Suspeitos presos em operação policial do golpe do “octilhão de reais” não são pastores

* com a colaboração de Viviane Castanheira

Notícia com grande repercussão no noticiário, viralizada nas mídias sociais, informou, nos últimos dias, sobre operação da Polícia Civil do Distrito Federal, denominada “Falso Profeta”. Houve cumprimento de dois mandados de prisão preventiva e 16 mandados de busca e apreensão contra golpistas que prometiam lucro financeiro de um octilhão de reais. O objetivo da operação é combater uma organização que atua em práticas de estelionato e de outros crimes em Brasília e em outros estados usando o viés religioso para atrair suas vítimas. 

O que foi muito explorado pelas mídias foi o fato de, entre os suspeitos, estarem pessoas apresentadas como pastores evangélicos. Entretanto, a  nota da operação policial oferece nítida explicação, não abrindo margem para tal conclusão: 

A Polícia Civil do Distrito Federal, por meio da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Ordem Tributária, vinculada ao Departamento de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (DOT/DECOR), deflagrou, na manhã de hoje (20), a operação denominada “FALSO PROFETA”, para o cumprimento de dois mandados de prisão preventiva e dezesseis mandados de busca e apreensão, com o objetivo de combater organização que atua na prática de estelionato e outros crimes no Distrito Federal e em várias outras unidades da federação(…) O golpe consiste na conversa enganosa através de redes sociais (Youtube, Telegram, Instagram, Whatsapp, etc.), abusando da fé alheia, da crença religiosa e invocando de uma teoria conspiratória apelidada de “Nesara Gesara”, para convencer as vítimas, em sua grande maioria evangélicas, a investirem suas economias em falsas operações financeiras ou falsos projetos de ações humanitárias, com promessa de retorno financeiro imediato e rentabilidade estratosférica. Foi detectada, por exemplo, a promessa de que somente com um depósito (“aporte”) de R$ 25 as pessoas poderiam receber de volta nas “operações” o valor de Um Octilhão de Reais, ou mesmo “investir” R$ 2.000 para ganhar 350 bilhões de centilhões de euros.” 

Reprodução do site da Polícia Civil do DF

Bereia, porém, verificou que as notícias sobre a operação do DF, disseminadas pelas mídias sociais, geraram uma avalanche de comentários, generalizações e ampliações, tendo até mesmo registrado menções a “centenas de presos”. Invariavelmente, as chamadas traziam o texto “Pastor preso”, em referência ao golpista Osório Lopes Júnior. 

Bereia já havia checado conteúdo sobre o perfil de Osório Lopes Júnior , em abril 2022, por conta de outros golpes de mesma natureza, e concluiu que o uso do título religioso de “pastor” era enganoso. 

Reprodução do site do Coletivo Bereia 

Quem é Osório Lopes Junior?

Osório José Lopes Junior já teve problemas com a justiça. Em 2018, o falso pastor foi preso por estelionato em Goianésia, na região central de Goiás, acusado de obter R$15 milhões aplicando golpes, mesmo crime imputado pelo MP paulista. À época, Lopes Junior foi preso com o Pr. Alencar Santos Buriti, este, sim, com comprovação de vínculo eclesiástico com a Assembleia de Deus – Missão. Eles eram suspeitos de obter R$ 15 milhões aplicando golpes em fiéis de Goianésia. 

Segundo a Polícia Civil, a dupla alegava que havia ganhado um título de R$ 1 bilhão, mas precisava reunir fundos para conseguir recebê-lo. Utilizando-se dessa mesma história, o estelionatário retomou a prática, mas desta vez, em São Paulo, para onde se mudou em 2021.  

O uso de uma teoria conspiratória apelidada de “Nesara Gesara” (que envolvia o Banco Central dos EUA, o Vaticano e o FMI) para convencer as vítimas, em sua grande maioria evangélicas, a investir suas economias em falsas operações financeiras ou falsos projetos de ações humanitárias, com promessa de retorno financeiro imediato e rentabilidade estratosférica é uma atualização do “método”.

Reprodução do canal do autodenominado “pastor” Osório Lopes no YouTube

O que é “NESARA – GESARA”?

Os nomes parecem palavras em hebraico, mas são siglas de uma teoria conspiratória. National Economic Security and Recovering Act (NESARA) — ou Ato para Recuperação e Segurança da Economia Nacional, em inglês — surgiu em uma tese de doutorado, nos anos 90, nos Estados Unidos, como alternativa para substituir o Imposto de Renda. Tornou-se parte de uma teoria da conspiração nos anos 2000 quando, na esteira dos vídeos que impulsionavam criptomoedas, apresentou-se a correção das flutuações dos câmbios entre as moedas com uma possível (futura) adoção da Global Economic Security and Recovering Act (GESARA). 

Essa suposta reorganização financeira promoveria uma “redistribuição de renda” no mundo e todos ficariam ricos. Porém, os primeiros a receber as suas cotas seriam os que contribuíram para o projeto. A desinformação sobre NESARA/GESARA tem dimensões internacionais e é associada ao Apocalipse e ao governo central do Anticristo. E, curiosamente, o fim do mundo gera um mundo de investimentos sem fim.

Imagem: Entrevista na CBN News com o autor do livro “End Times [Fim dos tempos]”, Jeff Kinley, que propaga a NESARA/GESARA, em 23 jun 2022

Nesse sentido, a atual operação do DF é a ponta de um iceberg – pois o número de golpes financeiros e de teorias conspiratórias associadas a câmbios de moedas e criptomoedas tem crescido no monitoramento de todas as mídias sociais.

Imagem: Matéria do Linkedin

Desinformação caça-cliques

Embora a polícia tenha sido criteriosa ao notificar o nome da operação e o relato das prisões, o uso do título religioso segue um padrão de “clickbait” (caça-clique). Um termo relacionado às mídias digitais, definido como uma isca que gera envolvimento emocional ou curiosidade no leitor. Algo (como um título) projetado para fazer os leitores quererem clicar em um hiperlink, especialmente quando o link leva a conteúdo de valor ou interesse duvidoso. 

Bereia já observou, por meio de várias checagens de conteúdo, que o uso de manchetes sensacionalistas e/ou imagens em miniatura, ou vídeos chamativos para incentivar o compartilhamento do material pelas redes sociais não é uma boa prática e incentiva a disseminação de desinformação. Além disso, caça-cliques costumam prover informação superficial e insuficiente, ou apenas um mínimo necessário, para atiçar a curiosidade e levar as pessoas a clicarem no conteúdo vinculado. 

Por que os golpistas se intitulam pastores?

Da mesma forma que os estelionatários se fazem passar por pastores, o conteúdo desinformativo também pode chamar de pastor/pastora alguém que não tem essas credenciais, para gerar confusão e atrair atenção de leitores. 

Com isso, a chamada com a prisão de um pastor gerou manchetes, títulos ou links e se espalhou por portais, sites, blogs, mídias sociais e rádios. Como no exemplo da Folha de S. Paulo.

Em uma prática de informação coerente e digna, o título correto (com uma apuração cuidadosa) seria “FALSO PASTOR É PRESO”, igualmente  “SUPOSTA PASTORA” para o mesmo caso, em matéria do Globo.

Uma leitura atenta da matéria que o Globo publicou, em 21 de setembro de 2023, demonstra que a “suposta pastora” – a “missionária Maria Aparecida Gomes Barbosa” –  presa em Santa Catarina, na casa da filha, também poderia não ser liderança formal de alguma igreja.  

Perguntas básicas de apuração jornalística não foram respondidas pelo jornal, como: “A qual igreja pertence Maria Aparecida Gomes Barbosa?”A notícia da prisão traz uma nota da defesa: “Até o momento, conforme se extrai da decisão que decretou a prisão preventiva da indigitada, não há nos autos provas e/ou informações concretas que justifiquem a segregação cautelar da Sra. Maria, uma vez que, todas as provas elencadas pela defesa até o momento demonstram que a mesma é mais uma vítima do suposto Pastor Osorio e não uma criminosa, como quer fazer crer as mídias sociais”. A nota assinada pelos advogados Mateus Ghizi da Silva e Daniel Luis Dauer, segundo o jornal, lança uma dúvida, que deveria constar no título. Nota-se que ela não é identificada pelos advogados como religiosa.

Bereia considera a titulação de “pastor”, “pastora” ou “missionária”, atribuída nas mídias noticiosas, a suspeitos presos na operação “Falso Profeta” da Polícia Civil do DF, divulgada em setembro de 2023, como enganosa. Os suspeitos, de fato, se apresentavam como pastores, mas não há registros do vínculo de tais pessoas com uma igreja ou denominação evangélica. O uso excessivo da titulação religiosa nas chamadas para o caso leva à conclusão de que os veículos de mídia de notícias desinformam, com o intuito de aumentar o interesse do público em suas publicações.

Bereia recomenda que as mídias de notícias provejam o processo correto de apuração de fatos e que  sejam ouvidas as igrejas – comunidades ou denominações – apontadas pelos veículos ou notícias aos quais estariam vinculados os religiosos citados. Igualmente, Bereia recomenda aos  leitores e leitoras que tenham cuidado, ao comentar e disseminar notícias sobre prisões de pessoas suspeitas. Desinformação sobre religiões servem para alimentar intolerâncias, já tão em curso no espaço público do Brasil.

Bereia alerta ainda, que é importante estar atentos e atentas para o número de estelionatos por meios eletrônicos, golpes financeiros ancorados em teorias conspiratórias e novas moedas, que têm aumentado e gerado alertas no sistema financeiro nacional . A não-regulação das mídias, inclusive, que torna sem controle a atuação da Plataformas, que têm ganhos financeiros com o que é publicado, tem colocado o Brasil na liderança do ranking de golpes digitais. Recomenda-se, assim, cuidado e apuração em todos os casos.

Referências:

 Folha –  https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/09/policia-do-df-busca-pastor-apontado-como-lider-de-grupo-que-aplicava-o-golpe-do-octilhao-de-reais.shtml – Acesso em 22 setembro de 2023

G1 – https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2023/09/21/nesara-gesara-quem-e-a-pastora-presa-em-sc-apontada-por-golpe-que-prometia-lucro-de-um-octilhao-de-reais.ghtml – Acesso em 22 setembro de 2023

Bereia – https://coletivobereia.com.br/fantastico-erra-ao-chamar-de-pastor-estelionatario-que-enganou-mais-de-mil-pessoas-pelo-brasil/ – Acesso em 22 setembro de 2023

CBN News – https://www.youtube.com/watch?v=BvPyk3QG4bM&t=38s – Acesso em 22 setembro de 2023

Linkedin – https://www.linkedin.com/news/story/brasil-%C3%A9-l%C3%ADder-mundial-em-golpes-digitais-5189241/ – Acesso em 22 setembro de 2023

Infomoney – https://www.infomoney.com.br/guias/piramide-financeira/ – Acesso em 22 setembro de 2023

Valor Econômico – https://valorinveste.globo.com/educacao-financeira/noticia/2023/05/25/nao-caia-em-tentacao-o-que-e-piramide-financeira-e-como-escapar-do-golpe.ghtml  – Acesso em 22 setembro de 2023

G1 – https://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2023/03/30/brasil-teve-mais-de-3-milhoes-de-tentativas-de-golpes-financeiros-na-internet-nos-primeiros-cinco-meses-de-2022.ghtml – Acesso em 22 setembro de 2023

Linkedin – https://www.linkedin.com/news/story/brasil-%C3%A9-l%C3%ADder-mundial-em-golpes-digitais-5189241/ – Acesso em 22 setembro de 2023

Fantástico erra ao chamar de “pastor” estelionatário que enganou mais de mil pessoas pelo Brasil

“Conheça o pastor que aplicava golpes financeiros em todo o Brasil”. Com essa chamada o Fantástico, revista eletrônica da TV Globo, levou seus telespectadores a acreditarem que um pastor evangélico ordenado por alguma denominação cristã havia cometido o crime de estelionato contra milhares de brasileiros na internet, no programa que foi ao ar no dia 13 de março. Osório José Lopes Junior se autointitulou pastor, no entanto, não é ligado a qualquer igreja protestante/evangélica, não há registro conhecido de sua ordenação. Embora essa informação seja transmitida ao longo da reportagem, as chamadas e o texto da reportagem no site continuam chamando Osório de “pastor”. 

Imagem: reprodução de site do Fantástico

A revista eletrônica global não foi a única a enfatizar a titulação eclesiástica de  Lopes Junior sem a devida apuração. A maioria dos sites e jornais do país que repercutiram o caso mantiveram o título de “pastor” para o acusado de estelionato pelo Ministério Público de Goiás e de São Paulo. Apenas o site Diário da Manhã Anápolis trouxe no título da matéria a nomenclatura “Falso Pastor” para Osório Lopes Junior:

Imagem: reprodução do site do DM Anápolis

De acordo com o bispo consagrado pela International Christian Communion, Hermes Carvalho Fernandes, um pregador só pode ser reconhecido como pastor pela igreja na qual  congrega ou por seus pares. “Acredito que pastores devam ser reconhecidos por sua atuação junto à comunidade e por outros pastores cuja idoneidade seja comprovada. Há muitos autointitulados pastores que sequer lideram uma comunidade eclesiástica. No caso citado, creio tratar-se de um falso pastor”, afirma Fernandes, que tem 34 anos de ministério. Além de pastor, ele é psicólogo, teólogo, ativista social, conferencista e escritor. 

Histórico de Osório Lopes Junior

Essa não é a primeira vez que Osório José Lopes Junior tem problemas com a justiça. Em 2018, o falso pastor foi preso por estelionato em Goianésia, na região central de Goiás, acusado de obter R$15 milhões aplicando golpes, mesmo crime imputado pelo MP paulista. À época, Lopes Junior  foi preso com o Pr. Alencar Santos Buriti, este sim com comprovação de vínculo eclesiástico com a Assembleia de Deus – Missão. Eles eram suspeitos de obter R$ 15 milhões aplicando golpes em fiéis de Goianésia. Segundo a Polícia Civil, a dupla alegava que havia ganhado um título de R$ 1 bilhão, mas precisava reunir fundos para conseguir recebê-lo. Essa é a mesma história que o estelionatário retomou, mas desta vez, em São Paulo, para onde se mudou em 2021. 

Segundo a reportagem do G1, a investigação da polícia goiana apontou que os dois ostentavam dinheiro e poder, em Goianésia. Lopes Junior  morava em uma casa de luxo na cidade e chegava a alugar helicóptero para viajar a outras regiões. A Polícia Civil do estado identificou que os religiosos movimentaram R$ 20 milhões nos bancos.

Imagem: reprodução do G1

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Bereia classifica como imprecisas as matérias que dão a Osório José Lopes Junior o título de pastor, pois ele não é ligado a qualquer igreja evangélica e não há registro conhecido de sua ordenação. Apesar das demais informações estarem corretas, a forma como o estelionatário foi apresentado nos títulos das matérias levam o leitor e o telespectador a acreditar que Lopes Junior pertence a alguma denominação protestante/evangélica, o que não é comprovado. Essa postura da imprensa contribui com desinformação e sensacionalismo que envolvem igrejas e pastores.

Referências de checagem:

Fantástico. https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2022/03/13/pastor-de-goias-e-suspeito-de-aplicar-golpes-mesmo-respondendo-na-justica-por-estelionato.ghtml Acesso em: 01 abr 2022.

Diário da Manhã Anápolis. https://www.dmanapolis.com.br/noticia/25645/falso-pastor-que-aplicou-golpes-em-goianesia-vira-alvo-do-mp-de-sp Acesso em: 01 abr 2022.

Admissão. https://admissao5.webnode.com/products/pr-alencar-santos-buriti-e-esposa/ Acesso em: 01 abr 2022.

G1. https://g1.globo.com/go/goias/noticia/pastores-sao-presos-suspeitos-de-obter-r-15-milhoes-aplicando-golpes-em-fieis-de-goianesia.ghtml Acesso em: 01 abr 2022.

Imagem de capa: frame de reportagem do Fantástico