O início da primeira semana útil de maio de 2025 foi agitado por notícia disseminada pelo deputado federal licenciado evangélico Eduardo Bolsonaro (PL-SP): o funcionário do governo estadunidense, chefe interino da coordenação de sanções internacionais, David Gamble estaria a caminho do Brasil, em 5 de maio, para tratar de punições contra o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes por promoção de censura e perseguição política.
A notícia havia sido publicada inicialmente pelo portal Metrópoles, em 2 de maio, com base em declarações de Eduardo Bolsonaro, que teria “costurado a visita de membros do governo Trump a solo brasileiro”. Fiel ao conteúdo oferecido pelo filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, que se licenciou do mandato como parlamentar para fazer política a partir dos EUA, o Metrópoles informou que David Gamble se reuniria com o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que levaria o funcionário do governo Trump para um encontro com Jair Bolsonaro.
Com o credenciamento da informação pelo Metrópoles, o deputado licenciado, que se autodeclara batista, reproduziu o conteúdo em seus perfis de mídias sociais e emplacou repercussão em mídias da direita estadunidenses e brasileiras.
Outras mídias de notícias no Brasil transformaram as declarações de Eduardo Bolsonaro em notícia.
Informação desmentida pelo governo dos EUA
A primeira matéria jornalística com informação qualificada sobre a anunciada visita de David Gamble ao Brasil foi produzida pelo jornalista do UOL Jamil Chade, publicada no domingo, 4 de maio. Chade informou que o governo de Donald Trump havia desmentido a versão dada por Eduardo Bolsonaro quanto ao objetivo de sanções contra autoridades brasileiras. A apuração do jornalista confirmou que a viagem ocorreria, de fato, a partir da segunda-feira, 5 de maio, mas a embaixada dos EUA no Brasil indicou outros temas a serem tratados com o governo brasileiro.
Segundo Jamil Chade, a apuração do UOL já havia confirmado que a viagem anunciada por Eduardo Bolsonaro de um funcionário do governo Trump já havia sido organizada pelo próprio governo brasileiro e tem como objetivo estabelecer uma cooperação entre os dois países no combate ao crime organizado.
Em nota ao UOL a Assessoria de Imprensa da Embaixada dos EUA no Brasil declarou que “O Departamento de Estado dos Estados Unidos enviará uma delegação a Brasília, chefiada por David Gamble, chefe interino da Coordenação de Sanções. Ele participará de uma série de reuniões bilaterais sobre organizações criminosas transnacionais e discutirá os programas de sanções dos EUA voltados ao combate ao terrorismo e ao tráfico de drogas”.
Nas declarações de Eduardo Bolsonaro repercutidas em diversas mídias não foi mencionado que a viagem já fazia parte de uma agenda oficial de cooperação entre Brasil e EUA. David Gamble veio ao país em uma comitiva que tem agendas no Itamaraty, no Ministério da Justiça e com outros órgãos federais, deputados e senadores. Jamil Chade apurou que a cooperação Brasil-EUA foi intensificada com contatos entre ministérios e até uma missão da Polícia Federal, relacionada a ações do governo Trump contra gangues estrangeiras.
Em abril passado a direção internacional da PF havia viajado até Washington e assinado um acordo para ampliar a luta contra o crime organizado, com previsão de troca de informações entre os dois países. O anúncio foi feito com destaque pelo próprio governo Trump. No mês anterior, março, a polícia estadunidense havia anunciado a prisão de 18 brasileiros, suspeitos de participarem de ações do Primeiro Comando da Capital (PCC) em território americano.
Na apuração do UOL, Jamil Chade acrescenta que, mesmo neste contexto, o governo brasileiro viu com desconfiança o anúncio de Bolsonaro e procurou o Departamento de Estado dos EUA para saber se a visita oficial teria desdobramentos para além da agenda que estabelecida com o governo. Residindo nos EUA nos últimos meses, Eduardo Bolsonaro tem liderado uma campanha para que haja uma ação do governo Trump contra autoridades brasileiras e contribua com a oposição nas eleições que ocorrerão em 2026.
O senador Flávio Bolsonaro confirmou à imprensa, em 6 de maio, que se reuniu com um assessor do Departamento de Estado dos EUA mas não tratou de sanções contra o STF, como havia anunciado o irmão Eduardo Bolsonaro. “Não foi tratado”, afirmou o senador, ao final do encontro, e acrescentou: “quem trata desse tema é o Eduardo”. Segundo o parlamentar, o tema da reunião foi o enfrentamento do crime organizado.
“Eu, na qualidade de presidente da Comissão de Segurança do Senado, havia pedido já há alguns dias, via embaixada, uma reunião aqui no Brasil com alguma autoridade do governo americano para que a gente pudesse tratar dessa pauta de segurança pública. Então, o assunto aqui não tem nada a ver com sanções, com relação a quem quer que seja, como foi tratado aí por parte da imprensa”, disse o senador ao jornal O Globo, após o término do encontro.
Em nova apuração de Jamil Chade para o UOL, foi informado que o chefe da delegação estadunidense David Gamble não esteve com Flávio Bolsonaro. De fato, uma reunião foi realizada entre o senador e um integrante da delegação americana, o funcionário Ricardo Pita. Ele é nascido na Venezuela e integra o terceiro escalão do Departamento de Estado dos EUA, sem experiência prévia na diplomacia. O cargo de Pita leva o nome de “Conselheiro sênior para assuntos do Hemisfério Ocidental.
Antes de entrar para o governo, em janeiro de 2025, Ricardo Pita era assistente do senador republicano Ted Cruz, que dialoga com membros da família Bolsonaro e do PL. No mesmo dia em que se reuniu com Flávio Bolsonaro, Pita visitou Jair Bolsonaro em casa. O conteúdo da conversa foi divulgado por Eduardo Bolsonaro em mídias sociais e teria sido marcado por denúncia das “ameaças à democracia brasileira e aos interesses dos EUA na região”. O deputado licenciado afirma que Ricardo Pita se comprometeu em levar a mensagem do ex-presidente aos EUA.
Novas afirmações de Eduardo Bolsonaro
Eduardo Bolsonaro rebateu o desmentido sobre a agenda da equipe de Trump e atribuiu a divergência a integrantes do governo Biden, que ainda estariam representando os EUA no Brasil. “Os Estados Unidos já enviaram um novo embaixador para o Brasil? Não. Então, o corpo diplomático do governo americano no Brasil ainda é da administração Biden? Sim. Então, morreu já por aqui essa história” disse o deputado licenciado, em entrevista ao canal do YouTube Programa 4 por 4, conforme matéria do jornal O Globo.
*** Bereia alerta leitores e leitoras sobre o papel desinformativo do jornalismo declaratório praticado intensamente pela grande imprensa no Brasil e também por outras mídias. Este tipo de fazer jornalístico é caracterizado pela publicação de declarações de personagens da cena pública em matérias que a elas se restringem, ou seja, em que não é praticado o essencial no processo informativo do jornalismo que é a apuração, o oferecimento de dados, de elementos factuais, de comprovações, de outras perspectivas sobre o tema.
Tal prática tem por objetivos: 1) a defesa de assuntos que são os temas tratados por personagens em suas declarações ou a crítica a eles, de forma que público seja levado a acatar ou a rejeitar o que se diz; 2) a simples captura de público – no caso das mídias digitais, os chamados caça-cliques – uma vez que muitas declarações são vazias de informação e não poderiam ser transformadas em notícia.
No caso destacado nesta matéria do Bereia, há uma prática recorrente de personagens identificadas com a extrema direita política:
– uma afirmação “bombástica”, ancorada em alguma situação verdadeira – uma visita de delegação dos EUA ao Brasil, por exemplo -, é lançada para publicação na imprensa;
– a declaração não tem base factual (não tem fontes, nomes, dados, pautas, datas, elementos comprováveis) – “EUA envia delegação para impor sanções ao STF”, por exemplo ;
– veículos da imprensa, seja por alinhamento ao que é dito (desejar sanções para o STF, o que traria danos à diplomacia do atual governo, por exemplo), seja por avidez por cliques e público (sensacionalismo que capta audiência), não apuram o conteúdo e simplesmente o reproduzem;
– o que é vazio de informação vira notícia (“o deputado disse” ou “foi confirmado pelo deputado”, por exemplo).
– as personagens que propagam tais declarações lançam mão da notícia, unicamente ancorada no que disseram ou confirmaram, para credenciar e validar suas próprias afirmações (“saiu na imprensa”).
Bereia chama a atenção para matérias fundamentadas apenas em “Fulano disse” ou “Beltrano anuncia” ou “Cicrano confirma”, que não oferecerem conteúdo próprio do jornalismo comprometido com a informação – apuração de dados, fatos, ocorrências, fontes, nomes, datas, pautas, elementos comprováveis. Não compartilhe este tipo de conteúdo! Pesquise o que outros veículos dizem sobre o caso para não se tornar “isca” para captura de apoio político ou para alavanca de audiência.
* Com colaboração de Alexandre Brasil Fonseca, André Mello, Bruno Cidadão, Magali Cunha e Raquel Rocha
Matéria atualizada em 04/08/2021 às 21:28
Em 1º de julho, a Agência Pública publicou a matéria “Grupo Evangélico fez oferta paralela de vacinas ao Ministério da Saúde e prefeituras”. A reportagem apresenta uma organização não governamental (ONG) chamada Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (SENAH), que atuou como intermediária junto ao Ministério da Saúde para a venda de doses das vacinas dos laboratórios da Oxford/Astrazeneca e Johnson & Johnson/Janssen. Ela teria facilitado a venda para uma terceira empresa, a multinacional Davati Medical Supply.
O presidente da SENAH é Amilton Gomes de Paula, que recebeu aval do ex-diretor de Imunizações do Ministério da Saúde, o médico veterinário Laurício Monteiro Cruz. Ele foi citado na CPI da Covid como intermediador das negociações com a SENAH. Cruz presidiu o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Distrito Federal, antes de assumir o cargo como diretor de imunizações do qual foi exonerado em 08 de julho de 2021. A exoneração, publicada no Diário Oficial da União, foi assinada pelo ministro-chefe da Casa-Civil, Luiz Eduardo Ramos. Estas denúncias levaram à convocação do reverendo Amilton Gomes de Paula pela CPI da Covid como testemunha.
Imagem: Reprodução DOU de 08/07/2021
Diante da participação de um personagem religioso na oferta de vacinas feita pela Davati ao Ministério da Saúde, da menção à Embaixada Mundial pela Paz no caso e a uma alegada parceria com a Frente Parlamentar Mista Internacional Humanitária pela Paz (cujos membros têm como base a Frente Parlamentar Evangélica), Bereia buscou construir o perfil do Reverendo Amilton Gomes de Paula para verificar o lugar que ocupa nesta trama.
“Reverendo”: por que não “pastor”?
No levantamento inicial, observa-se que a imprensa está apenas repetindo o currículo de Amilton Gomes que consta na página oficial da SENAH. Nela, ele é apresentado como membro da Convenção Batista Nacional do Brasil, e reitor da Faculdade Batista do Brasil, doutor em Ciências da Educação. O currículo exposto no site da SENAH também indica que Amilton Gomes é bacharel em Filosofia, mestre em Teologia Sistemática, com quatro especializações na área de Psicologia e Saúde Mental, diretor e membro de diferentes associações e sociedades nessas duas áreas.
Amilton Gomes de Paula foi graduado em Teologia, em 2010, pela Faculdade de Ciências, Educação e Teologia do Norte do Brasil (FACETEN), com sede em Boa Vista-RR e envolvida em escândalos que envolvem a emissão de diplomas falsos a policiais militares. A faculdade conta com oito cursos de graduação, cinco em EAD e três presenciais, além de 37 cursos de pós-graduação lato sensu (especializações). O curso de Bacharel em Teologia está na origem da faculdade, criada em 2000.
A reportagem da Agência Pública relaciona Amilton Gomes como “Reverendo Dr.”, forma com a qual se apresenta publicamente, o pastor da Igreja Batista Ministério da Nova Vista. Outras reportagens apenas citam o tratamento religioso “reverendo” (como a do Jornal Nacional, da Rede Globo, de 3 de julho) ou a filiação à Igreja Batista (é o caso da CNN Brasil, de 5 de julho).
No entanto, no site da SENAH e no perfil de Amilton Gomes no LinkedIn não há menção específica à igreja à qual ele está vinculado. No site da SENAH há apenas o registro “Membro da Convenção Batista Nacional do Brasil”.
O nome correto da igreja com a qual o pastor Amilton Gomes tem vínculo é a Igreja Batista Ministério Vida Nova, cujo website está desativado mas que tem dados registrados no localizador Findglocal (o telefone que consta não atende) que confirmam o endereço e o nome do pastor.
Foto: Reprodução/FindGlocal
No cadastro de Igrejas, da Convenção Batista Nacional, a Igreja Batista Ministério Vida Nova não está entre as igrejas arroladas. A Convenção Batista Nacional representa um grupo de aproximadamente 2.700 igrejas com mais de 400 mil membros articulados, desde 1967, em comunhão e cooperação com uma doutrina comum e uma visão e estrutura organizacional compartilhada.
De acordo com o Presidente da Convenção Batista Nacional do Distrito Federal, Pastor José Carlos da Silva, da Primeira Igreja Batista de Brasília (DF), não há informações sobre o pastor Amilton Gomes ou sobre a Igreja Batista Ministério Nova Vida registradas na organização. “A informação que tive, do secretário da Ordem de Ministros Batistas Nacionais é que ele (Amilton Gomes de Paula) não consta no rol de filiados. Realmente, não faz parte de nossa denominação. Sou o presidente da CBN-DF e desconheço a igreja e o Pr. Amilton”, afirma o pastor que foi por duas vezes presidente da Convenção Batista Nacional.
Foram analisados também conteúdos de divulgação da SENAH com vídeos no Youtube e registros de eventos. É utilizado um conjunto de logomarcas nestes conteúdos vinculados ao Reverendo Amilton Gomes de Paula, e não há qualquer marca relacionada à Convenção Batista Nacional ou referente aos batistas no Brasil.
Bereia também não conseguiu identificar referências da ordenação de Amilton Gomes (ou investidura, termo utilizado na consagração e inserção de pastores em quadros clericais em igrejas evangélicas) por alguma ordem de ministros batistas. O título de “Reverendo” não é comum entre batistas no Brasil, como se pode observar no registro de pastores da diretoria da CBN.
Lideranças de diferentes igrejas, ouvidas pelo Bereia, esclareceram que, no vocabulário religioso, “reverendo” é uma forma de tratamento dirigida a clérigos, padres católicos e pastores de algumas igrejas evangélicas tradicionais, como a Metodista e a Presbiteriana. Portanto, “reverendo” não é uma função, mas uma forma de se dirigir a estas lideranças religiosas. A Igreja Episcopal Anglicana é que se diferencia, uma vez que “Reverendo”, “Reverenda” é uma categoria eclesiástica estabelecida a clérigos ordenados. Nas demais igrejas evangélicas, Luteranas, Batistas, Congregacionais, Pentecostais, é corrente a utilização do tratamento e da titulação “pastor”,”pastora”, “missionário”, “bispo” ou, mais recentemente, “apóstolos” para suas lideranças.
Imagem: Reprodução Currículo Lattes de Amilton Gomes de Paula
Igreja Batista Ministério Vida Nova
A Igreja Batista Ministério Vida Nova se destacou no cenário evangélico do Centro-Oeste nos anos 2016 e 17 com a realização do evento Fest Vida, envolvendo diferentes igrejas e voluntários ligados a ela, uma ação sociocultural que mesclava shows gospel com assistência social. Um pastor que atuava em Brasília à época, apoiou o Fest Vida, e que preferiu não ser identificado, declarou ao Bereia: “o evento ‘prometeu’ muita coisa e foi bem fraco. Na época, houve notícias na imprensa local sobre superfaturamento daquele evento e outros junto a Secretaria de Cultura do DF. Muita lábia. Chegou a abrir uma ONG meio estranha. E, agora, o SENAH”. O Fest Vida teve patrocínio do governo do Distrito Federal, tendo sido citado, em 2017, na lista de contratos sob suspeita no DF. Hoje, no entanto, não há muitos vestígios da Igreja Batista Ministério Vida Nova. O website principal da igreja está inativado, estando ativo apenas um outro site aparentemente desatualizado sobre a igreja do religioso e no endereço que consta em seus registros de CNPJ, funciona outra igreja, a Igreja Adventista Renovada do Sétimo Dia.
Imagem: Reprodução do cadastro do CNPJ
Imagem: Google Maps – Igreja que ocupa o endereço registrado para a Igreja Batista Ministério Nova Vida.
Sobre a reitoria de faculdade e o título de doutorado
O website da SENAH apresenta extenso currículo de Amilton Gomes de Paula no campo da educação, indicando-o como reitor da Faculdade Batista do Brasil, doutor em Ciências da Educação. A verificação realizada pelo Bereia mostra que esta faculdade não se encontra cadastrada no Ministério da Educação, cujo website está inativo. Apenas com o recurso do site de pesquisa Wayback Machine, foi possível acessar a página oficial da instituição inativa. O Wayback é um arquivo digital que mantém uma biblioteca com o histórico de inúmeras páginas na web.
Segundo o doutor em Ciências da Religião, Alonso Gonçalves, pastor da Igreja Batista Central em Pariquera-Açu (SP), a Faculdade Batista do Brasil não existe entre os batistas no Brasil. “Em conversas com vários colegas aqui pastores da Convenção Batista Brasileira (CBB), ninguém conhece essa Faculdade Batista do Brasil. Parece que a tal “faculdade” é fake. Existe a Faculdade Batista Brasileira em Salvador/BA. Quanto a essa faculdade da qual ele diz ser o reitor ninguém nunca ouviu falar”, diz Gonçalves que também é professor de Teologia.
Imagem: Site da SENAH/Reprodução
Imagem: Site da Faculdade Batista do Brasil encontrado via Wayback
Sobre o Doutorado em Educação, não há inclusão da titulação no Currículo Lattes de Amilton Gomes, nem registro da instituição onde concluiu o doutorado. O que se verifica é que o uso do título se deve à conquista, pelo pastor, de quatro títulos de Doutor Honoris Causa em Psicologia e Psicanálise. Isto seria um grande feito, não fossem os títulos concedidos por instituições de educação sem reconhecimento acadêmico e sem publicações referidas ou congressos científicos. O registro no Currículo Lattes do termo também está feito erroneamente como “Doutor em Honoris Causa”.
As publicações e congressos científicos são duas das formas mais comuns de promoção e renome entre as universidades que oferecem titulação de doutorado. Duas das instituições que conferiram títulos indicados no Currículo Lattes de Amilton Gomes não têm destaque ou referências na área de educação – como a Sociedade de Psicologia do Centro Oeste (presidida pelo próprio religioso) e a Federação Nacional dos Teólogos e Filósofos do Brasil. Nesse currículo, há quatro graduações e três especializações, todas cursadas entre 2004 e 2013. Amilton Gomes também é identificado pela SENAH como graduado em Psicologia, mas no seu Currículo Lattes constam apenas duas especializações na área.
A Missão Diplomática Americana de Relações Internacionais (ADMIR) é a organização intergovernamental humanitária mundial, sediada nos Estados Unidos da América. Nessa reunião, foi aprovado o estabelecimento do Departamento de Estado na Flórida e foi montado o cenário para a tecitura de uma teia de dispositivos e instituições que veio a ser conhecida como Sistema Interamericano, o mais antigo sistema institucional internacional.
(Tradução livre)
A instituição, portanto, não pertence ao governo estadunidense, apesar das inúmeras logos associadas ao governo americano em sua página oficial na internet.
Imagem: Site da ADMIR
O que é a SENAH?
De acordo com o site oficial da instituição, a ONG surgiu em 1999 por iniciativa de Amilton Gomes de Paula em decorrência de ações socioculturais. O nome original da organização era Secretaria Nacional de Assuntos Religiosos (SENAR) e em 2020 foi alterado para SENAH. “Hoje nosso DNA está na cultura pela paz mundial, na fomentação de apoio ao meio ambiente, sempre buscando meios sustentáveis para o desenvolvimento da sociedade harmonizando Homem e Meio Ambiente”, descreve a página oficial da ONG. A alteração estatutária dos objetivos e do nome da instituição facilita, inclusive, a celebração de parcerias e contratos com o Poder Público.
Imagem: Reprodução do site da Câmara dos Deputados
Fotos publicadas nas mídias sociais do religioso dão conta dessa proximidade com políticos. Uma delas mostra o pastor com a ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos Damares Alves em agosto de 2019. Em outras, ele segura uma moção de louvor no Congresso e aparece ao lado do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).
Amilton Gomes aparece em foto com a Ministra Damares Alves (Foto: Amilton Gomes/Reprodução)
Amilton Gomes recebe Moção de Louvor (Foto: Amilton Gomes/Reprodução)
Amilton Gomes em foto com Flávio Bolsonaro (Foto: Amilton Gomes/Reprodução)
Em vídeo de reunião com líderes religiosos e empresários da cidade de Monte Mor/SP, em 20 de janeiro de 2020, Amilton Gomes faz referência ao apoio do governo federal para projetos da SENAH. Ele se refere tanto à recepção em Israel pelo embaixador do Brasil naquele país, Paulo César Meira de Vasconcelos, quanto pela presença do ministro da Advocacia-Geral da União André Mendonça, no lançamento do projeto de casas populares da entidade Morada Brasil.
Entre as logomarcas que se apresentam nas divulgações da SENAH, inclusive é a capa do canal da entidade no YouTube, chama a atenção a da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-SP. No entanto, conforme contato feito pela equipe Bereia com o presidente da Comissão Dr. Samuel Gomes de Lima não há parcerias entre a SENAH e a OAB de São Paulo. “O Sr. Amilton Gomes de Paula não é membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-SP e nem a mesma tem qualquer relação de parceria com a SENAH, sendo indevido o uso do logotipo da Comissão, passível até de ação judicial”, ressaltou.
Fonte: TV SENAR/SENAH – Canal/Youtube
SENAH e a negociação de vacinas contra a covid-19
Conforme reportagem da Agência Pública, fotos postadas pelo presidente da SENAH, o pastor Amilton Gomes, em mídias sociais, em quatro de março de 2021, registram sua participação em uma negociação pela aquisição de vacinas contra a covid-19. As imagens mostram a presença de Amilton Gomes, Luiz Paulo Dominguetti (policial militar de Minas Gerais que depôs à CPI da Pandemia, depois de declarar à imprensa um suposto pedido de propina pelo servidor da Saúde Roberto Dias), o diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis Lauricio Monteiro Cruz e o major da Força Aérea Hardaleson Araújo de Oliveira. À Pública, Amilton Gomes confirmou a oferta e a visita ao Ministério da Saúde.
Hardaleson tem proximidades religiosas com Amilton Gomes. Há menções de que ele seja missionário evangélico e há vídeos no YouTube dele cantando músicas evangélicas em igrejas. Hardaleson ambém aparece cantando o hino nacional brasileiro em reuniões com Amilton Gomes e em atos de grupos em apoio ao presidente Jair Bolsonaro, como no caso da Marcha da Família Cristã pela Liberdade de maio de 2021. Desde maio de 2020, ele consta como militar da reserva, sem ter exercido funções no governo federal.
Imagem: Major Adelson Araújo de Oliveira
Imagem: Reprodução/Agência Pública
Em 3 de julho, o Jornal Nacional, da TV Globo, veiculou uma reportagem que detalha a troca de e-mails entre Laurício Cruz, Amilton Gomes e Herman Cardenas, presidente da Davati nos Estados Unidos. De acordo com o jornal, em 9 de março, Cruz enviou e-mail para Cárdenas informando sobre a reunião de cinco dias antes e o aval que a SENAH tinha para negociar vacinas com o Governo Federal. Um dia depois, o pastor Gomes enviou um e-mail a Cardenas agradecendo a confiança e pedindo detalhes para preenchimento do contrato. Nessa proposta, o valor por dose era de US$ 17,50. A quantia é mais de cinco vezes maior do que o gasto pelo Governo Federal para vacina da AstraZeneca com a FioCruz (US$ 3,16) e pouco mais que o triplo do valor dos imunizantes via Instituto Sérum (US$ 5,25).
Outro e-mail, no dia seguinte, enviado de Amilton Gomes a Cardenas dá conta de que em 12 de março haveria uma reunião com o então Secretário Executivo da Saúde Coronel Élcio Franco para tratar de aquisição de vacinas. O representante da Davati Cristiano Carvalho confirmou ao Jornal Nacional que participou da reunião com Franco (na agenda oficial consta uma reunião com o Instituto Força Brasil), mas o negócio não foi concretizado. O valor de 17,50 dólares difere da proposta que Dominguetti afirma ter feito ao Ministério da Saúde em fevereiro de 2021, de US$ 3,50. Os e-mails mencionados pelo Jornal Nacional também aparecem na reportagem de Renata Agostini para a CNN Brasil.
Em entrevista ao jornal O Globo do dia 7 de julho, Amilton Gomes admitiu que a SENAH receberia uma doação da empresa Davati Medical Supply, sem valor estipulado. Em troca, o religioso se comprometeria a ajudá-los com a venda das 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca para o Ministério da Saúde. “Quando eles vieram a mim, eles já tinham ido ao governo e não tinham conseguido nada. Isso tudo está documentado. Eles foram primeiro no governo. Depois que não conseguiram vender a vacina, vieram a mim. Com outro nome, com outra proposta”, disse o pastor à reportagem.
Imagem: Reprodução da reportagem do Jornal O Globo
Durante o fechamento desta matéria foi divulgado pela imprensa que em uma das mensagens do cabo da PM Luiz Dominguetti, que intermediava vacinas com a ajuda de Amilton Gomes, aparece menção à esposa de Jair Bolsonaro, Michelle Bolsonaro, o que estenderia o alcance do religioso ao Palácio do Planalto.
Nas novas mensagens, Dominguetti comenta assustado sobre os avanços do reverendo. “Michele (sic) está no circuito agora. Junto ao reverendo. Misericórdia”, escreve. O interlocutor se mostra incrédulo diante do nome da primeira-dama. “Quem é? Michele Bolsonaro?” E Dominguetti retorna: “Esposa sim”.
Deputado da Bancada Evangélica deu apoio a negociações via SENAH
Em quatro de julho, tanto a Agência Pública quanto o jornal Folha de S. Paulo publicaram reportagens sobre o apoio do deputado federal da Bancada Evangélica Roberto de Lucena (Podemos-SP) às negociações de vacinas envolvendo a SENAH.
No documento obtido pelas reportagens, consta que o parlamentar parabenizou a SENAH e Amilton Gomes “na interlocução entre laboratórios e governo”. Roberto de Lucena é pastor da Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil para Cristo, faz parte da Frente Parlamentar Evangélica e da Frente Parlamentar Mista Internacional Humanitária pela Paz Mundial (FremhPaz), instituída em 2019 na Câmara Federal, tendo a SENAH (então SENAR) como membro cooperadora.
À Folha de S. Paulo, o parlamentar disse que não viu nada de suspeito no pedido de apoio. “Não se tratava de nenhuma iniciativa comercial, era uma iniciativa humanitária. Naquele momento, a nossa crise era pela aquisição de vacinas, e o propósito deles [SENAH] era poder conversar com organismos internacionais falando sobre a necessidade de vacinas para o Brasil. Eles me pediram para assinar um apoiamento a eles e disseram que estavam pegando apoiamento de vários parlamentares”, afirmou Lucena ao jornal.
Lucena é autor do Projeto de Lei (PL) 1066/2021, que autoriza a aquisição e comercialização de vacinas contra covid-19 pela iniciativa privada e desobriga as empresas a repassar as vacinas ao SUS. O PL foi apresentado depois de sancionada a lei que permite a compra privada de vacinas aprovadas pela Anvisa desde que as doses sejam doadas ao SUS enquanto a vacinação de grupos prioritários não tenha sido finalizada.
Oferta da SENAH a municípios
Além das reuniões com o Ministério da Saúde, a SENAH também enviou proposta de venda das vacinas a Governadores, Prefeitos e Secretários de Saúde. O valor dessa oferta era de US$ 11 por dose de imunizantes da Astrazeneca e da Jonhson & Jonhson.
Na matéria de 4 de julho, a Agência Pública reporta que Amilton Gomes nega ter feito proposta de imunizantes a prefeituras, apesar de a carta obtida pelo veículo ter a assinatura dele. O religioso diz que a iniciativa partiu de um dos diretores da SENAH e que este foi repreendido por isso. Também procurado pela reportagem da Pública, o diretor mencionado, Renato Gabbi, afirma que a organização não faz negociações ou vendas, apenas informa sobre assuntos de grande necessidade nos países em que a SENAH atua.
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Bereia conclui que Amilton Gomes de Paula é, de fato, ligado ao cenário evangélico do Distrito Federal e confirma que as referências às conexões religiosas e políticas existem. Todavia, há lacunas e imprecisões na formação do líder religioso, entre as quais destacamos a ausência de sua vinculação à comunidade dos Ministros Batistas Nacionais – e do registro de sua igreja na Convenção Batista Nacional (CBN), diferentemente de como declara o website da SENAH. Também, é digno de nota que Amilton Gomes use a designação “reverendo”, mais comum entre pastores presbiterianos, metodistas e anglicanos, e que a tenha recebido como título da “Ordem dos Cavaleiros de Sião”.
O Coletivo Bereia também conclui que as referências institucionais utilizadas pela SENAR/SENAH são imprecisas e que sua profusão pode induzir a erro, pois não é uma instituição governamental, não tem status diplomático, não possui relacionamentos institucionais de subordinação ou coordenação, nem tem autorização oficial para falar em nome da Frente Parlamentar Mista Internacional Humanitária pela Paz Mundial (FREMHPAZ) cujo coordenador é o deputado federal e pastor Fausto Pinato (PP-SP), advogado integrante da bancada evangélica.
A reportagem do Bereia entrou em contato no dia 08/07 com o religioso, que respondeu positivamente ao contato. Amilton Gomes alegou que somente poderia responder à entrevista com anuência de seus advogados. As perguntas sobre as inconsistências do perfil religioso e sobre a suposta intermediação de Gomes na compra de vacinas pelo governo federal foram enviadas no início da noite do mesmo dia, mas até o fechamento desta matéria, não houve resposta. No site oficial da SENAH, há um comunicado que chama as denúncias de envolvimento no esquema fraudulento de compra de vacinas de “fatos totalmente inverídicos e distorcidos da realidade”. A íntegra da nota está reproduzida abaixo:
Íntegra da Nota publicada pela SENAH (Foto: Reprodução/Portal Senah)
A CPI da Covid agendou a oitiva do reverendo Amilton Gomes de Paula para a quarta-feira, 14 de Julho de 2021. O requerimento de convocação o arrolou como testemunha (nº 1065/2021). Porém, em 12 de julho, Gomes apresentou atestado médico para não depor à Comissão no dia agendado.