Senador evangélico desinforma sobre alterações orçamentárias do governo federal

* Matéria atualizada às 15:47 de 02/05/2023

O senador Magno Malta (PL-ES)  publicou, em seu perfil de mídia social, a informação de que o governo federal estaria encobrindo “rombo” de R$ 7,7 bilhões no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O “rombo” seria fruto de “pedaladas fiscais”, mesmo motivo usado no processo de impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Em publicação o senador aponta que as “pedaladas” só vieram a público graças à imprensa, e levanta o questionamento se o governo Lula estaria fazendo o mesmo movimento. 

Imagem: reprodução do Instagram

O que são as “pedaladas fiscais” 

“Pedalada fiscal” é como ficou conhecida a manobra contábil feita pelo Poder Executivo visando ao cumprimento de metas fiscais. A ação faz parecer que houve equilíbrio entre gastos e despesas, com o remanejamento de valores entre itens orçamentários. Durante o governo Dilma, o Tribunal de Contas da União entendeu que, voluntariamente, o Tesouro Nacional havia atrasado o repasse de recursos para pagamento de brancos credores, impossibilitando o pagamento de programas como o Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família e auxílio-salário via INSS. Ao mesmo tempo, o governo havia omitido essas informações nas estatísticas da dívida pública, adiando para o próximo mês a contabilização da dívida.

De acordo com relatório publicado pelo Senado Federal, “Ao todo, o saldo negativo do governo Dilma com a Caixa alcançou R$ 34,2 bilhões em recursos obrigatórios para pagar programas sociais, como Bolsa Família, seguro-desemprego e abono salarial, entre o início de 2011 e o mês de abril deste ano (2013). Esses atrasos foram cobertos pelo banco, que precisou usar recursos próprios”, afirmou. 

Essa ação, comumente praticada por governos nos diferentes níveis da administração pública, foi usada como base para o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff, em agosto de 2016. 

Surpreendentemente, dois dias após a destituição da presidente, o vice-presidente que assumiu o cargo, Michel Temer, e o presidente da câmara Rodrigo Maia (DEM/RJ), sancionaram lei regulamentando as pedaladas fiscais. A Lei nº 13.332, de 1º de setembro de 2016, flexibilizou as regras de abertura de créditos suplementares sem a necessidade de autorização do Congresso ou alterações concedidas de orçamento através de pleito público, o que possibilitou ao governo vigente realizar as “pedaladas”. De acordo com a legislação:

“Fica autorizada a abertura de créditos suplementares, restritos aos valores constantes desta Lei, excluídas as alterações decorrentes de créditos adicionais abertos ou reabertos, deste que as alterações promovidas na programação orçamentária sejam compatíveis com a obtenção da meta de superávit primário estabelecida para o exercício de 2016”, artigo 4º da Lei.

A mudança na lei orçamentária possibilitou ainda que o governo cancelasse recursos de emendas coletivas e direcionasse recursos para outras áreas de seu interesse, sem que para isso fosse feito um pedido à priori ao Congresso Nacional. As pedaladas fiscais de Temer, em dois anos, somaram R$ 30 bilhões de reais. As pedaladas também fizeram parte do governo Bolsonaro, que, em seu primeiro ano de governo, chegaram a R$ 55 bilhões de reais.

É importante ressaltar que as investigações contra Dilma e as “pedaladas fiscais” foram extintas por acusação indevida. Em 2020 o Tribunal Regional Federal da 2ª Região – RJ, extinguiu a ação popular pedindo reembolso aos cofres públicos do dinheiro “desviado” das pedaladas fiscais. A decisão foi tomada dois anos após a 10ª Vara Federal do Rio de Janeiro condenar a ex-presidente a indenizar a União pelos supostos danos aos cofres públicos durante o seu governo. 

Lula e o INSS

De acordo com matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo, “o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) alterou um dado no orçamento de 2023 para reduzir artificialmente a previsão de gastos com o INSS e evitar, de última hora, uma pressão maior sobre as despesas logo no início do novo mandato”. A afirmação se deu após o jornal ter acesso a documentos da Secretaria de Política Econômica, via Lei de Acesso à Informação. 

A alteração dos dados orçamentários configuram-se como “pedaladas” uma vez que reajustam, sem ter passado por pleito, verbas destinadas ao pagamento de Previdência feitas junto ao INSS.  Essa alteração se deu quando o salário mínimo foi reajustado da previsão inicial de R$ 1.320,00 e foi reduzido para R$ 1.302,00, até o fim do ano. Essa ação permitiu a redução de R$ 7,7 bilhões de reais nas despesas do benefício previdenciário, segundo o jornal,  verba que será redistribuída para outras áreas.  

Em nota informativa  a Diretoria do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), explica os novos cálculos :

Imagem: reprodução da Folha de S.Paulo

Segundo o Ministério da Previdência Social (MPS), a redução do piso salarial reduziu a estimativa de despesas governamentais com a Previdência Social, e, a principal razão para a diminuição dos gastos surgiu da diferença entre o valor do salário mínimo e as despesas da Previdência. O ministério aponta ainda que uma possível nova alteração no valor do salário mínimo só será possível após nova aprovação  da Lei Orçamentária, o que não deve acontecer este ano. 

ATUALIZAÇÃO ÀS 15:47 DE 02/05/2023: Em medida provisória publicada em edição extra do Diário Oficial da União, no dia 01 de maio de 2023, a remuneração mensal passou de R$ 1.302 para R$ 1.320. Em nota, Agência Brasil, afirma que “Inicialmente, a equipe econômica queria adiar o reajuste para 2024, mas o governo conseguiu encontrar recursos para o novo aumento do mínimo. O dinheiro veio do recadastramento do Bolsa Família, que eliminou 1,2 milhão de beneficiários em situação irregular apenas em abril.”. O aumento fará uso de R$ 6,8 bilhões, verba destinada pela Emenda Constitucional da Transição.

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Bereia classifica a informação usada pelo senador Magno Malta em publicação nas mídias sociais como enganosa. A alteração orçamentária feita pelo governo federal trata-se não da tentativa de encobrir um “rombo” no INSS, como aponta o senador, mas de uma busca por redução de custos, usando para tanto a verba orçamentária prevista para o pagamento de beneficiários do INSS. Bereia lembra a leitores e leitoras que, desde 2016, com a Lei Nº 13.332, as aberturas de manipulação de contas,  historicamente realizadas por governos, nos diferentes níveis da administração pública,  outrora conhecidas como “pedaladas fiscais”, passaram a ser manobras legais, e, portanto, não podem ser objeto de acusação manipulação da opinião pública, como busca fazer o senador da Bancada Evangélica no Congresso Nacional.

Referências de checagem:

Senado Federal.

https://www12.senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/pedalada-fiscal Acesso em: 27 abr 2023

https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/513929/noticia.html?sequence=1&isAllowed=y#:~:text=O%20governo%20Dilma%20Rousseff%20atrasou,saldo%20do%20programa%20no%20vermelho. Acesso em: 27 abr 2023

Planalto. http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2013.332-2016?OpenDocument  Acesso em: 27 abr 2023

Brasil de Fato. https://www.brasildefato.com.br/2016/09/02/dois-dias-apos-golpe-governo-temer-sanciona-lei-que-autoriza-pedaladas-fiscais/  Acesso em: 27 abr 2023

Revista Forum. https://revistaforum.com.br/politica/2020/2/4/pedaladas-de-bolsonaro-em-2019-foram-de-r-55-bi-mas-jornal-chama-de-drible-68601.html  Acesso em: 27 abr 2023

Valor Econômico. https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/02/04/drible-a-teto-de-gasto-foi-de-r-55-bi-em-2019.ghtml Acesso em: 27 abr 2023

Tesouro federal. https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:46515  Acesso em: 27 abr 2023

G1. https://g1.globo.com/mundo/blog/helio-gurovitz/post/2018/01/08/as-pedaladas-fiscais-de-temer.ghtml Acesso em: 27 abr 2023

Conjur. https://www.conjur.com.br/2022-set-22/mpf-arquiva-inquerito-pedaladas-ligadas-impeachment-dilma   Acesso em: 27 abr 2023

UOL. https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/03/27/acao-dilma-pedaladas-extincao.htm?cmpid=copiaecola Acesso em: 27 abr 2023

Gov.br. https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=615&pagina=1&data=01/05/2023&totalArquivos=2 acesso em: 01 mai 2023

Agencia Brasil- https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-05/salario-minimo-de-r-1320-entra-em-vigor-nesta-segunda#:~:text=A%20remunera%C3%A7%C3%A3o%20mensal%20passou%20de,Geral%20da%20Uni%C3%A3o%20de%202023. acesso em: 01 mai 2023

Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/noticias/931149-pec-da-transicao-e-promulgada-pelo-congresso/#:~:text=A%20PEC%20foi%20promulgada%20como,e%20dificuldades%20financeiras%20da%20popula%C3%A7%C3%A3o. acesso em: 01 mai 2023

*** Foto de capa: Joel Santana – Joel Fotos / Pixabay

Perfis com identidade religiosa em mídias sociais enganam sobre tamanho de delegação que visitou China

Circula em muitos perfis de mídias sociais de pessoas e grupos com identidade religiosa, e em grupos religiosos no WhatsApp, uma foto com referências críticas ao tamanho da delegação do governo do Brasil, que visitou a China nos dias 12 a 14 de abril. Segundo as críticas, tal grupo teria provocado altas despesas públicas com a viagem. 

Imagem: reprodução do Twitter
Imagem: reprodução do Twitter

Bereia verificou que a foto utilizada não representa a delegação do Brasil na recente visita oficial do presidente Lula à China. A foto, postada no site oficial do Palácio do Planalto, em 13 de abril, retrata o grupo que participou da posse da ex-presidente da República Dilma Rousseff como presidente do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), em Xangai, no  mesmo dia. 

O presidente Lula e a comitiva que o acompanhou na viagem se encontraram com quase duas dezenas de funcionários brasileiros do banco e participaram de fotos com os cerca de 200 servidores da instituição e com vice-presidentes do NBD, além de estarem em um almoço no 30º andar do prédio, que oferece uma vista panorâmica da cidade de mais de 26 milhões de habitantes. A foto divulgada foi uma das muitas tiradas na ocasião. 

Imagem: divulgação Palácio do Planalto

Outra foto retrata a delegação oficial do Brasil que acompanhou o presidente Lula àquele país, e também foi divulgada em vários veículos. O grupo de 27 pessoas foi composto pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda), Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima), Carlos Fávaro (Agricultura e Pecuária), Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovação), Mauro Vieira (Relações Exteriores), Alexandre Silveira (Minas e Energia), Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário), Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social) e Juscelino Filho (Comunicações), por governadores de estados que têm parcerias bilaterais com a China, por parlamentares e outras lideranças políticas. 

Imagem: reprodução do Twitter da senadora Eliziane Gama

Além da comitiva oficial do governo, mais de 300 empresários brasileiros se juntaram ao grupo para participarem dos eventos em torno de acordos, tendo em vista comércio, indústria, serviços e agropecuária.

De acordo com o Palácio do Planalto, a visita faz parte da reconstrução das relações internacionais do novo governo brasileiro, que inclui as viagens já feitas à Argentina, onde também ocorreu a reunião da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), ao Uruguai e aos Estados Unidos, além as reuniões com líderes europeus que estiveram na posse em janeiro passado. 

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Bereia classifica como enganosas as postagens que circulam em grupos religiosos para criticar uma suposta extensa delegação do governo brasileiro em visita a China. Quem postou o material utilizou uma foto verdadeira, que ilustrava relatos que continham a devida explicação de sua origem, para enganar deliberadamente as pessoas que desejam manter uma postura de oposição ao novo governo. Bereia reafirma o valor das oposições em uma democracia, porém conclama que tal militância não faça uso de mentira e engano para convencer e buscar apoios.

Referências de checagem:

Planalto. https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2023/04/lula-uniao-dos-paises-emergentes-e-capaz-de-gerar-mudancas-sociais-para-o-mundo Acesso em: 18 abr 2023

Twitter. https://twitter.com/elizianegama/status/1646893089565335553. Acesso em: 18 abr 2023

Senador distorce dados sobre títulos de posse de terras para propagar supostos feitos do governo federal

Circula nas mídias sociais publicação em que o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) defendem que durante o governo atual houve um exponencial aumento no número de entrega de posse de terras públicas a famílias de agricultores. Ainda em publicação em suas mídias sociais, os políticos afirmam que durante todos os governos Lula e Dilma foram entregues anualmente 19 mil títulos de posse de terras, e que o governo Bolsonaro teria entregue 104 mil títulos anualmente até o momento. 

Imagem: reprodução do Twitter

O que é o direito à posse de terra

O direito à posse de terras pertencentes ao poder público é praticado no Brasil desde as repartições das Sesmarias, ainda em regime colonial, e segue sendo uma prática realizada ainda hoje. Passando pela  Lei n.º 601, de 18 de setembro de 1850 (Lei de Terras), até o Decreto-lei n.º 9.760, de 1946, hoje vigora a Lei n.º 6.383 de 1976, em que se defende a posse de terras públicas por pessoas físicas como um direito constituinte. Juntas, a Lei nº 6.383 e Portaria n.º 812, de 26 de agosto de 1991, criada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária  (INCRA), tornam possível o uso de terras estatais. A portaria estabelece como elegíveis à posse terras pertencentes ao Estado, que não tenham um uso público, não estejam sob posse particular, não seja fronteiriça (municipal, estadual ou federal), ou ainda que não sejam rotas para a defesa e segurança nacional. Fica ainda estabelecido que apenas pessoas físicas possam ocupar terras públicas, sob a promessa de fazerem elas produtivas economicamente.

Dos critérios para obtenção das licenças de ocupação de terras públicas estão:  a) serem as terras devolutas; b) área de até cem hectares; c) comprovação de morada permanente e cultura efetiva, pelo lapso temporal não inferior a um ano; d) não ser proprietário de imóvel rural; e) exploração de atividade agrária com seu trabalho e o de sua família direta e pessoalmente.

Todavia, a licença à posse de terras não garante que o possuidor seja dono delas. Mesmo estando sob sua posse legal, as terras ainda  são pertencentes ao Estado, e legalmente a posse não garante a propriedade. O possuidor deve, como parte do acordo firmado entre as partes, tornar a terra útil para o uso agrário, sendo o detentor dos insumos por ele produzidos, garantindo o direto da atividade agrária a ser exercida. Não é permitida a venda, repasse ou realocação de terras, tão pouco o uso para fins comerciais que se não o uso agrícola. 

Ações como a entrega de títulos de posse de terras e assentamentos são parte de projetos desenvolvidos junto aos Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), em parceria com Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), e englobam pautas ligadas à reforma agrária, prevista na Constituição Federal.  O INCRA é, também, o órgão público responsável pela desapropriação e reapropriação de propriedades rurais sem uso, propriedades essas que mais tarde poderão ser destinadas à reforma agrária, movimentos sociais, e ONGs. 

Em 2019 os processos de desapropriação de terras improdutivas movidos junto ao INCRA foram suspensos sob a alegação de falta de verba orçamentária. Em 2021 os processos voltaram a circular (ADPF 769), mas o Ministro Marco Aurélio Mello, reiterou a decisão de suspensão, afirmando que não cabia ao Executivo assumir ou implementar políticas públicas.

 Um levantamento do Movimento Sem Terra (MST) defende que, os títulos de posse de terras, aos quais o governo Bolsonaro se refere, foram dados às famílias que já viviam em assentamentos legalizados. Com isso, a posse de terras se dá em assentamentos já ocupados, desmobilizando o movimento social

É preciso salientar que de acordo com o Decreto nº 8.738 (2016), que regulamentaram ou modificaram artigos das Lei 13.001(2014) e Lei 8.629 (1993), as famílias possuidoras de títulos de posse de terra pagam pelo lote que receberam do Incra e pelos créditos por eles contratados.

Imagem: reprodução do Twitter

Em postagem recente, Bolsonaro aponta que os títulos de posse concedidos representam maior poder econômico para os pequenos produtores rurais. Amparados pelo  Decreto 9.424/2018, os produtores rurais podem pedir financiamento junto ao INCRA através do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA)  para o financiamento de insumos agrícolas.

Todavia, fundos financiadores e garantidores para os pequenos produtores rurais já existem desde o fim dos anos 1990 (dentre eles o  Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar -PRONAF; Política de Garantia de Preços Mínimos- PGPM; Programa de Aquisição de Alimentos- PAA), com o objetivo de oferecer carta de crédito ao produtor rural ou garantir seguridade em caso de perda de lavoura, dentre outros aspectos. Os pequenos produtores rurais assentados contam ainda com financiamento oriundos de ONGs e programas governamentais que subsidiaram famílias assentadas.  

Distribuição de títulos 

Imagem: reprodução do Twitter

Fonte: Twitter @FlavioBolsonaro

As pautas ligadas à reforma agrária e à distribuição de terras são uma constante desde o governo Fernando Henrique Cardoso, resultado das conquistas da Constituição Federal de 1988, pós-ditadura militar. De acordo com levantamento da CONJUR, revista eletrônica especializada em temas jurídicos, o governo Lula, de 2005 a 2009, mais de 40 milhões de hectares de terra sob responsabilidade do Estado foram destinados à reforma agrária. Parte dessas terras foram desapropriadas ou compradas ainda durante o governo Fernando H. Cardoso, e outra parte durante o governo Lula.

“De acordo com dados informados pelo Incra, somadas as duas modalidades (desapropriação e compra), o Brasil já destinou mais de 80 milhões de hectares à reforma agrária. Desse total, apenas 16 milhões de hectares foram acumulados até 1994, antes do primeiro governo FHC. A população de assentados no programa de reforma agrária já beira o milhão. mostra a CONJUR

Durante os governos Dilma e Lula foram assentadas 727 mil famílias, e entregues cerca de 216 mil títulos de posse de terras individuais; já no governo Bolsonaro foram assentadas nove mil famílias e concedidos mais de 320 mil títulos de posse nos últimos três anos. Esse número  só é possível pois o governo Bolsonaro tem como seu objeto a titulação de terras para famílias já assentadas, diferentemente dos governos Lula e Dilma, que tinham projetos de criação de novos assentamentos. 

Imagem: reprodução de site do Incra

Chama atenção que durante o governo Bolsonaro, apenas 2,8 mil hectares de terras foram destinados à reforma agrária, com o assentamento de nove mil famílias. Essa terras foram compradas com R$ 2,4 milhões destinados, o que representa 0,25% do valor comparativo aos investimentos realizados há dez anos, quando o governo investiu R$ 930 milhões no setor. Há um acentuado contraste entre o número de títulos individuais concedidos e o número de famílias assentadas em novas propriedades estatais, uma vez que a maioria dos titulares já viviam em assentamentos legalizados, criados nos governos FHC, Lula e Dilma.   

Parte do discurso de deslegitimação das ações das ONGs e MST pelo direito à terra, como Bereia já cobriu, vem da ideologia de que somente agora os famílias podem ser possuidoras de suas terras, outrora posse coletiva, o que as livraria daquilo que Flávio Bolsonaro chamou de “escravização”. É dito que a reforma agrária pleiteada por movimentos sociais não objetiva a posse individual de terras, o que é fato e corresponde ao previsto na legislação. 

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Bereia classifica a postagem do senador Flávio Bolsonaro como enganosa, uma vez que algumas das informações apresentadas por ele e pelo presidente Jair Bolsonaro são verdadeiras, mas desconsideram o quadro político geral,  levando o leitor a pensar que mais famílias saíram de uma situação de fome e/ou opressão. Essas informações desconsideram que durante os três primeiros anos de seu mandato Bolsonaro assentou apenas nove mil famílias, em 2,8 mil hectares, número inferior aos dos governos Lula e Dilma, com 727 mil famílias assentadas em pouco mais de 64 milhões de hectares. As postagens deixam ainda de mencionar que os títulos de posse de terra não são gratuitos, e que as famílias contempladas com eles precisam pagar por suas terras. Bereia indica a leitores/as que informações como o número de assentamentos criados, de pessoas assentadas, de processos em tramitação e o dinheiro destinado a eles podem ser consultados no portal do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

Referências de checagem:

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/midias-religiosas-repercutem-afirmacao-de-bolsonaro-de-que-acabou-com-o-movimento-sem-terra/ Acesso em: 18 jul. 2022

DireitoNet. https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1494/Legitimacao-de-posse Acesso em: 18 jul. 2022

Planalto.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0601-1850.htm Acesso em: 18 jul. 2022

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Decreto/D8738.htm Acesso em: 22 jul. 2022

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13001.htm Acesso em: 22 jul. 2022

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8629.htm Acesso em: 22 jul. 2022

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/Decreto/D9424.htm Acesso em: 22 jul. 2022

Jus.com.br. https://jus.com.br/artigos/5101/legitimacao-de-posse Acesso em: 18 jul. 2022

JusBrasil. https://www.jusbrasil.com.br/busca?q=posse+de+terra#:~:text=A%20posse%20%C3%A9%20realidade%20jur%C3%ADdica,da%20terra%2C%20n%C3%A3o%20sua%20propriedade. Acesso em: 18 jul. 2022

Revista CEJ. https://revistacej.cjf.jus.br/cej/index.php/revcej/article/view/126 Acesso em: 18 jul. 2022

Correio Braziliense. https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2018/02/01/internas_economia,657255/padilha-apresenta-numeros-de-reforma-agraria-superiores-aos-do-pt.shtml Acesso em: 19 jul. 2022

Governo Federal.

https://www.gov.br/incra/pt-br/assuntos/reforma-agraria acesso em: 19 jul. 2022

https://www.gov.br/agricultura/pt-br acesso em: 19 jul. 2022 

https://www.gov.br/incra/pt-br acesso em: 19 jul. 2022

https://www.gov.br/incra/pt-br/assuntos/reforma-agraria/assentamentos acesso em: 19 jul. 2022

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-03/incra-titula-326-mil-assentados-em-tres-anos Acesso em: 19 jul. 2022

Revista CEPEA. https://www.cepea.esalq.usp.br/br/documentos/texto/politicas-politicos-e-o-agronegocio-no-brasil.aspx Acesso em: 19 jul. 2022

Brasil de Fato. https://www.brasildefato.com.br/2021/06/19/mst-rebate-bolsonaro-sobre-entrega-titulos-de-terra-no-para Acesso em: 19 jul. 2022

Agência Brasil.https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-03/incra-titula-326-mil-assentados-em-tres-anos Acesso em: 19 jul. 2022

Movimento sem Terra. https://www.brasildefato.com.br/2021/06/19/mst-rebate-bolsonaro-sobre-entrega-titulos-de-terra-no-para Acesso em: 19 jul. 2022

Conjur. https://www.conjur.com.br/2009-dez-12/lula-destinou-40-milhoes-hectares-terra-reforma-agraria Acesso em: 19 jul. 2022

Isto é. https://istoe.com.br/o-fim-da-reforma-agraria/ acesso em: 19 jul. 2022

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/fatos-primeiro-bolsonaro-acerta-sobre-numeros-de-titulacao-de-terras-mas-omite-dados-de-reforma-agraria/ Acesso em: 21 jul. 2022

Supremo Tribunal Federal. https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6068150 Acesso em: 21 jul. 2022

Produzindo certo. https://www.produzindocerto.com.br/dicionagro-conheca-politicas-publicas-de-apoio-ao-produtor-rural/ Acesso em: 22 jul. 2022

Foto de capa: reprodução do Twitter

Site gospel repercute repetições do presidente Jair Bolsonaro sobre empréstimos do BNDES

O site Pleno News repercutiu a declarações do presidente Bolsonaro coloca em suspeita empréstimos feitos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ilações que envolvem Venezuela e Cuba nos governos de Lula e Dilma. 

Reprodução do Twitter

As insinuações evocam a questão de uma suposta “caixa-preta” do BNDES,  um dos temas dominantes na campanha de Bolsonaro para as eleições de 2018. Mesmo com todos os esclarecimentos e transparência do BNDES que descartam as acusações de desvios de finalidade, o presidente insiste em manter o assunto na pauta de seus discursos.

Caixa-preta

Para entender o termo “caixa-preta” o BNDES explica em seu site, que esta é “uma forma de dizer que algo é secreto, que há informações escondidas”. Também no site do Banco, há explicação sobre como este termo passou a se referir ao BNDES.  Em 2008, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) restringiu o acesso do Tribunal de Contas da União (TCU) a informações do Banco Central, foram protegidas pelo sigilo bancário. Como até então o BNDES concedia as informações protegidas ao TCU, a partir de 2008, o Banco cumpriu a decisão do STF, também para evitar questionamentos de praticar ilegalidade.

No entanto, em 2015, o STF mudou seu entendimento sobre o assunto e decidiu que o BNDES teria que voltar a informar ao TCU dados completos das operações de crédito, cabendo ao órgão a partir desse ano, a obrigação do sigilo bancário.

Contratos secretos 

No ano de 2012, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), ao qual o BNDES era subordinado, decidiu classificar os contratos de financiamento à exportação de bens e serviços de engenharia para Angola e Cuba como “secretos”, uma vez que estes possuíam informações estratégicas. Isso fez com que o termo “caixa-preta” continuasse ligado ao BNDES. 

Entretanto,em 2015, o próprio MDIC cancelou a classificação de “secreto” dos contratos e nesse mesmo ano, todos os extratos desses contratos foram disponibilizados no site do BNDES. E o mesmo se repete, atualmente, quando o Banco deixa disponíveis para consultas, todos os contratos de financiamento à exportação de bens e serviços de engenharia. Segundo o próprio BNDES hoje, a instituição é uma das que mais disponibiliza informações ao público no país. Qualquer cidadão pode ter, por exemplo, acesso no site do BNDES à relação de empresas beneficiadas com recursos repassados pelo Tesouro Nacional, nos relatórios que apresenta trimestralmente. 

Auditoria 

Mesmo assim, conforme matéria publicada pelo jornal O Estado de São Paulo, em janeiro de 2020, o BNDES divulgou naquele mês uma auditoria que realizou para “abrir a caixa-preta”, cujo relatório não achou irregularidades nas operações do banco com empresas brasileiras no exterior, entre os anos de 2005 a 2018. As captações do BNDES junto ao Tesouro Nacional para investimentos dentro e fora do país entre 2008 e 2014 foram de 440,80 Bilhões de Reais. Até o mês de agosto de 2021, as devoluções feitas pelo Banco ao Tesouro Nacional dos valores captados, somam um total de 593,61 bilhões de Reais. Isso, em valores correntes, incluídos pagamentos realizados até agosto, conforme as informações no site do BNDES. O próprio Jair Bolsonaro reconheceu que não havia “caixa-preta”

Sobre o calote

Em matéria publicada no site do BNDES (Agência de Notícias), o banco explica: “Quando um país deixa de pagar um financiamento à exportação brasileira feita pelo BNDES, é comum ler por aí que quem vai cobrir o ‘calote’ é o Tesouro Nacional e, por consequência, o contribuinte”. E a matéria segue afirmando que o Banco não financia países: “O que o BNDES faz é apoiar as exportações de empresas brasileiras para outros países. Acontece que, em alguns casos, o país importador assume a dívida da empresa brasileira exportadora. Se o país deixa de honrar seu compromisso, o BNDES aciona seguro lastreado pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE), garantidor de todos os financiamentos do Banco à exportação. Nesse momento, de fato, os recursos saem do Tesouro, mas eles não vêm dos impostos pagos pela população. Isso porque, como todo seguro, o FGE cobra prêmios do responsável pelo pagamento do empréstimo, proporcionais ao risco incorrido. Caso haja inadimplência, indeniza o financiador (o BNDES) e busca recuperar o valor em atraso. As receitas do FGE — esses prêmios pagos pelos próprios importadores — são sempre transferidas para a conta única do Tesouro Nacional. Por isso, quando é necessário emitir alguma indenização por conta de um não pagamento ou atraso, os recursos saem do Tesouro e precisam vir do Orçamento Geral da União (OGU)”. Segundo levantamento do BNDES, Venezuela e Cuba de fato estão entre os países que apresentam inadimplência coberta mas pelo FGC, e não pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador, como disse Bolsonaro.

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Com base nesta verificação, Bereia reafirma como FALSA afirmação de que há uma “caixa-preta” do BNDES, pela qual governos do Partido dos Trabalhadores desviara recursos para Venezuela e Cuba.  O tema já está devidamente tratado em auditoria com o resultado tornado público desde 2020. Este tipo de conteúdo disseminado pelo Presidente da República e sites gospel atua para alimentar o imaginário de oposição a inimigos que sustenta práticas da extrema-direita política.

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Referências:

Agência BNDES de Notícias. https://agenciadenoticias.bndes.gov.br/detalhe/fatoboato/Boato-O-dinheiro-usado-para-cobrir-calote-de-outros-paises-vem-dos-nossos-impostos/?fbclid=Iw Acesso em: [30 ago 2021].

BNDES. https://aberto.bndes.gov.br/aberto/caso/caixa-preta/. Acesso em: [30 ago 2021].

O Estado de São Paulo. https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2020/01/21/bndes-gasta-r-48-milhoes-para-abrir-caixa-preta-mas-nao-acha-irregularidades.htm. Acesso em: [01 set 2021].

Diário de Pernambuco. https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/politica/2021/06/bolsonaro-diz-que-bndes-nao-tem-caixa-preta-eu-tambem-pensava-que-er.html Acesso em: [01 set 2021].

BNDES. https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia/consulta-operacoes-bndes/contratos-exportacao-bens-servicos-engenharia Acesso em: [01 set 2021].