Portal de notícias gospel desinforma sobre encerramento de escolas cívico-militares

*Matéria atualizada em 27/07/2023 para correção de informações

Nos primeiros dias de julho de 2023, o governo federal anunciou o encerramento do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim). Em ofício às secretarias estaduais, o Ministério da Educação (MEC) informou que o programa chegará ao fim e terá início um período de transição para que as escolas que anteriormente integravam o Pecim sejam reintegradas à redes regulares de ensino. Na sexta-feira, 21, o governo publicou um decreto revogando o Pecim. 

O portal gospel Pleno News, em matéria crítica ao fato, veiculada em 16 de julho, afirma que escolas cívico-militares foram responsáveis pela queda das taxas de evasão e violência escolar, e que a decisão de extinguir o Pecim ignora os “bons resultados apresentados pelo Programa”. Bereia checou esta alegação. 

Imagem: reprodução site Pleno.News

Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim)

Em setembro de 2019, o então presidente da República Jair Bolsonaro (PFL, depois PL) criou o Pecim via Decreto, ou seja, sem a necessidade de aprovação pelas casas legislativas. Instituído, então, pelo Decreto nº 10.004/19, o Pecim propunha-se a aplicar, a escolas do ensino regular, práticas pedagógicas ligadas ao ensino dos colégios militares, do Exército, das polícias militares ou dos corpos de bombeiros militares. Ao contrário do que ocorre nas tradicionais escolas militares, subordinadas ao Ministério da Defesa, as escolas cívico-militares permaneceram sob alçada das Secretarias de Educação.

A implementação do modelo cívico-militar, prevista no Decreto nº 10.004/19 é efetivada por meio da contratação de militares inativos para a execução de tarefas disciplinares nas escolas que aderirem ao programa. Tal contratação é feita pelas próprias Forças Armadas, sob coordenação do Ministério da Defesa, e o pagamento dos salários realizado com o orçamento do MEC.

Resultados do Pecim

A afirmativa apresentada pelo portal Pleno News não indica a referência dos bons resultados atribuídos ao programa, apontados no texto, porém o MEC divulgou algumas informações relativas ao Pecim no final de 2022. O Replanejamento Estratégico do Pecim, divulgado em dezembro do último ano, expôs, na seção de Análise dos Resultados, dados do programa colhidos ao longo de 2022, em 117 escolas do Pecim. 

O documento aponta índices de avaliação subdivididos em quatro aspectos: Gestão Escolar (GE), Ambiente Escolar (AE), Práticas Pedagógicas (PP) e Aprendizado e Desempenho Escolar dos Alunos (ADEA). O indicador é medido entre 0 e 1, quanto mais próximo de 1 é a nota, mais perto está de atingir a meta avaliada. 

No contexto deste levantamento a que teve acesso Bereia, o indicador de AE ‘Reduzir os índices de violência na escola’ é apontado com média 0,80 e o indicador de ADEA ‘Diminuir o índice de faltas e reduzir as taxas de abandono e evasão escolar’ com 0,79. Os valores coincidem com os apresentados pelo Portal Pleno News. 

O relatório concluiu que o programa apresentava “necessidade de ações mais intensas dos gestores das Ecims” em estratégias que apresentaram “maiores déficits de atendimento”, entre estas: potencializar o trabalho do supervisor escolar (coordenador pedagógico), envidando esforços para que ele receba apoio de um psicopedagogo (GE) e possuir quantidade suficiente de professores, gestores e funcionários (GE). Além destas medidas também foram citadas como carentes de melhorias: atingir as metas do Ideb para a escola (PP) e definir e respeitar o efetivo máximo de alunos em todas as salas de aula da escola (ADEA), que foram indicadores com nota 0,4. 

Reação dos governos estaduais à decisão do MEC

A decisão do encerramento do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) pelo MEC foi comunicada por meio do Ofício Circular nº4/2023, emitido em 10 de julho, aos secretários estaduais de educação. O documento informa que a medida foi tomada após avaliação do programa e que a partir deste fato inicia-se um processo de desmobilização do pessoal das Forças Armadas envolvido na implementação e lotado nas unidades educacionais do Pecim. 

O ministro da Educação Camilo Santana garantiu, em entrevista à CNN, em 18 de julho, que nenhuma das escolas cívico-militares será fechada e afirmou que o programa existirá até o fim de 2023, e dentro deste prazo, o MEC irá dialogar com as gestões de educação estadual e municipal a transição para o sistema regular de ensino. Santana frisou ainda que caso haja interesse dos prefeitos e governadores em manter as escolas no formato cívico-militar será uma decisão própria desvinculada do MEC.

Em reação à medida tomada pelo governo federal, alguns governadores ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro manifestaram a intenção de manter o programa com recursos estaduais. Um deles foi Tarcisio de Freitas (Republicanos), à frente do estado de São Paulo, que informou pretender não só continuar, mas ampliar as unidades cívico-militares de ensino. O governador de Santa Catarina Jorginho Mello (PL) também divulgou que irá expandir o programa e afirmou ter pedido à Secretaria de Educação um estudo para determinar quais regiões do estado poderão receber escolas desta modalidade. Líderes dos estados do Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Bahia, Goiás, Rondônia e Distrito Federal também se manifestaram com intenção de dar continuidade ao programa. 

Críticas ao Pecim

O diretor da Secretaria-Executiva do Ministério da Educação Gregório Grisa comentou o tema, em seu perfil no Twitter. Grisa afirma que o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares não tem respaldo legal. “Não há base legal na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e no Plano Nacional de Educação (PNE) que ampare o pagamento de militares para exercer funções em escolas, mesmo que administrativas”.

Imagem: reprodução do site UOL

As verbas de manutenção dos colégios militares são provenientes do orçamento do Ministério da Defesa. No modelo cívico-militar, o orçamento vem do Ministério da Educação e remunera militares inativos. Em alguns casos, como nos bônus destinados aos coronéis, o valor chega a R$ 9,1 mil – maior que o piso salarial dos professores, de R$ 4,4 mil.

Para o cientista social e diretor do Instituto Cultiva, ONG dedicada à educação para a cidadania e participação social, Rudá Ricci, o Programa de escolas cívico-militares é “ilegal, equivocado e inócuo”. Em entrevista ao Bereia, Ricci destaca que o Pecim ofende a lei de diretrizes e bases da educação nacional (LDB) e o Programa Nacional da Educação (PNE), instrumentos nacionais que garantem a gestão democrática das escolas brasileiras.

Foi baseado neste entendimento que a  25ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul suspendeu a implementação de novas escolas cívico-militares no estado, em novembro de 2022. A decisão foi tomada depois do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul e do Sindicato dos Trabalhadores em Educação ajuizarem uma ação civil pública contra o decreto que criou o programa em setembro de 2019.

Em junho de 2022 o Tribunal de Justiça de São Paulo também suspendeu a implantação do Pecim em uma escola de São José do Rio Preto, a decisão atendeu a um pedido de liminar do Sindicato dos Professores da Rede Estadual de Ensino de São Paulo (Apeoesp).  

Ricci afirma, ainda, que “educação é socialização – saber viver em sociedade – e desenvolver a autonomia – autocontrole e definição do papel individual na sociedade. (…) a militarização das escolas não debela a violência e gera instabilidade entre adolescentes. Um erro grosseiro que levará ao desastre as gerações expostas a este modelo”.

Questionado sobre a disposição de governos estaduais darem continuidade ao modelo, o cientista social identifica três blocos distintos. “O primeiro bloco é composto por bolsonaristas. Aqui se trata de um confronto claro com o governo federal, não exatamente de um projeto educacional nítido. O segundo bloco é composto por governos progressistas que perderam uma noção clara de estratégia educacional, abraçando toda sorte de propostas que prometem responder às mazelas de momento. O terceiro bloco – que inclui parte do segundo – é composto por governos cujo foco é atender a demanda imediata do eleitor, descartando projetos de mais longo prazo”.

Ricci correlaciona o que entende ser uma tendência imediatista aos ciclos eleitorais que ocorrem no Brasil a cada dois anos. “Este calendário eleitoral força a obtenção de ações espetaculares ou que parecem atender imediatamente às demandas mais agudas do eleitor, tratando a gestão pública como balcão de atendimento de uma clientela ansiosa”.

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Bereia conclui que o conteúdo checado é impreciso, pois apresenta dados verdadeiros, mas sem amplitude suficiente para serem considerados informação. A maneira seletiva de expor os dados e a condução do conteúdo como uma resposta defensiva a uma medida política revogada, aponta para o uso do produto jornalístico como meio de defesa de interesses e pode levar o público a julgamentos errôneos.

O relatório do fechamento do ano de 2022 do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares apontou problemas a serem resolvidos em áreas pedagógicas e de aprendizado, o que deu base para a decisão de encerramento do programa pelo Ministério da Educação. Também foram apresentados, como justificativa pela pasta, os altos gastos retirados indiretamente da educação para a remuneração de militares da reserva. 

O texto em questão não contextualiza todos os aspectos desta situação, e com base em dados parciais defende a manutenção do programa, atribuindo uma decisão prejudicial à educação nacional ao governo e não há referência ao documento usado como base para os dados apresentados. O programa não teve ampla adesão e nem elevou os níveis da educação nas escolas contempladas com a metodologia, portanto, não é possível afirmar que houveram “bons resultados” o suficiente para que o programa não fosse descontinuado a partir de uma ótica técnico-pedagógica. 

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Referências de checagem:

Exame. https://exame.com/brasil/escolas-civico-militares-entenda-por-que-o-ministerio-da-educacao-decidiu-acabar-com-o-programa/ Acesso em: 18 jul 2023

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/como-e-uma-escola-civico-militar-entenda/ Acesso em: 18 jul 2023

Twitter. https://twitter.com/grisagregorio/status/1679565755556196352?t=rRYbJ6DVdWMKDKuI8E091w&s=19 Acesso em: 18 jul 2023

Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=YVFORuY2lx4&ab_channel=CNNBrasil Acesso em: 19 jul 2023

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2023-07/governo-federal-vai-encerrar-programa-de-escolas-civico-militares Acesso em: 19 jul 2023

MEC. https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/ministerio-da-educacao-apresenta-os-resultados-do-programa-nacional-das-escolas-civico-militares Acesso em: 19 jul 2023

Gov.br. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/d10004.htm Acesso em: 19 jul 2023

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm Acesso em: 20 jul 2023

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm Acesso em: 20 jul 2023

MEC.

https://sei.mec.gov.br/sei/controlador_externo.php?acao=documento_conferir&codigo_verificador=4145196&codigo_crc=7485322B&hash_download=968ba7c9e06e3fed837f1369646d668a106561d10a41499049a1f0cb735e9fe90be3875aabf77581e2c9d951613c471330add402057ec1499a8bbe25dbb72846&visualizacao=1&id_orgao_acesso_externo=0 Acesso em: 20 jul 2023

http://ramec.mec.gov.br/component/search/?searchword=PECIM&searchphrase=all&Itemid=8 Acesso em: 20 jul 2023

Uol.

https://educacao.uol.com.br/noticias/2023/07/13/militares-reserva-bonus-escolas-civico-militares.htm Acesso em: 21 jul 2023

https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2022/06/justica-barra-escolas-civico-militares-do-governo-bolsonaro-na-rede-estadual-de-sp.shtml Acesso em: 21 jul 2023

Conjur. https://www.conjur.com.br/2022-nov-17/tj-rs-suspende-programa-nacional-escolas-civico-militares Acesso em: 21 jul 2023

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Foto de capa: Escola Lima Netto/Facebook

Site de extrema direita dissemina desinformação e pânico sobre intervenção militar nas eleições 2022 – PARTE 2

O site de extrema direita Gente Decente, publicou uma série de informações falsas a respeito de uma suposta intervenção militar nas eleições deste ano. Bereia checou as informações em duas partes. (Leia aqui a parte 1)

A matéria de Gente Decente desinforma e propaga pânico neste já conturbado período pré-eleitoral.  O site afirma que todas as preocupações com o que pode acontecer com o Brasil em caso da derrota eleitoral do atual presidente estão sendo intensamente discutidas pelas FFAAs, como visto no Projeto de Nação – 2035. 

O encerramento da matéria “tranquiliza” os leitores, pois, segundo Gente Decente, “nossas FFAAs estão muito atentas e sabem, exatamente, o que deve ser feito para livrar o Brasil de uma desgraça chamada Lula”.

Governo Bolsonaro e Forças Armadas – Militarização da Burocracia

O conteúdo da publicação do site Gente Decente fomenta a ideia de um projeto de nação, no qual as Forças Armadas atuariam aparelhando o governo atual, militarizando a burocracia..

A suposta preocupação das Forças Armadas com o andamento do processo eleitoral é constantemente propagada por apoiadores do atual governo. A presença de militares no Executivo Federal aumentou desde o início do atual governo, como mostra a nota técnica divulgada em maio de 2022 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Com o objetivo de apresentar dados sobre a presença de militares na ocupação de cargos em comissão no Poder Executivo Federal Brasileiro, o Ipea apresenta estatísticas descritivas que permitem, de forma inédita, até onde foi possível ter conhecimento, observar longitudinalmente a trajetória da presença desse grupo especial de servidores na ocupação de cargos no Executivo Federal, entre os anos de 2013 e 2021. 

Constatou-se que a presença agregada de militares em cargos e funções comissionadas teve trajetória de aumento de 59% no período analisado, tanto pelo aumento do número de cargos e funções militares em si como pelo aumento da presença de militares em cargos e funções civis. Consideradas apenas funções de natureza civil, o número de militares nesses postos aumentou 193% no período analisado. 

No caso dos cargos de Natureza Especial os percentuais de militares no total de cargos são mais proeminentes, saindo de 6,3% em 2013 para quase 16% em 2021. A composição dos cargos ocupados se alterou no período, cabendo destaque para os níveis 5 e 6, de mais alto poder decisório, que passaram a ter percentuais mais significativos no conjunto de cargos ocupados a partir de 2019. 

A autora do estudo, a Técnica de Planejamento e Pesquisa em exercício na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Ipea (Diest) Flávia de Holanda Schmidt, foi exonerada da Direção em março de 2022, pouco antes da publicação da nota técnica. Nessa oportunidade, além de Flávia de Holanda, o presidente do Instituto e outros seis diretores também perderam seus cargos. 

Militares e seu Projeto de Poder – Brasil 2035

O documento Projeto de Nação – O Brasil em 2035, citado na matéria de Gente Decente, foi apresentado em fevereiro de 2022 e produzido pelo Instituto SAGRES – Política e Gestão Estratégica Aplicadas com a participação do Instituto Federalista e do Instituto General Villas Boas, think tanks conservadores e com diversos militares da reserva em seus quadros. 

O documento apresenta uma situação hipotética e desafios a serem vencidos no Brasil de 2035. De acordo com o Projeto de Nação, o Brasil de 2035 é ocupado por novas lideranças políticas surgidas dos movimentos de pressão popular das décadas anteriores. Estas lideranças ocuparam espaços onde antes “prevaleciam as antigas lideranças patrimonialistas e fisiológicas, em grande medida envolvidas em corrupção”. E mesmo que existam nichos onde estas nefastas antigas lideranças ainda tenham influência, o sistema democrático de 2035 está fortalecido. Muito deste avanço democrático se deve aos currículos da educação “desideologizados” durante os últimos anos. 

Dentre os cenários previstos, a influência do Movimento Globalista Mundial  nas decisões do Estado brasileiro aparece com um grande desafio ainda a ser vencido em 2035. O documento caracteriza o  globalismo como “um movimento internacionalista, cujo objetivo é massificar a humanidade, progressivamente, para dominá-la; determinar, dirigir e controlar, tanto as relações internacionais, quanto as dos cidadãos entre si, por meio de intervenções e decretos autoritários. No centro do movimento estaria a Elite Financeira Mundial, ator não estatal constituído por mega investidores, bancos transnacionais e outros entes mega capitalistas, com extraordinários recursos financeiros e econômicos.

Além disso, seria visível a união de esforços entre determinadas entidades brasileiras e o movimento globalista, inclusive com o apoio de relevantes atores internacionais, visando interferir nas decisões de governantes e legisladores, especialmente em pautas destinadas a conceder benesses a determinadas minorias, em detrimento da maioria da população, a exercer ingerência em nosso desenvolvimento econômico, usando pautas ambientalistas a reboque de seus interesses e não pela necessária preservação da natureza, e a provocar crises que enfraquecem a Nação em sua busca pelo desenvolvimento.

E ainda, o globalismo teria uma outra face, mais sofisticada, que, segundo o Projeto de Nação, pode ser caracterizada como “o ativismo judicial político-partidário”, pelo qual parcela do Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública atuam sob um prisma exclusivamente ideológico reinterpretando e agredindo o arcabouço legal vigente, a começar pela Constituição brasileira. 

Alguns conflitos que no “Entorno Estratégico” abalariam o Brasil, como a “predatória” exploração de minerais na Guiana, que causará um conflito com os EUA após “forte reação de entidades ambientalistas internacionais e de direitos humanos, tendo em vista as condições degradantes dos empregados” . Uma nova pandemia, desta vez do “Xvírus” também seria, segundo o site,  um desafio logo superado entre 2027 e 2028. 

Globalismo

A teoria da conspiração conhecida como Globalismo e apresentada no Projeto de Nação é uma das bandeiras do atual governo e seus apoiadores. O documento segue a mesma linha dos pensamentos do guru conservador Olavo de Carvalho e do ex-chanceler Ernesto Araújo, “olavista” convicto. 

Olavo de Carvalho sempre teve um bom trânsito nos meios militares e suas teorias foram transmitidas de geração para geração. Piero Leirner conta em sua obra “ O Brasil no Espectro de uma Guerra Híbrida” como Carvalho, em grande medida, subsidiou as teses sustentadas pelos militares nos dias atuais, dentre estas, o Globalismo. 

O documento cita ainda “o ativismo judicial”, como uma outra face do Globalismo. Esta passagem serve de munição para os ataques ao judiciário brasileiro e alimenta falsas informações com as apresentadas pelo site Gente Decente. 

A referência à China como um fator de desestabilização da região com a “exploração predatório” na Guiana e maus tratos aos empregados durante este processo chama atenção pois, segundo Plano de Nação, a forte reação das “entidades ambientalistas internacionais e de direitos humanos” provocaram a intervenção dos EUA e aliados na região. De acordo com o Globalismo, estas entidades são ligadas aos metacapitalistas e elites mundiais na cruzada para estabelecer um governo mundial.  

Segundo as informações apresentadas , é possível caracterizar estes “acontecimentos” que fazem parte do “Projeto de Nação”, como uma “Grande Inversão”. O antropólogo Piero Leirner explica que se trata de um método dialético: uma constante projeção que certos agentes realizam nos seus inimigos invertendo suas posições. A ideologia, neste caso, que assume um tom de conspiração e pertence aos outros, revela mais sobre o documento produzido do que os processos e projeções que descreve. “Ela revela um uso consciente dessas inversões de realidade visando provocar reações inconscientes que afetam o real de forma programada. Militares chamam isso de “operações de bandeira falsa”. (O Brasil no Espectro de uma Guerra Híbrida. p.19) 

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Bereia concluiu na primeira parte da checagem que as informações apresentadas por Gente Decente não eram verdadeiras. Porém, reconhece que ao citar o Plano de Nação – Brasil 2035, o site buscou subsídios em um documento real, mas que faz exatamente o que afirma criticar: uma “ideologização” da visão de país, a construção de inimigos (China, Rússia e antigas lideranças políticas nacionais), teorias da conspiração (Globalismo) e uma retórica que captura termos como “democracia”e “liberdade de expressão” e as utiliza num contexto que quer dizer exatamente o contrário. No momento de publicação desta checagem, o site Gente Decente, bem como o canal de YouTube, encontram-se fora do ar.

Referências de checagem:

Coletivo Bereia.

https://coletivobereia.com.br/site-de-extrema-direita-dissemina-desinformacao-e-panico-sobre-intervencao-militar-nas-eleicoes/  Acesso em: 02 ago 2022

https://coletivobereia.com.br/e-alta-a-confianca-da-amostra-de-urnas-que-compoem-o-teste-de-integridade-do-tse/ Acesso em: 19 jul 2022

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/07/bolsonaro-repete-teorias-da-conspiracao-e-ataca-urnas-stf-e-tse-a-embaixadores.shtml Acesso em: 19 jul 2022

Ipea. Nota Técnica. https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/pubpreliminar/220530_publicacao_preliminar_presenca_de_militares_em_cargos_novo.pdf Acesso em: 19 jul 2022

Projeto de Nação. https://sagres.org.br/artigos/ebooks/PROJETO%20DE%20NA%C3%87%C3%83O%20-%20Vers%C3%A3o%20Digital%2019Mai2022.pdf  Acesso em: 02 ago 2022

Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=ERvuSep8Ric  Acesso em: 02 ago 2022 

Instituto Sagres. https://sagres.org.br/ Acesso em: 02 ago 2022 

Instituto Federalista. https://if.org.br/home-1/ Acesso em: 02 ago 2022

Instituto General Villas Boas. https://igvb.org/ Acesso em: 02 ago 2022

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Foto de capa: Flickr Palácio do Planalto

Site de extrema direita dissemina desinformação e pânico sobre intervenção militar nas eleições 2022

Circula em mídias sociais de grupos religiosos conteúdo divulgado pelo site Gente Decente, afirmando que “Já está completamente definido o plano de ação militar no processo eleitoral ele será compulsório. A decisão foi tomada após [o presidente do Tribunal Superior eleitoral ministro Edson] Fachin afirmar que as negociações com as FFAAs estavam encerradas e de voltar a ignorar as sugestões por elas oferecidas. A decisão foi tomada por todos os comandantes militares e mais o alto-comando militar em decisão unânime. A forma como se dará esta atuação está sendo estudada. Pensa-se em uma [Garantia da Lei e da Ordem] GLO específica, associada ou não à adoção do artigo 142.”

Gente Decente diz ainda que “chegou-se inclusive a ser proposto que todos os técnicos do TSE sejam substituídos por técnicos militares” e ainda o adiamento das eleições para maio de 2023. 

Essas informações circularam em mídias digitais, aplicativos de mensagens e meios religiosos. Bereia checou a matéria publicada por Gente Decente e a quantidade de informações equivocadas, falsas, fora de contexto, distorcidas e insinuações, como a aplicação do artigo 142, fazem do texto um exemplo da desinformação que acompanha o período pré-eleitoral e do que está por vir. 

Imagem: reprodução da internet

Gente Decente 

Em seu canal do Youtube, Gente Decente, cujo nome é o mesmo do website do grupo , o slogan é “Gente decente – a verdade acima de tudo”. O espaço digital se define como “apenas um canal CONSERVADOR sempre em busca da verdade, do combate a fake news, do respeito à DEMOCRACIA e às leis, dos sagrados direitos CONSTITUCIONAIS e da LIBERDADE DE PENSAMENTO e OPINIÃO” (destaques no original). É liderado por Manoel Santos, que se apresenta como engenheiro civil, especializado em Marketing, ex-oficial do Exército, ex-executivo da área comercial em empresas multinacionais, se diz “CONSERVADOR ROXO” (destaque no original) e “abelhudo” na análise política, autor de discursos nos vídeos do canal. 

O canal tem como foco principal divulgar conteúdos que mostram a suposta aliança das Forças Armadas com o governo Bolsonaro, como também faz críticas ao STF e a outras instituições. 

Nesta matéria, Bereia apresenta a primeira parte da checagem do conteúdo que ganhou repercussão em espaços religiosos. 

  1. “Já está completamente definido o plano de ação militar no processo eleitoral e ele será compulsório.” 

Em 2021, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) criou a Comissão de Transparência das Eleições (CTE), instituída pelo então presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, por meio da Portaria TSE nº 578/2021 O intuito da Comissão é aumentar a participação de especialistas, representantes da sociedade civil e instituições públicas na fiscalização e auditoria do processo eleitoral, contribuindo, assim, para resguardar a integridade das eleições. 

A composição da CTE  é formada por:  representante das instituições e órgãos públicos, a  senador Antonio Anastasia (PSD-MG)o ministro Benjamin Zymler, do Tribunal de Contas da União (TCU); representante das Forças Armadas, General Heber Garcia Portella, comandante de Defesa Cibernética; pelaa Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a conselheira Luciana Diniz Nepomuceno; o perito criminal Paulo César Hermann Wanner, do Serviço de Perícias em Informática da Polícia Federal; e o vice procurador-geral eleitoral Paulo Gustavo Gonet Branco, pelo Ministério Público Eleitoral (MPE), além de representantes da sociedade civil. 

Desta maneira, não existe um plano das Forças Armadas para as eleições e menos ainda um plano compulsório. O representante do órgão na Comissão de Transparência das Eleições do TSE é o General Heber Garcia Portella, comandante de Defesa Cibernética. 

  1. “Negociações com as FFAAs estavam encerradas e  se voltar a ignorar as sugestões por elas oferecidas…”  

O então presidente do TSE ministro Luís Roberto Barroso, comunicou à CTE que havia  enviado respostas para as Forças Armadas sobre dúvidas técnicas apresentadas sobre o Sistema Eletrônico de Votação.

Foram 80 perguntas específicas com pedidos de informações para compreender o funcionamento das urnas eletrônicas, sem qualquer comentário ou juízo de valor sobre segurança ou vulnerabilidades.

As questões, de natureza técnica, foram respondidas detalhadamente pela Secretaria de Tecnologia da Informação do TSE em um documento com 69 páginas e três anexos, somando pouco mais de 700 páginas. Contudo, a íntegra do documento não foi divulgada por estar sob sigilo a pedido dos autores das perguntas.

Não existiram “negociações” entre as Forças Armadas e o TSE e as sugestões e questionamentos enviados foram respondidos de forma institucional. 

  1. “[Garantia da Lei e da Ordem] GLO específica, associada ou não à adoção do artigo 142.”

O artigo 142 da Constituição Federal é seguidamente citado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro como sendo uma previsão legal para uma intervenção militar no Brasil. Este entendimento, mesmo refutado diversas vezes por especialistas, ministros de tribunais superiores e pelo Congresso Nacional, continua a fazer parte da retórica bolsonarista e do imaginário dos seus apoiadores.

O que diz o Art. 142 da Constituição do Brasil:

As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Garantia da Lei e da Ordem (GLO)  

Realizadas exclusivamente por ordem expressa da Presidência da República, as missões de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ocorrem nos casos em que há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, em graves situações de perturbação da ordem. 

Reguladas pela Constituição Federal, em seu artigo 142, pela Lei Complementar 97, de 1999, e pelo Decreto 3897, de 2001, as operações de GLO concedem provisoriamente aos militares a faculdade de atuar com poder de polícia até o restabelecimento da normalidade. 

Nessas ações, as Forças Armadas agem de forma episódica, em área restrita e por tempo limitado, com o objetivo de preservar a ordem pública, a integridade da população e garantir o funcionamento regular das instituições. 

Exemplo de uso das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem foi o emprego de tropas em operações de pacificação do governo estadual em diferentes comunidades do Rio de Janeiro, em 2007, 2010 e 2017.  Também, recentemente, o uso de tropas federais nos estados do Rio Grande Norte e do Espírito Santo, em 2017 devido ao esgotamento dos meios de segurança pública, para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

As Forças Armadas também atuaram nos limites legais da GLO durante a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável do Rio de Janeiro (Rio + 20), em 2012; na Copa das Confederações da FIFA e na visita do Papa Francisco a Aparecida (SP) e ao Rio de Janeiro durante a Jornada Mundial da Juventude, em 2013; na Copa do Mundo 2014 e nos Jogos Olímpicos Rio 2016, ambos no Brasil.

Além disso, operações de GLO são adotadas para assegurar a tranquilidade e lisura de processos eleitorais em municípios sob risco de perturbação da ordem. 

Visto isso, publicar que uma GLO “específica” para o processo eleitoral em “conjunto” ou não com o art. 142 seria planejada é falsa, pois da maneira como essas informações são apresentadas pelo site Gente Decente, as Forças Armadas estariam articulando um ato contra a democracia, pois as operações de GLO e o art. 142 não têm qualquer relação com o processo eleitoral.

  1. Técnicos do TSE sejam substituídos por técnicos militares” 

A Justiça Eleitoral é um órgão de jurisdição especializada que integra o Poder Judiciário e cuida da organização do processo eleitoral (alistamento eleitoral, votação, apuração dos votos, diplomação dos eleitos, entre outros). Logo, trabalha para garantir o respeito à soberania popular e à cidadania.

Para que esses fundamentos constitucionais – previstos no art. 1º da CF/1988 – sejam devidamente assegurados, são distribuídas competências e funções entre os órgãos que formam a Justiça Eleitoral. São eles: o Tribunal Superior Eleitoral, os tribunais regionais eleitorais, os juízes eleitorais e as juntas eleitorais.

A Justiça Eleitoral tem ampla atuação descrita em lei, ( Art. 92 da CF/1988 e Arts. 22 , 23 29, 30, 35, 40 do Código Eleitoral), o que permite que de fato, sejam preservadas a ordem e a lisura do processo eleitoral, e, assim, assegurados os fundamentos constitucionais da soberania popular e da cidadania.

Portanto, as funções da Justiça Eleitoral e de seus integrantes são previstas em lei e não existe a possibilidade de técnicos do TSE serem substituídos por “técnicos” da Forças Armadas, visto que isto não encontra respaldo na Constituição Federal e em qualquer lei. 

  1. “Adiamento das eleições para maio de 2023”

Apenas por Proposta de Emenda à Constituição (PEC) as eleições podem ser adiadas. Como aconteceu com as eleições municipais de 2020, adiadas em um mês devido à pandemia causada pelo coronavírus

A emenda deve ser proposta por no mínimo um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; pelo Presidente da República; ou por mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa (isto é, maioria simples) de seus membros.

O processo legislativo até a promulgação de uma PEC é extremamente longo e trabalhoso, discussão e votação em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada quando obtiver, em ambos, o mínimo de três quintos dos votos dos membros de cada uma delas (art. 60, § 2º), isto é, 308 deputados e 49 senadores;

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Bereia conclui que a notícia publicada pelo site Gente Decente é falsa. Não apresenta fontes e os dados expostos não encontram qualquer respaldo em informações oficiais. As constantes  ações do Tribunal Superior Eleitoral são ignoradas pela publicação, que baseia sua matéria em falsidades e teorias da conspiração.

Gente Decente busca desinformar sobre o processo eleitoral e afirma que as Forças Armadas planejam atos contra a democracia, informações graves que contradizem conteúdo oficial e publicações do Ministério da Defesa e dos comandantes militares. 

As Forças Armadas em diversas oportunidades emitiram sinais de apoio ao processo democrático e ao Estado de Direito. A publicação de Gente Decente, um site sem qualquer credencial para ser tomado como informativo, busca turvar o transparente processo eleitoral brasileiro ao propagar notícias falsas e alarmantes. 

Referências de checagem:

TSE.

https://sintse.tse.jus.br/documentos/2021/Set/9/diario-da-justica-eletronico-tse/portaria-no-578-de-8-de-setembro-de-2021-institui-a-comissao-de-transparencia-das-eleicoes-cte-e-o-o Acesso em: 19 jul 22

https://sintse.tse.jus.br/documentos/2021/Set/9/diario-da-justica-eletronico-tse/portaria-no-579-de-8-de-setembro-de-2021-torna-publica-a-composicao-da-comissao-de-transparencia-das Acesso em: 19 jul 22

https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Fevereiro/barroso-anuncia-a-comissao-de-transparencia-que-enviou-respostas-solicitadas-pelas-forcas-armadas Acesso em: 19 jul 22

https://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/codigo-eleitoral-1/codigo-eleitoral-lei-nb0-4.737-de-15-de-julho-de-1965 Acesso em: 19 jul 22

https://www.tse.jus.br/++theme++justica_eleitoral/pdfjs/web/viewer.html?file=https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/arquivos/respostas-tecnicas-do-tribunal-superior-eleitoral-ao-oficio-md-no-007-2022/@@download/file/Ofi%CC%81cio%20007%20-%20Minuta%20de%20resposta%20-%20MEF.pdf Acesso em: 19 jul 22

YouTube. https://www.youtube.com/channel/UCIkr34MW3h5VkLubrFSwhuw Acesso em: 19 jul 22

Gente Decente. https://www.gentedecente.com.br/2022/07/as-ffaas-vao-participar-de-todas-as.html Acesso em: 19 jul 22

Câmara dos Deputados.

https://www.camara.leg.br/noticias/573448-saiba-mais-sobre-a-tramitacao-de-pecs/ Acesso em: 19 jul 22

https://www.camara.leg.br/noticias/672985-camara-aprova-adiamento-das-eleicoes-municipais-para-novembro-pec-sera-promulgada-nesta-quinta Acesso em: 19 jul 22

https://www.camara.leg.br/noticias/667144-camara-emite-parecer-esclarecendo-que-artigo-142-da-constituicao-nao-autoriza-intervencao-militar/ Acesso em: 19 jul 22 

JusBrasil. https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10633322/artigo-60-da-constituicao-federal-de-1988 Acesso em: 19 jul 22 

Conjur. https://www.conjur.com.br/2021-ago-17/artigo-142-nao-legitima-intervencao-militar-qualquer-poderes Acesso em: 19 jul 22  

OAB. https://congressoemfoco.uol.com.br/projeto-bula/reportagem/oab-afirma-que-artigo-142-da-constituicao-nao-autoriza-intervencao-militar/ Acesso em: 19 jul 22 

Veja. https://veja.abril.com.br/brasil/forcas-armadas-iniciam-patrulhamento-nas-ruas-de-natal/ Acesso em: 19 jul 22

O Globo. https://oglobo.globo.com/rio/espirito-santo-precisou-recorrer-as-forcas-federais-apos-greve-da-pm-22403948 Acesso em: 19 jul 22 

Foto de capa: reprodução de internet

Não existe sala secreta do TSE para contagem dos votos

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) respondeu em 11 de maio o documento enviado pelo representante das Forças Armadas na Comissão de Transparência das Eleições (CTE) . As Respostas Técnicas do Tribunal Superior Eleitoral ao Ofício MD nº. 007/2022, estão disponíveis no site da corte

Com o objetivo de ampliar a transparência e a segurança de todas as etapas de preparação e realização das eleições foi criada a Comissão de Transparência das Eleições (CTE), instituída pelo presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, por meio da Portaria TSE nº 578/2021, publicada e anunciada durante a abertura da sessão de julgamentos em 9 de setembro de 2021.

O intuito da Comissão é aumentar a participação de especialistas, representantes da sociedade civil e instituições públicas na fiscalização e auditoria do processo eleitoral, contribuindo, assim, para resguardar a integridade das eleições.

De acordo com matéria publicada no site do TSE, “a CTE atua em duas etapas: na primeira, analisando o plano de ação do TSE para a ampliação da transparência do processo eleitoral. Na segunda, acompanhará e fiscalizará as fases de desenvolvimento dos sistemas eleitorais e de auditoria do processo eleitoral, podendo opinar e recomendar ações adicionais para garantir a máxima transparência”.

Composta por representantes das instituições e órgãos públicos, especialistas em tecnologia da informação e representantes da sociedade civil integram a CTE o General Heber Garcia Portella, comandante de Defesa Cibernética, pelas Forças Armadas; a conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Luciana Diniz Nepomuceno; o senador Antonio Anastasia (PSD-MG); o ministro Benjamin Zymler, do Tribunal de Contas da União  (TCU); o perito criminal Paulo Cesar Hermann Wanner, do Serviço de Perícias em Informática da Polícia Federal, e o vice procurador-geral eleitoral Paulo Gustavo Gonet Branco, pelo Ministério Público Eleitoral (MPE).

Os especialistas em Tecnologia da Informação e representantes da sociedade civil que também fazem parte da CTE são: o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) André Luís de Medeiros Santos, ; o professor da Universidade de São Paulo (USP) Bruno de Carvalho Albertini, ; o doutor pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)Roberto Alves Gallo Filho, ; a pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-DireitoRio) Ana Carolina da Hora, ; a coordenadora-geral da Transparência Eleitoral BrasilAna Claudia Santano, ; e a diretora-executiva da Open Knowledge Brasil Fernanda Campagnucci, .

Dois dias antes de a resposta do TSE ser publicada, a Secretaria de Comunicação e Multimídia do Tribunal informou, por meio de uma Nota de Esclarecimento: “Todas as questões remetidas pelos diversos integrantes da Comissão de Transparência das Eleições (CTE) no prazo fixado em 2021 já foram respondidas por relatório remetido aos membros da CTE em 22 de fevereiro de 2022. As questões posteriormente apresentadas, embora fora do prazo inicial, receberão manifestação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no máximo até 11 de maio”.

A nota afirma ainda que “para o TSE não há, nem nunca houve, qualquer objeção a que documentos com sugestões sobre o processo eleitoral sejam colocados ao pleno conhecimento público”, e informou que “as audiências podem ser consultadas na agenda do presidente do TSE, disponível no Portal do Tribunal na internet, assim como matérias e fotos dos compromissos oficiais também foram publicadas na área de notícias do site e no Flickr, respectivamente”.

Bereia está fazendo o acompanhamento dos pontos apresentados ao TSE e reproduz aqui para leitores e leitoras o que deve ser tomado como verdade, a fim de contribuir com a defesa do processo eleitoral e, por extensão, do Estado democrático de direito.

Nunca existiu uma sala secreta

Uma das questões levantadas no documento recebido pelo TSE do representante das Forças Armadas na CTE  traz a seguinte recomendação: “Recomenda-se que a totalização dos votos seja feita de maneira centralizada no TSE em redundância com os TRE, visando a diminuir a percepção da sociedade de que somente o TSE controla todo o processo eleitoral e aumentar a resiliência cibernética do sistema de totalização dos votos”. 

Esta recomendação dos militares foi feita com base em conteúdo alarmista que circula desde 2021 em mídias sociais, depois de uma fala do presidente Jair Bolsonaro.   

Interface gráfica do usuário, Texto, Aplicativo

Descrição gerada automaticamente

Imagens: reprodução de site, Instagram e YouTube

A resposta técnica do TSE a essa recomendação explicou que a centralização dos equipamentos que fazem a totalização de votos no TSE foi realizada atendendo a uma sugestão da  Polícia  Federal, e “é  parte  de  um  processo histórico  de  evolução  que  não  guarda  correlação  com  as  competências  dos diversos níveis jurisdicionais no processo de totalização”. 

Ainda conforme o documento, em uma eleição geral há competências específicas da junta eleitoral dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e do TSE. Assim, cabe somente à junta eleitoral resolver demais incidentes verificados nas seções eleitorais. “Tais competências continuam sendo do  juízo  eleitoral,   independentemente   da localização física dos equipamentos que efetivamente processam a totalização. De   maneira   similar,   o   ente   jurisdicional   que   totaliza   os   votos   da unidade  da  federação  é  o  respectivo  tribunal  regional.  É  também  o  TRE  que pode deliberar pela suspensão do recebimento de arquivos ou das divulgações de   totalizações   parciais.   Este nível da justiça eleitoral  comanda,   por   meio   de   sistema informatizado,   a   condução   de   totalizações   dos   votos   coletados   em   sua circunscrição,  mesmo  dos  votos para Presidente  da  República. 

O  TSE,  por  sua vez,   no   caso   de   cargos   federais,   soma   os   totais   obtidos   nas   totalizações comandadas   por   cada   TRE. Isso   independe   da   localização   física   dos equipamentos,  porque  diz  respeito  à  competência  de  cada  ente  jurisdicional”.

As Respostas Técnicas do Tribunal Superior Eleitoral ao Ofício MD nº. 007/2022 informam que, além dos benefícios de maior economia e segurança, a implantação deste sistema de centralização dos equipamentos  ocorreu a partir das Eleições de 2020 no Brasil e, não interferem nas responsabilidades legais dos TREs e juízes eleitorais.

”Note-se, o resultado da votação está  nas  urnas  e  pode  ser verificado, apurado e totalizado por qualquer localidade, instituição ou partido político. A transparência é total sobre  a  repetibilidade  da  totalização  por  qualquer  entidade  que  assim queira. Além  do  exposto,  a  arquitetura  do  sistema  eleitoral  informatizado brasileiro tem uma característica ímpar e inconteste: a apuração é feita de forma separada e automática em todas as urnas eletrônicas que, por força do hardware e de  segurança,  necessariamente  executam  o  software  assinado  pelas  entidades fiscalizadoras que acompanharam o seu desenvolvimento. Assim,  às  17h  do  dia  da  eleição,  a  urna  eletrônica  emite  o resultado  da seção  eleitoral,  impresso  em  cinco  vias,  para  fins de  publicação,  distribuição  e arquivamento.  A  prática  possibilita  a  realização  de  totalizações  paralelas,  para fins  de  comparação  com  os  resultados  oficialmente  divulgados  pela  Justiça Eleitoral.   Dentro   desse   quadro,   a   totalização   é   um   processo   repetível   e estimulado pela instituição. Não   existem   salas   secretas,   tampouco   a   menor   possibilidade   de alteração  de  votos  no  percurso,  dado  que  qualquer  desvio  numérico  seria facilmente  identificado,  visto  que  não  é  possível  alterar  o  resultado  de  uma somatória sem alterar as parcelas da soma”, esclarece o TSE.

Apesar deste documento, o presidente Jair Bolsonaro repetiu o tema da sala secreta em sua live semanal pelo YouTube em 19 de maio, o que estimulou a propagação de novas fake news em espaços midiáticos:

Tela de computador com homem de terno e gravata

Descrição gerada automaticamente
Imagem: reprodução de site Jovem Pan

Bereia conclama leitores e leitoras a tomar o parecer técnico do TSE, a instituição historicamente responsável pelo processo eleitoral, que atua pela Justiça Brasileira, como referência para o enfrentamento de qualquer conteúdo que insista em divulgar falsidades que ameacem o direito ao voto e, consequentemente, o Estado Democrático de Direito. 

Foto de capa: Roberto Jayme/TSE

Deputado Feliciano publica mensagem sobre suposta abolição das Forças Armadas, da família e da igreja no Chile

* Matéria atualizada às 11:50

O deputado federal Pastor Marco Feliciano (PL-SP) publicou em seu perfil no Twitter, em 4 de fevereiro passado, uma mensagem com discurso criando pânico em seus seguidores sobre o fim da família e da igreja com base na atual conjuntura política do Chile:

Por que o foco no Chile?

Em dezembro de 2021 foram realizadas eleições presidenciais no Chile que levaram à vitória, com 56% dos votos, Gabriel Boric, ex-líder estudantil, de 35 anos, por meio da frente ampla de esquerda Apruebo Dignidad. A eleição de Boric à Presidência da República foi a culminância de um processo iniciado em outubro de 2020, quando 78% dos chilenos foram às urnas para decidir que uma nova Constituição deveria ser elaborada por uma Assembleia Constituinte. 

O processo eleitoral para escolher os membros da Assembleia Constituinte realizou-se no Chile entre 15 e 16 de maio de 2021. O início dos trabalhos ocorreu ainda em 2021, durante o governo de centro-direita de Sebastian Pinera.O Chile havia sido palco de intensos protestos a partir de outubro de 2019, durante o governo Pinera. As manifestações começaram depois de uma alta na tarifa do metrô de Santiago, posteriormente revogada, mas que foi o estopim para reivindicações mais amplas, como a melhoria no acesso à saúde, e à educação,além de reformas no sistema previdenciário.

Segundo um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),, as famílias chilenas gastam em torno de 35,1% e a educação é praticamente dominada pelo setor privado que detém o maior número de matrículas e mesmo as universidades públicas cobram mensalidades. Já o sistema previdenciário é administrado por organizações privadas e penaliza os trabalhadores mais vulneráveis.

Durante os protestos de 2019, e após intensas negociações entre o governo e a oposição,  foi alcançado um acordo, aprovado pelo Congresso Nacional na forma do documento “Acordo pela Paz e uma Nova Constituição”

O documento estabeleceu o compromisso de restaurar a paz e a ordem pública no Chile e convocar um plebiscito para perguntar à população se o país deveria elaborar uma nova Constituição, para substituir a Carta da época da ditadura de Augusto Pinochet. No plebiscito, os eleitores responderiam se desejariam ou não uma nova Constituição e qual tipo de órgão deveria ficar responsável por redigi-la: uma comissão mista ou uma Assembleia Constituinte.

A comissão mista seria formada por parlamentares no cargo naquele momento e por pessoas eleitas para escrever a nova Carta. No modelo de Constituinte, todos os autores do documento seriam eleitos apenas para esse trabalho.

A eleição da Constituinte Chilena e início dos trabalhos

Os chilenos decidiram por uma nova Constituição e por uma Assembleia Constituinte. A votação que elegeu os membros constituintes, em maio de 2021, representou uma derrota para a coalizão de centro-direita que sustentava o então presidente Sebastián Piñera. Os representantes da direita governista ficaram com apenas 37 das 155 cadeiras (24%), enquanto a centro-esquerda obteve 53 assentos (34%), e os independentes, 65 (42%), dentre estes últimos estão representantes dos povos originários do Chile. A Constituinte chilena é presidida por uma líder indígena e tem quantidade igual de cadeiras para homens e mulheres. 

As propostas apresentadas precisam de dois terços para aprovação e inclusão na nova Constituição, e além disso, ao final da redação, a nova Carta Magna será apresentada à população e sua aprovação passará por votação popular. 

Sobre a abolição das Forças Armadas 

“Abolir” as forças armadas foi uma dentre milhares de propostas encaminhadas pela população à Assembleia Constituinte. A proposta foi feita por um cidadão chileno e não obteve sequer o mínimo de assinaturas necessárias para ser apreciada pela Constituinte: foram 461 apoios, longe dos 15 mil condicionados por lei.  Desta maneira, a proposta não foi apreciada ou discutida pela Constituinte. 

A Assembleia Constituinte Chilena está deliberando sobre 78 iniciativas populares aprovadas. Entre estas, apenas uma diz respeito às Forças Armadas mas não sobre sua extinção e sim sobre garantirem a democracia, a segurança nacional e a defesa da pátria. 

Sobre “acabar com a família e a igreja”

Entre as propostas em discussão na Assembleia Constituinte do Chile não há qualquer referência ao que o Pastor Marco Feliciano alardeia para seus seguidores sobre o fim da família e da igreja, uma vez que ele relacionou estes temas à extinção das Forças Armadas, o que é falso.

Os temas também não se referem à eleição do presidente Gabriel Boric, que não apresentou como plataforma de campanha qualquer projeto que embase a afirmação do deputado.

Conclusão

Bereia conclui que a postagem do deputado Marco Feliciano é falsa. Gabriel Boric conquistou a Presidência do Chile, em dezembro de 2021, assumirá o mandato em março de 2022 e não tem poderes sobre a Assembleia Constituinte. Ele  foi eleito como candidato de uma frente ampla que inclui socialistas e partidários de várias tendências de esquerda. No entanto, os trabalhos da Assembleia Constituinte são independentes, seus representantes foram eleitos pelo povo chileno em maio de 2021, sua composição é plural e qualquer cidadão pode propor mudanças, desde que apresentasse um número mínimo de assinaturas de apoio. Foram aprovadas, a partir dos critérios por lei, 78 propostas e nenhuma delas diz respeito à extinção das Forças Armadas.

Não existe menção a propostas desta natureza no programa de governo de Gabriel Boric, o que também não foi discutido pela coalização política do presidente eleito e. Da mesma forma o que diz respeito ao fim da família e da igreja.

A relação que o deputado Pastor Marco Feliciano estabelece entre a eleição de Gabriel Boric, a falsa afirmação de que constituintes do Chile querem abolir as Forças Armadas e a destruição da família e da igreja com uma possível eleição do ex-presidente Lula em 2022, está dentro da pauta desinformativa que o Coletivo Bereia tem coberto desde 2019. Uma análise sobre isto pode ser lida aqui

Foto de capa: Jose Pereira

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Referências de checagem: 

Twitter. https://twitter.com/convencioncl. Acesso em: 11 fev 2022.

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/11/em-resposta-a-protestos-chile-fara-plebiscito-sobre-nova-constituicao.shtml Acesso em: 11 fev 2022.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/07/chile-inicia-reformulacao-da-constituicao-em-meio-a-turbulento-ano-eleitoral.shtml Acesso em: 11 fev 2022.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/11/chile-confirma-inicio-de-processo-para-mudar-constituicao-e-acalmar-protestos.shtml Acesso em: 11 fev 2022.

Acuerdo Por la Paz Social y la Nueva Constitución. https://obtienearchivo.bcn.cl/obtienearchivo?id=documentos/10221.1/76280/1/Acuerdo_por_la_Paz.pdf Acesso em: 11 fev 2022.

Assembleia Constituinte do Chile – Plataforma Digital de Participação Popular. https://plataforma.chileconvencion.cl/  Acesso em: 11 fev 2022.

https://perma.cc/L9PA-29FX. Acesso em: 11 fev 2022.

https://perma.cc/78GQ-KTU2. Acesso em: 11 fev 2022.

Congresso Nacional do Chile – Acordo pela Paz e uma Nova Constituição – https://obtienearchivo.bcn.cl/obtienearchivo?id=documentos/10221.1/76280/1/Acuerdo_por_la_Paz.pdf 

Outras Palavras. https://outraspalavras.net/outrasmidias/para-entender-os-porques-da-revolta-chilena/ Acesso em: 11 fev 2022.

BBC Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59701412 Acesso em: 11 fev 2022.Bereia. https://coletivobereia.com.br/as-mentiras-que-circulam-em-ambientes-religiosos-no-brasil/ Acesso em: 11 fev 2022.

Site gospel publica vídeo manipulado para dizer que Lula ameaça pastores e padres

Circula em mídias sociais de perfis religiosos um trecho de vídeo utilizado para afirmar que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ameaça padres e pastores. No sábado, 28 de agosto, o diretor do Colégio Batista Getsêmani, pastor Jorge Linhares, líder da Igreja Batista Getsêmani, em Belo Horizonte (MG), se pronunciou sobre o trecho de vídeo e divulgou sua própria produção intitulada “Lula manda recado a Pastores e padres”. O vídeo de Jorge Linhares foi transformado em matéria pelo site Gospel Prime.

Reprodução da internet

O trecho de vídeo que circula nas mídias sociais, criticado pelo pastor mineiro, reproduz a gravação de uma coletiva de imprensa realizada na cidade de Natal (RN), em 25 de agosto. No vídeo original, o ex-presidente responde a uma pergunta sobre as Forças Armadas e militares se envolverem na política, portanto, não se refere a religiosos. Na íntegra, o que Lula disse, aos 48 minutos e 30 segundos da gravação foi:

“…E tem gente que pergunta: mas Lula, você vai conversar com as Forças Armadas? Eu estou conversando com as Forças Armadas agora, com essa resposta que eu estou dando para você. Eu estou conversando com quem é das Forças Armadas, eu estou conversando com quem é do Ministério Público, eu estou conversando com quem é da Polícia Federal, eu estou conversando com quem é pastor, com quem é padre, com quem é ateu. Eu vou conversar com todo mundo enquanto povo brasileiro, enquanto eleitores. Se eu ganhar as eleições, aí eu vou conversar com os militares como chefe das Forças Armadas, como chefe supremo, para dizer qual é o papel deles: não é se intrometer na política, porque isso não está certo….”

O conteúdo falso divulgado pelo Pastor Jorge Linhares e pelo Gospel Prime, na forma de montagem de vídeo, foi postado originalmente na mídia TikTok pelo jornalista do Rio Grande do Sul Élinton Machado. A montagem exclui os trechos em que Lula cita as Forças Armadas e os militares. A fala manipulada do ex-presidente foi transformada na seguinte afirmação:

“Olha com todo o respeito que eu tenho pelas instituições brasileiras, eu estou conversando com quem é pastor, com quem é padre. Vou conversar com todo mundo enquanto povo brasileiro enquanto eleitores. Se eu ganhar as eleições, aí eu vou conversar como chefe supremo pra dizer qual é o papel deles.”

Os vídeos falsos que circulam no Facebook reúnem diversas visualizações e compartilhamentos. Apesar de o vídeo ter sido apagado da conta de Élinton Machado no TikTok, foi mantido no perfil dele no Facebook, onde são registrados mais de 100 compartilhamentos e quase mil visualizações até a conclusão desta matéria. 

Reprodução do Facebook

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Bereia conclui que a afirmação do pastor Jorge Linhares, transformada em matéria pelo Gospel Prime, de que o ex-presidente Lula está perseguindo pastores e padres é falsa. O conteúdo divulgado pelo pastor resulta de manipulação e não condiz com as afirmações originais de Lula. No vídeo original, de entrevista coletiva na cidade de Natal (RN), em 25 de agosto, o ex-presidente se refere às Forças Armadas e seu engajamento em política. 

Bereia alerta leitores e leitoras para o tráfico de conteúdo falso pelas mídias sociais neste período conturbado da política nacional. A polarização política é legítima em qualquer democracia e deve gerar debates de conteúdo positivo e não a produção de material falso para causar danos à imagem de lideranças consideradas de oposição. Bereia defende que líderes religiosos têm papel fundamental no enfrentamento do tráfico de falsidades. O pastor Jorge Linhares já foi objeto de outro episódio que envolve desinformação, verificado pelo Bereia.

Esta matéria foi encaminhada ao Bereia por um leitor. O coletivo está aberto a receber novas indicações de verificação para seguirmos no compromisso de informar e enfrentar o tráfico de desinformação em espaços religiosos.

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Referências:

Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=8joGu1FpLm0&t=2833s Acesso em: [31 ago 2021].

Líderes religiosos pedem que Bolsonaro acione Forças Armadas contra medidas de combate à pandemia

No último dia 18 de março, o site gospel Pleno News repercutiu um vídeo em que o Pastor Silas Malafaia pede ao Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que convoque as Forças Armadas porque “a lei e a ordem têm que ser estabelecidas.” O pastor inicia o vídeo esclarecendo que seu pedido não trata do fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal (STF), ditadura militar ou de um golpe militar. De acordo com o líder religioso, decretos que estabelecem estado de sítio, toque de recolher ou multas não podem ser editados por prefeitos e governadores porque seriam ações inconstitucionais. 

Além disso, entre outros comentários, o líder religioso crítica desmontes de hospitais de campanha, questiona medidas de isolamento social, propõe que estados e municípios paguem salários de informais, tributos de empresas que fecharem e responsabiliza corrupção de governos petistas por falta de investimento em saúde.

O argumento contra ações de governadores e prefeitos

Para sustentar seu pedido, Malafaia cita trechos da Constituição Federal de 1988. São eles:

Art. 5º: II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Art. 5º: XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Art. 5º: XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

Art. 142 – As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem

Trechos da Constituição de 1988

O pastor diz que governadores e prefeitos não podem impedir o trabalho e também não podem, em tempo de paz, restringir a locomoção. Além disso, o inciso II do Artigo 5º da Constituição permitiria agir contra as restrições porque governadores e prefeitos realizam tais restrições por meio de decretos. Diante desse cenário, alega-se que as Forças Armadas poderiam ser convocadas para garantir a lei e a ordem. Malafaia explica ainda como o Artigo 5° é uma cláusula pétrea.

Comparação de lockdown com estado de defesa e de sítio por Bolsonaro

A argumentação de Silas Malafaia dá suporte das iniciativas de Jair Bolsonaro em comparar as medidas de combate à pandemia por estados e municípios com os estados de defesa e de sítio, medidas atribuídas à Presidência da República, previstas na Constituição. 

Em 4 de março, durante discurso na cerimônia de assinatura para inauguração de um novo trecho da ferrovia Norte-Sul em São Simão (GO), Jair Bolsonaro voltou a atacar o isolamento social: “Temos que enfrentar nossos problemas. Chega de frescura, de mimimi, vamos ficar chorando até quando? Respeitar obviamente os mais idosos, aqueles que têm doenças. Mas onde vai parar o Brasil se nós pararmos?”.

As definições para aplicação do Estado de Defesa estão dispostas no Artigo 136 da Constituição: “O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.”

A decretação desse estado, que passa por aprovação do Congresso Nacional, implica restrições de direitos como o de reunião, sigilo de correspondências e sigilo de comunicação telegráfica e telefônica.

Já o Estado de Sítio está previsto nos Artigos 137, 138 e 139 da Constituição. O requisitos para que essa situação seja decretada pelo chefe do Executivo Federal estão especificados nos incisos I e II do Artigo 137: “I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II – declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.” Assim como Estado de Defesa, o Estado de Sítio passa por aprovação do parlamento, mas contém algumas restrições a mais, por exemplo: obrigação de permanência de localidade determinada (Artigo 139, Inciso I) e até restrições à liberdade de imprensa (Artigo 139, Inciso III).

As leis do Brasil para enfrentamento da pandemia e atividades essenciais

O que o Brasil viveu de março até 31 de dezembro de 2020 foi uma situação de calamidade pública decretada pelo Congresso Nacional. O estado de calamidade pública está relacionado com gastos governamentais e regras fiscais reguladas pelos artigos 167-B, 167-C, 167-D, 167-E, 167-F e 167-G da Constituição.

Além disso, as medidas de combate à pandemia estão reguladas pela Lei 13.979/2020, sancionada pelo Presidente Bolsonaro. A lei prevê a possibilidade da aplicação de isolamento e de quarentena (Artigo 3º, Incisos I e II), e ainda afirma no parágrafo 9º do Artigo 2º: “A adoção das medidas previstas neste artigo deverá resguardar o abastecimento de produtos e o exercício e o funcionamento de serviços públicos e de atividades essenciais, assim definidos em decreto da respectiva autoridade federativa”.

Conforme Bereia já verificou, o Governo Federal propôs concentrar no Presidente a definição de quais atividades seriam consideradas essenciais. Enquanto o Partido Democrático Trabalhista (PDT) movia uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ao STF, o Palácio do Planalto chegou a editar um Decreto-Lei que tornava essenciais as atividades religiosas de qualquer culto, obedecidas as regras do Ministério da Saúde. Foi apenas em 15 de abril de 2020 que o STF julgou a ADI apresentada pelo PDT e reconheceu a competência concorrente de União, estados, Distrito Federal e municípios nas ações de combate ao novo coronavírus, sem eximir o papel do governo federal, por ser o Brasil uma federação de estados

Reações de Bolsonaro à decisão do STF

A mesma verificação feita pelo Bereia mostra como o Presidente adotou o discurso de “mãos atadas”, dizendo que o STF o impediu de tomar medidas de combate ao coronavírus. O próprio Supremo desmentiu Bolsonaro a esse respeito

Em 19 de março de 2021, Bolsonaro seguiu seu novo argumento sobre estado de defesa e de sítio e protocolou uma ADI contra decretos dos Governos do Distrito Federal, Rio Grande do Sul e Bahia que estabeleciam toque de recolher e fechamento de atividades não essenciais. O Presidente argumentou que só a legislação formal poderia impor restrições de locomoção ou exercício de atividades econômicas. Segundo ele, restrições de locomoção estão previstas na Constituição apenas no estado de defesa e estado de sítio, sob a prerrogativa da Presidência mediante aprovação no Congresso. Além disso, Bolsonaro avaliou as medidas que contesta como desproporcionais diante de sua finalidade.

O Ministro Marco Aurélio Mello negou o trâmite da ADI, argumentando que faltou assinatura do Advogado-Geral da União (AGU) à Ação, e reafirmou a necessidade de o Presidente, como representante da União, coordenar e liderar esforços para o bem-estar dos brasileiros. A não assinatura do então Advogado-Geral da União José Levi do Amaral à ADI, por discordância do teor da ação, é apontada como uma das razões que levaram a sua demissão em 29 de abril, o terceiro ministro a deixar o governo naquele dia.

Diferenças entre combate à pandemia e estados de defesa e de sítio

Em entrevista à BBC Brasil, o professor de direito da FGV-Rio Wallace Corbo detalhou as diferenças entre os estados de defesa e de sítio e as ações de combate à pandemia. Corbo explica que as medidas de combate à pandemia como lockdowns têm punições administrativas, como multas. Já o estado de sítio prevê uma série de limitações aos direitos fundamentais, podem ter o uso das forças de segurança para imposição de restrições estabelecidas e suas punições chegam à detenção.

“Mas ninguém vai ser preso por desrespeitar o horário de fechamento do comércio. Isso [uso de forças para impor restrições] não vai acontecer nas medidas de isolamento social. Para o lockdown não existe essa previsão”, afirma o professor.

O Artigo 268º do Código Penal chega a prever detenção e multas em casos nos quais alguém “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. “Mas é algo válido para situações pontuais, em que houve um crime, e que não têm nada a ver com a necessidade de proteger o Estado em si, como no caso do estado de sítio”, explica Corbo.

Ações de outros líderes religiosos

O ex-senador evangélico Magno Malta e o deputado federal Pastor Marco Feliciano (Republicanos-SP) também postaram em suas mídias sociais declarações em apoio ao Presidente Bolsonaro. Ambos se colocam contra aos confinamentos sociais decretados pelos governadores e prefeitos do Brasil, assim como o presidente e o pastor Malafaia fizeram.

Feliciano compara o lockdown com as ações contra cristãos da parte do imperador Nero: “Escutem perseguidores tiranos: em 2000 anos de existência como igreja nós enfrentamos gente muito pior do que vocês, que dirá Nero. Nós fomos crucificados, fomos serrados, esquartejados, queimados vivos, jogados às feras e nas arenas servimos de espetáculo para pessoas tão impiedosas como vocês. Nos mataram no passado e se preciso morremos no tempo presente”.

Foto: Declaração em vídeo do deputado federal Pastor Marco Feliciano em 18 de março de 2021 em sua conta no Twitter.

Sem qualquer referência concreta que justificasse a acusação, Malta afirma que o anseio da implementação das medidas preventivas seria tirar o presidente do poder. “Estão decididos a derrubá-lo, a tirá-lo do Brasil, a quebrá-lo, não importa”. E vai além, dizendo que o STF tirou deles o direito de falar.

Foto: Declaração em vídeo de Magno Malta em 18 de março de 2021, em sua conta no Facebook.

Desgaste de Bolsonaro contra as Forças Armadas

Durante o mandato do Presidente Jair Bolsonaro, em diversos momentos houve algum tipo de embate entre o Governo e as Forças Armadas. Na semana em que o golpe militar de 1964 completou 57 anos, o acúmulo de atritos do chefe do executivo com líderes do Exército levou à demissão do então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo.

Já em dezembro de 2020, o então comandante do Exército, general Edson Pujol afirmou “não queremos fazer parte da política, muito menos deixar ela entrar nos quartéis.” De acordo com o jornal Folha de São Paulo, o alvo dessa fala era o então Ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello.

Outro evento que ajudou no recente desgaste, veio após o então responsável pela área de saúde do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira relatar ao Correio Braziliense que medidas de distanciamento social ajudaram o Exército a combater a covid-19. Bolsonaro se queixou das falas porque poderiam afetar a imagem do governo e pediu a demissão do militar. O Ministro da Defesa se negou a fazê-lo e se demitiu. No anúncio de sua demissão, o ministro afirmou que preservou as Forças Armadas como instituições de Estado – ideia pela qual órgãos não mudam suas finalidades de acordo com o governo corrente.

Depois da demissão de Azevedo, os comandantes das três Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) colocaram seus cargos à disposição. O general Walter Braga Netto que atuava na Casa Civil, assumiu o Ministério da Defesa, confirmou a saída dos três e nomeou os novos comandantes.

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Bereia classifica como verdadeiro que líderes evangélicos tenham pedido que o Presidente Jair Bolsonaro acione as Forças Armadas para impedir medidas de combate à covid-19, como lockdowns. Tal discurso está alinhado e servem de apoio às diversas declarações em que o Presidente compara – erroneamente – medidas restritivas de estados e municípios com os estados de defesa e de sítio. Essas afirmações estão também no contexto do desgaste entre Bolsonaro e comandantes militares, que levou à demissão do general Fernando Azevedo do Ministério da Defesa e à troca dos comandantes das Forças Armadas. As postagens dos pastores Silas Malafaia e deputado Marco Feliciano e do ex-senador Magno Malta atuam também na disseminação de pânico moral contra supostos inimigos, elemento que tem atuado na manutenção do apoio de vários segmentos religiosos ao governo federal, como já demonstrado em matérias do Coletivo Bereia.

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Foto de Capa: Sgt Bianca – Força Aérea Brasileira/Reprodução

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Referências

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