Cobertura imprecisa de dados inéditos do IBGE sobre número de templos religiosos no país gera desinformação

Os principais veículos de comunicação no Brasil repercutiram dados do Censo 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e apresentaram uma análise comparativa entre a quantidade de templos religiosos e instituições de ensino e de saúde, no início de fevereiro.

As matérias jornalísticas enfocaram o número maior de estabelecimentos religiosos em relação à soma dos estabelecimentos de ensino e de saúde, e apresentaram outros aspectos da pesquisa de forma secundária. A abordagem ganhou repercussão política nacional, em mídias mais à direita e à esquerda, assim como em portais regionais, que aplicaram recortes da informação difundida.

Figuras públicas e ativas nas mídias sociais também sustentaram a mesma abordagem dos dados e chegaram a questionar a secularidade e colocar a laicidade do Estado brasileiro em questão. Em contrapartida, pesquisadores da religião apontaram inconsistências nesta interpretação dos dados.  

Censo 2022: dados e informações divulgados pelo IBGE 

O IBGE divulgou, pela primeira vez, as coordenadas geográficas das espécies de endereços do país, coletadas durante o Censo 2022. Os dados foram detalhados por município e cada espécie corresponde a uma finalidade do endereço. 

Imagem: reprodução do site do IBGE

Ao todo, foram catalogadas oito espécies de endereço: domicílio particular (90,6 milhões), domicílio coletivo (104,5 mil), estabelecimento agropecuário (4,05 milhões), estabelecimento de ensino (264,4 mil), estabelecimento de saúde (247,5 mil), estabelecimento de outras finalidades (11,7 milhões), edificação em construção (3,5 milhões) e estabelecimento religioso (579,8 mil).

Os dados coletados e estruturados pelo IBGE integrarão o Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE), a base de endereços usada no Censo Demográfico, na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) e na Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS).

As informações foram publicadas pela Agência de Notícias IBGE,  em 2 de fevereiro passado, que divulgou, em matéria jornalística, uma tabela com a distribuição das espécies de endereços por estados e os endereços eletrônicos da Plataforma Geográfica Interativa (PGI) e do panorama do Censo 2022 para consulta dos dados.

Cobertura da imprensa e visão de figuras públicas

Após a divulgação oficial pelo IBGE, diversos veículos da mídia repercutiram os dados, apontando, principalmente em manchetes, a diferença entre o número de estabelecimentos religiosos e o número de estabelecimentos de educação e de saúde.

O jornal Folha de S. Paulo veiculou, já na manhã de 2 de fevereiro, a manchete “Brasil tem mais espaços religiosos do que de educação e saúde juntos, aponta Censo”. O portal G1, por sua vez, publicou: “Brasil tem mais templos religiosos do que hospitais e escolas juntos; Região Norte lidera com 459 para cada 100 mil habitantes”.

Imagem: reprodução Folha de São Paulo

Imagem: reprodução G1

Foi assim, também, com a Revista Exame (“Censo 2022: Brasil tem mais igrejas e templos do que escolas e hospitais somados”), com o portal UOL (“Censo: Brasil tem mais igrejas que soma de escolas e hospitais”) e diversos outros sites. A Agência Brasil, que integra o sistema público de comunicações, também optou por destacar a comparação: “Brasil tem mais estabelecimentos religiosos que escolas e hospitais”.

Imagem: reprodução Exame

Imagem: reprodução UOL

Alguns intelectuais e pensadores brasileiros divulgaram os dados nos mesmos termos, sempre comparando o número de estabelecimentos seculares e religiosos. Em alguns casos, as publicações, em mídias sociais, adotaram tom crítico à configuração de endereços. Em seu perfil no X, o professor e pesquisador do Pietro Dell’ova associa os dados à “multiplicação de stalinistas, bolsonaristas, miseráveis, moribundos, etc.”. A doutora em literatura em língua inglesa e professora da UFC (Universidade Federal do Ceará) Lola Aronovich compartilhou, também, no X, a notícia com o comentário “sinal de atraso”.

Imagem: reprodução X (antigo Twitter)

Imagem: reprodução X (antigo Twitter)

Já a antropóloga Lilia Schwarcz, em seu perfil no Instagram, teceu comentários sobre o dados e comparou o cenário brasileiro com o da Europa ocidental: “Tais dados ajudam a demonstrar como, na prática, como o Brasil, apesar de ser formalmente um estado secular, não é ainda um país pouco secularizado quando comparado a outros, como na Europa ocidental”, escreveu.

Críticas à cobertura enviesada

O teólogo, mestre em filosofia e em religião e sociedade e diretor de programas no Instituto de Estudos da Religião (ISER) Ronilso Pacheco questionou, em seu perfil no X/Twitter, a cobertura dos dados pela imprensa: O Reino Unido tem mais templos que escola e hospitais. A França tem mais igrejas que escolas. Porque esse dado básico está sendo noticiado como surpreendente?” indagou.

Imagem: reprodução X (antigo Twitter)

Em sua crítica à forma como a imprensa tratou os dados do IBGE, Pacheco reflete: “Analistas políticos e comentaristas passaram o dia comentando isso como se fosse razoável achar que para cada templo (não apenas de igreja) que se abre, uma escola e um hospital deixam de ser construídos ou perdem investimento, ou relevância. Além disso, claro, o reforço do estereótipo de que as igrejas crescem porque o estado é ausente. Mais uma vez, vitória da ideia elitista de que as pessoas na periferia só são crentes porque são pobres e não tem assistência do estado, não é mesmo?”.

Em entrevista ao Bereia, o pesquisador no Instituto de Estudos da Religião (ISER) e professor na Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getúlio Vargas (FGV ECMI) Matheus Pestana também criticou a forma como os dados foram explorados na mídia. “O número de pessoas que acessa um hospital, uma escola, tem interseções com o público que acessa os estabelecimentos religiosos, mas são coisas completamente distintas e incomparáveis. No meu entender, o equívoco está aí. É uma comparação que, para mim, não fez sentido nenhum, nenhum. São estabelecimentos de natureza distinta”, afirmou.

Pestana destaca a importância dos dados compilados pelo IBGE na construção de políticas públicas: “É importante entender que esses dados são bastante valiosos para o poder público no desenho de políticas públicas. São dados que vão delinear a ação do governo, em auxílio à população e à configuração urbana existente (…). Na maioria dos municípios, isso era um dado que não existia. Os dados são ótimos. É louvável a iniciativa do IBGE.”

Mas o pesquisador reforça que o entendimento dos dados “de forma alarmante” é equivocado: “Se tivermos 500 mil igrejas e 300 mil escolas, vamos construir mais 200 mil escolas para equiparar ao número de igrejas? Isso não faz sentido. Isso vai mudar alguma coisa? Efetivamente, não. A gente esquece que o público que vai para a escola também vai para a igreja; o público que vai para a igreja, frequenta hospital; só que em questão de volume, são coisas completamente distintas. Escolas, por exemplo, concentram algumas faixas etárias; igrejas contemplam todo o segmento da sociedade Enfim, não faz sentido”.

O pesquisador e professor também abordou a questão da laicidade, levantada por algumas figuras públicas nas mídias sociais. “Alguns comentaristas disseram que, apesar de o Brasil ser, formalmente, um Estado secular, quando a gente compara com outros países – e o exemplo, claro, vem do Norte global – é um país pouco secularizado porque tem muita igreja. Isso não faz sentido.”

Por fim, Pestana aborda as tendências recentes no que diz respeito ao confessionalismo na população brasileira. Em sua percepção, alguns comentaristas teriam conectado os dados do IBGE com o crescimento de grupos evangélicos no país, algo que não necessariamente seria verdadeiro. 

“Existem estudos que falam do crescimento dos estabelecimentos evangélicos, mas isso é outra coisa, não está sendo pautado [pelos dados recém-divulgados pelo IBGE]. Essa repercussão é bastante curiosa e mostra, de certa forma, um ataque da mídia ao campo religioso e um não entendimento do brasileiro enquanto um povo com uma dinâmica religiosa que a gente tem. Na verdade, isso não tem problema nenhum. Religião é cultura também e é algo importante de ser considerado”, afirma Matheus Pestana

*** 

Após avaliar a cobertura da imprensa e a abordagem amplamente difundida nas mídias sociais sobre os dados do IBGE segmentados por espécies de endereço, Bereia classifica o viés adotado como impreciso. De maneira geral, as notícias e declarações sobre o tema apresentam dados verdadeiros, mas não consideram diferentes perspectivas e não contextualizam o fenômeno religioso no Brasil de modo a justificar a abordagem adotada.

O IBGE não fornece conclusões de qualquer natureza ou mesmo indícios de que os dados expliquem o cenário da religião no Brasil. A abordagem amplamente difundida nos meios digitais de comunicação pode levar o público a julgamentos errôneos sobre determinados grupos, instituições, organizações, associações ou movimentos sociais e constituir fonte de intolerância.

Referências de checagem:

Agência de notícias IBGE. https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/39065-ibge-divulga-pela-primeira-vez-as-coordenadas-geograficas-dos-enderecos-do-pais Acesso em: 6 fev 2024

IBGE.

https://censo2022.ibge.gov.br/apps/pgi/#/home Acesso em: 6 fev 2024

https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/ Acesso em 6 fev 2024

X.

https://twitter.com/PietroDellova/status/1753549888506286192 Acesso em: 8 fev 2024

https://twitter.com/lolaescreva/status/1753579851917701239 Acesso em: 8 fev 2024

https://twitter.com/ronilso_pacheco/status/1753537529607819547?t=z75R2aKVWa4SE2p1q2Pt5A&s=19 Acesso em: 7 fev 2024

G1. https://g1.globo.com/economia/censo/noticia/2024/02/02/brasil-tem-mais-templos-religiosos-do-que-hospitais-e-escolas-juntos-regiao-norte-lidera-com-459-para-cada-100-mil-habitantes.ghtml. Acesso em: 7 fev 2024

Exame. https://exame.com/brasil/censo-2022-brasil-tem-mais-igrejas-e-templos-do-que-escolas-e-hospitais-somados/ Acesso em: 7 fev 2024

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-02/brasil-tem-mais-estabelecimentos-religiosos-que-escolas-e-hospitais Acesso em: 7 fev 2024

UOL. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ansa/2024/02/02/censo-brasil-tem-mais-igrejas-que-soma-de-escolas-e-hospitais.htm Acesso em: 7 fev 2024

Pleno News. https://pleno.news/brasil/ibge-brasil-tem-mais-templos-religiosos-que-escolas-e-hospitais.html Acesso em: 8 fev 2024

***

Foto de capa: Eric Gaba/Creative Commons

Senadora evangélica publica montagem desinformativa sobre o desemprego

Na tentativa de comparar dados sobre o desemprego no Brasil para criticar o atual governo, a senadora evangélica Damares Alves (Republicanos/DF) publicou uma montagem que utiliza reportagens da Rede CNN e do portal de notícias G1, da Rede Globo, junto com as fotos de Lula e Bolsonaro. As matérias anunciam dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Imagem: reprodução do Instagram

Bereia consultou os dados da ​​pesquisa do IBGE, mencionados por Damares Alves em sua comparação. É correto, de acordo com o instituto, que no período de julho-agosto-setembro do ano passado, a taxa de desemprego no Brasil foi de 8,7%. Já no período de dezembro-janeiro-fevereiro deste ano a taxa foi, de fato, de 8,6%.

Porém, a variação percentual nesses trimestres não é informada na publicação da senadora, o que pode levar seguidores ao erro. No trimestre outubro-novembro-dezembro, ainda no governo Bolsonaro, por exemplo, a taxa chegou no menor valor, 7,9%. O número aumentou logo no trimestre seguinte, novembro-dezembro-janeiro para 8,4%. 

Quando considerados apenas os dois períodos citados nas manchetes dos jornais (8,7% – 8,6%) por Damares Alves, a taxa se mantém estável.

Imagem: reprodução site IBGE

Como comparar as taxas de desemprego

Uma comparação correta entre as taxas de desemprego é a que leva em conta o trimestre anterior (no caso, novembro-dezembro-janeiro, no final do mandato do governo Bolsonaro, que teve 8.4%), o que demonstra uma alta em dezembro-janeiro-fevereiro de 2023, nos primeiros meses do governo Lula de 0,2%. 

Outra comparação corrente e correta deve se dar entre o trimestre atual e o mesmo trimestre do ano anterior, 2022. Nesse caso, verifica-se dezembro-janeiro-fevereiro de 2023 com 8,6% frente a dezembro-janeiro-fevereiro de 2022 com 11,2%, durante o governo Bolsonaro, o que representa uma baixa nestes primeiros meses do governo Lula, equivalente a 2,6%.

Imagem: reprodução site IBGE

Bereia considera que a montagem publicada pela senadora é enganosa, pois utiliza dados verdadeiros do IBGE, mas produz comparação descabida entre trimestres avulsos, além de omitir informações relevantes ao leitor: (1) não faz as comparações corretas, com dados do trimestre anterior e do mesmo trimestre do ano anterior; (2) não considera fatores sazonais, como o aquecimento do comércio durante as festas de final de ano, por exemplo, com trabalho temporário, que decresce nos meses seguintes.

Referências de checagem:

G1 https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/03/31/desemprego-sobe-a-86percent-no-trimestre-encerrado-em-fevereiro-diz-ibge.ghtml Acesso em: 4 abr 2023

CNN https://www.cnnbrasil.com.br/economia/desemprego-cai-para-87-no-trimestre-encerrado-em-setembro-diz-ibge/ Acesso em: 4 abr 2023

IBGE

https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html?edição=36565 Acesso em: 4 abr 2023

https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html?edicao=35281 Acesso em: 4 abr 2023

***

Foto de capa: Marcelo Casal Jr./Agência Senado

Partido dos Trabalhadores desinforma ao citar redução no crescimento de evangélicos

* Matéria atualizada às 19:58. A etiqueta foi atualizada como resposta a questionamento do autor do texto verificado.

Recentemente, o portal oficial do Partido dos Trabalhadores (PT) publicou notícia em que afirma o crescimento de 129% na quantidade de brasileiros autointitulados evangélicos ao longo dos governos liderados pela legenda, enquanto o número seria de apenas 6,5% durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL). A publicação aponta, ainda, que a administração atual teria sido responsável por instabilidades, perseguições e desinstituicionalizações dentro do meio evangélico. A notícia foi divulgada em vários espaços digitais de esquerda na forma de card. 

Imagem: Reprodução | Site do Partido dos Trabalhadores

Crescimento no número de evangélicos 

De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, o número total de brasileiros autointitulados evangélicos subiu de 26,2 milhões no ano de 1999, para 42,3 milhões em 2010. Proporcionalmente, os evangélicos passaram de 15,5% para 22,2% no número total de brasileiros, sendo pentecostais, protestantes, religiosos de missão, carismáticos e outras denominações consideradas como evangélicas. 

Imagem: Reprodução | Censo IBGE 2010

É importante salientar que o censo do IBGE é realizado a cada 10 anos. Porém,  o último data do ano de 2010, já que, por decisão do governo federal atrelada aos cortes orçamentários relacionados à pandemia da covid-19, o levantamento que deveria ter sido realizado em 2020, foi suspenso e está em curso atualmente, já em 2022. Este déficit de dados torna especulativa qualquer informação que venha a defender um crescimento, ou diminuição, no número de práticas e de praticantes religiosos no país. 

No entanto, instituições privadas costumam produzir suas próprias aferições de dados. É o caso do  Instituto de Pesquisa Datafolha, vinculado ao jornal Folha de S. Paulo. Mencionado na matéria produzida pelo PT, o Instituto Datafolha conduz pesquisas sob encomenda para veículos de informações e políticos. Sua base de dados tende a se concentrar em centros urbanos e metrópoles, limitando a qualidade da amostra colhida. 

Em pesquisa realizada pelo Instituto em 2016, três em cada dez (29%) brasileiros com 16 anos ou mais atualmente se dizem evangélicos; em 2020, ainda segundo o Datafolha, esse número subiu para 31%, isto é, 65,4 milhões de pessoas.  Isto representaria um aumento de apenas 2% no número de evangélicos no país, dos anos de 2016 a 2020. 

Todavia, os dados provenientes do Datafolha não são um parâmetro oficial adotado para mensuração do crescimento, ou não, no número de evangélicos ou de qualquer grupo religioso. Os resultados alcançados pelo instituto da Folha de S. Paulo dizem respeito a um universo amostral menor do que a parcela colhida pelo IBGE, portanto, não podem ser utilizados para afirmação comparativa referente a governos. Estas pesquisas estimativas são úteis na produção de resultados parciais para uma abordagem geral sobre possível distribuição de fiéis por religiões e sondagem de opinião como intenção de votos, aprovação do presidente etc, mas não configuram uma fonte oficial para ser utilizada na discussão de políticas públicas, como é o IBGE.

Imagem: Reprodução | Site do Partido dos Trabalhadores

Políticas  dos governos petistas voltadas ao público evangélico

A matéria do PT menciona ainda uma série de leis, projetos e acordos firmados entre o governo Lula e instituições religiosas, dentre elas: lei que permitiu que as igrejas e associações religiosas passassem a ter personalidade jurídica, em 2003, proibindo intervenções do Estado nas ações das igrejas e possibilitando a criação de seus próprios estatutos; criação do Dia Nacional da Marcha para Jesus, em 2009; criação do Dia Nacional do Evangélico (30 de novembro), em  2010. 

Tais projetos não se deram apenas por uma boa vontade do então presidente para com os evangélicos, mas, sim, graças ao cumprimento de acordos políticos firmados entre ele, a Bancada Evangélica e lideranças políticas/religiosas. Em igual medida, Bolsonaro se alinha a uma bancada formada majoritariamente por agentes religiosos e realizou a aprovoção de projetos como maior flexibilização da compra de armas de fogos, redução de investimento em ONGs que atuam por direitos relacionados à pauta de costumes, nomeação de evangélicos para primeiro e segundo escalões de ministérios no governo federal, perdão para dívidas de igrejas com a Receita Federal, além de movimentar os debates sobre aborto, família e Direitos Humanos sob uma perspectiva conservadora de sua base aliada.  

O interesse dos presidenciáveis no eleitorado evangélico

O voto dos evangélicos está sendo disputado pelos dois candidatos que lideram as pesquisas eleitorais para Presidente.  Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Messias Bolsonaro (PL) têm buscado o apoio do segmento, que representa aproximadamente 30% da população brasileira, segundo os institutos de pesquisa, e deve ter um peso nas eleições de outubro de 2022.

De acordo com pesquisa do PoderData realizada de 22 a 24 de maio deste ano, Jair Bolsonaro lidera com 46% das intenções de voto entre eleitores evangélicos para o 1º turno, enquanto Lula marca 33%. A distância entre os dois presidenciáveis nesse grupo específico é de 13 pontos percentuais. Na rodada realizada de 8 a 10 de maio, era de 27 pontos. Os números  desmistificam o apoio massivo dos evangélicos a Bolsonaro.

Ainda, segundo dados obtidos por uma pesquisa do Datafolha, também é possível  relativizar  a suposta homogeneidade do voto desses fiéis, principalmente quando se fala sobre as mulheres evangélicas. Entre elas, 39% votariam no petista, enquanto 30% declararam voto no atual Presidente. Os números seguem a tendência dos votos pelo país, que indicam preferência do gênero feminino por Lula. A vantagem do ex-presidente se amplia quando são consideradas mulheres jovens, de 16 a 24 anos, das quais  50% optam pelo candidato do PT, contra 22% que votariam em Bolsonaro. Se comparadacom a intenção de voto dos homens da mesma religião, a situação se inverte, são 46% contra 28% que votariam em Lula. 

Diante deste cenário, de um lado, o atual Presidente procura acenar para o público evangélico ao defender publicamente as chamadas pautas de costume, e até mesmo alçando representantes religiosos a cargos políticos na tentativa de manter o apoio do segmento. Foi através de medidas como essas que Bolsonaro, mesmo se declarando católico, conquistou grande parte do apoio dos evangélicos.

Do outro, o candidato do PT visa se aproximar desse eleitorado. A legenda formou núcleos evangélicos em 21 estados da Federação, a fim de adaptar a comunicação das campanhas aos valores desse segmento religioso.  No início deste mês, o Partido também criou o CEU (Comitê Evangélico Unificado) com o objetivo de enfrentar as fake news que circularam fortemente entre a população evangélica na última disputa eleitoral. De acordo com a pesquisa “Caminhos da desinformação: evangélicos, fake news e WhatsApp no Brasil”, que deu origem ao Bereia e foi realizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 49%, ou quase metade, dos evangélicos que responderam aos questionários afirmaram ter tido acesso a conteúdo falso. Desses, 77,6% disseram ter recebido as fake news em grupos de WhatsApp relacionados às suas igrejas.

***

Bereia classifica a notícia como IMPRECISA, uma vez que se vale de dados não oficiais, estimativas de pesquisas, para corroborar argumentos de campanha que envolvem políticas governamentais. Como mencionado, as pesquisas de censo IBGE ainda estão sendo realizadas e os resultados divulgados pelo Instituto Datafolha dizem respeito a um universo amostral menor do que a parcela colhida pelo IBGE, além de o primeiro não ser uma fonte oficial do Estado. A matéria em questão cumpre um papel político de reconciliação do PT com o público evangélico, mostrando como a legenda e o povo evangélico lograram conquistas e prosperam durante o governo petista, levando o público leitor a uma compreensão de que durante o governo bolsonarista o pequeno crescimento do número de fiéis seria resultado de um não interesse político nessa comunidade. O crescimento, a estagnação ou decréscimo no número de fiéis de um grupo religioso depende de uma série de fatores socioeconômicos e culturais que precisam ser devidamente avaliados para se produzir uma afirmação como a que foi feita no site do Partido dos Trabalhadores.

Referências de checagem:

PT.

https://pt.org.br/evangelicos-cresceram-129-nos-governos-do-pt-no-governo-bolsonaro-so-65/ Acesso em: 29 jun 2022

https://pt.org.br/blog-secretarias/comite-evangelico-e-criado-com-objetivo-de-combater-as-noticias-falsas/ Acesso em: 29 jun 2022

Veja.

https://veja.abril.com.br/coluna/matheus-leitao/o-crescimento-evangelico-a-proxima-eleicao-e-o-pastor-no-stf/ Acesso em: 29 jun 2022

https://veja.abril.com.br/coluna/matheus-leitao/por-que-a-juventude-brasileira-esta-se-tornando-cada-vez-mais-evangelica/ Acesso em: 29 jun 2022

Terra. https://www.terra.com.br/noticias/brasil/numero-de-evangelicos-cresce-61-no-brasil-diz-ibge,c0addc840f0da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html Acesso em: 29 jun 2022

IBGE. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9662-censo-demografico-2010.html?edicao=9749&t=destaques Acesso em: 29 jun 2022

Folha de São Paulo.

https://datafolha.folha.uol.com.br/ Acesso em: 29 jun 2022

https://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2022/06/1989394-reprovado-por-47-bolsonaro-tem-avaliacao-de-governo-estavel.shtml Acesso em: 29 jun 2022

https://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2022/06/1989391-69-dos-eleitores-discordam-da-frase-o-povo-armado-jamais-sera-escravizado.shtml Acesso em: 29 jun 2022

https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2022/pesquisa-eleitoral/noticia/2022/06/07/datafolha-numero-de-evangelicos-de-direita-e-equivalente-aos-de-esquerda.ghtml Acesso em: 29 jun 2022

http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2022/03/25/Intencao_de_voto_presidente_mar_22.pdf Acesso em: 29 jun 2022

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/06/datafolha-20-dos-eleitores-religiosos-dizem-ouvir-instrucoes-sobre-voto-nas-igrejas.shtml Acesso em: 29 jun 2022

http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2016/12/28/da39a3ee5e6b4b0d3255bfef95601890afd80709.pdf Acesso em: 30 jun 2022

Istoé Dinheiro. https://www.istoedinheiro.com.br/pt-cria-nucleos-evangelicos-em-21-estados/ acesso em: 29 jun 2022

Pesquisa: Caminhos da desinformação: evangélicos, fake news e WhatsApp no Brasil.

https://drive.google.com/file/d/1xl-5aqKfXmYeSPctboBoNqFzj_21yRHO/view Acesso em: 29 jun 2022

Carta Capital. https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/mulheres-evangelicas-olham-para-a-vida-e-resistem-mostram-as-pesquisa-eleitorais/ Acesso em: 29 jun 2022

The Intercept. https://theintercept.com/2022/04/07/macedo-malafaia-negociam-voto-evangelicos-presidente/ Acesso em: 29 jun 2022

Metrópoles.

https://www.metropoles.com/brasil/eleicoes-2022/em-luta-contra-o-mal-bolsonaro-volta-a-defender-pauta-de-costumes Acesso em: 29 jun 2022

https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/qual-a-religiao-de-jair-bolsonaro-confusao-o-beneficia-ha-tempos Acesso em: 29 jun 2022

Catarinas. https://catarinas.info/deus-acima-de-todos-o-avanco-do-estado-teocratico-no-governo-bolsonaro/ Acesso em: 29 jun 2022

Poder 360. https://www.poder360.com.br/poderdata/bolsonaro-tem-46-entre-evangelicos-lula-44-entre-catolicos/ Acesso em: 29 jun 2022

Correio Braziliense. https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/05/5004555-candidatos-as-eleicoes-de-2022-disputam-o-voto-da-mulher-evangelica.html Acesso em: 29 jun 2022

Vivendo Bauru. https://www.vivendobauru.com.br/qual-e-o-numero-de-evangelicos-no-brasil/ Acesso em: 30 jun 2022

Agência Brasil. http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2003-12-22/lula-sanciona-lei-que-garante-personalidade-juridica-organizacoes-religiosas Acesso em: 30 jun 2022

Imagem de capa: Divulgação/PT

Pleno News desinforma sobre pobreza no Brasil

O portal de notícias Pleno News indicou em texto de 23 de maio de 2021, que “Brasil e Panamá são únicos (países) latinos a reduzir pobreza”. 

A informação se valia de uma suposta notícia do portal da BBC de Londres. A matéria, na verdade, estava no portal “BBC News Mundo”, divisão em espanhol do portal BBC, e se valia de um estudo da Comissão Econômica Para a América Latina (CEPAL). No entanto, o estudo não apresenta dados sobre 2020-2021, apenas projeções.

O Estudo Original

A notícia do Pleno News se baseia em uma notícia veiculada pela BBC News Mundo, publicada no dia 20 de maio de 2021. O texto usava como dados estudo publicado pelo CEPAL em que se analisava os índices de pobreza, extrema pobreza, mercado de trabalho e outras variantes para a América Latina. A informação de que Brasil e Panamá reduziram pobreza foi exibida da seguinte maneira:

“O paradoxo do Brasil e Panamá – os únicos países onde se diminuiu a extrema pobreza foram Brasil e Panamá. Enquanto no Brasil a extrema pobreza caiu de 5,5% para 1,4%, no Panamá se registrou uma diminuição de 6,6% para 6,4%. Fonte: Projeção Cepal (Comparação 2029-2020).”

Há dois problemas na notícia original. O primeiro é a data de comparação: o estudo original compara de 2019-2020 (na notícia se escreveu 2029-2020, o que provavelmente constitui erro de digitação). O segundo diz respeito ao caráter do estudo: originalmente oi publicado no site do CEPAL em março de 2021, porém foi finalizado em 2020, usando dados de 2014-2019. Logo, não haviam dados sobre a situação da pandemia no mundo, uma vez que esta acometeu o país a partir de março de 2020, período não contabilizado no levantamento.

Quadro original que indica as projeções de pobreza e extrema pobreza em 2020, com base em 2019. Página 85 do estudo.

Um comunicado à imprensa no site do CEPAL, em 4 de março, no entanto, desfaz as projeções iniciais: no informe nota-se que a pobreza e a pobreza extrema aumentaram na América Latina como um todo e não é feita nenhuma menção em particular ao Brasil. 

Pobreza no Brasil

Diferentemente do que a notícia do Pleno News afirma em seu primeiro parágrafo, a extrema pobreza no Brasil aumentou durante a pandemia. Dados recentes, divulgados pela FGV Social, informam o aumento da pobreza e da desigualdade nos últimos quatro anos (2018 – 2021). O estudo “Qual foi o impacto da crise sobre a pobreza e a distribuição de renda?”, baseado em dados do IBGE, mostra que 23,3 milhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza (R$ 232,00 por mês), equivalente a 11,2% da população. “A miséria subiu 33% nos últimos 4 anos. Foram 6,3 milhões de novos pobres”, relata a FGV Social.

Outros portais compartilharam a informação enganosa

A pesquisa do Bereia para esta matéria levantou que a notícia de que Brasil e Panamá reduziram a extrema pobreza foi replicada em outros portais, como o Terra Brasil Notícias, A Província do Pará, ContraFatos e o Focus.Jor – as referências usadas eram a notícia da BBC News Mundo, o estudo do CEPAL ou o próprio Pleno News. Todos, no entanto, seguiam a mesma lógica de tratar como realidade a projeção do CEPAL. A notícia dada pela Agência Brasil no dia 4 de março se destaca como cobertura jornalística que não corroborou a desinformação.

***

Bereia classifica a notícia publicada pelo Pleno News como enganosa, a fim de levar leitores e leitoras a crerem que há políticas bem sucedidas na área da economia pelo governo do Brasil. O dado que embasa a matéria não diz respeito a uma queda na extrema pobreza, mas a uma projeção feita a partir de dados anteriores à pandemia, o que não foi contextualizado pelo portal de notícias. A desinformação encontra terreno mais fértil para proliferar com a ausência de estudos robustos como o do IBGE, cujo corte no orçamento inviabilizou a realização plena de pesquisas atualizadas sobre o dado.

***

Referências

BBC,

https://www.bbc.com/mundo/noticias-57165791. Acesso em 27 de maio de 2021. 

CEPAL, https://www.cepal.org/sites/default/files/publication/files/46687/S2100150_es.pdf. Acesso em 1º de junho de 2021.

CEPAL, https://www.cepal.org/es/publicaciones/46687-panorama-social-america-latina-2020. Acesso em 27 de maio de 2021.

CEPAL, https://www.cepal.org/pt-br/comunicados/pandemia-provoca-aumento-niveis-pobreza-sem-precedentes-ultimas-decadas-tem-forte. Acesso em 1º de junho de 2021.

FGV Social, https://cps.fgv.br/. Acesso em 1º de junho 2021.

FGV Social, https://cps.fgv.br/fgv-social-divulga-dados-ineditos-sobre-o-aumento-da-pobreza-e-da-desigualdade. Acesso em 1º de junho de 2021.


Agência Brasil, https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2021-03/pandemia-de-covid-19-eleva-indices-de-pobreza-na-america-latina. Acesso em 1º de junho de 2021.

***

Foto de Capa: Cristiano Mariz

As histórias de fé que ouvi em igrejas neopentecostais

Quando o assunto é igreja evangélica brasileira, o que pensam as pessoas que estão fora dela? E de quem elas lembram? Bispo Edir Macedo (Igreja Universal), Apóstolo Valdemiro Santiago (Igreja Mundial) e Pastor Silas Malafaia (Assembleia de Deus Vitória em Cristo) certamente estão entre as pessoas que vêm à mente de muita gente devido ao poder midiático de suas igrejas.

Sou filho de uma família pastoral com raízes na Igreja Batista Independente (de vertente pentecostal) e passagem pela Renascer em Cristo (uma das maiores promotoras da cultura gospel nos anos 1990 e 2000). Hoje frequento uma Igreja Batista. E fora do que via pela TV, eu conhecia pouco sobre outras denominações com grande poder midiático.

Mas por que as pessoas vão a essas igrejas? Em 2019, foi com essa pergunta que decidi fazer uma pesquisa de iniciação científica cujo objetivo era entrevistar fiéis de três igrejas neopentecostais (Mundial, Universal e Plenitude) e uma pentecostal (Assembleia de Deus do Brás). A maioria delas fica no “Corredor da Fé”, na Avenida Celso Garcia, no bairro do Brás, zona leste de São Paulo. Na época da pesquisa, eram 26 igrejas só naquele endereço. Baseado nas entrevistas que fiz naquele ano, produzi o podcast Histórias de Fé.

A compreensiva resistência ao jornalismo

As reações à chegada de um jornalista variaram. Na igreja do Apóstolo Valdemiro, ter me apresentado como jornalista evangélico fez os fiéis se abrirem mais. Numa entrevista até escutei que, se eu não fosse crente, uma pessoa teria tentado me confrontar e evangelizar. Já nas outras, precisei convencer autoridades religiosas de que não procurava prejudicar as igrejas com as entrevistas. 

A resistência é compreensível. As igrejas evangélicas brasileiras saltaram de 5% a 22% da população entre 1970 e 2010, de acordo os dados do Censo Demográfico do IBGE. Essa é uma grande e rápida mudança em um país de histórica hegemonia Católica Romana. Além disso, a representação desse grupo religioso ainda é carregada de estereótipos (ou até mesmo imprecisões) que eram bem mais fortes em décadas passadas.

É verdade que isso tem sido superado. Exemplo disso é que a Folha de S. Paulo dedicou, em 2019, matéria para os resultados de uma pesquisa do DataFolha. O levantamento concluiu que a “cara típica” do evangélico brasileiro é feminina e negra. Nas igrejas neopentecostais, elas representam 69% dos fiéis.

Mesmo assim, visitar essas igrejas – em especial as neopentecostais – foi confrontar-me com meus próprios preconceitos. Entrevistar fiéis enquanto mantinha opinião crítica à teologia da prosperidade e considerar que, às vezes, as chamadas experiências de avivamento com o Espírito Santo eram exageradas, me obrigou a entender as suas crenças em seus próprios termos.

Entender a fé do outro muda perspectivas

Essa chave muda tudo. Se olharmos apenas para o que acontece nos púlpitos sem acreditar nos programas de TV, a imagem que fica é de bispos e apóstolos que exploram a fé de pessoas pobres e com pouca instrução. Mas se o foco são as pessoas sentadas nos bancos – não meros cases de sucesso que dão testemunho – a situação muda.

No primeiro episódio, conto um diálogo que tive com uma fiel da Universal fora da igreja. Ela diz acreditar que pode obrigar Deus a fazer um milagre acontecer e até me citou que declarou que teria um emprego e conseguiu-o de um dia para outro. Essa crença entra em choque com a tradicional doutrina da soberania de Deus. Mas se oração, dízimos e ofertas não resultarem no milagre, para ela, é porque Deus faz o que quer. Então, o debate que importa não é se uma doutrina clássica e cara a outras tradições evangélicas está em jogo ou não, mas se a fé pregada pela igreja dá resultados.

Mas não só de resultados vive a fé desses evangélicos. O maior exemplo que tive foi minha última entrevistada, na Igreja Plenitude. Elissandra contou que retornou ao evangelho pela Plenitude depois de 22 anos “desviada” (gíria crente que designa quem se converteu e posteriormente deixou a igreja). Pouco depois de ter se batizado, sua filha teve uma doença que afetou toda a pele. Os médicos não achavam solução. A cura veio depois que ela comprou frascos com o sangue do cordeiro e azeite e passou no corpo da filha. “Então, eu não tenho motivo pra sair da igreja. Eu tenho motivo pra permanecer. Pra ficar. Pra ser fiel a Ele. Eu não tenho motivo pra sair. Porque ele me provou quem Ele é na minha vida. Ele me provou que Ele está comigo. E que Ele ouviu o meu clamor, a minha oração, porque eu ajoelhei e pedi pra Ele. E Ele me ouviu e Ele me respondeu no mesmo dia”, explicou Elissandra. 

Apesar disso, toda a sua família questiona sua fé e a chama de macumbeira – um termo muito ofensivo, já que essas igrejas entendem os cultos afro-brasileiros como demoníacos. Mas quando o assunto era o que a mantinha na Plenitude, ela atribuiu sua persistência ao avivamento com o Espírito Santo. Mesmo que a cura da filha tenha sido um sinal de Deus, me pareceu que Elissandra quer bem mais respeito da família do que negociar bênçãos materiais com Deus.

Compreender não significa fechar os olhos para os problemas

Ao final de toda a pesquisa, não deixei de ter sérias divergências com as pregações das igrejas as quais visitei. Discordo da Teologia da Prosperidade e da Guerra Espiritual, defendidas pelas igrejas neopentecostais. Às vezes, a admiração aos líderes das denominações me parece exagero.

Além disso, há um alinhamento institucional e quase acrítico ao Presidente da República Bolsonaro, para dizer o mínimo. Não é por acaso que o voto evangélico foi forte fator para a eleição do capitão. É claro que isso não é exclusividade das igrejas que visitei e os efeitos são prejudiciais tanto para quem é da igreja quanto para quem é de fora dela. 

Em poucos meses como repórter verificador no Bereia cheguei à triste conclusão que, não raramente, líderes evangélicos importantes desistem da verdade para espalhar desinformação, seja para criticar opositores do presidente ou defender o governo. Isso se tornou mais dramático com a pandemia de covid-19. O grande problema disso tudo é: se a igreja evangélica se associar tão fortemente ao governo Bolsonaro, como as pessoas de fora da igreja conseguirão distinguir a diferença entre ser evangélico e ser bolsonarista?

Reconheço que essas igrejas não se encerram nos programas de TV e que chegam nas vidas das pessoas. E mesmo quando discordo, eu entendo os pontos de vista desses fiéis. Qualquer diálogo sério com evangélicos depende de tentar compreendê-los.

***

Foto de Capa: Pixabay/Reprodução