt 2,18).

De temor de ser descoberto e morto, José tomou Maria e o menino Jesus atravessam o deserto e se refugiram no Egito. Quantos hoje sob ameaça de morte pelas guerras e pela fome, tentam entrar na Europa e nos USA. Muitos morrem afogados, a maioria é rejeitada, como na catolicíssima Polônia e vem discriminada; até crianças são arrancadas dos pais e engaioladas como pequenos animais. Quem lhes enxugará as lágrimas? Quem lhes mata a saudade dos pais queridos? Nossa cultura se mostra cruel contra os inocente e contra os imigrantes forçados.

Depois que morreu o genocida Herodes, José tomou Maria e o Menino e foram esconder-se num lugarejo tão insignificante, Nazaré, que sequer consta na Bíblia. Lá o Menino “crescia e se fortalecia cheio de sabedoria” (Lc 2,40). Aprendeu a profissão do pai José, um fac-totum, construtor de telhados e coisas da casa, um carpinteiro. Era também um camponês que trabalhava o campo e aprendia a observar a natureza. Ficou lá escondido até completar 30 anos, foi quando sentiu o impulso de sair de casa e começar a pregação de uma revolução absoluta: “O tempo da espera expirou. A grande reviravolta está chegando (Reino). Mudem de vida e acreditem nessa boa notícia” (cf. Mc 1,14): uma transformação total de todas as relações entre os humanos e na própria natureza.

Conhecemos seu fim trágico. Passou pelo mundo fazendo o bem (Mc 7:37; Atos 10:39), curando uns, devolvendo os olhos a cegos, matando a fome de multidões e sempre se compadecendo do povo pobre e sem rumo na vida. Os religiosos articulados com os políticos o prenderam, torturaram e o assassinaram pela crucificação.

Saiamos destas “sombras densas” como diz o Papa Francisco na Fratelli tutti. Voltemos o olhar desanuviado para o Natal de Jesus. Ele nos mostra a forma como Deus quis entrar na nossa história: anônimo e escondido. A presença de Jesus não apareceu na crônica nem de Jerusalém e muito menos de Roma. Devemos aceitar esta forma escolhida por Deus.  Realizou-se a lógica inversa da nossa: “toda criança quer ser homem; todo homem quer ser grande; todo grande quer ser rei. Só Deus quis ser criança”. E assim aconteceu.

Aqui ecoam os belos versos do poeta português Fernando Pessoa:

“Ele é a Eterna Criança, o Deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
É a criança tão humana que é divina”.

Fernando Pessoa

Tais pensamentos me trazem à memória uma pessoa de excepcional qualidade espiritual. Foi ateu, marxista, da Legião Estrangeira. De repente sentiu uma comoção profunda e se converteu. Escolheu o caminho de Jesus, no meio dos pobres. Fez-se Irmãozinho de Jesus. Chegou a uma profunda intimidade com Deus, chamando-o sempre de “o Amigo”. Vivia a fé no código da encarnação e dizia: “Se Deus se fez gente em Jesus, gente como nós, então fazia xixi, choramingava pedindo o peito, fazia biquinho por causa da fralda molhada”. No começo teria gostado mais de Maria e mais grandinho mais de José, coisa que os psicólogos explicam no processo da realização humana.

Foi crescendo como nossas crianças, observava as formigas, jogava pedras nos burros e, maroto, levantava o vestidinho das meninas para vê-las furiosas, como imaginou irreverentemente Fernando Pessoa em seu belo poema sobre o Jesus menino.

Esse homem, amigo do Amigo, “imaginava Maria ninando Jesus, fazê-lo dormir porque de tanto brincar lá fora, ficava muito excitado e lhe custava fechar os olhos; lavava no tanque as fraldinhas; cozinhava o mingau para o Menino e comidas mais fortes para o trabalhador o bom José”.

Esse homem espiritual italiano que viveu, muitas vezes ameaçado de morte, em tantos países da América Latina e vários no Brasil, Arturo Paoli, se alegrava interiormente com tais matutações, porque as sentia e vivia na forma de comoção do coração, de pura espiritualidade. E chorava com frequência de alegria interior. Era amigo do Papa que o mandou buscar de carro na cidadezinha uns 70 km de Roma para passarem toda um tarde e falarem da libertação dos pobres e da misericórdia divina. Morreu com 103 anos como um sábio e santo.

Não esqueçamos a mensagem maior do Natal: Deus está entre nós, assumindo a nossa condition humaine, alegre e triste. É uma criança que nos vai julgar e não um juiz severo. E esta criança só quer brincar conosco e nunca nos rejeitar. Finalmente, o sentido mais profundo do Natal é esse: a nossa humanidade, um dia assumida pelo Verbo da vida, pertence a Deus. E Deus, por piores que sejamos, sabe que viemos do pó e nos tem uma misericórdia infinita. Ele nunca pode perder, nem deixará que um filho seu ou filha sua se perderão. Assim, apesar do Covid-19 podemos viver uma discreta alegria na celebração familiar. Que o Natal nos dê um pouco de felicidade e nos mantenha na esperança do triunfo da vida sobre o Covid-19.

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Foto de Capa: Pixabay/Reprodução