Mensagem em grupos religiosos engana e cria alarde sobre fechamento de igrejas na Nicarágua

* Matéria atualizada às 21:00 para correção de informações

Circula entre grupos religiosos, nas redes sociais, uma mensagem de texto em espanhol, sobre o fechamento de 1,5 mil igrejas na Nicarágua. A notícia teria sido divulgada por um jornal do país e propagada por uma pastora ligada à nação centro-americana, em contato direto com o(a) suposto(a) autor(a) da mensagem. Bereia checou as informações compartilhadas e a veracidade dos fatos.

Imagem: reprodução WhatsApp 

Cancelamento do registro de organizações sem fins lucrativos na Nicarágua

Bereia verificou ser fato que o Ministério do Interior da Nicarágua publicou em Diário Oficial, em 19 de agosto último, o cancelamento de Pessoa Jurídica e do registo de 1,5 mil organizações sem fins lucrativos, por descumprimento das leis que regulam o funcionamento das organizações no país centro-americano. 

Imagem: reprodução La Gaceta – Diario Oficial

A decisão do governo Ortega foi descrita, ao longo de 33 páginas, com a citação das organizações afetadas. Entre elas há organizações judaicas, islâmicas, Hare Krishna, católicas, evangélicas de diversas denominações – metodista, batista, presbiteriana e pentecostais – gnósticas, médicas, esportivas, de direitos LGBTQ, indígenas e ambientais.

Imagem: reprodução La Gaceta – Diario Oficial

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão autônomo da Organização dos Estado Americanos (OEA), emitiu, em 22 de agosto passado, uma nota em que condena a decisão do governo de Daniel Ortega de cancelar o registro das organizações da sociedade civil. 

De acordo com o órgão, ao menos 700 delas eram instituições religiosas. “Esta ação intensifica a repressão na Nicarágua, evidenciando o sustentado embate contra o pluralismo e o fechamento deliberado do espaço cívico e democrático no país”, diz o texto oficial. 

Imagem: reprodução La Gaceta – Diario Oficial

Mais recentemente, igrejas evangélicas, até então aliadas para o presidente da Nicarágua, também passaram a ser alvo das medidas de Ortega. Desde os protestos, motivados pela reforma previdenciária na Nicarágua, em 2018, lideres da Igreja Católica foram tratados pelo atual presidente como oposição, o que resultou em exílios e prisões. 

Na ocasião do fechamento das ONGs, o Papa Francisco demonstrou preocupação com a situação da Nicarágua ao declarar “Sigo com uma profunda preocupação com o que está acontecendo na Nicarágua, onde bispos e sacerdotes foram privados de liberdade”.

A justificativa apresentada pelo governo da Nicarágua para os fechamentos foi que as ONGs não promoveram políticas de transparência quanto às transações financeiras, por períodos que variam de um a 35 anos. 

Ao todo, mais de 5.100 organizações civis tiveram os registros cancelados desde 2018, quando iniciaram os grandes protestos contra o governo. O fechamento em massa ocorrido no mês de agosto, foi o maior desde então. 

A decisão de Ortega tem sido apontada como meio para enfraquecer a atuação da sociedade civil e ampliar seu controle sobre o país. Além do fechamento das instituições, o presidente da Nicarágua assegura o confisco de bens e ativos das organizações afetadas.

Novo modelo de funcionamento de ONGs na Nicarágua

Dias antes, em 16 de agosto, o governo de Daniel Ortega havia anunciado uma mudança no funcionamento das ONGs no país. Conforme relatado pelo jornal espanhol El País, o novo modelo operacional para as organizações obriga ONGs a trabalharem apenas em “alianças de associação com entidades estatais”.

O comunicado divulgado institui a obrigatoriedade da apresentação de propostas específicas das ONGs para entidades do Governo, ou Estado, aprovarem, ou não. O documento ressalta que nenhum dos projetos será objeto de “isenções ou outros benefícios fiscais”.   

Das mais de 3,3 mil organizações da sociedade civil, que tiveram suas condições jurídicas revogadas e pararam de atuar desde 2018, conforme divulgado pelo Relatório da Anistia Internacional, em abril de 2024, 30 ONGs sofreram confiscos e 41 propriedades foram afetadas segundo relatório do Observatório Pró-Transparência e Anticorrupção (OPTA) publicado em maio deste ano. O estudo estima que as 41 propriedades confiscadas valem aproximadamente US$ 8,4 milhões.

Atuação do presidente Lula (PT) e expulsão de embaixadores

Em fevereiro de 2023, o bispo de Matagalpa, na Nicarágua, Dom Rolando José Álvarez foi preso por “desestabilizar o país”, após ter sido condenado a 26 anos de prisão. Ele foi acusado de conspirar “para minar a integridade nacional” e de propagar “falsas notícias através de tecnologias da informação e da comunicação em detrimento do Estado e da sociedade nicaraguense”. Outros dois sacerdotes foram condenados, e outros cinco foram expulsos do país por traição à pátria.

No contexto da prisão do bispo Dom Rolando Álvarez, Lula se recusou a assinar uma carta de 55 países contra Ortega. Porém, em visita à Itália, em junho daquele ano, o presidente brasileiro disse a jornalistas que tentaria interceder junto ao presidente da Nicarágua Daniel Ortega em favor da liberação de Dom Álvarez. No primeiro semestre de 2024, Lula disse ao Secretário de Estado do Vaticano Pietro Parolin que não conseguiu concretizar contato telefônico com o líder nicaraguense.

Segundo informações do jornal O Globo, o governo brasileiro tentou contato por diversas vezes, “mas Ortega esnobou Lula, o que causou profundo mal-estar ao presidente brasileiro, antigo defensor da Revolução Sandinista”. 

Lula havia se aproximado de Ortega a partir de 1979, quando o líder nicaraguense foi um dos protagonistas da Revolução Sandinista, que derrubou um regime ditatorial que perdurava desde 1936. O movimento sandinista, à época, contou com apoio de figuras da Igreja Católica que lutavam pelo fim da ditadura.

Embora ainda haja uma afinidade ideológica entre os dois líderes sulamericanos, as medidas adotadas por Ortega – e o não atendimento das chamadas do governo brasileiro – levaram, recentemente, à adoção de um novo posicionamento por parte do presidente brasileiro.

No último 7 de agosto, o governo da Nicarágua expulsou o embaixador brasileiro em Manágua Breno de Souza Brasil Dias da Costa. O Brasil, em resposta, também decidiu expulsar a embaixadora da Nicarágua no Brasil, Fulvia Patricia Castro Matus. Conforme noticiou a CNN, o presidente Lula, embora não se oponha ao diálogo, não tomaria a iniciativa de ligar para Ortega.

Em 26 de agosto, Ortega acusou Lula de querer ser representante dos estadunidenses na América Latina para justificar o rompimento com o Brasil, enquanto criticava a postura do presidente brasileiro em relação às eleições da Venezuela. 

Pressão internacional contra o regime de Daniel Ortega

Além de ter tido papel preponderante na Revolução Sandinista ao final da década de 1970, Daniel Ortega foi presidente da Nicarágua de 1985 a 1990. Em 2007, após campanha eleitoral que acenou ao eleitorado religioso, voltou à liderança do país e, vitorioso, promoveu mudanças constitucionais que permitiram sucessivas reeleições desde então. A partir de 2016, Rosa Murillo, esposa de Ortega, passou a ser a vice-presidente do país e o governo vem sendo cada vez mais questionado em razão do desrespeito aos direitos humanos.

Já em 2016, organismos internacionais não puderam observar o processo eleitoral na Nicarágua. Em 2018, após a aprovação de uma reforma previdenciária que aumentaria a contribuição de empresários e trabalhadores, a sociedade nicaraguense entrou em um momento conturbado de agitação social.

Em resposta às manifestações, o governo liderado por Daniel Ortega colocou em prática atos de repressão contra a população local. Mortes foram registradas desde os primeiros dias das agitações, e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), instalou uma comissão para observar a situação dos direitos humanos no país

Em maio de 2018, a CIDH publicou relatório em que apontava graves violações aos direitos humanos no país. Desde então, a comunidade internacional vem pressionando o regime de Daniel Ortega, a fim de constranger o país em suas medidas repressivas. Em abril de 2014, a CIDH, mais uma vez, fez um apelo para que os países da região e os demais Estados nacionais se esforcem para garantir o retorno à democracia e ao estado democrático de direito na Nicarágua.

***

Bereia confirma que há uma crise na Nicarágua sob o governo de Daniel Ortega, com ações classificadas como repressivas e persecutórias a organizações da sociedade civil, incluídas as igrejas, porém, classifica o conteúdo checado como enganoso. A mensagem de texto em espanhol, compartilhada em grupos religiosos no WhatsApp, contém elementos verdadeiros apresentados de forma distorcida, com exageros. Os números propagados pela publicação não correspondem ao de igrejas fechadas, mas ao total de organizações sem fins lucrativos, de diferentes segmentos e religiões, afetadas pela decisão do governo da Nicarágua de revogar seus registros. 

Importa reconhecer que há, na Nicarágua, um cenário de desrespeito e perseguição a diversas entidades civis, com pressão da sociedade internacional sobre o regime de Ortega. No caso específico, no entanto, quem produziu o texto checado pelo Bereia reduziu a questão a igrejas, inflou o número de organizações cristãs fechadas e usou recursos para dar à mensagem o teor de proximidade com pessoas afetadas. A disposição das informações na mensagem foi estruturada para exacerbar o aspecto religioso nas medidas de Ortega.

Bereia alerta para a necessidade de contextualização dos fatos ocorridos e de atenção a tentativas forçadas de correlação do cenário estrangeiro com a realidade política brasileira. A distorção de fatos e números, especialmente no que diz respeito ao fenômeno religioso, tem sido uma das formas de captar o apoio para pautas levantadas de forma enganosa pela extrema direita. Nesse sentido, o uso da ideia de “cristofobia” ou de perseguição sistemática a cristãos no Brasil é objeto de recorrentes checagens do Bereia, principalmente em períodos eleitorais. 

Referências da checagem:

La Gaceta – Diario Oficial

https://www.lagaceta.gob.ni/la-gaceta-no-152-lunes-19-de-agosto-de-2024/ Acesso em: 23 ago 2024

CNN

https://edition.cnn.com/2024/08/19/americas/nicaragua-ban-church-organization-civil-society-intl-latam?cid=ios_app Acesso em: 23 ago 2024

https://www.cnnbrasil.com.br/blogs/debora-bergamasco/politica/lula-nao-tomara-iniciativa-de-ligar-para-daniel-ortega/ Acesso em: 25 ago 2024

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/ortega-chama-de-vergonhosa-atuacao-de-lula-sobre-venezuela-e-cita-lava-jato/ Acesso em: 25 ago 2024

Organização dos Estados Americanos

https://www.oas.org/pt/CIDH/jsForm/?File=/es/cidh/prensa/comunicados/2024/189.asp&utm_content=country-nic&utm_term=class-mon Acesso em: 25 ago 2024

https://www.oas.org/pt/cidh/actividades/nicaragua2018.asp Acesso em: 25 ago 2024

https://www.oas.org/en/iachr/reports/pdfs/Nicaragua2018-en.pdf Acesso em: 25 ago 2024

https://www.oas.org/pt/cidh/jsForm/?File=/pt/cidh/prensa/notas/2024/075.asp Acesso em: 25 ago 2024

El País 

https://elpais.com/america/2024-08-20/ortega-y-murillo-dan-el-mayor-golpe-a-las-oeneges-en-nicaragua-cancelan-1500-de-una-vez.html Acesso em: 25 ago 2024

Anistia Internacional

https://www.anistia.org.br/informe-anual/relatorio-o-estado-dos-direitos-humanos-no-mundo-2024/ Acesso em: 25 ago 2024

Divergentes

https://www.divergentes.com/punta-iceberg-confiscaciones-ortega/ Acesso em: 25 ago 2024

Vatican News

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2023-02/nicaragua-condenado-bispo-matagalpa-prisao-alvares-ortega-igreja.html Acesso em: 25 ago 2024

UOL

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2023/03/05/governo-lula-se-cala-na-onu-diante-de-crimes-de-ortega-na-nicaragua.htm Acesso em: 25 ago 2024

BBC

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c873m8zml14o Acesso em: 25 ago 2024

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62598789 Acesso em: 25 ago 2024

O Globo

https://oglobo.globo.com/blogs/janaina-figueiredo/post/2024/04/por-dentro-da-relacao-entre-o-planalto-e-o-vaticano.ghtml Acesso em: 25 ago 2024

Estadão

https://www.estadao.com.br/internacional/entenda-as-relacoes-entre-lula-e-daniel-ortega-da-nicaragua/ Acesso em: 25 ago 2024

Instituto Humanitas Unisinos

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/620493-o-que-sobrou-da-revolucao-sandinista Acesso em: 25 ago 2024

https://www.ihu.unisinos.br/?id=642147 Acesso em: 25 ago 2024

https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/558495-ortega-indica-sua-esposa-como-candidata-a-vice-e-deixa-nicaragua-a-sombra-da-repeticao-do-passado Acesso em: 25 ago 2024

https://www.ihu.unisinos.br/578292 Acesso em: 25 ago 2024

https://www.ihu.unisinos.br/642710-na-nicaragua-esta-em-curso-uma-ofensiva-massiva-contra-a-sociedade-civil-e-as-ongs-religiosas Acesso em: 25 ago 2024

Associação Nacional de História

https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548206573_29c1c8caef6e26afc3e0f8a7421b28b0.pdf Acesso em: 25 ago 2024

YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=I61I8znEvRU Acesso em: 25 ago 2024

G1

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2018/07/24/conflitos-na-nicaragua-entenda-a-crise-no-pais-comandado-por-ortega-e-que-ja-deixou-centenas-de-mortos.ghtml Acesso em: 25 ago 2024

Coletivo Bereia

https://coletivobereia.com.br/cristofobia-perseguicao-a-cristaos-e-fechamento-de-igrejas-estao-entre-os-temas-com-mais-desinformacao-em-espacos-religiosos-nestas-eleicoes/ Acesso em: 25 ago 2024

Nicaragua Investiga

https://nicaraguainvestiga.com/politica/113552-pastores-evangelicos-estan-defendiendo-a-su-patron-daniel-ortega/ Acesso em: 25 ago 2024

Observatório do Terceiro Setor

https://observatorio3setor.org.br/noticias/apos-prisao-de-sacerdotes-nicaragua-fecha-1-500-ongs/ Acesso em: 25 ago 2024

Não é possível afirmar que o coronel Brilhante Ustra tenha sido membro da Igreja Presbiteriana do Brasil

* Com a colaboração de André Mello

Neste outubro de 2020, depois de mais uma declaração pública de exaltação ao destacado comandante da tortura de presos da ditadura militar brasileira, o coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, passou a circular em mídias sociais de perfil evangélico a afirmação de que o militar teria sido uma liderança da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB).

As postagens, com tom crítico à existência de torturadores entre evangélicos históricos, surgiram nas redes digitais, depois da divulgação da declaração do vice-presidente da República General Hamilton Mourão, em entrevista ao jornal alemão Deutsche Welle, em 7 de outubro, de que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado por tortura na ditadura militar, foi um homem de “honra”, “que respeitava os direitos humanos de seus subordinados”.

Uma das postagens críticas mais compartilhadas nas mídias sociais dizia que Ustra fazia parte do “quarteto de ferro” de militares presbiterianos, que perseguia subversivos na igreja.

Fonte: Reprodução do Twitter

O conteúdo foi propagado de várias formas:

Depois de comentários feitos nas postagens, indagando sobre fontes desta informação, emergiram desdobramentos:

Sobre o coronel Ustra ter sido presbiteriano

Para verificar a informação sobre a vinculação de Carlos Alberto Brilhante Ustra à fé evangélica presbiteriana, Bereia contatou o autor de um dos conteúdos mais compartilhados sobre o tema nas mídias sociais em outubro, postado no Twitter. Ele relatou que tomou como fonte duas informações: uma notícia no website da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), a respeito de uma palestra do Prof. Zwinglio Motta Dias, em que foi indicada a vinculação de Ustra à Igreja Presbiteriana do Brasil, e o livro “Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro”, que tem um capítulo de Dias, em que é mencionada a relação do coronel com a igreja.

Bereia verificou estas fontes. De fato, foi publicada matéria no site da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), intitulada “Protestantismo ignorou característica brasileira, lamenta professor sobre golpe militar”, com o relato de palestra oferecida pelo teólogo Prof. Zwinglio Motta Dias, também pastor da Igreja Presbiteriana Unida (IPU). A palestra foi realizada em 23 de setembro de 2014, na XVIII Semana de Estudos da Religião, daquela universidade, sob o tema “Religião e Poder: Os 50 anos do Golpe Militar”. A coordenação da mesa foi feita pelo professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP, à época, Leonildo Silveira Campos. Diz a matéria:

“Foi esse distanciamento das marcas culturais e políticas brasileiras que teria influenciado a pronta adesão das igrejas evangélicas ao golpe de 1964, com a presbiteriana à frente devido à preponderância que detinha sobre a classe média da época e ao prestígio nos meios militares. ‘Oficiais de alta patente eram presbíteros, entre os quais Carlos Alberto Brilhante Ustra’, citou Zwinglio sobre o chefe do aparelho repressor DOI-CODI entre 1970-74”.

Já o livro “Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro”, publicado dois anos antes, organizado por Wanderley Rosa e José Adriano Filho [Editora Mauad, 2012), tem um capítulo de autoria de Zwinglio Dias, com o título “O Protagonismo dos Evangélicos durante os ‘Anos de Chumbo’ e a busca incessante por uma ‘Ecclesia Reformata’” (p. 55-73). Nela, o teólogo afirma na página 59:

“[A dissertação] relaciona os nomes de quatro oficiais militares de alta patente, presbiterianos, com funções de importância no seio do regime: cel. Renato Guimarães, presbítero, que na década seguinte se tornou vice-presidente da IPB, cel. Teodoro de Almeida, cel. Walter Faustini e o major Carlos Alberto Brilhante Ustra, que foi comandante do DOI de São Paulo”.

Esta é a única menção no livro publicado em 2012, e foi repetida por Zwinglio Dias na palestra de 2014, como relatado no site da UMESP. A matéria diz que Zwinglio Dias afirmou que “oficiais de alta patente eram presbíteros”, o que indica ser uma incompreensão da pessoa responsável pela redação, que deveria ter escrito “presbiterianos”. Segundo afirma Zwinglio Dias no livro, presbítero (cargo de liderança na IPB) era apenas um, o coronel Renato Guimarães. Esta desinformação acabou reproduzida pelo autor da postagem no Twitter, que afirmou ser o coronel Ustra um presbítero da IPB.

Bereia também verificou a fonte utilizada por Zwinglio Dias para afirmar a vinculação religiosa de Ustra, no capítulo e na palestra. Foi a dissertação de Mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Programa de Pós-Graduação em História, por Eduardo Paegle, intitulada “A posição política da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) nos anos de chumbo (1964-1985)”, defendida e aprovada em 2006. A informação, referenciada por Zwinglio Dias, consta na p. 82 da dissertação: “A participação no Golpe de 1964, contou com algumas personalidades presbiterianas, entre elas, de Eraldo Gueiros Leite, Evandro Gueiros, Nehemias Gueiros, Renato Guimarães, Teodoro de Almeida, Walter Faustini e Carlos Alberto Brilhante Ustra”.

No trabalho acadêmico, há referências para a vinculação dos Gueiros, de Guimarães e de Almeida, porém não constam fontes para afirmar a vinculação de Faustini e Ustra. O autor da dissertação afirmou ao Coletivo Bereia que não lhe é possível retomar a origem da informação da qual se valeu.

Bereia ouviu lideranças presbiterianas e buscou levantar possível vinculação do coronel Ustra com a igreja em São Paulo, durante o período que atuou no DOI-CODI, ou a partir dos anos 1986, quando se estabeleceu em Brasília e não obteve qualquer dado sobre isto. Uma das fontes levantou a possibilidade de amizade entre os coronéis Ustra e José Walter Faustini (este membro da Igreja Presbiteriana Independente). Faustino poderia ter levado o primeiro para a IPI. Esta hipótese foi rechaçada por três lideranças da IPI em São Paulo ouvidas pelo Coletivo Bereia.

Desta forma, permaneceu a dúvida, o que levou a novas buscas do Coletivo Bereia, que recorreu aos registros da Comissão Nacional da Verdade, a fonte oficial do país quanto aos fatos e às personagens que dizem respeito à ditadura militar de 1964 a 1985.

A Comissão Nacional da Verdade e o levantamento sobre igrejas na ditadura

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi criada pela Lei 12.528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012 com a finalidade de “apurar (examinar e esclarecer) as graves violações de direitos humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”.

Dada a complexidade das pesquisas e do relatório que deveria ser apresentado, o mandato da Comissão foi prorrogado até dezembro de 2014 (Medida Provisória nº 632/dez 2013). A criação e o trabalho da CNV se inspiraram em outras mais de 20 CNVs instaladas em outros países desde 1974, as quais viveram circunstâncias semelhantes à da ditadura militar brasileira. A CNV da África do Sul, por exemplo, ajudou a esclarecer violações de direitos humanos ocorridas sob o regime do apartheid. Também foram instaladas comissões em países latino–americanos como Argentina, Chile, Peru, Guatemala, El Salvador e Colômbia.

Já havia iniciativas desde o final dos anos de 1970, como o Projeto Brasil Nunca mais, a Rede Tortura Nunca Mais, a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, cuja atuação levou ao reconhecimento formal pelo Estado da figura dos “desaparecidos políticos, com a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (governo Fernando Henrique Cardoso, 1995).

A CNV foi composta por sete membros nomeados pela Presidência da República: Gilson Dipp, José Carlos Dias, José Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro, Pedro Dallari e Rosa Maria Cardoso da Cunha. Eles/as coordenaram 13 grupos de trabalho temáticos, entre eles, o “Papel das Igrejas durante a ditadura”. As atividades da CNV consistiram em: pesquisa documental, realização de entrevistas e coletas de depoimentos de vítimas da repressão, agentes do Estado, parentes de vítimas e testemunhas, visitas para reconhecimento de locais que serviram como base para a violação de direitos de vítimas da repressão, diligências e audiências públicas.

No website da CNV é possível acessar o relatório final, publicado em 2014, no ano 50 do golpe militar de 1964. No Volume II consta o relatório do GT Papel das Igrejas durante a ditadura, intitulado “Violação de Direitos Humanos nas Igrejas Cristãs”. Foram levantados casos de prisões arbitrárias, sequestros, tortura, desaparecimentos, assassinatos, expulsões e exílio de católicos e evangélicos que atuaram em oposição à ditadura militar. Não há menção ao nome de Carlos Alberto Brilhante Ustra entre os cristãos colaboradores da repressão, delatores e perpetradores das violações de direitos, citados no relatório.

Ouvido pelo Coletivo Bereia, o coordenador do GT Papel das Igrejas durante a ditadura Anivaldo Pereira Padilha, explicou que uma expressiva parte do conteúdo reunido durante a pesquisa não consta no relatório e foi encaminhado para o Arquivo Nacional. Ele afirma que o nome de Carlos Alberto Brilhante Ustra apareceu em depoimento colhido pelo GT, nas dependências do Escritório Regional da Presidência da República em São Paulo, em 3 de maio de 2013.

Uma das torturadas pelo regime, Ana Maria Ramos Estêvão, que era membro da Igreja Metodista, presa em 1970, em 1972 e 1973, relatou ter sido interrogada pelo coronel Ustra em julho de 1973. Ela contou que, ao ver na ficha dela que ela tinha estudado no Instituto Metodista (em São Paulo), o militar lhe disse “Eu também sou metodista!” e a partir daí passou a dizer que ia lhe favorecer, deu o número do telefone dele, caso precisasse quando saísse da prisão, pois dizia acreditar que “o seu compromisso com a fé é maior do que o compromisso com a política”.

A afirmação de Ana Maria Ramos Estêvão consta na Tese de Doutorado, defendida na Universidade de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em História, em 2015, por Leandro Seawright, com o título “Ritos da oralidade: a tradição messiânica de protestantes no Regime Militar Brasileiro”. O autor havia atuado como pesquisador da CNV, por um período, e também entrevistou a ex-presa política. O relato do encontro de Ana Maria Ramos com o coronel Ustra, quando ele lhe afirma que “também era metodista” consta na página 282 da tese.

Bereia localizou Ana Maria Ramos Estêvão, que confirmou o depoimento à CNV e a Leandro Seawright. Perguntada se haveria possibilidade de o coronel Ustra ter sido presbiteriano, ela afirmou:

“Presbiteriano ele não era, com certeza. Ele era metodista, originalmente da Igreja de Santa Maria no Rio Grande do Sul. E ele frequentava a Igreja Metodista Central quando estava em São Paulo. Tenho amigos em Santa Maria que foram na Igreja Metodista pedir a declaração de que ele era membro lá, mas o pastor, o povo lá, não se manifesta sobre isto e se recusa a falar qualquer coisa. Eu tenho muito claro na memória que ele se declarou ser da Igreja Metodista. Ele conhecia várias coisas. Disse para mim e para a minha amiga, que também era do Instituto Metodista e foi presa junto comigo. A Igreja de onde ele veio era a Metodista Santa Maria, Rio Grande do Sul. Estou repetindo porque isto eu repito até morrer. Nós só não conseguimos o documento da Igreja Metodista, do registro dele como membro. Mas a família dele ainda é de lá”.

Ana Maria Ramos Estêvão

O coordenador do GT da CNV Anivaldo Padilha afirmou ao Coletivo Bereia que foi feito contato formal com a Igreja Metodista em Santa Maria, em 2013, e o nome de Carlos Alberto Brilhante Ustra não foi encontrado no rol de membros da igreja.

Sobre a vinculação do coronel Ustra à Igreja Metodista

Bereia fez contato com a Igreja Metodista em Santa Maria, pastoreada pela Revda. Lediane Dias de Almeida Mello, que forneceu todas as informações disponíveis e confirmou o que foi levantado pela CNV, em 2013. O pai do Coronel Ustra, sr. Celio Martins Ustra, era membro da Igreja Metodista, tendo sido recebido em 1927, junto com a irmã Serafina. A esposa, Cacilda Brilhante Ustra, não foi localizada no rol de membros. Dois dos quatro filhos do casal constam nos registros da Igreja Metodista: Glaucia Brilhante Ustra (a terceira filha, que depois de casada, adotou o nome Glaucia Ustra Soares) e o caçula, José Augusto Brilhante Ustra, este falecido em 1982 (com registro de morte na igreja). Os irmãos Carlos Alberto, o mais velho, e Renato, o segundo filho, não foram batizados ou recebidos como membros da Igreja Metodista, de acordo com os registros.

A Revda. Lediane Mello ainda ofereceu informações que colheu com um dos membros mais antigos da igreja, uma senhora de 99 anos, em plena lucidez, que tem boa memória da atuação do sr. Celio Ustra, o pai, como líder na igreja (dirigente da Escola Dominical e da associação de homens), bem como da esposa que o acompanhava em algumas atividades. Ela não se recorda da presença Carlos Alberto Ustra na igreja, apesar de ter forte lembrança dos episódios em torno da morte do irmão José Augusto, por acidente de carro. Essa senhora disse ser vizinha de Glaucia Ustra, mas orientou que ela não fosse procurada porque se recusa a falar sobre o irmão.

Bereia ouviu também uma pessoa que foi membro da Igreja em Santa Maria nos anos 1960 e se tornou muito amiga da irmã do coronel Ustra, Glaucia Ustra. Ela diz que “a família era cristã, a mãe uma pessoa muito católica, praticante, e muito respeitada na cidade, bem como o marido”. Ela confirma que Célio Ustra era metodista, “muito ativo na igreja local e na organização regional da Igreja Metodista”. A amiga de Glaucia Ustra se recorda que nos cultos de 31 de dezembro, naqueles anos 60, “todos os membros da família, inclusive Carlos Alberto, participavam”. Ela confirma que Gláucia Ustra evita falar sobre o coronel Ustra e desrecomendou contato. Ainda assim, intermediários do Coletivo Bereia buscaram dialogar com a sra. Glaucia Ustra, em Santa Maria, e não obtiveram resposta.

Outra pessoa que participou da Igreja Metodista em Santa Maria nos anos 70, declarou ao Coletivo Bereia que os pais do coronel Ustra eram acompanhados pastoralmente, pois sofriam com as histórias que envolviam o filho. O pai seguia metodista e a mãe, católica.

Sobre o coronel ter frequentado a Igreja Metodista Central de São Paulo (hoje Catedral Metodista de São Paulo), quando atuou pelo DOI-CODI, nos anos 70, Bereia procurou uma liderança da igreja, a Revda. Ana Carolina Chizzolini Alves. Ela não localizou qualquer registro de que o coronel tenha se vinculado formalmente àquela congregação. Sobre a possibilidade de ele ter sido um frequentador, um membro dessa igreja, que participava dela ativamente nos anos 1970, o procurador da República aposentado Antonio Carlos Rodrigues Ramozzi, declarou:

“Naqueles anos agitados, inclusive com o fechamento da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista [por conta da repressão interna que as igrejas viveram], nunca ouvi referências de que o referido militar frequentasse alguma de nossas igrejas protestantes. Tivemos jovens amigos presos na ocasião e, por certo, saberíamos de ‘milicos’ que frequentassem nossas igrejas. A única vez que vimos agentes policiais na [Igreja Metodista] Central foi quando levaram o Fernando [Cardoso] preso [um líderes de jovens metodistas, preso e torturado com o irmão Celso segundo o relatório da CNV], para que apontasse quem era o Domingos [Alves de Lima] que procuravam [outra liderança de juventude]. Era um sábado e se dirigiram ao pátio, onde havia um jogo na quadra. Domingos fugiu pelo portão, o que deve ter enfurecido os agentes”.

Antonio Carlos Rodrigues Ramozzi

Para Anivaldo Padilha, o coronel Ustra, como experiente torturador, pode ter “jogado com a informação de que seria metodista (de fato tinha raízes com o pai e irmãos metodistas em Santa Maria) para obter a confiança de Ana Maria Ramos, dando-lhe seu telefone, a fim de obter delação, ou, em outro sentido, torturá-la psicologicamente, como sendo alguém da sua igreja, que lhe estava causando mal”.

A mesma opinião é partilhada pelo cientista da religião prof. Leonildo Silveira Campos, também pastor da Igreja Presbiteriana Independente (IPI), que foi preso pelos órgãos da ditadura em São Paulo, quando era seminarista da igreja, entre 21 de julho e 4 de agosto de 1969. Ouvido pelo Coletivo Bereia ele declarou:

“Também acho que alguns torturadores poderiam assumir identidades falsas para conseguir suposta ‘intimidade’ com os torturados. Como diria Hamlet ‘mesmo na loucura há uma lógica’. No meu caso fui torturado por um jovem, pela voz podia-se perceber que não seria uma pessoa de mais idade. Ele dizia que estava penalizado em interrogar um jovem com a idade de seu filho com 22 anos. Por isso ele esperava que eu deixasse de mentir e oferecer informações falsas. O problema é que eu não tinha o que informar. Nesse caso os que não sabem de nada são os que mais sofriam e as vezes morriam! Fui salvo do ciclo de torturas pela intervenção de um coronel a pedido de meu pai.”

Leonildo Silveira Campos

Bereia levantou que o prof. Leonildo Silveira Campos se referiu, quanto à sua soltura, ao coronel José Walter Faustini, presbítero da IPI, destacado agente do serviço de inteligência militar no Estado de São Paulo, nomeado pelo Ministério do Exército para o Serviço Nacional de Informações mobilizado em 1968, aposentado em 1972. Em entrevista para a tese de Leandro Seawright, ele relata, nas p. 261 a 263, como, a pedido do pai, o coronel membro da IPI foi acionado para retirá-lo da prisão do DOI-CODI, e, consequentemente, das torturas. O prof. Leonildo Campos já havia registrado esta memória em artigo acadêmico (Estudos de Religião, n. 23, Universidade Metodista de São Paulo, dez. 2002).

A religião de Ustra

Nos livro de memórias de Carlos Alberto Ustra, “Rompendo o silêncio” (Editerra, 1987) e “Verdade Sufocada” (Editora Ser, 2013), não há qualquer menção a uma vinculação religiosa. Ele diz que viveu em Santa Maria até os 16 anos (1949), quando foi para um Colégio Militar em Porto Alegre, de lá foi para Resende (RJ), na Academia Militar e, em 1954, retornou para Santa Maria, para servir naquele regimento. De 1970 a 1974 foi comandante do DOI-CODI em São Paulo, órgão da repressão. Em 1974 foi para Brasília, como instrutor da Escola Nacional de Informações (ESNI). Em 1978 foi destacado para São Leopoldo (RS) e, com o fim do governo militar, virou adido militar no Uruguai, em 1985, quando foi reconhecido pela atriz Bete Mendes como o homem que a torturou. Com o escândalo, foi aposentado e passou a morar em Brasília. Carlos Alberto Brilhante Ustra depôs em Audiência Pública realizada pela CNV, em 10 de maio de 2013. Morreu em 2015, aos 83 anos.

Bereia verificou que foi realizada missa de 7º dia pela alma do coronel Ustra, em 21 de outubro de 2015, com convite aberto pela esposa Maria Joselita, por meio da página na internet que ela mantém. Houve também missa por um ano da morte dele. Todas as lideranças presbiterianas ouvidas pelo Coletivo Bereia consideram incomum que alguém ligado ao presbiterianismo tivesse missa de sétimo dia, ainda que a esposa fosse vinculada à Igreja Católica.

Bereia também submeteu a essas pessoas um trecho do livro “Rompendo o silêncio”, em que Ustra afirma:

Nunca tomei conhecimento de que os setores progressistas da Igreja, os mesmos que defendem com tanto ardor os subversivos e os terroristas, tenham, como Pastores da Igreja, subido aos púlpitos para condenar, veementemente, as organizações terroristas que fizeram muitas vítimas, na sua quase totalidade católicos praticantes”.

Rompendo o Silêncio, sem página, versão on line

Todas as pessoas consultadas, incluindo Anivaldo Padilha e o prof. Leonildo Silveira Campos, avaliam que um evangélico não usaria a linguagem do senso comum católico de se referir à Igreja Católica como “A Igreja’ e a seus padres e bispos como “Pastores da Igreja”. Portanto, o coronel usa a linguagem de um católico ao se referir à Igreja Católica.

Com base nesta avaliação e no levantamento da não-vinculação de Ustra ao presbiterianismo e ao metodismo, o Coletivo Bereia verificou a possibilidade de Carlos Alberto Brilhante Ustra ter seguido a mãe e ter-se feito católico.

Na recusa de contato da parte da irmã e de outros familiares do coronel, uma busca de fontes levou a um texto da revista Época de 26 de junho 2008 intitulado “Dá para perdoá-lo?”. De autoria de Matheus Leitão, Andréa Leal, Leandro Loyola e Wálter Nunes, a matéria relata o contexto da entrevista que o coronel Ustra concedeu à revista, tendo-os recebido em casa em Brasília. No perfil do coronel que a equipe descreve aparece:

“Quase sem cabelos, aos 76 anos, 1,74 metro, um coração frágil que já exigiu três stents – dispositivos implantados para desobstruir as artérias –, todas as tardes Ustra costuma ir à padaria. Continua católico, mas deixou de ir à missa. Diz gostar de ir ao banco pagar contas, faz compras no supermercado e vai ao correio. Afirma passar horas na internet. Abre a porta quando tocam a campainha”.

Revista Época, de 26 de junho de 2008

Bereia fez contato com o jornalista Matheus Leitão, que confirmou que, naquela entrevista, Ustra se declarou católico, vinculado à Igreja Nossa Senhora do Lago, em Brasília, na companhia da esposa Maria Joselita.

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Com base nesta verificação, o Coletivo Bereia classifica a informação de que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra teria sido membro e líder da Igreja Presbiteriana como imprecisa. Não há registros formais de que o coronel tenha se tornado membro dessa igreja e não foram localizadas testemunhas de que ele tenha sequer frequentado alguma congregação de denominação presbiteriana.

Ustra também não foi membro da Igreja Metodista como afirmou em interrogatório à, então, presa e torturada, Ana Maria Ramos Estêvão. Como Bereia levantou, o coronel, provavelmente, fez uso das informações que tinha sobre a igreja, por conta do relacionamento com pai e irmãos que eram membros em Santa Maria, sua cidade natal, para tirar vantagem da jovem que estava em situação vulnerável.

Ustra se declarou católico a jornalistas, se expressava com linguajar católico e teve missa de sétimo dia e de ano de morte. Estes podem ser considerados indícios da vinculação do agente da ditadura ao Catolicismo, tendo seguido a trajetória religiosa mãe, com quem tinha fortes laços, segundo sua biografia.

Apesar de o comandante da tortura no regime militar coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra não ter sido evangélico, o relatório final da CNV registra que houve, sim, casos de pastores metodistas e batista tanto informantes do sistema de repressão como torturador (p. 184 e 198). Há ainda documentos que comprovam a inserção de evangélicos nos quadros do regime da ditadura militar em cargos públicos, no sistema de repressão e nos cursos da Escola Superior de Guerra, levantados pela CNV e guardados no Arquivo Nacional, com toda a documentação utilizada pela comissão. Estas informações podem ser também encontradas em documentos e depoimentos atrelados a uma gama variada de pesquisas científicas, que podem ser localizadas por meio do Banco de Teses e Dissertações da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), bem como em livros como “Inquisição sem Fogueiras”, de João Dias de Araújo (ISER, 1982, relançado em 2020 pelo movimento Resistência Reformada, “Dogmatismo e Tolerância”, de Rubem Alves (Paulinas, 1982; Loyola, 2004), “Memórias Ecumênicas Protestantes”, de Zwinglio Dias (Koinonia, 2014) entre muitos outros.

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Foto de capa: Sergio Lima/Folhapress/Reprodução

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Referências

Deutsche Welle, https://www.dw.com/pt-br/ustra-respeitava-os-direitos-humanos/av-55209554. Acesso em 26 out 2020.

Universidade Metodista de São Paulo, http://portal.metodista.br/posreligiao/noticias/protestantismo-ignorou-caracteristica-brasileira-lamenta-professor-sobre-golpe-militar

Wanderley Rosa e José Adriano Filho, Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro”, Editora Mauad, 2012.

Eduardo Paegle, A posição política da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) nos anos de chumbo (1964-1985). https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/89510/235493.pdf?sequence=1&isAllowed=y

Comissão Nacional da Verdade, http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/

Leandro Seawright, “Ritos da oralidade: a tradição messiânica de protestantes no Regime Militar Brasileiro”.

Diário Oficial da União, 11 mar 1968. https://www.jusbrasil.com.br/diarios/2860769/pg-12-secao-1-diario-oficial-da-uniao-dou-de-11-03-1968

Leonildo Silveira Campos, Estudos de Religião, n. 23, Universidade Metodista de São Paulo, dez. 2002.

Carlos Alberto Brilhante Ustra, Rompendo o silêncio, Editerra, 1987, https://conservadorismodobrasil.com.br/2017/05/livro-em-pdf-rompendo-o-silencio-carlos-alberto-brilhante-ustra.html )

Carlos Alberto Brilhante Ustra, Verdade Sufocada, Editora Ser, 2013. https://conservadorismodobrasil.com.br/2017/05/livro-em-pdf-verdade-sufocada.html

A verdade sufocada, https://www.averdadesufocada.com/index.php?option=com_content&view=article&id=13491:191015-missa-de-7o-dia-doi-coronel-carlos-alberto-brilhante-ustra&catid=43&Itemid=90

Folha de S. Paulo, http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/10/1823396-em-celebracao-brilhante-ustra-e-chamado-de-heroi-que-lutou-pela-paz.shtml

Revista Época, http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI6952-15223,00.html