Extremista foragido engana sobre crise econômica e humanitária de Cuba para disseminar pânico social no Brasil

Uma publicação no Instagram sobre crise humanitária em Cuba tem circulado em perfis e grupos de igrejas nas mídias sociais, desde 25 de julho passado, e foi encaminhada por leitor ao Bereia.

A imagem é composta por um grupo que protesta em uma rua, as pessoas usam máscara de proteção sanitária e empunham cartazes com textos como “SOS Cuba”, “Democracia” e “Cuba libre, ya!”.  No título está a frase “Em Cuba, controlada pelo Regime Comunista, apoiado por Lula, cristãos são perseguidos e fome severa atinge vulneráveis”, com o subtexto “Partido Comunista Cubano deixa mulheres grávidas, idosos, crianças e pessoas doentes passarem fome com racionamento severo de alimentos, com muitos ficando 20hs sem alimentação básica”.

O texto da publicação traz a palavra de “uma líder cristã”, citada apenas com o primeiro nome, Ângela, voluntária da organização evangélica internacional Portas Abertas, que acompanha casos de perseguição a cristãos em diferentes países. Ela teria participado de uma videochamada pela qual descreveu a situação de Cuba, que enfrenta crise econômica e social. A postagem remete a texto completo da Revista Exílio.

Bereia checou a fonte e a veracidade das informações.

Imagem: Reprodução da postagem do Instagram recebida pelo Bereia

Imagem: Reprodução da notícia em questão na página da revista Exílio

Sobre a Revista Exílio

A Revista Exílio pertence ao blogueiro brasileiro Allan dos Santos. Ele está foragido do Brasil, desde outubro 2021, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) emitiu um mandato de prisão, decorrente da atuação do blogueiro em milícias digitais na promoção de ataques ao Estado Democrático de Direito.

Ex-padre católico, como Bereia já checou, Allan dos Santos foi proprietário do canal do Youtube Terça Livre, veículo do extremismo de direita no Brasil, suspenso por conta do inquérito. O mandato de prisão preventiva foi emitido como resultado de investigações da Polícia Federal (PF) que reuniram evidências sobre a atuação dele em milícias digitais na forma de organização criminosa, crimes contra a honra e incitação a crimes, preconceito e lavagem de dinheiro.

Mesmo foragido nos Estados Unidos, que negou o pedido de extradição do Estado brasileiro, Allan dos Santos continua a agir nas mesmas bases das acusações que são registradas contra ele, com a propagação de conteúdo digital nocivo. Em julho passado, foi instaurado novo inquérito na PF, determinado pelo STF, para apurar a conduta do blogueiro, no caso em que ele é acusado de forjar mensagens com autoria atribuída à jornalista Juliana Dal Piva (ICL Notícias).

A Revista Exílio oferece o mesmo conteúdo com formato jornalístico que era propagado pelo canal Terça Livre. A marca do canal é utilizada nas chamadas para comunicação com os seguidores perdidos com a suspensão do canal.

Imagem: Reprodução da página de abertura da Revista Exílio

Imagem: Reprodução dos dados do perfil do Instagram da Revista Exílio

A notícia sobre perseguição a cristãos e fome em Cuba

No site da Revista Exílio há várias matérias com conteúdo negativo referente a Cuba. O país, localizado em ilha do Caribe, é frequentemente mencionado em publicações de grupos extremistas de direita, que recorrem ao imaginário do comunismo como ameaça aos elementos simbólicos que defendem, “Deus, Pátria e Família”, como Bereia já checou.

Sobre a grave crise econômica e humanitária vivida por Cuba, desde o período da pandemia da covid-19, a afirmação é verdadeira. Porém, uma breve pesquisa no noticiário e em produções científicas mostra que este é um caso amplamente conhecido e debatido em espaços diplomáticos e de notícias internacionais, com causa conhecida: o bloqueio econômico dos Estados Unidos que perdura há quase 60 anos.

As 243 medidas do bloqueio econômico, que ganharam amplitude nos governos Trump e Biden, impuseram a Cuba uma série de dificuldades não só para a exportação de produtos cubanos, mas de aquisição do que não é produzido na ilha.

O bloqueio é uma das medidas mais condenadas pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), onde todos os anos, desde 1992, é aprovada uma resolução contra a imposição estadunidense. Apenas Estados Unidos e Israel aprovam a medida.

Com o agravamento, atualmente faltam energia, petróleo, alimentos, remédios e vacinas, produtos básicos como material para higiene. “Os danos acumulados durante quase seis décadas de aplicação dessa medida totalizam US$ 144 bilhões (cerca de R$ 734 bilhões)”, registra o governo cubano no documento “Cuba vs. Bloqueio” apresentado à Assembleia Geral da ONU em 2020.

A situação econômica de Cuba foi ainda mais agravada com a pandemia da covid-19, uma vez que a abertura da economia se deu para o turismo e este foi suspenso por dois anos, o que tornou a recuperação econômica do país ainda mais difícil. Esta avaliação é partilhada por analistas internacionais de várias procedências. É fato que, por conta deste quadro, muitas pessoas estão deixando o país em busca de vida melhor, especialmente as mais jovens.

É verdade que a liberdade de expressão, limitada pelo regime socialista cubano, de partido único e controle do Estado, justificada para proteção dos valores da Revolução, contra os ataques dos Estados Unidos, é questionada pela população, especialmente pelos mais jovens. O acesso à internet, liberado à população desde 2018, tornou mais evidente o controle estatal sobre a mídia – a imprensa é do Estado bem como os canais de televisão e estações de rádio. Porém, não há restrições a mídias sociais, na única operadora, que é estatal. O WhatsApp é amplamente utilizado bem como Facebook, Instagram e todos os aplicativos do Google, como outras redes e sites. O bloqueio se dá a sites que têm relação financeira com os EUA.

Há abertura para manifestações no país. Em 2023, depois de protestos nas ruas, que expressam uma população cansada das perdas de qualidade de vida, que exigem alimentos e remédios, o governo cubano anunciou a suspensão temporária de restrições alfandegárias a medicamentos, alimentos e remessas de valores em dinheiro.

Igrejas não são proibidas

É falso que as igrejas são proibidas em Cuba. As igrejas não foram fechadas depois da Revolução Cubana, pelo contrário, permaneceram e ampliaram sua atuação, tanto a Católica, a que tem mais apelo popular, como as evangélicas. Houve tensionamentos entre o governo e lideranças católicas e evangélicas que se colocavam contra as políticas socialistas e faziam propaganda anti-Revolução. Há um autônomo Conselho de Igrejas de Cuba.

Imagem: Igreja Cristã Pentecostal de Cuba Porta do Céu /Global Ministries

As diversas igrejas e religiões têm liberdade de culto e estão sob a regulação constitucional assim como as demais associações. Sobre as igrejas, há um crescimento pentecostal muito forte, na linha do que ocorre em outros países latino-americanos. Ele se deu a partir dos anos 90, com a deterioração da qualidade de vida estabelecida pelo fim da aliança com a União Soviética. Igrejas começaram a entrar no país, como missões dos Estados Unidos, e a distribuir artigos de primeira necessidade não disponíveis por conta do bloqueio.

Teólogo e jurista cubano avalia a matéria da Revista Exílio

Bereia ouviu o teólogo e jurista cubano Loyet García Broche, que integra a Coordenação Colegiada do Centro Memorial Martin Luther King, localizado em Havana, sobre a publicação da Revista Exílio. Loyet Broche confirma vários pontos, conforme a pesquisa do Bereia mostra:

“É verdade que a situação é crítica, como nunca. É verdade que a pobreza aumentou e também a desigualdade. E é certo que há uma grande escassez. O tema da imigração também é verdadeiro: estes dados já foram compartilhados de maneira oficial no país. É lamentável, por certo, o êxodo é gigantesco, principalmente de pessoas jovens, o que torna a situação mais complexa pelo nível de envelhecimento que a ilha tem”.

Porém, o teólogo e jurista alerta que é “exagerada a informação de que pessoas ficam 20 horas sem comer. Não me parece que cheguemos a este extremo. A grande diferença é que o governo segue tentando lutar contra as pressões externas”.

Sobre a situação de cristãos em Cuba, o teólogo e jurista contesta: “não podemos falar de perseguição a cristãos. As igrejas, mais do que nunca, têm liberdade para exercer suas atividades e expressar-se livremente. De fato, as igrejas fizeram isto durante o processo da nova Constituição e do Código das Famílias, e houve as que manifestaram sua oposição radical e não ocorreu nada de mal contra elas”.

Imagem: acima, igreja católica em Havana; abaixo, seminário metodista (Fotos de Nalu Rosa) e igreja pentecostal em Santiago de Cuba (YouTube)

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Bereia classifica a publicação da Revista Exílio enviada por leitor como enganosa. De fato, Cuba vive uma crise econômica e humanitária grave, internacionalmente reconhecida, cuja principal causa é o embargo econômico dos Estados Unidos, que perdura há quase 60 anos, agravado com os efeitos da pandemia da covid-19. A Revista Exílio explora os efeitos e o drama humanitário do país, mas omite as causas, para levar seguidores a crerem que é uma situação provocada pelo “regime comunista”, o que aciona o imaginário de pânico social construído em torno deste tema.

O veículo, editado pelo extremista de direita foragido Allan dos Santos, conhecido propagador de desinformação, também aproveita o tema para fazer campanha política e criticar o governo federal do Brasil, sob a Presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, ao atrelá-lo ao “regime comunista de Cuba” e identificá-lo, na chamada, como apoiador.  

Já a informação de que cristãos são perseguidos em Cuba e sofrem os efeitos da crise econômica de forma mais grave é falsa. Não há perseguição oficial a cristãos na ilha e os fiéis das igrejas podem praticar livremente sua religião, com abertura para a implantação de diferentes igrejas e de manifestação crítica a políticas públicas.

Bereia alerta leitores e leitoras para não assimilarem conteúdo de veículos que produzem material com formato jornalístico, mas não realizam pesquisa e apuração nem oferecem informação coerente com situações e fatos. Tais espaços servem apenas para divulgar declarações e noções baseadas em opiniões para defesa e publicização de ideias e de personagens.

Referências de checagem:

STF, https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/ministro-alexandre-de-moraes-acolhe-pedido-da-pf-e-determina-prisao-de-allan-dos-santos/ Acesso em 1 ago 2024

R7, https://noticias.r7.com/brasilia/moraes-abre-inquerito-para-investigar-allan-dos-santos-por-suposta-difusao-de-noticias-falsas-30072024/ Acesso em 1 ago 2024

BBC, https://www.bbc.com/portuguese/articles/c9r262zler0o Acesso em 1 ago 2024

BBC, https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57862474 Acesso em 1 ago 2024

BBC, https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57832440 Acesso em 1 ago 2024

Marcos Menezes, “Dinâmicas econômicas sob sanções: embargo e suas consequências em Cuba”, https://lume.ufrgs.br/handle/10183/273017 Acesso em 1 ago 2024

News UN, https://news.un.org/pt/story/2023/11/1822847 Acesso em 1 ago 2024
Cuba vs. Bloqueo, https://cubavsbloqueo.cu/en/node/57 Acesso em 1 ago 2024

IJNET, https://ijnet.org/pt-br/story/m%C3%ADdias-emergentes-em-cuba-desafios-amea%C3%A7as-e-oportunidades Acesso em 1 ago 2024

Consejo de Iglesias de Cuba, https://www.facebook.com/people/Consejo-de-Iglesias-de-Cuba/100064645723492/ Acesso em 1 ago 2024

Opera Mundi, https://operamundi.uol.com.br/politica-e-economia/nova-constituicao-de-cuba-e-aprovada-com-8685-dos-votos-em-referendo-popular/ Acesso em 1 ago 2024

Cuba Debate, http://www.cubadebate.cu/noticias/2022/09/25/cuba-vota-en-referendo-su-nuevo-codigo-de-las-familias/ Acesso em 1 ago 2024

Global Ministries, www.globalministries.org Acesso em 1 ago 2024

Youtube, www.youtube.com%2fuser%2fIDDPMI2012/RK=2/RS=s714tq77KBkl48LvCqHVBZw9204- Acesso em 1 ago 2024

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Foto de capa: reprodução/YouTube