Sites religiosos desinformam ao tratar da Revisão do Código Civil Brasileiro

Sites e mídias religiosas questionam os pontos mais sensíveis relacionados à família e costumes do Relatório Final da atualização do Código Civil Brasileiro e causam alardes ao distorcerem trechos que tratam sobre direitos do nascituro, casamento e modelos de família. 

Imagem: reprodução do site Terra Brasil Notícias

Entre estes espaços digitais está  o site Pleno News que publicou título de uma de suas matérias com a afirmação de que o anteprojeto trata de aborto. 

Bereia checou as informações.

Imagem: reprodução site Pleno News

Imagem: reprodução do site Brasil Paralelo

O que é a Comissão de Revisão do Código Civil

Desde quando foi instalada no Senado Federal, em 4 de setembro de 2023, a Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil (CJCODCIVIL) tem sido alvo de polêmicas entre grupos cristãos e outros segmentos alinhados a valores conservadores.  O colegiado é composto por 39 juristas e presidido pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, , o vice-presidente é Marco Aurélio Bellizze, também ministro do STJ. Dos 39 membros, 11 são mulheres. É a primeira vez que juristas mulheres participam da elaboração do Código. Além disso, a professora associada de Direito Civil da Faculdade de Direito da PUC/SP Rosa Maria de Andrade Nery é uma das relatoras do anteprojeto. 

Em oito meses de encontros, audiências e discussões sobre a reformulação do Código, a comissão recebeu 280 sugestões da sociedade, e ouviu especialistas em Direito Civil para compor o documento. O relatório final, que inclui o Anteprojeto de Lei, acompanhado das

justificativas das propostas, foi divulgado em 26 de fevereiro de 2024, e aprovado pela Comissão, em 5 de abril. A sessão de debate temático para apresentação e discussão do anteprojeto para reformular o Código Civil, instituído em 2002 e que está em vigor desde 2003, está marcada para o dia 17 de abril no plenário do Senado Federal. 

Os relatores admitem que há tópicos polêmicos que precisam de especial atenção para que haja um consenso. “O que foi combinado com o Pacheco é que nós daremos um parecer técnico. Depois, a matéria vai ser alterada conforme o Legislativo julgar melhor”, afirmou o presidente da comissão.

Aborto não está sendo tratado

Um dos pontos que mais tem causado reação negativa entre religiosos diz respeito ao direito do nascituro e define o feto como “potencialidade de vida humana pré-uterina ou uterina”. O senador espírita Eduardo Girão (Novo-CE) criticou o texto em discurso no plenário do Senado. Para ele, o artigo introduz no Código Civil a noção de que o bebê, antes de nascer, não teria vida humana. “É uma verdadeira aberração! Querem por uma perspectiva que afronte a biologia, ao definir que o bebê antes de nascer não é humano. E, como também não é animal, então passaria a ser apenas uma coisa descartável. É o sonho dos abortistas que defendem a legalização do assassinato de crianças no ventre materno”, disse Girão aos seus pares, o que foi reproduzido em veículos que propagam notícias da direita extremista.

Imagem: reprodução do jornal Gazeta do Povo

O trecho ao qual Girão se refere é o primeiro parágrafo do Art. 1.511-A:§ 1º A potencialidade da vida humana pré-uterina e a vida humana pré-uterina e uterina são expressões da dignidade humana e de paternidade e maternidade responsáveis”. A expressão que aparenta limitar o alcance dos direitos do feto foi usada para alimentar notícias falsas, em alguns sites cristãos e da extrema direita. 

“Eu queria esclarecer que até aqui nós não temos nenhum tratamento sobre aborto no projeto, nenhum tratamento com família multiespécie, nós não temos nenhum tratamento sobre incesto no projeto, nós não temos nenhum tratamento a respeito de famílias paralelas. Não há nada no código a respeito desses assuntos, e isso vai ser percebido pela própria votação”, explicou um dos relatores da CJCODCIVI Dr. Flávio Tartuce

O jurista acrescenta, ainda, que o Código Civil sempre motiva debates, porque lida com a vida do cidadão desde antes do nascimento até depois da morte. “É normal haver discordâncias. Mas há também as polêmicas promocionais, de pessoas que querem se promover, e entre essas a grande maioria não leu nada”, lamenta.

De acordo com o artigo Fake news sobre a reforma do Código Civil: a quem interessa a desinformação?”, de autoria dos advogados Gustavo de Castro Afonso e Laura de Moraes Lima e do professor de Direito pela USP, doutor e mestre em Filosofia do Direito pela PUC-SP Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico (ConJur):

A realidade do debate no Congresso conduzido por gente séria e comprometida, (…) está bem distante das teorias dos moralistas de plantão, que vivem uma realidade transcendente, que nem mesmo Platão saberia onde fixar na imaginária caverna. Chamemos de metaverso

“O texto ainda em discussão, longe de pretender a legalização do aborto, alarga a proteção ao nascituro, prevendo, inclusive, a necessidade de intervenção do Ministério Público nos procedimentos extrajudiciais em que presentes seus interesses”, explica o texto da Conjur.

O presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) ressaltou em entrevista à Agência Senado que a sociedade deve se tranquilizar em relação à Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil. “O objetivo do grupo não é elaborar um novo Código Civil, mas sim suprir lacunas de normas que foram criadas há 20 anos”. 

Pacheco afirmou que está ciente da preocupação das comunidades católicas e evangélicas em relação aos temas que envolvem a família. “Todos esses temas, independente de como venham da Comissão de Juristas, obviamente, terão aqui um amplo debate com a sociedade e uma decisão que será do Parlamento”. O presidente do Senado explica, desta forma,  que o que for indicado pela comissão de juristas não exclui o Congresso nem vira força de lei, ao contrário do que os sites e parlamentares citados fazem crer.

“O colegiado promoveu verdadeiro debate democrático acerca de quais avanços e alterações precisam ser promovidos para que a nossa legislação de direito civil seja adaptada às demandas sociais dos tempos em que vivemos. Para que o Código Civil continue a perpetuar seu compromisso de garantir segurança jurídica e promover justiça em nossa nação, contribuindo para a edificação de uma sociedade mais justa e democrática, é chegado o momento de atualizá-lo”, declarou o senador Rodrigo Pacheco no requerimento que fez para determinar a discussão do anteprojeto em sessão temática no Plenário, em 17 de abril.

Sobre definições de família

Outro ponto que tem causado confusão entre gruposcristãos é a divulgação do texto do artigo 19: “A afetividade humana também se manifesta por expressões de cuidado e de proteção aos animais que compõem o entorno sociofamiliar da pessoa”. Para parte da comunidade cristã, esse texto elevaria o status jurídico da relação entre pessoas e animais. “… Abrindo espaço para o reconhecimento legal do que tem sido chamado de família multiespécie”, alega uma carta aberta divulgada por entidades cristãs da Paraíba, assinada pela Associação dos Pastores Evangélicos da Paraíba, Núcleo de Estudos em Política, Cidadania e Cosmovisão Cristã, Missão Juvep e VINACC. 

O texto se baseou em denúncias do site alinhado a grupos extremistas  Gazeta do Povo, para compor seu manifesto. Além das organizações paraibanas, a União Nacional das Igrejas e Pastores Evangélicos (UNIGREJAS) que diz em seu site ter reunido mais de 20 mil pastores pelo Brasil, também divulgou nota de repúdio ao anteprojeto se baseando em matérias do mesmo jornal, já desmentidas pelo relator da comissão de juristas

Imagem: reprodução do site Gazeta do Povo

Imagem: reprodução do site Gazeta do Povo

O presidente da comissão rebateu as críticas e disse não haver no anteprojeto nada sobre aborto ou qualquer menção a relações entre espécies. “O Código Civil não trata de aborto, nem tampouco da relação entre humano e animal. São notícias estapafúrdias. Imaginamos que isso seja fruto desse fenômeno moderno das notícias falsas que inclusive está sendo tratado pelo texto. Estamos tratando de coibir essas notícias falsas por intermédio de plataformas digitais”, ressaltou o ministro do Supremo Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão.

Sobre a questão do casamento, o texto remove menções a “homem e mulher”, reconhecendo o casamento civil e a união estável para casais homoafetivos, ampliando a definição de família para incluir vínculos conjugais e não conjugais, abrindo caminho para proteger, no texto da lei, o direito de homossexuais ao casamento civil, à união estável e à formação de família. 

Nessa linha, sem ingressar em debates ideológicos, primando pela absoluta cientificidade, respeitando jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, baniu-se, nas normas disciplinadoras do casamento e da união estável, referências a “homem e mulher” ou “marido e mulher”, optando, precisa e objetivamente, pela expressão “duas pessoas”, o que contempla, em perspectiva constitucional e isonômica, todo e qualquer casal, seja heteroafetivo ou não”, diz o relatório final no trecho em que a comissão explica as mudanças sugeridas no Código. 

Neste caso, os sites religiosos não incorreram em divulgação de informação falsa. E, como descrito, os casais heterossexuais estão incluídos na definição, sem excluir as demais formações familiares que já existem, na prática.

Divórcio também foi tema

O divórcio unilateral também é abordado pelas notas de repúdio e reportagens nos sites questionados nesta matéria. O artigo 1.582-A traz conteúdo sobre esta questão: O cônjuge ou o convivente, poderão requerer unilateralmente o divórcio ou a dissolução da união estável no Cartório do Registro Civil em que está lançado o assento do casamento ou onde foi registrada a união, nos termos do § 1º do art. 9º deste Código

No entanto, o Anteprojeto do Código Civil reforça logo em seguida, no segundo parágrafo, que o outro cônjuge deve ser notificado imediatamente: § 2º Serão notificados prévia e pessoalmente o outro cônjuge ou convivente para conhecimento do pedido

Outra proposta abordada no direito de família foi a mudança de nomenclatura de família para “das famílias”, no plural, e a criação de uma nova figura jurídica, chamada de “convivente”, além do “cônjuge”, para descrever as uniões estáveis. 

Além das entidades cristãs da Paraíba e da UNIGREJAS, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) e a União de Juristas Católicos também lançaram notas de repúdio e preocupação com o texto da reforma do Código Civil. 

“Sem qualquer diálogo público efetivo, nem mesmo com uma consulta ao mundo jurídico em geral (apenas 3 audiências públicas), o texto apresentado sugere reformas fundamentais em diversas matérias, com especial destaque para a personalidade civil e o direito de família (que sugere-se renomear de direito “das famílias”)”, diz a nota que se equivocou quanto ao número de audiências públicas, foram quatro e não três. (23/10/2023; 20/11/2023; 07/12/2023 e 26/02/2024), segundo o site da comissão.

Além disso, Bereia checou que, ao contrário das críticas dos juristas católicos, a comissão constituída no Senado ouviu a população e recebeu 280 sugestões para elaboração do texto. 

Código Civil no Brasil: breve histórico

O Código Civil é um conjunto de normas que impactam o dia a dia dos cidadãos brasileiros, e regula a vida do cidadão desde antes do nascimento, com efeitos até depois da morte do indivíduo, passando pelo casamento, regulação de empresas e contratos, além de regras de sucessão e herança. Ele reúne as normas que determinam os direitos e deveres das pessoas, dos bens e das suas relações no âmbito privado.

 Embora tenha sido elaborado em 2002, o Código Civil não foi o primeiro regulamento criado no país.

Nos séculos 17 e 19 havia a preocupação de neutralizar o Poder Judiciário através da criação de normas que o limitassem. Desta forma, foi outorgado em 1804 por Napoleão Bonaparte o Código Civil francês, revolucionando o Direito na Idade Contemporânea, cristalizando o conceito de Direito Civil, segregando as normas chamadas de Direito Público.

Com a conclusão de seu processo de independência, em 1823, o Brasil quis se inserir no concerto das nações e para isso era apropriado que o país se organizasse de acordo com uma legislação seguindo os moldes de então. Ainda naquele ano se discutiu a rápida confecção de um Código Civil. A lei foi votada na Assembleia Geral e Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, determinando a recepção de todo ordenamento jurídico português enquanto não fosse redigido “um  Código Civil” próprio, promessa reiterada na Constituição Imperial de 1824, em seu art. 179, XVIII (“Organizar-se-á quanto antes um Código Civil e Criminal, fundado nas sólidas bases da Justiça e Equidade”). 

A vontade de ter um Código Civil próprio não foi suficiente e somente em 1916 foi criado o primeiro documento responsável por instituir regras para as relações civis: o Código de Bevilacqua, idealizado pelo jurista Clóvis Bevilacqua (Lei 3071/1916). Antes de sua criação as Ordenações Filipinas, de 1603, que Portugal havia substituído em 1867, quando publicou seu próprio Código Civil.

As bases doutrinárias do Código Civil de 1916 eram assentadas em conceitos do século 19 que logo foram superados no século 20, a exemplo de patriarcalismo pronunciado nas relações de família e liberalismo, por esta razão passando por diversas reformas pontuais.

Durante o governo do ditador general Castelo Branco, na segunda metade do século 20, iniciou-se um movimento de reforma profunda da sociedade brasileira, o que implicou em uma tentativa de atualização da legislação civil. Devido a esse movimento de reforma, em 1969, durante a administração do ditador general Costa e Silva foi constituída a Comissão Miguel Reale, cujo objetivo era atualizar, reformar e recodificar o Direito Civil brasileiro. O novo Código Civil iniciou sua tramitação no Congresso Nacional, em 1975. 

O texto final foi aprovado em 15 de agosto de 2001, quando começou o período de transição fixado em lei. Após 32 anos de discussão, o novo Código Civil foi sancionado em janeiro de 2002 (Lei n° 10.406/2002), tendo entrado em vigor em 2003. 

Direito digital

Enfrentar a desinformação é um dos pontos que a comissão de juristas adicionou ao texto final do anteprojeto da reforma do Código Civil. A novidade é a criação do Direito Civil Digital, como Livro autônomo do Código Civil

“Fica evidente que as relações e situações jurídicas digitais já fazem parte do cotidiano do brasileiro e tornaram premente o delineamento do Direito Civil Digital, em face da evidente virada tecnológica do direito, de modo a agregar inúmeras interações de institutos tradicionais e de novos institutos, relações e situações jurídicas neste ambiente digital”, diz o relatório final da comissão. “O Livro de Direito Civil Digital ilumina a necessidade de atualizar a legislação brasileira para abordar os desafios e oportunidades apresentados pelo ambiente digital. A lei é meticulosamente estruturada em capítulos que abrangem desde disposições gerais até normas específicas para atos notariais eletrônicos”, explica ainda o relatório

O texto trata de assuntos como o direito digital à intimidade, liberdade de expressão, patrimônio e herança digital, proteção à criança, inteligência artificial, contratos e assinaturas digitais.

“A nossa grande inovação é a criação de normas gerais, criando um livro próprio sobre direito digital. Estamos propondo questões como a moderação de conteúdo das plataformas, avanços no neurodireito digital. São vários temas que estão sendo tratados e que vão conversar com outros pontos. Um exemplo é a herança digital e os bens digitais: moedas eletrônicas, mas também patrimônio que está em redes sociais, fotografias, os dados colocados nas redes, perfis”, diz Salomão.

A Inteligência artificial não ficou de fora. A regulamentação de ferramentas do tipo também faz parte do projeto. Segundo o presidente do colegiado, a proposta do anteprojeto traz linhas gerais sobre a necessidade de autorização do uso da imagem gerada por IA e outros temas para não ficar defasado em relação a inovações tecnológicas. “A ideia é fazer uma regulamentação geral, sem amarrar. Ninguém vai  segurar a evolução das tecnologias”, destacou.

O novo Livro representa um passo significativo, colocando o Brasil na vanguarda do tema e alinhando o direito brasileiro com as realidades do mundo digital, garantindo proteção, transparência e segurança nas interações online, enquanto promove a inovação e respeita os direitos fundamentais no ambiente digital”, argumentam os autores do anteprojeto no relatório final. 

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Bereia conclui que  as matérias do site religioso Pleno News, da Gazeta do Povo entre outros veículos e grupos que criticam o relatório final da Comissão de Juristas criada no Senado para elaboração de um anteprojeto de lei para a reforma do Código Civil Brasileiro são ENGANOSAS. Estes espaços digitais usam títulos com conteúdo falso e sensacionalista para confundir leitores e levá-los a conclusões erradas sobre o trabalho da comissão. 

As notícias refutadas nesta matéria são enganosas porque, apesar de terem conteúdo verdadeiro, os títulos e alguns trechos confundem leitores e os levam a acreditar em falsidades, uso de pânico moral, assunto já abordado por Bereia. Também instigam o público a fazer julgamentos equivocados sobre o anteprojeto e a Comissão de Juristas formada para a elaboração e reforma do Código Civil no Senado.

Em nenhuma das 311 páginas do relatório final fala-se sobre aborto, ou relação entre humanos e animais, ou sobre direito de pessoas que mantenham uma união extraconjugal. 

Entretanto, é verdadeiro que o texto suprime as palavras “homem e mulher” ou “marido e esposa” para definir as relações familiares. O intuito é garantir os direitos e deveres de famílias que não se encaixam nessa nomenclatura. Entre elas estão as formadas por casais do mesmo sexo, mas também aquelas formadas por parentes ou pessoas agregadas, sem necessariamente haver algum tipo de relacionamento amoroso entre os integrantes. Por exemplo, famílias cujos pais faleceram e um irmão mais velho passou a exercer o papel de chefe daquele núcleo. 

Referências de checagem:

Agência Senado

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/09/04/instalada-comissao-de-juristas-para-atualizar-o-codigo-civil Acesso em 15 ABR 24

https://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao?codcol=2630 Acesso em 15 ABR 24

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/download/3f08b888-b1e7-472c-850e-45cdda6b7494 Acesso em 15 ABR 24

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/04/05/juristas-concluem-anteprojeto-de-codigo-civil-direito-digital-e-familia-tem-inovacoes Acesso em 15 ABR 24

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/03/07/pacheco-afasta-preocupacoes-sobre-atualizacao-do-codigo-civil Acesso em 15 ABR 24

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/04/11/anteprojeto-do-novo-codigo-civil-sera-apresentado-na-quarta-17 Acesso em 15 ABR 24

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/download/3f08b888-b1e7-472c-850e-45cdda6b7494 Acesso em 15 ABR 24

Estadão 

https://www.estadao.com.br/politica/reforma-codigo-civil-familia-uniao-homoafetiva-casamento-gay-pets-inteligencia-artificial-senado-congresso-nacional-nprp/ Acesso em 15 ABR 24

CONJUR 

https://www.conjur.com.br/2024-mar-16/fake-news-sobre-a-reforma-do-codigo-civil-a-quem-interessa-a-desinformacao/ Acesso em 15 ABR 24

EBC 

https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2024-03/comissao-de-juristas-vota-relatorio-final-da-reforma-do-codigo-civil Acesso em 15 ABR 24

CNN Brasil

https://www.cnnbrasil.com.br/blogs/caio-junqueira/politica/juristas-catolicos-criticam-novo-codigo-civil-proposto-pelo-senado/ Acesso em 15 ABR 24

Assembleia Legislativa do Espírito Santo

https://www.al.es.gov.br/Noticia/2022/01/42426/codigo-civil-brasileiro-completa-20-anos.html Acesso em 15 ABR 24

Politize

https://www.politize.com.br/novo-codigo-civil/ Acesso em 15 ABR 24

Câmara dos deputados

https://www2.camara.leg.br/a-camara/visiteacamara/cultura-na-camara/copy_of_museu/exposicoes-2012/10-anos-do-codigo-civil Acesso em 15 ABR 24

https://www.camara.leg.br/noticias/24906-historia-do-novo-codigo-civil/#:~:text=O%20novo%20C%C3%B3digo%20Civil%20come%C3%A7ou,de%20transi%C3%A7%C3%A3o%20fixado%20em%20lei Acesso em 15 ABR 24
https://www2.camara.leg.br/a-camara/visiteacamara/cultura-na-camara/copy_of_museu/exposicoes-2012/10-anos-do-codigo-civil Acesso em 15 ABR 24

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Foto de capa: Waldemir Barreto/Agência Senado

“Deus, pátria e família”: o que é o neoconservadorismo em destaque na política do Brasil – parte 1

De 2018 a 2022, vimos a figura do ex-presidente Jair Bolsonaro (PSL) declarar seu lema “Deus Pátria e Família” com a retórica de “conservadorismo”. Em seu discurso na 75ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o político chegou a declarar: “O Brasil é um país cristão e conservador, e tem na família a sua base”. Ao longo da mesma fala, ele fez um apelo à comunidade internacional pela liberdade religiosa a fim de combater o que chamou de “cristofobia”. Tais declarações trazem à tona dois elementos centrais na composição das bases do que se convencionou chamar “bolsonarismo”: religiosidade e neoconservadorismo. 

Para entendermos a origem desse discurso, teremos que retomar brevemente o conceito de neoconservadorismo. Conservadorismo é um movimento amplificado, não só de ideias, mas de convenções sociais e reações a mudanças do mundo moderno. Apresenta um discurso de retorno a ordem, de previsibilidade, controle de excessos morais para fortalecimento da unidade nacional. Sua esfera de influência se dá na política, cultura, arte, sexualidade. Em sua raiz histórica, conservadores se constituíam como contrarrevolucionários, posicionando-se em oposição a qualquer pensamento que questionasse a ordem do establishment, em especial revoluções lideradas pelo proletariado, defendendo assim a ordem burguesa. 

Já o neoconservadorismo se origina na década de 1950, em Nova York. O movimento foi estimulado no contexto da Guerra Fria, de enfrentamento do comunismo e da União Soviética, e pelo avanço de ideias feministas e de movimentos culturais liberais. No neoconservadorismo algumas características se destacam: defesa do nacionalismo exacerbado; religiosidade como sustentáculo do Estado; luta contra comunismo, ideologia sionista e defesa incondicional do Estado de Israel; associação ao neoliberalismo – não intervenção do Estado na economia –, além de salvaguarda e manutenção das instituições tradicionais, hierarquias e desconfiança de alterações sociais bruscas, buscando manter a política estável com mudanças lentas e sólidas. 

O movimento foi constituído na década de 1970 por grupos dominantes do capital e setores moralistas da classe trabalhadora, explica David Harvey. Tal associação inspirou ideias centradas na defesa tradicional da formação familiar, defesa de determinada doutrina cristã e concepções direitistas em oposição a ideias progressistas relacionadas ao feminismo, direitos LGBTs, programas de inserção social. Era uma aliança entre grupos divergentes, cristãos evangélicos, judeus, promotores da Guerra Fria, defensores da família tradicional, intelectuais, militares, liberais. 

O discurso cristão é uma das bases do conservadorismo nos Estados Unidos e tem sido de maneira semelhante aqui no Brasil. É constituído por setores evangélicos e evangélicos conservadores. Essa nova direita tem um discurso anticomunista e se posiciona contrário a medidas que promovam o Estado de bem-estar social. Foi com o apoio desse grupo que o presidente Ronald Reagan foi eleito em 1980 e o Partido Republicano conquistou maioria no congresso. Embora constituíssem um grupo pequeno, portanto minoritário, argumentavam que sua organização e coerência fazia com que se tornassem a “Maioria Moral”, por isso assim se autodenominavam.

Nesse período, grupos conservadores evangélicos ainda tinham a si mesmos como missionários imbuídos da missão de levar o Evangelho aos países da América Latina. Os Estados Unidos, vistos como detentores da moral, seriam os únicos capazes de levar os valores cristãos onde o pecado se precipita. Para eles, a ideia de livre mercado converge ou conversa com o princípio de livre arbítrio, por isso Cristianismo e capitalismo seriam uma união ideal. 

Havia ainda o anticomunismo em oposição à chamada Teologia da Libertação, movimento que se propaga em círculos evangélicos progressistas na América Latina, a partir dos anos 1960, mas ganha mais intensidade na Igreja Católica e se populariza. A proposta partia de uma análise socioeconômica de instrumentalização da fé visando a responsabilidade social, políticas distributivas, libertação dos povos marginalizados e políticas de responsabilidade social.

Nesta perspectiva da direita evangélica está o sionismo na defesa de Israel. Há uma leitura que relaciona judeus e cristãos a partir do Antigo Testamento, sendo notável a preferência pelos textos desta parte da Bíblia em pregações e discursos, em especial entre pentecostais e neopentecostais. Pesquisadores, como John Mearsheimer e Stephen Walt chamam essa característica de “sionismo cristão” e os motivos que teriam levado grupos tão distintos a se unirem teria sido suas atividades e áreas de interesses em comum.

Outra bandeira de sustentação do neoconservadorismo é a “pauta moral”. Para as lideranças que abraçam esta perspectiva, haveria papéis sociais e sexuais hierárquicos, direcionados a homens sobre mulheres no cuidado e educação dos filhos. Por isso, uma reação antifeminista chegou a se opor a políticas de combate a violência doméstica, pois alegavam que esse seria um problema possivelmente solucionado com a valorização e fortalecimento da instituição “família”, mesmo argumento utilizado para defender palmadas de pais e responsáveis em crianças. 

No que confere ao militarismo anticomunista, os Estados Unidos viam na União Soviética e a ameaça comunista um inimigo a ser combatido, por isso, o fundamento conservador se configura um elemento de combate a ideologias e discursos. Tal pauta moralista conservadora e anticomunista estava presente não apenas nos discursos e costumes, como também na indústria cultural estadunidense fabricada e exportada por meio de filmes de Hollywood, cantores e estilos musicais. 

Pesquisadores apontam os desajustes sociais e o consequente fortalecimento de medidas punitivistas como consequência do avanço do neoliberalismo e neoconservadorismo. Ou seja, na medida em que as desigualdades, exclusão, marginalização avançam, cresce também a violência. Nisso, transparece a conveniência do discurso pró-armamento e em defesa de uma política combativa por parte do Estado. Indivíduos comuns são tolhidos e culpados, enquanto o sistema exclusivista beneficia determinadas classes.

No Brasil, a ala conservadora pós-década de 1990 foi ao encontro dessa agenda neoliberal defendendo a entrada do capital estrangeiro e enxugamento da máquina estatal. Somado a isso, o neoconservadorismo se fortaleceu a partir desse período com pautas morais e em defesa de valores cristãos, ganhando ressonância em igrejas neopentecostais. 

A internet se tornou um espaço de fortalecimento e expansão desse ideal conservador, que pode ser observado no Brasil, ocupado por movimentos direitistas, surgidos a partir dos protestos de 2013, como: Vem pra Rua, Movimento Brasil Livre, Revoltados Online, Proteste Já!. A união desses grupos conservadores, somado ao fortalecimento do antipetismo (o Partido dos Trabalhadores/PT estava no poder do país nesse período) e o crescimento da presença evangélica no espaço público, são elementos que nos ajudam a compreender a ascensão do neoconservadorismo ao poder no Brasil a partir de 2016, o que será tratado no segundo artigo deste estudo.

Referências:

BURITY, Joanildo. Itinerário histórico-político dos evangélicos no Brasil. In: ALBINO, Chiara; OLIVEIRA, Jainara; MELO, Mariana (Orgs.). Neoliberalismo, neoconservadorismo e crise em tempos sombrios. Recife: Editora Seriguela, 2021.

CAMILO, Rodrigo Augusto Leão. A Teologia da Libertação no Brasil: das formulações iniciais de sua doutrina aos novos desafios da atualidade. II Seminário de Pesquisa da Faculdade de Ciências Sociais. Goiânia: UFG, 2011. Disponível em: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/253/o/Rodrigo_Augusto_Leao_Camilo.pdf 

HARVEY, David. A Brief History of Neoliberalism. Nova Iorque: Oxford University Press, 2005.

LACERDA, Marina Basso. O novo conservadorismo brasileiro: de Reagan a Bolsonaro. Porto Alegre: Editora Zouk, 2019

MEARSHEIMER, John J. e WALT, Stephen M. The Israel Lobby And U.S. Foreign Policy. Nova Iorque: Farrar, Straus And Giroux.NETTO, Leila Escorsim. O conservadorismo Clássico: elementos de caracterização e crítica. São Paulo: Cortez, 2011.

**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

***Foto de capa: Fernando Frazão/Agência Brasil

O reino dividido: a favor da família no discurso e sua mutilação na prática

No meio evangélico brasileiro, sempre existiu uma idealização dos Estados Unidos como um país próspero devido à formação religiosa dos “primeiros” habitantes por terem escapado da perseguição no Reino Unido. Esses cristãos protestantes estabeleceram-se nas Treze Colônias com princípios que, mais tarde, levaram à formação de um país de “primeiro mundo”.

Sempre presente nas pregações tupiniquins, o imaginário é que se o Brasil se tornasse um país evangélico, alcançaríamos o mesmo patamar dos EUA. Lembro até hoje de um pastor pregando sobre Abraham Lincoln e da importância de seu temor a Deus na vitória da Guerra da Secessão, abolindo assim a  escravidão no país. 

Não era contado a nós a dizimação indígena, o controle religioso e a cultura armamentista, muito menos a ideia de que havia uma predestinação à salvação, que, no desespero, deveria ser notada pelo ardor ao trabalho em uma ação individual que gestou essa cultura meritocrática e um pensamento que inibe a discussão dos direitos sociais.

Atualmente, com aproximados 25% de população evangélica, essa miragem sobre o país ao Norte permanece. O Brasil é, neste momento, muito parecido com os Estados Unidos: influência do negacionismo científico e aumento da desigualdade social, fatores que abalam fortemente a vida familiar, envolvendo, respectivamente, saúde e renda, pontos fortes na sustentação doméstica. 

Assim, a pregação pela defesa da família vem de maneira contraditória, quando, nos discursos via púlpitos, pais e mães são estimulados a frequentarem cultos com seus filhos, administrarem tempo com eles dentro de casa e cultivar o relacionamento para afastá-los da possibilidade de serem desencaminhados para as drogas, violência e desvio da fé. 

Por que esse discurso é contraditório?

Não é difícil encontrar figurões da fé evangélica, geralmente abastados financeiramente, pregarem que “não devemos valorizar o trabalho mais que a família”, “precisamos de tempo com quantidade e qualidade com cônjuge e filhos”, em uma mensagem de reflexão que, apesar da aparente verdade, foge do contexto que esses medalhões contraditoriamente defendem.

A bancada evangélica, apoiada por muitos deles, defendeu a Reforma Trabalhista de 2017 com, aproximadamente, 65% de votos a favor. Em 2019, a mesma bancada obteve 91% de votos pelo texto-base da Reforma da Previdência. Essas mudanças que afetaram a vida do trabalhador, com discursos promissores de geração de empregos, foram responsáveis pelo aumento da informalidade, precarização do trabalho e desgaste na saúde física e mental dos pais e mães brasileiros.

Como os responsáveis pelas suas famílias frequentam cultos com pregações cheias de culpa sobre ser presente na vida dos filhos, sendo que, para sustentá-los, precisam trabalhar várias horas ao dia, nos finais de semana e sem usufruir proteção social? 

Fico imaginando um motorista de aplicativo, que realiza outras atividades a fim de angariar recursos para sua família, ir a um culto que serve para culpá-lo como se essa realidade fosse de sua única responsabilidade. No discurso, bela teologia para a defesa da família;  na prática, defesa de pautas políticas que afetam direitos sociais – uma espiritualidade que escamoteia a vida social.

O interessante é que os partidos de esquerda demonizados nos últimos anos são os que, majoritariamente, defendem o trabalhador que frequenta os cultos e que entrega o seu dízimo, enquanto partidos “patriotas, por Deus, família e liberdade”, defendem pautas que não favorecem a maioria evangélica periférica e trabalhadora. 

Muitos outros exemplos podem ser dados, como a aposentadoria, cuja renda foi reduzida com o novo cálculo, o aumento da idade e tempo de serviço sem ao menos considerar as disparidades regionais, ao lado de ricos que pagam menos impostos que a classe média. 

Quando Ricardo Mariano escreveu “Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil”, uma de suas conclusões foi de que os evangélicos cada vez mais se aliam politicamente de forma clientelista e corporativista adequando-se à realidade perversa do nosso país, e isso foi percebido naquela foto dos pastores ao lado do Jair Bolsonaro, que sancionou o perdão de dívidas das mega-igrejas. 

Esses líderes o apoiaram e seus altares serviram de palanque eleitoral para candidatos que juraram, em nome de Deus, defender a família, na incoerência em apoiar o desmanche de proteções sociais que a deterioram. É a família no discurso de ampla defesa, na propagação de pânico moral e na sua mutilação, que pela prática, ocorre pelas pautas que carregam. 

De fato, nos aproximamos de situações similares à sociedade estadunidense que tanto nos iludimos em pregações: fanatismo religioso aliado a discurso político em um país com trabalhador precarizado. É isso que queremos? Existe, ao menos, uma diferença: lá nas terras do Tio Sam, até alguns ricos entenderam que devem pagar mais impostos. Aqui isso é “discurso de comunista”.

**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

***Foto de capa: Pixabay

Pânico moral sobre “ideologia de gênero”, aborto, erotização de crianças e defesa da família é usado para disputa eleitoral com base em desinformação

Na disputa político-eleitoral de 2022, o principal embate é travado no território da da linguagem. Uma das estratégias mais utilizadas neste conflito informacional é o pânico moral e o ataque à cognição (a forma de raciocínio e assimilação de conteúdo) dos eleitores via mídias sociais. Nas diversas declarações e notícias checadas pelo Bereia em processos eleitorais, temas como “ideologia de gênero”, aborto, erotização de crianças e defesa da “família tradicional” são temas recorrentes. 

O pânico moral pode ser compreendido “numa acepção mais abrangente, como o consenso, partilhado por um número substancial de membros de uma sociedade, de que determinada categoria de indivíduos estaria ameaçando a estrutura social e a ordem moral”. Esta ideia é explicada pelo professor associado de Direito Civil da UFMG César Fiúza e da doutora em Direito Privado pela PUC-MG, Luciana Poli.

Na guerra de discursos pela internet, este estado de pânico é desencadeado com terror verbal com falsas acusações a líderes políticos, partidos e formadores de opinião que não partilham das mesmas opiniões ou são uma ameaça à hegemonia dos grupos que estão atualmente no poder. 

A recente declaração em vídeo da ex-ministra de Estado e senadora eleita  Damares Alves sobre as criancinhas que teriam seus dentes arrancados por pedófilos, sob investigação do Ministério Público, segue uma cartilha já conhecida e bastante utilizada pela senadora eleita: falta de fontes ou provas; combinação e reconfiguração de temas anteriormente explorados; forte apelo à emoção e a fé; discurso exaltado; inimigo a ser combatido.

Segue uma seleção as checagens do Bereia sobre  declarações, publicações e mensagens que exploraram o pânico moral e  “viralizaram” nas mídias sociais religiosas:

Fake news sobre livro de educação sexual infantil nas escolas volta a circular – https://coletivobereia.com.br/fake-news-sobre-livro-de-educacao-sexual-infantil-nas-escolas-volta-a-circular/ 

Em vídeo que volta a circular, ministra propaga pânico sobre erotização em desenhos animados e universidades  – https://coletivobereia.com.br/em-video-que-volta-a-circular-ministra-propaga-panico-sobre-erotizacao-em-desenhos-animados-e-universidades/ 

Ministra Cármen Lucia é acusada em mídias digitais de assinar carta pró-aborto  – https://coletivobereia.com.br/ministra-carmen-lucia-teria-assinado-carta-pro-aborto/

Site religioso afirma que LEGO vai lançar brinquedos com “ideologia de gênero” – https://coletivobereia.com.br/site-religioso-afirma-que-lego-vai-lancar-brinquedos-com-ideologia-de-genero/ 

Site gospel repercute afirmação falsa de Bolsonaro contra STF e ministro Barroso – https://coletivobereia.com.br/site-gospel-repercute-afirmacao-falsa-de-bolsonaro-contra-stf-e-ministro-barroso/ 

Site evangélico diz que pediatra defende masturbação infantil – https://coletivobereia.com.br/site-evangelico-diz-que-pediatra-defende-masturbacao-infantil/ 

Deputado afirma que cartilha de escola em Palmas promove “ideologia de gênero” – https://coletivobereia.com.br/deputado-afirma-que-cartilha-de-escola-em-palmas-promove-ideologia-de-genero/ 

Unicef é contra pornografia para crianças: portais desinformam com interpretação distorcida de estudo do organismo – https://coletivobereia.com.br/unicef-e-contra-pornografia-para-criancas-portais-desinformam-com-interpretacao-distorcida-de-estudo-do-organismo/ 

Portais de notícias religiosas desinformam quanto a suposto projeto comunista para crianças.
https://coletivobereia.com.br/portais-de-noticias-religiosas-desinformam-quanto-a-suposto-projeto-comunista-para-criancas/

Mensagem anônima que circula em mídias sociais usa pânico moral contra partidos de esquerda
https://coletivobereia.com.br/mensagem-anonima-panicomoral/

As mentiras que circulam em ambientes religiosos no Brasil
https://coletivobereia.com.br/as-mentiras-que-circulam-em-ambientes-religiosos-no-brasil/

Referências de checagem:

CUNHA, Magali do Nascimento. Do púlpito às mídias sociais: Evangélicos na política e ativismo digital. Curitiba: Prismas, 2017.

Carta Capital. Artigo: Evangélicos foram alvo privilegiado de mentiras na campanha do 1º turno; veja as principais. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/evangelicos-foram-alvo-privilegiado-de-mentiras-na-campanha-do-1o-turno-veja-as-principais/ Acesso em 17 OUT 2022

Artigo. Direitos políticos, liberdade de expressão e discurso de ódio. Volume V – organização de Rodolfo Viana Pereira – Brasília: IBRADEP, 2022. Disponível em: https://abradep.org/wp-content/uploads/2022/06/Direitos-Politicos-Liberdade-de-Expressao-e-Discurso-de-Odio-volume-V.pdf#page=171 Acesso em 17 OUT 2022

Artigo. FIÚZA, Cesar e POLI, Luciana Costa. Famílias Plurais o Direito Fundamental à Família. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n. 67, 2015, p. 151-180. Disponível em: https://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/1730-3302-1-sm.pdf Acesso em 17 OUT 2022

G1. https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2022/10/17/termina-nesta-segunda-feira-prazo-para-ministerio-dar-explicacoes-a-procuradoria-do-mpf-apos-relatos-de-damares-sobre-supostas-torturas-contra-criancas-no-marajo.ghtml Acesso em 17 OUT 2022

Revista Questão de Ciência. 

https://revistaquestaodeciencia.com.br/index.php/apocalipse-now/2018/12/05/ameaca-nossos-filhos-cuidado-com-o-panico-moral Acesso em 17 OUT 2022

JN.

https://www.jn.pt/opiniao/david-pontes/panico-moral-6234400.html Acesso em 17 OUT 2022

Uol.

https://noticias.uol.com.br/colunas/carlos-madeiro/2022/08/29/panico-moral-como-ala-evangelica-pro-bolsonaro-cresce-e-domina-as-redes.htm Acesso em 17 OUT 2022

Poder 360.

https://www.poder360.com.br/poderdata/poderdatacast-29-bolsonaro-deve-acionar-panico-moral-em-eleicoes/ Acesso em 17 OUT 2022

Ponte.

https://ponte.org/artigo-bolsonaro-e-o-panico-moral/ Acesso em 17 OUT 2022

Revista Eletrônica Internacional de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura.

https://brapci.inf.br/index.php/res/v/158606 Acesso em 17 OUT 2022

Fundação Maurício Grabois.https://grabois.org.br/2022/08/26/o-retorno-do-panico-moral-na-disputa-pelo-voto-evangelico/ Acesso em 17 OUT 2022

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Foto de capa: Pexels/Samer Daboul

Deputado Feliciano publica mensagem sobre suposta abolição das Forças Armadas, da família e da igreja no Chile

* Matéria atualizada às 11:50

O deputado federal Pastor Marco Feliciano (PL-SP) publicou em seu perfil no Twitter, em 4 de fevereiro passado, uma mensagem com discurso criando pânico em seus seguidores sobre o fim da família e da igreja com base na atual conjuntura política do Chile:

Por que o foco no Chile?

Em dezembro de 2021 foram realizadas eleições presidenciais no Chile que levaram à vitória, com 56% dos votos, Gabriel Boric, ex-líder estudantil, de 35 anos, por meio da frente ampla de esquerda Apruebo Dignidad. A eleição de Boric à Presidência da República foi a culminância de um processo iniciado em outubro de 2020, quando 78% dos chilenos foram às urnas para decidir que uma nova Constituição deveria ser elaborada por uma Assembleia Constituinte. 

O processo eleitoral para escolher os membros da Assembleia Constituinte realizou-se no Chile entre 15 e 16 de maio de 2021. O início dos trabalhos ocorreu ainda em 2021, durante o governo de centro-direita de Sebastian Pinera.O Chile havia sido palco de intensos protestos a partir de outubro de 2019, durante o governo Pinera. As manifestações começaram depois de uma alta na tarifa do metrô de Santiago, posteriormente revogada, mas que foi o estopim para reivindicações mais amplas, como a melhoria no acesso à saúde, e à educação,além de reformas no sistema previdenciário.

Segundo um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),, as famílias chilenas gastam em torno de 35,1% e a educação é praticamente dominada pelo setor privado que detém o maior número de matrículas e mesmo as universidades públicas cobram mensalidades. Já o sistema previdenciário é administrado por organizações privadas e penaliza os trabalhadores mais vulneráveis.

Durante os protestos de 2019, e após intensas negociações entre o governo e a oposição,  foi alcançado um acordo, aprovado pelo Congresso Nacional na forma do documento “Acordo pela Paz e uma Nova Constituição”

O documento estabeleceu o compromisso de restaurar a paz e a ordem pública no Chile e convocar um plebiscito para perguntar à população se o país deveria elaborar uma nova Constituição, para substituir a Carta da época da ditadura de Augusto Pinochet. No plebiscito, os eleitores responderiam se desejariam ou não uma nova Constituição e qual tipo de órgão deveria ficar responsável por redigi-la: uma comissão mista ou uma Assembleia Constituinte.

A comissão mista seria formada por parlamentares no cargo naquele momento e por pessoas eleitas para escrever a nova Carta. No modelo de Constituinte, todos os autores do documento seriam eleitos apenas para esse trabalho.

A eleição da Constituinte Chilena e início dos trabalhos

Os chilenos decidiram por uma nova Constituição e por uma Assembleia Constituinte. A votação que elegeu os membros constituintes, em maio de 2021, representou uma derrota para a coalizão de centro-direita que sustentava o então presidente Sebastián Piñera. Os representantes da direita governista ficaram com apenas 37 das 155 cadeiras (24%), enquanto a centro-esquerda obteve 53 assentos (34%), e os independentes, 65 (42%), dentre estes últimos estão representantes dos povos originários do Chile. A Constituinte chilena é presidida por uma líder indígena e tem quantidade igual de cadeiras para homens e mulheres. 

As propostas apresentadas precisam de dois terços para aprovação e inclusão na nova Constituição, e além disso, ao final da redação, a nova Carta Magna será apresentada à população e sua aprovação passará por votação popular. 

Sobre a abolição das Forças Armadas 

“Abolir” as forças armadas foi uma dentre milhares de propostas encaminhadas pela população à Assembleia Constituinte. A proposta foi feita por um cidadão chileno e não obteve sequer o mínimo de assinaturas necessárias para ser apreciada pela Constituinte: foram 461 apoios, longe dos 15 mil condicionados por lei.  Desta maneira, a proposta não foi apreciada ou discutida pela Constituinte. 

A Assembleia Constituinte Chilena está deliberando sobre 78 iniciativas populares aprovadas. Entre estas, apenas uma diz respeito às Forças Armadas mas não sobre sua extinção e sim sobre garantirem a democracia, a segurança nacional e a defesa da pátria. 

Sobre “acabar com a família e a igreja”

Entre as propostas em discussão na Assembleia Constituinte do Chile não há qualquer referência ao que o Pastor Marco Feliciano alardeia para seus seguidores sobre o fim da família e da igreja, uma vez que ele relacionou estes temas à extinção das Forças Armadas, o que é falso.

Os temas também não se referem à eleição do presidente Gabriel Boric, que não apresentou como plataforma de campanha qualquer projeto que embase a afirmação do deputado.

Conclusão

Bereia conclui que a postagem do deputado Marco Feliciano é falsa. Gabriel Boric conquistou a Presidência do Chile, em dezembro de 2021, assumirá o mandato em março de 2022 e não tem poderes sobre a Assembleia Constituinte. Ele  foi eleito como candidato de uma frente ampla que inclui socialistas e partidários de várias tendências de esquerda. No entanto, os trabalhos da Assembleia Constituinte são independentes, seus representantes foram eleitos pelo povo chileno em maio de 2021, sua composição é plural e qualquer cidadão pode propor mudanças, desde que apresentasse um número mínimo de assinaturas de apoio. Foram aprovadas, a partir dos critérios por lei, 78 propostas e nenhuma delas diz respeito à extinção das Forças Armadas.

Não existe menção a propostas desta natureza no programa de governo de Gabriel Boric, o que também não foi discutido pela coalização política do presidente eleito e. Da mesma forma o que diz respeito ao fim da família e da igreja.

A relação que o deputado Pastor Marco Feliciano estabelece entre a eleição de Gabriel Boric, a falsa afirmação de que constituintes do Chile querem abolir as Forças Armadas e a destruição da família e da igreja com uma possível eleição do ex-presidente Lula em 2022, está dentro da pauta desinformativa que o Coletivo Bereia tem coberto desde 2019. Uma análise sobre isto pode ser lida aqui

Foto de capa: Jose Pereira

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Referências de checagem: 

Twitter. https://twitter.com/convencioncl. Acesso em: 11 fev 2022.

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/11/em-resposta-a-protestos-chile-fara-plebiscito-sobre-nova-constituicao.shtml Acesso em: 11 fev 2022.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/07/chile-inicia-reformulacao-da-constituicao-em-meio-a-turbulento-ano-eleitoral.shtml Acesso em: 11 fev 2022.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/11/chile-confirma-inicio-de-processo-para-mudar-constituicao-e-acalmar-protestos.shtml Acesso em: 11 fev 2022.

Acuerdo Por la Paz Social y la Nueva Constitución. https://obtienearchivo.bcn.cl/obtienearchivo?id=documentos/10221.1/76280/1/Acuerdo_por_la_Paz.pdf Acesso em: 11 fev 2022.

Assembleia Constituinte do Chile – Plataforma Digital de Participação Popular. https://plataforma.chileconvencion.cl/  Acesso em: 11 fev 2022.

https://perma.cc/L9PA-29FX. Acesso em: 11 fev 2022.

https://perma.cc/78GQ-KTU2. Acesso em: 11 fev 2022.

Congresso Nacional do Chile – Acordo pela Paz e uma Nova Constituição – https://obtienearchivo.bcn.cl/obtienearchivo?id=documentos/10221.1/76280/1/Acuerdo_por_la_Paz.pdf 

Outras Palavras. https://outraspalavras.net/outrasmidias/para-entender-os-porques-da-revolta-chilena/ Acesso em: 11 fev 2022.

BBC Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59701412 Acesso em: 11 fev 2022.Bereia. https://coletivobereia.com.br/as-mentiras-que-circulam-em-ambientes-religiosos-no-brasil/ Acesso em: 11 fev 2022.

Não precisava ter sido assim

Tão logo aprendi a decifrar algumas palavras, fiquei viciado em leitura. Filho de professores, fazia a festa com livros de vários tipos e, claro, pilhas enormes de gibis.
✝️ Renato Ouverney ✝️ Rosani Escobar ✝️ Derni Escobar

Sempre que chegava o jornal mensal da igreja, chamava minha mãe e juntos líamos o necrológio. As fotos eram a primeira coisa que nos chamava a atenção. Emocionada, dona Edna fazia comentários curtos e contritos: “Tão jovem”, “Pena da família”, “Muito triste”…
✝️ Sebastião Misael de Vasconcelos ✝️ Odonel Cesário de Oliveira ✝️ Izidoro Leles dos Santos

Março de 2020. O mundo iniciou a contabilização das primeiras vítimas do coronavírus. Na América, líderes dos Estados Unidos, México e Brasil menosprezaram a pandemia incipiente. Protagonizavam um pastiche insano do quadro “Bonaparte visitando as vítimas da peste de Jafa”, distribuindo apertos de mãos e frases escarnecedoras.
✝️ João Batista Oliveira ✝️ Agamenon Messias Novaes ✝️ Jean Madeira

Exasperado ao ver diariamente a ciência sendo substituída pelo negacionismo, iniciei uma série de posts mostrando o rosto das vítimas de covid-19. Lembrando a frase de Stálin, “uma única morte é uma tragédia; um milhão de mortes é uma estatística”.
✝️ José Carlos Simões ✝️ Benedito Silva ✝️ Vaval

Cada relato lido despedaçava meu coração. Molhei o teclado várias vezes. Muitos leitores compartilhavam os posts, tecendo uma rede de lamento e de tristeza.
✝️ Sivaldo Tavares ✝️ Marcos Tosta ✝️ Valdomiro Rosa

Confirmando os piores vaticínios, a doença deixou de ser algo distante e começou a chegar aos nossos círculos próximos. Pressionados, políticos de todas as esferas adotaram medidas tipo sanfona. O som produzido foi desafinado e catastrófico. O total de mortes só aumentava.
✝️ Gabriel Gonçalves ✝️ Manoel Gomes ✝️ Salatiel Silvestre

A essa altura, o grupo negacionista já se havia transmutado em nau dos insensíveis e a galera da ciência em Joões Batista clamando no deserto verde-amarelo. Pra completar o cenário distópico, um número cada vez maior de pastores aparecia nos obituários.
✝️ Werbston Gomes ✝️ Mauricio de Souza Reis ✝️ Aécio Alves

Passei a receber dos leitores notícias da morte de líderes em todo o país. Pessoas simples e doutas. Jovens e experientes no ministério. Negacionistas e conscientes. O aguilhão mortal do coronavírus não poupa ninguém.
✝️ João Maria Valentim ✝️ Isa Prando ✝️ Ângelo André Tristão

Iniciei a postagem de fotos e relatos breves sobre pastores cuja vida foi ceifada pela doença. Sempre omiti a eventual postura de negação da doença, embora isso provavelmente tenha contribuído para a falta de cuidado nas medidas preventivas.
✝️ Márcio Oliveira ✝️ Osmar Zizemer ✝️ Gelson Sardinha

O sofrimento das famílias sempre falou mais alto. Poderia eu pespegar um rótulo naquele homem feliz segurando o netinho nos braços? E aquele ancião ajoelhado no púlpito? O líder emocionado no tanque de batismo foi muito maior que seus erros fortuitos. Ninguém pode ser eternizado pelos seus piores momentos. Todos somos carentes da graça infinita do Eterno.
✝️ Antônio Lins ✝️ Pedro Araújo ✝️ Alexandre Mariano

Enquanto escrevo estes parágrafos curtos, o Brasil responde sozinho por cerca de 30% de todas as mortes por covid no mundo. Temos apenas 3% da população global. Somos o atual epicentro da pandemia. Aludindo ao texto pungente de São João da Cruz, estamos vivenciando a “Noite Escura da Alma”.
✝️ Samuel Leonardo ✝️Gilmar Dias Carneiro ✝️ Darly Inacio Nunes

Professores recomendam que um texto tenha introdução, desenvolvimento e conclusão. O que escrever quando não há vacinas em quantidade suficiente e a única conclusão possível é que não precisava ter sido assim? “Ah, se vocês soubessem em que escuridão estamos mergulhados”, diria Santa Teresa de Lisieux.
✝️ Francisco Rodson dos Santos Souza ✝️ Cícero Ferreira de Lima ✝️ Ângela Gouveia de Lima

Não há despedida. Não há o cântico de hinos que falam sobre o céu. Não há abraços. Não há flores. Não há carinhos embebidos em lágrimas. Não há expressões de consolo. Não há homenagens. Protocolos rígidos confinam espectadores ao longe, ampliando a agonia excruciante. Participaram de momentos felizes e tristes de muitas pessoas, celebrando batizados, casamentos e funerais. No último adeus, o corpo físico jaz em completa solidão.
✝️ Lázaro Alves Ferreira ✝️ Manoel Gomes de Souza ✝️ Paulo Fernando Ferreira da Cruz

Notificação de nova mensagem. Outro casal de pastores faleceu com poucas horas de diferença. Já esgotei todas as expressões que vi minha mãe usar. Na Semana Santa, mitiga a aflição recordar que a morte não tem a palavra final. Antes de outro post, minha prece clamando ao Doador da vida que ressuscite em nós a empatia, a compaixão e o amor.
✝️ Adão Crissanto de Lima ✝️ Sérgio Mendes Ferreira ✝️ Carlos Dutra


Nota

O Coletivo Bereia se solidariza com familiares e com as igrejas dos pastores e das pastoras mortas pela pandemia de covid-19 no Brasil, tanto os/as citados neste belo texto de Sérgio Pavarini, quanto aqueles/as dos quais não há conhecimento público. Nesta Páscoa, o Bereia empenha toda sua esperança na superação deste drama que vive o País e se empenha em continuar produzindo informação comprometida com a vida e a saúde pública.

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Foto de Capa: Pixabay/Reprodução

O Natal de Jesus e o nosso Natal sob o Covid-19

O Natal do ano 2020 seja talvez o mais próximo do verdadeiro Natal de Jesus sob o imperador romano César Augusto.

Este imperador ordenara um recenseamento de todo o império. A intenção não era apenas como entre nós, de levantar quantos habitantes havia. Era isso, mas o propósito era cobrar de cada habitante um imposto, cuja soma com aquele de todas as províncias se destinava a manter a pira de fogo permanentemente acesa e sustentar os sacrifícios de animais ao imperador que se apresentava e assim era venerado como deus. Tal imposição a todos do Império provocou revoltas entre os judeus.

Esse fato, mais tarde, foi usado pelos fariseus como uma armadilha a Jesus: devia pagar ou não o imposto a César? Não se tratava do imposto comum, mas aquele que cada pessoa do império devia pagar para alimentar os sacrifícios ao imperador-deus.

Para os judeus significava um escândalo pois adoravam um único Deus, Javé, como poderiam pagar um imposto para venerar um falso deus, o imperador de Roma? Jesus logo entendeu a cilada. Se aceitasse pagar o imposto seria cúmplice da adoração a um deus humano e falso, o imperador. Se o negasse se indisporia com as autoridades imperiais negando-se a pagar o tributo em homenagem ao imperador-deus.

Jesus deu uma resposta sábia: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. E outras palavras, dai a César, um homem mortal e falso deus o que é de César: o imposto para os sacrifícios e a Deus, o único verdadeiro, o que é de Deus: a adoração. Não se trata da separação entre a Igreja e o Estado como comumente se interpreta. A questão é outra: qual é o verdadeiro Deus, aquele falso de Roma ou aquele verdadeiro de Jerusalém? Jesus, no fundo, responde: só há um Deus verdadeiro e deem a ele o que lhe cabe, a adoração. Dai a Cesar, o falso deus, o que é de César: a moeda do imposto. Não misturem deus com Deus.

Mas votemos ao tema: o Natal de 2020, como nunca na história, se assemelha ao Natal de Jesus. A família de José e de Maria grávida são filhos da pobreza como a maioria de nosso povo. As hospedarias estavam cheias, como aqui os hospitais estão cheios de contaminados pelo vírus. Como pobres, Jesus e Maria, talvez nem pudessem pagar as despesas como, entre nós, quem não é atendido pelo SUS não tem como bancar os custos de um hospital particular. Maria estava na iminência de dar à luz. Sobrou ao casal, refugiar-se numa estrebaria de animais. Semelhantemente como fazem tantos pobres que não têm onde dormir e o fazem sob as marquises ou, num canto qualquer da cidade. Jesus nasceu fora da comunidade humana, entre animais, como tantos de nossos irmãos e irmãs menores nascem nas periferias das cidades, fora dos hospitais e em suas pobres casas.

Logo depois de seu nascimento, o Menino já foi ameaçado de morte. Um genocida, o rei Herodes, mandou matar a todos os meninos abaixo de dois anos. Quantas crianças, no nosso contexto, são mortas pelos novos Herodes vestidos de policiais que matam crianças sentadas na porta da casa? O choro das mães são eco do choro de Raquel, num dos textos mais comovedores de todas as Escrituras: “Na Baixada (em Ramá) se ouviu uma voz, muito choro e gemido: a mãe chora os filhos mortos e não quer ser consolada porque ela os perdeu para sempre” (cf.Mt 2,18).

De temor de ser descoberto e morto, José tomou Maria e o menino Jesus atravessam o deserto e se refugiram no Egito. Quantos hoje sob ameaça de morte pelas guerras e pela fome, tentam entrar na Europa e nos USA. Muitos morrem afogados, a maioria é rejeitada, como na catolicíssima Polônia e vem discriminada; até crianças são arrancadas dos pais e engaioladas como pequenos animais. Quem lhes enxugará as lágrimas? Quem lhes mata a saudade dos pais queridos? Nossa cultura se mostra cruel contra os inocente e contra os imigrantes forçados.

Depois que morreu o genocida Herodes, José tomou Maria e o Menino e foram esconder-se num lugarejo tão insignificante, Nazaré, que sequer consta na Bíblia. Lá o Menino “crescia e se fortalecia cheio de sabedoria” (Lc 2,40). Aprendeu a profissão do pai José, um fac-totum, construtor de telhados e coisas da casa, um carpinteiro. Era também um camponês que trabalhava o campo e aprendia a observar a natureza. Ficou lá escondido até completar 30 anos, foi quando sentiu o impulso de sair de casa e começar a pregação de uma revolução absoluta: “O tempo da espera expirou. A grande reviravolta está chegando (Reino). Mudem de vida e acreditem nessa boa notícia” (cf. Mc 1,14): uma transformação total de todas as relações entre os humanos e na própria natureza.

Conhecemos seu fim trágico. Passou pelo mundo fazendo o bem (Mc 7:37; Atos 10:39), curando uns, devolvendo os olhos a cegos, matando a fome de multidões e sempre se compadecendo do povo pobre e sem rumo na vida. Os religiosos articulados com os políticos o prenderam, torturaram e o assassinaram pela crucificação.

Saiamos destas “sombras densas” como diz o Papa Francisco na Fratelli tutti. Voltemos o olhar desanuviado para o Natal de Jesus. Ele nos mostra a forma como Deus quis entrar na nossa história: anônimo e escondido. A presença de Jesus não apareceu na crônica nem de Jerusalém e muito menos de Roma. Devemos aceitar esta forma escolhida por Deus.  Realizou-se a lógica inversa da nossa: “toda criança quer ser homem; todo homem quer ser grande; todo grande quer ser rei. Só Deus quis ser criança”. E assim aconteceu.

Aqui ecoam os belos versos do poeta português Fernando Pessoa:

“Ele é a Eterna Criança, o Deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
É a criança tão humana que é divina”.

Fernando Pessoa

Tais pensamentos me trazem à memória uma pessoa de excepcional qualidade espiritual. Foi ateu, marxista, da Legião Estrangeira. De repente sentiu uma comoção profunda e se converteu. Escolheu o caminho de Jesus, no meio dos pobres. Fez-se Irmãozinho de Jesus. Chegou a uma profunda intimidade com Deus, chamando-o sempre de “o Amigo”. Vivia a fé no código da encarnação e dizia: “Se Deus se fez gente em Jesus, gente como nós, então fazia xixi, choramingava pedindo o peito, fazia biquinho por causa da fralda molhada”. No começo teria gostado mais de Maria e mais grandinho mais de José, coisa que os psicólogos explicam no processo da realização humana.

Foi crescendo como nossas crianças, observava as formigas, jogava pedras nos burros e, maroto, levantava o vestidinho das meninas para vê-las furiosas, como imaginou irreverentemente Fernando Pessoa em seu belo poema sobre o Jesus menino.

Esse homem, amigo do Amigo, “imaginava Maria ninando Jesus, fazê-lo dormir porque de tanto brincar lá fora, ficava muito excitado e lhe custava fechar os olhos; lavava no tanque as fraldinhas; cozinhava o mingau para o Menino e comidas mais fortes para o trabalhador o bom José”.

Esse homem espiritual italiano que viveu, muitas vezes ameaçado de morte, em tantos países da América Latina e vários no Brasil, Arturo Paoli, se alegrava interiormente com tais matutações, porque as sentia e vivia na forma de comoção do coração, de pura espiritualidade. E chorava com frequência de alegria interior. Era amigo do Papa que o mandou buscar de carro na cidadezinha uns 70 km de Roma para passarem toda um tarde e falarem da libertação dos pobres e da misericórdia divina. Morreu com 103 anos como um sábio e santo.

Não esqueçamos a mensagem maior do Natal: Deus está entre nós, assumindo a nossa condition humaine, alegre e triste. É uma criança que nos vai julgar e não um juiz severo. E esta criança só quer brincar conosco e nunca nos rejeitar. Finalmente, o sentido mais profundo do Natal é esse: a nossa humanidade, um dia assumida pelo Verbo da vida, pertence a Deus. E Deus, por piores que sejamos, sabe que viemos do pó e nos tem uma misericórdia infinita. Ele nunca pode perder, nem deixará que um filho seu ou filha sua se perderão. Assim, apesar do Covid-19 podemos viver uma discreta alegria na celebração familiar. Que o Natal nos dê um pouco de felicidade e nos mantenha na esperança do triunfo da vida sobre o Covid-19.

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Foto de Capa: Pixabay/Reprodução

Para fugir de estigma, candidato de esquerda embarca em fake news

As eleições municipais deste ano ocorreram sob condições atípicas. Com todos afetados de um jeito ou de outro pela pandemia, seja enclausurando-se em casa e cumprindo com os protocolos de higiene, seja pela obrigatoriedade da máscara, aferição de temperatura ou álcool em gel em espaços comuns, as mídias digitais angariaram mais tempo, olhos e atenção. Muito se falou sobre as campanhas virtuais, mas a realidade refletiu certa manutenção no modo de fazer campanha: ainda vimos carreatas, panfletagem e encontros presenciais.

Em meio a isso, o agravante da desinformação. Em reportagem no dia 23 de novembro para a Folha, Patrícia Campos Mello expõe os resultados preliminares de pesquisa sobre desinformação na pandemia. A pesquisa é bem enfática, já nessa fase: aqui, a desinformação sobre saúde se ancora na desinformação em benefício político. O escopo é a repercussão de fake news sobre cloroquina, mas podemos nos afastar e observar como a estrutura da desinformação dialoga, em geral, com os interesses políticos. E então vamos para São Gonçalo, cidade da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

O candidato à Prefeito pelo Partido dos Trabalhadores (PT) Dimas Gadelha, que venceu o primeiro turno e agora concorre ao cargo com o Capitão Nelson (Avante), reuniu-se com lideranças evangélicas em São Gonçalo, onde o seguinte material foi distribuído.

Material de campanha de Dimas Gadelha (PT)

O comportamento pode ser uma reação à articulação do pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, que visa denunciar um favorecimento do atual prefeito José Nanci (partido), à candidatura de Gadelha. No discurso em vídeo divulgado em mídias sociais Silas Malafaia denuncia que parte da política municipal do candidato do PT envolveria a divulgação e o ensino da famigerada “ideologia de gênero”.

O assunto é batido nos meios de desinformação, mas a reiteração funciona como um jeito de vencer a entropia natural na transmissão de mensagens: garantir que a informação chegue o mais intacta possível. Logo, não custa lembrar que a terminologia “ideologia de gênero” não existe.

Vamos ser mais específicos: ela existe, mas como um termo cunhado pela própria Igreja Católica, aparecendo em registros a partir de 1990. O objetivo da igreja era criticar o uso do termo “gênero” pela ONU. É o argumento do espantalho: cria-se um argumento para o adversário que nunca foi dito por ele. No caso, acusa-se a ONU e as políticas nacionais de educação de incentivarem a prática sexual entre crianças e adolescentes e os direciona a se tornarem gays.

Já há muito trabalho em desenhar todo o processo ocasionado por declarações como essa, sem que o campo progressista adote também a terminologia (consequentemente, endossando-a). Mas é justamente o que faz Dimas Gadelha. O candidato tem denunciado em sua página uso de fake news pela oposição contra ele. Em meio a isso, porém, se vê rendido a acatar o termo enganoso e garantir que não estaria promovendo a ideologia – que não existe.

Comprometendo-se a ser contra a “ideologia de gênero, a liberação do aborto, a liberação das drogas, ofensas religiosas, doutrinação nas escolas e destruição dos valores da família”, o candidato endossa e afirma que isso existe – e que ele é contra. O comportamento grita o impacto que as fake news têm, em sua campanha e no imaginário popular a seu respeito. No contexto eleitoral, em que cada voto conta (e, portanto, não se mede a “qualidade” do voto), essa adoção visa se aproximar das igrejas, mas faz um desserviço ao campo progressista de esquerda que se propõe a apoiá-lo.

Um desafio: a salvaguarda da unidade da família humana

Há o risco real de que a família humana seja bifurcada, entre aqueles que se beneficiam dos avanços tecnológicos, da biotecnologia, da inteligência artificial e da nanotecnologia e dispõem de todos os meios possíveis de vida e de bem-estar, cerca de 1,6 bilhões de pessoas, podendo prolongar a vida até aos 120 anos que corresponde à idade possível das células. E a outra humanidade, os restantes mais de 5,4 bilhões, barbarizados, entregues à sua sorte, podendo viver, se tanto, até os 60-70 anos com as tecnologias convencionais num quadro perverso de pobreza, miséria e exclusão.

Esse fosso deriva do horror econômico que tomou a cena histórica sob a dominação do capital globalizado especialmente do especulativo sob a regência cruel do neoliberalismo radical. Considerando-se triunfante face ao socialismo real cuja derrocada se deu no final dos anos 80, exacerbou seus princípios como a competição,o individualismo, a privatização e a difamação de todo tipo de política e satanização do Estado, reduzido ao mínimo. Cerca de 200 megacorporações, cujo poder econômico equivale a 182 países, conduzem junto com os organismos da ordem capitalista como o FMI, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio a economia mundial sob o princípio da competição sem qualquer sentido de cooperação e de respeito ecológico da natureza. Tudo é feito mercadoria, do sexo à religião, numa volúpia de acumulação desenfreada de riquezas e serviços à custa da devastação da natureza e da precarização ilimitada dos postos de trabalho.

Há o risco real de que a família humana seja bifurcada, entre aqueles que se beneficiam dos avanços tecnológicos, da biotecnologia, da inteligência artificial e da nanotecnologia e dispõem de todos os meios possíveis de vida e de bem-estar, cerca de 1,6 bilhões de pessoas, podendo prolongar a vida até aos 120 anos que corresponde à idade possível das células. E a outra humanidade, os restantes mais de 5,4 bilhões, barbarizados, entregues à sua sorte, podendo viver, se tanto, até os 60-70 anos com as tecnologias convencionais num quadro perverso de pobreza, miséria e exclusão.

O risco consiste em que os muito ricos criem um mundo só para si, que rebaixem os direitos humanos a uma necessidade humana que deve ser atendida pelos mecanismos do mercado (portanto só tem direitos quem paga e não quem é simplesmente pessoa humana), que façam dos diferentes desiguais e dos desiguais dissemelhantes, aos quais se nega praticamente a pertença à espécie humana. São outra coisa, óleo gasto,zeros econômicos.

No Ocidente que hegemoniza o processo de globalização, a ideia de igualdade politicamente nunca triunfou. Ela ficou limitada ao discurso religioso-cristão, de conteúdo idialístico. Esse déficit de uma cultura igualitária impediria a bifurcação da família humana. Pode triunfar uma idade das trevas mundial que se abateria sobre toda a humanidade. Seria a volta da barbárie.

O desafio a ser enfrentado é fazer tudo para manter a unidade da família humana, habitando a mesma Casa Comum. Todos são Terra, filhos e filhas da Terra, para os cristãos, criados à imagem e semelhança do Criador, feitos irmãos e irmãs de Cristo e templos do Espírito. Todos têm direito de serem incluídos nesta Casa Comum e de participarem de seus dons.

Para dar corpo a este desafio precisamos de uma outra ética humanitária que implica resgatar os valores ligados à solidariedade, à empatia e à compaixão. Importa recordar que foi a solidariedade/cooperação que permitiu a nossos ancestrais, há alguns milhões de anos, darem o salto da animalidade à humanidade. Ao saírem para recoletar alimentos, não os comiam individualmente como o fazem os animais. Antes, reuniam os frutos e a caça e os levavam para o grupo de coiguais e os repartiam solidariamente entre todos. Deste gesto primordial nasceu a socialidade, a linguagem e a singularidade humana. Será hoje ainda a solidariedade irrestrita, a partir de baixo, a compaixão que se sensibiliza diante do sofrimento do outro e da Mãe Terra, que garantirão o caráter humano de nossa identidade e de nossas práticas. Foi o que vergonhosamente faltou aos grandes credores internacionais que face à tragédia do tsunami do sudeste da Ásia não perdoaram os 26 bilhões de dívidas daqueles países flagelados, Apenas protelaram por um ano, o seu pagamento.

Sem o gesto do bom samaritano que se verga sobre os caídos da estrada ou a vontade de infinita compaixão do bodhisatwa que renuncia penetrar no nirvana por amor à pessoa que sofre, ao animal quebrantado ou à árvore mirrada, dificilmente faremos frente à desumanidade cotidiana que está se naturalizando a nível brasileiro e mundial.

Na perspectiva dos astronautas, daqueles que tiveram o privilégio de ver a Terra de fora da Terra, Terra e Humanidade formam uma só entidade, complexa mas una. Ambas estão agora ameaçadas. Ambas possuem um mesmo destino comum e comparecem juntas diante do futuro. Sua salvaguarda constitui o conteúdo maior de um ancestral sonho: todos sentados à mesa, numa imensa comensalidade, desfrutando dos frutos da boa e generosa Mãe Terra.

 Se o cristianismo e os demais caminhos espirituais não ajudarem a realizar esse sonho e não levarem as pessoas a concretizá-lo, não teremos cumprido a missão que o Criador nos reservou no conjunto dos seres, que é a de sermos o anjo bom e não o Satã da Terra. Nem teremos escutado e seguido Aquele que disse: “Vim trazer vida e vida em abundância”(Jo 10,10).

Importa conscientizarmo-nos de nossa responsabilidade, sabendo que nenhuma preocupação é mais fundamental do que cuidar da única Casa Comum que temos e de alcançar que toda a família humana, superando as contradições sempre existentes, possa viver unida dentro dela com um mínimo de cuidado, de solidariedade, de irmandade, de compaixão e de reverência face ao Mistério de todas as coisa, que produzem a discreta felicidade pelo curto tempo que nos é concedido passar por esse pequeno, belo e radiante Planeta.

 Uma utopia? Sim, mas necessária se quisermos sobreviver.