Líder da “Machonaria”, pastor Anderson Silva é acusado por pares de corrupção nas contas da confraria

O pastor Anderson Silva, fundador e líder da Igreja em Movimento Brasília está no centro de uma polêmica envolvendo acusações de desvio de dinheiro dos projetos sociais do movimento evangélico que fundou, a Machonaria – Confraria Nacional de Homens. Em maio de 2025, um grupo de 18 pastores anunciou publicamente renunciarem ao projeto, acusando Anderson Silva de má gestão e do desvio de R$ 500 mil. A denúncia foi divulgada por diversos veículos de imprensa.

Imagem: Reprodução do site Metrópoles

Entenda o caso

Um grupo de 18 pastores que faziam parte da liderança da Confraria Nacional de Homens anunciou a renúncia coletiva aos cargos em carta divulgada nas redes digitais, em 19 de maio de 2025. Os ex-dirigentes da Machonaria alegaram que tomaram a decisão motivados pela falta de transparência e pela violação dos princípios da instituição por parte do presidente, o pastor Anderson Silva. 

Segundo os ex-líderes do grupo, a atual liderança “se afastou dos valores originais da Machonaria”. As práticas irregulares caracterizam má gestão dos recursos, confusão entre finanças pessoais e institucionais, e uso indevido de dados de terceiros para contratos e financiamentos. 

“A ausência de prestação de contas e de alinhamento à diretoria atual tornou insustentável nossa permanência em qualquer função de representação, pois cremos que nenhuma missão, por mais nobre que seja, pode subsistir sem verdade, transparência e obediência aos princípios que a legitimam. Diante disso, reiteramos que não podemos e não devemos compactuar com tais violações, sendo nossa renúncia um ato de fidelidade à missão original que um dia nos uniu e que ainda consideramos nobre”, descreve a nota publicada no perfil do ex-vice-presidente da entidade pastor Radamés Morais. 

Imagem: Reprodução Instagram 

Segundo os pastores denunciantes, o sustento da entidade religiosa provinha de eventos realizados pela Confraria, além de campanhas, rifas, venda de Bíblias personalizadas e cursos. “Começaram a chegar várias cobranças: aluguel atrasado, ordem de despejo, contas de energia que não eram pagas. Nós, então, fazíamos um rateio entre nós mesmos para conseguir pagar a energia elétrica. Em nenhum momento, cogitamos a possibilidade de que pudesse haver algum desvio. Mas essas questões de contas em atraso e falta de pagamento foram se acumulando”, declarou Morais ao site Metrópoles. 

Já o ex-diretor administrativo da confraria Jhonny Alves, alega na mesma reportagem, que surgiram cobranças de diversas partes do Brasil, de pessoas com quem o pastor Anderson Silva havia feito orçamentos de serviços em nome da instituição e que não foram pagos. “A única conclusão à qual pude chegar foi: se ele não está pagando nem as contas da própria instituição e ainda acumula boletos de fora, então estamos lidando com alguém que compra e não paga — em outras palavras, um caloteiro”.

De acordo com informações disponíveis no site da Machonaria, o hub social (um espaço ou plataforma on line que conecta e apoia projetos sociais) embarca 33 projetos ativos, entre os quais constam ações para ajudar pessoas autistas, famílias em vulnerabilidade social, pastores em depressão e até “resgate de ex-transexuais”. 

Contudo, ex-líderes do movimento expõem que apenas cinco projetos estavam em operação atualmente – um deles é a Casa do John John. Segundo os relatos, o hub social do projeto, localizado em Samambaia Sul (DF), acumulou dívidas vultosas enquanto campanhas de arrecadação e doações continuavam sendo promovidas. Os ex-líderes cobram uma auditoria nas contas da instituição. 

O que dizem os documentos oficiais

No site oficial da entidade, existe uma aba nomeada “Transparência”, porém o espaço não disponibiliza informações financeiras ou relatórios de prestação de contas. O grupo continua promovendo eventos e realizando campanhas com forte apelo emocional para a arrecadação de recursos. Entretanto, há apenas um link para um canal no Telegram cuja última atualização foi em 31 de outubro de 2023. 

Apesar da promessa de “transparência”, o site oficial da Machonaria não oferecia qualquer informação financeira pública até o fechamento desta checagem.

Imagem: Reprodução do site Machonaria

Imagem: Reprodução do canal da Confraria no Telegram

Resposta de Anderson Silva

Em seu site pessoal, Anderson Silva se apresenta como teólogo, pai de quatro filhos, residente em Brasília há mais de 20 anos e líder de mais de 30 projetos sociais. Procurado pela imprensa, o pastor Anderson Silva não se pronunciou formalmente sobre as acusações. 

No entanto, em seus perfis nas redes digitais, o pastor tem feito postagens com tom de deboche, sugerindo que as denúncias seriam “intrigas” ou “perseguição”. 

“Pessoal, se vocês acharem os 500k me avisem, pois preciso pagar 150k de aluguel atrasado do projeto social, além de tirar a moto da rifa”, escreve o pastor, seguido de risos, sem fornecer explicações concretas sobre a movimentação financeira do projeto, apenas reproduções (prints) com o saldo das contas correntes pessoais e da entidade, em publicação do dia 14 de junho.

Já no vídeo destacado em seu perfil no Instagram, postado em 18 de junho, o líder da entidade adota um tom mais formal e defende-se das acusações. “Tomei uma decisão na minha vida, nunca mais entrarei em processo jurídico nenhum na minha vida. A Bíblia me proíbe e Deus é meu juiz. Então, digam o que quiserem, façam o que quiserem, não cabe a mim, a minha justificação pertence a Jesus”, diz o pastor. 

“Alguns desses homens que já andaram comigo, estão agindo de maneira leviandade, por pura maldade. Eles sabem que os meus erros não são de caráter, mas de excesso de generosidade. Mas vale cuidar de uma vida, do que na gestão em si”, admite Silva e questiona: “Pode um homem fraudulento produzir tantos frutos, abençoar tantas vidas e transformar tantas pessoas, inclusive a vida deles mesmos?”.

Imagem: Reprodução Instagram

Esta não é a primeira vez que o nome de Anderson está envolvido em polêmicas. Entre as principais, estão suas declarações consideradas misóginas (posturas machistas de ódio), como a afirmação de que mulheres têm “potencial demoníaco”, que tomaram forma de livro. 


Imagem: Reprodução Instagram

No campo político, o lider da Machonaria também gerou controvérsia ao fazer orações públicas pedindo a “quebra da mandíbula de Lula”, o que resultou em investigação da Polícia Federal. 

Imagem: Reprodução site CNN

Anderson Silva também foi candidato a deputado no Distrito Federal nas eleições de 2022 pelo Partido Liberal, contudo não foi eleito.

O que é a Machonaria?

Fundado em 2018 por Anderson Silva, a Machonaria se define como “o maior movimento de masculinidade da América Latina”. De acordo com o site da entidade, o projeto surgiu com o objetivo de promover valores cristãos voltados à “masculinidade bíblica”, liderança familiar, combate à pornografia e engajamento social. 

Ainda, segundo a página da iniciativa, mais de 10 mil homens já participaram do trabalho promovido pela Confraria. Com forte presença digital e eventos realizados em várias cidades do país, o movimento também criou a “Igreja de Segunda-feira”, estrutura paralela a cultos tradicionais.

Bereia ouviu a antropóloga da religião Simony dos Anjos sobre o movimento. Ela explica que grupos como a Machonaria têm recorte de gênero e de classe. “Além da estratégia de politizar a categoria família como uma forma de conquistar a base da sociedade que vê nessa instituição seu bem de maior valor, esses discursos vêm atrelados à Fé.”, diz a cientista social. 

“Não é incomum que perfis de influencers homens e mulheres que se dizem cristãos tenham um momento de devocional diário. Livros como ‘Café com Deus Pai’, entre outras modas devocionais que demonstram uma esfera de acolhimento por meio da espiritualidade, convivem com a defesa do uso de armas e de papéis de gênero conservadores.” Para Dos Anjos, esses movimentos masculinistas não funcionam sozinhos, eles precisam de um movimento de mulheres submissas. 

Além disso, Simony dos Anjos traça uma relação entre esses movimentos e a violência de gênero a partir da circulação de narrativas do homem provedor e da mulher submissa como a solução para os conflitos familiares. “Homens, como machos provedores, querem mulheres submissas e que cobram um cuidado que eles não podem oferecer. Essa situação fica ainda mais tensa quando esse homem não consegue prover o lar, seja por desemprego ou por sub-salários.”, avalia a antropóloga. Ela traça uma conclusão desse cenário: “O resultado são homens frustrados em uma sociedade violenta, que respondem a esse sentimento com violência”.

Por fim, Simony Dos Anjos acredita que narrativas masculinistas e que defendem uma “masculinidade bíblica” oferecem soluções para homens que acham que se encaixar nesse modelo pode tornar suas famílias perfeitas. Porém, na verdade, ainda segundo a especialista, os problemas familiares são muito mais complexos porque envolvem desigualdade social e de gênero.

“Um homem que siga um defensor da masculinidade cristã pode se decepcionar com a impossibilidade de ser um provedor e isso não vai gerar crítica social sobre os problemas econômicos, vai gerar frustração e revolta que vai ser despejada justamente nas ‘filhas de Eva: as mulheres eternas pecadoras com seus potenciais demoníacos’”.

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Embora ainda não existam provas judiciais de que Anderson Silva desviou R$ 500 mil do movimento que criou, as acusações são consistentes, documentadas e partem de fontes internas do próprio movimento. Apesar da resposta do pastor líder nas redes digitais, não há uma nota oficial institucional. 

No primeiro momento, houve um desprezo pelas alegações, por parte de Anderson Silva, entretanto, em vídeo mais recente, o pastor tenta justificar os problemas financeiros dizendo  preferir “primeiro a vida, depois a gestão”. Em suas palavras, ele diz priorizar o atendimento aos necessitados em detrimento de honrar as dívidas da Confraria. Entretanto, ele não explica o desvio do montante de R$500 mil reais da entidade, o que se soma à falta de transparência financeira e dívidas públicas registradas oficialmente.

Bereia checou e classificou como verdadeira a denúncia que culminou com a renúncia do grupo de 18 líderes da Confraria Nacional de Homens, já que o próprio pastor Anderson Silva admite, em vídeo publicado em seu canal, erros na gestão dos projetos que compõem o hub social da Machonaria. 

Referências

Metrópoles
https://www.metropoles.com/distrito-federal/machonaria-18-pastores-expoem-lider-religioso-apos-sumico-de-r-500-mil – Acesso em 21 Jun 25

Diário do Nordeste

https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/ultima-hora/pais/pastor-fundador-de-machonaria-e-acusado-de-desviar-r-500-mil-de-projetos-sociais-1.3660321?utm_source=twitter – Acesso em 21 Jun 25

Carta Capital

https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/machonaria-um-demonio-que-precisa-ser-exorcizado/ – Acesso em 21 Jun 25

Revista Fórum

https://revistaforum.com.br/brasil/2025/6/16/machonaria-em-crise-pastores-denunciam-fundador-por-desvio-de-r-500-mil-181552.html – Acesso em 21 Jun 25

CNN

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/pastor-que-pediu-que-deus-arrebentasse-a-mandibula-de-lula-diz-ter-recebido-ligacoes-da-pf/ – Acesso em 21 Jun 25

O Hub Social

https://www.ohubsocial.com.br/  – Acesso em 21 Jun 25

Igreja é multada por corrupção com ministro da Educação do governo Bolsonaro

Multa aplicada pela Controladoria Geral da União (CGU) à igreja evangélica Assembleia de Deus de Goiânia – Ministério Cristo Para Todos foi assunto de matéria do portal de notícias Metrópoles, em 26 de novembro passado A igreja  liderada pelo pastor Gilmar Silva dos Santos, teria infringido a Lei Anticorrupção ao divulgar fotos do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, em Bíblias, como forma de retribuir benefícios.

A matéria afirma que a igreja evangélica foi multada em R$ 6.994,71 por estar relacionada à intermediação de propina ao ex-ministro do governo de Jair Bolsonaro. Milton Ribeiro teria autorizado que pastores atuassem como lobistas da pasta – líderes religiosos teriam pedido propina a prefeitos para que o Ministério da Educação liberasse verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

 Bereia checou as informações divulgadas pelo site Metrópoles. 

Imagem: Reprodução / Instagram

Caso dos “pastores do MEC”

De acordo com o  CGU, uma sanção no valor de R$ 6.994,71 foi aplicada à Igreja Evangélica Assembleia de Deus de Goiânia – Ministério Cristo para Todos. A multa resultou do julgamento de um Processo Administrativo de Responsabilização que buscou apurar atos lesivos à administração pública.

O processo ocorreu após a Operação Acesso Pago, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e deflagrada pela Polícia Federal. O objetivo da ação foi investigar as práticas de tráfico de influência e corrupção para a liberação de recursos públicos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), vinculado ao Ministério da Educação (MEC).  

Em junho de 2022, quando a investigação foi deflagrada, o pastor Gilmar Silva dos Santos, então presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil (Conimad), atuava com o também pastor Arilton Moura Correia, que na época era diretor do Conselho Político da mesma organização.

O caso veio à tona em 2022, quando prefeitos denunciaram as ilegalidades. A Comissão de Educação do Senado organizou uma audiência no mês de abril daquele ano, quando  os prefeitos foram chamados a prestar  depoimentos. Eles afirmaram Arilton Moura cobrava valores de R$ 15 a 40 mil para a construção de creches e escolas. Segundo  gravação de conversas do ex-ministro, o então presidente Jair Bolsonaro orientou que as verbas do MEC fossem repassadas a municípios indicados pelo pastor Gilmar Santos.

O caso ficou conhecido como “pastores do MEC” e envolveu a distribuição de Bíblias com fotos de Santos, Moura e do então ministro Milton Ribeiro em evento do ministério na cidade de Salinópolis (PA). Após a reunião, Ribeiro autorizou a construção de uma escola no município e assinou um termo de compromisso no valor de R$ 5,8 milhões.

Quando as denúncias vieram a público, em 2022, Bereia checou conteúdo que buscou transferir a responsabilidade do ex-ministro Milton Ribeiro para o Partido dos Trabalhadores (PT). Disseminava-se a existência de um dossiê que relacionava o pastor Arilton Moura ao PT.

A checagem mostrou um conteúdo impreciso, pois a afirmação de que o pastor Arilton Moura tinha relações com o PT não puderam ser comprovados, uma vez que não era possível acesso ao suposto dossiê que informaria sobre tal relação. 

Após dois anos de investigações, a CGU concluiu que a igreja do pastor Gilmar Santos cometeu ato lesivo à administração pública, previsto no artigo 5º da Lei Anticorrupção, ao promover a imagem de Ribeiro para dar a ele vantagem indevida e manter sua proximidade com os pastores. 

Outra irregularidade identificada pela Controladoria foi a atuação de pastores como intermediários no custeio de passagens aéreas. Além da multa, a CGU também determinou que a igreja publique a decisão condenatória em sua página na internet, em sua sede e em jornal de grande circulação.

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Bereia classifica a matéria publicada pelo portal Metrópoles como verdadeira. As informações apresentadas estão de acordo com a publicação oficial da Coordenadoria-Geral da União. De fato, a igreja evangélica Assembleia de Deus  de Goiânia – Ministério Cristo Para Todos – foi multada pela CGU por ter sido comprovada que seus representantes intermediaram propina ao ex-ministro do governo de Jair Bolsonaro, Milton Ribeiro. 

Referências de checagem:

Planalto – Lei Anticorrupção

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm Acesso em 02 DEZ 24

Ministério da Justiça e Segurança Pública

https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/noticias/2022/06/pf-apura-desvios-de-recursos-no-ministerio-da-educacao Acesso em 02 DEZ 24

Portal G1

https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2022/06/23/quem-e-arilton-moura-pastor-preso-no-para-pela-pf-suspeito-de-pedir-propina-em-troca-de-verbas-do-mec.ghtml Acesso em 02 DEZ 24

https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/04/05/prefeito-diz-a-senadores-que-pastor-cobrou-1-kg-de-ouro-em-troca-de-conseguir-verba-no-mec.ghtml Acesso em 03 DEZ 24

Brasil de Fato

https://www.brasildefato.com.br/2022/03/18/pastores-controlam-agenda-e-verba-do-ministerio-da-educacao-entenda-acusacao-a-milton-ribeiro  Acesso em 02 DEZ 24

Controladoria Geral da União

https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/noticias/2024/01/cgu-destitui-servidor-federal-por-cobranca-de-propina-para-liberacao-de-verbas-do-mec  Acesso em 02 DEZ 24

https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/noticias/2024/11/cgu-sanciona-duas-pessoas-juridicas-pela-pratica-de-atos-lesivos-a-administracao-publica  Acesso em 02 DEZ 24

Metrópoles

https://www.metropoles.com/colunas/tacio-lorran/pastores-do-mec-comissao-de-etica Acesso em 03 DEZ 24

Estadão

https://www.estadao.com.br/politica/propina-em-ouro-via-biblia-e-no-pneu-entenda-o-escandalo-dos-pastores-e-gabinete-paralelo-no-mec/ Acesso em 03 DEZ 24

Coletivo Bereia

https://coletivobereia.com.br/pastor-da-assembleia-de-deus-membro-do-gabinete-paralelo-do-mec-nao-tem-ligacoes-com-o-pt/ Acesso em 03 DEZ 24

Foto de capa: Leonardo Pains/Ascom-CGU

Bolsonaro fala de proibição da Bíblia pelo STF, comunismo no Brasil e fim da corrupção em discurso

Circula em mídias sociais religiosas  um vídeo de aproximadamente sete minutos em que o atual Presidente da República Jair Bolsonaro (PL-RJ) afirma que o Supremo Tribunal Federal (STF) estaria decidindo sobre a proibição da da Bíblia Sagrada em residências. Ainda segundo ele, “uma lei estadual de Santa Catarina está na mão de uma ministra do Supremo Tribunal Federal e ela já adiantou o seu voto (…) Tá decidindo anular, revogar uma lei estadual, onde diz que nas bibliotecas devem conter também bíblias”.

Além da proibição da Bíblia, o Chefe do Executivo também chegou a dizer que o Brasil estava à beira do socialismo antes das últimas eleições e que a corrupção deixou de existir em seu governo. O discurso presidencial pronunciado, em 27 de outubro de 2021, na Primeira Consagração Pública de Pastores do Estado do Amazonas pode ser conferido na íntegra aqui.

Imagem: Reprodução vídeo WhatsApp

O que o STF deliberou sobre a Bíblia?

Na verdade, o julgamento ao qual Bolsonaro se refere diz respeito à uma lei estadual do estado do Mato Grosso do Sul (Lei nº 2.902/2004) que torna obrigatória a presença de ao menos um exemplar da Bíblia em escolas e bibliotecas públicas  ( não em Santa Catarina, como mencionado por ele). 

Em 22 de outubro, o STF declarou inconstitucionais os dispositivos de lei do estado que tornam a manutenção de exemplares da Bíblia mandatória nas escolas da rede estadual de ensino e nas bibliotecas públicas, às custas dos cofres estaduais.

O caso foi julgado em plenário virtual e, de acordo com a ministra Rosa Weber, relatora da ação, a lei estadual desprestigiou as demais denominações religiosas e os que não professam nenhuma crença. Segundo o processo, a Procuradoria-Geral da República (PGR) alegou que a medida seria inconstitucional porque violaria o princípio de laicidade do Estado.

Em abril deste ano houve um caso semelhante, desta vez no estado do Amazonas. Em sentença do STF, anulou-se trecho de uma lei que determinava a obrigatoriedade de manutenção da Bíblia em instituições estatais. À época, a ministra e relatora Cármen Lúcia escreveu: “Na determinação da obrigatoriedade de manutenção de exemplar somente da Bíblia, a lei amazonense desprestigia outros livros sagrados quanto a estudantes que professam outras crenças religiosas e também aos que não têm crença religiosa alguma”.

Ambas as decisões do STF não deliberam sobre a presença da Bíblia em residências, tampouco proíbem a presença de tal livro sagrado em escolas e bibliotecas, mas sim consideram inconstitucional a exigência de aquisição da Bíblia ou de qualquer outro livro religioso por parte de órgãos públicos.

Bolsonaro e sua intervenção contra o comunismo 

Em seu discurso, Bolsonaro dá a entender que foi graças à sua intervenção política que o patriotismo ressurgiu na cultura brasileira.Segundo ele, antes das eleições de 2018 parecia haver uma ameaça comunista à política, cultura e sociedade brasileira, como podemos ver no fragmento a seguir: 

“Nós devemos sempre mover nossos olhos para o passado, para vermos para onde o Brasil estava indo e o que aconteceu depois das últimas eleições. Estávamos à beira do socialismo, a palavra Deus, pátria e família estava esquecida, ou muito pelo contrário, vivia sob ataques constantes, parecia que iríamos entrar em uma situação de guerra arrasada. Para onde o Brasil estava indo? Quais as notícias que tínhamos todas as semanas sobre a corrupção do Brasil?”

Todavia, como já se é sabido, não há, nem nunca houve uma “ameaça” comunista concreta com forças políticas o suficiente para ameaçar o Estado brasileiro. Apesar de, de fato, existirem empreitadas de pequeno porte como a Intentona comunista de 1936, não há, na história recente do país, nenhuma ação comunista que venha a se opor às noções de pátria, religião ou mesmo a instituição familiar. O discurso contemporâneo sobre as empreitadas “comunistas” para a reconfiguração política e cultural do país se sustentam sob a alegação de que existem projetos políticos associados à esquerda progressista que advogam junto a causas como a “ideologia de gênero” e o “marxismo cultural”. Essas visões, lembra o cientista social Rafael Toitio, são visões distorcidas da realidade, tanto o “marxismo cultural” quanto a “ideologia de gênero” são interpretações rasas dos debates sobre raça, classe e gênero:  

“Essas teses incorretas, primeiro proferidas em um jornal de grande circulação [o autor faz alusão ao jornal O Globo onde Olavo de Carvalho contribuía], constituíram-se em ação concreta diante da organização da extrema direita durante a década de 2010, que tinha nesse inimigo fantasioso o seu alvo primordial: a destruição do comunismo e da hegemonia marxista, feminista, gayzista, antirracista (ambientalista, indigenista etc.) na cultura. Apesar dos muitos delírios dessa perspectiva política, suas teses forneceram um arsenal discursivo que “provava” como o socialismo teria, enfim, tornado-se governo no capitalismo ocidental e que ele deveria ser barrado a qualquer custo”

Contudo, é inegável que foi junto a Bolsonaro que se viu o ressurgimento do debate sobre o patriotismo e o apego a discursos nacionalistas. Para as cientistas sociais Deysi Cioccari e  Simonetta Persichetti, o presidente  Jair  Bolsonaro,  durante  o  processo  eleitoral  de  2018,  direcionou sua campanha ao uso amplo de símbolos pátrios. “Com o slogan de campanha ‘Brasil  acima  de  tudo.  Deus  acima  de  todos’,  Bolsonaro  deu  o  tom  conservador  ao  pleito eleitoral. O então candidato visava a uma aproximação com o eleitorado a partir de um discurso nacionalista e patriótico”, afirmam. “Nas  suas  mídias  sociais,  ele  trabalha  uma  imagem  de  quem  defende os  valores  da  família  e  da  sociedade.”, complementam. 

Nota-se com isso que o que aconteceu após as eleições de 2018 não foi a supressão e extinção de uma “ameaça” comunista, mas uma ascensão de pautas conservadoras e nacionalistas propostas pelo presidente eleito como parte de seu projeto eleitoral. Em sua fala, Bolsonaro assume que foi graças a sua intervenção e ao patriotismo que o tema político voltou a circular e crescer em importância.

Corrupção e governo Bolsonaro 

Parte da campanha eleitoral do atual presidente do Brasil, o combate à corrupção assume no seu governo o viés não apenas político, como também uma identificação com as causas conservadoras. Em discursos e mesmo em seu projeto eleitoral, Bolsonaro assume que em seu governo a corrupção será expurgada. 

Em desdobramentos recentes da investida contra a corrupção no país, Bolsonaro afirmou ter acabado com a corrupção no país. Em seu pronunciamento, o presidente disse: “é um orgulho, é uma satisfação que eu tenho, dizer a essa imprensa maravilhosa que eu não quero acabar com a Lava Jato. Eu acabei com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo. Eu sei que isso não é virtude, é obrigação”. 

Todavia em conversa com apoiadores de seu governo, realizada no dia 06 de dezembro de 2021, no “cercadinho” no Palácio da Alvorada, o presidente deu a entender que há corrupção em seu governo, contrariando o que havia dito em setembro de 2020, “eu não vou dizer que no meu governo não tem corrupção, porque a gente não sabe o que acontece […], mas se tiver qualquer problema, eu vou ver, a gente vai ver isso aí, eu não posso dar conta de mais de 20 mil servidores comissionados, mais ministério com 300 mil funcionários, a grande maioria de pessoas honestas”,ponderou.  

A mudança de posicionamento do presidente se deu após uma série de denúncias internas sobre a compra superfaturada de vacinas contra a covid 19 e licitações fraudulentas. Dentre as acusações levantadas contra Bolsonaro naquilo que ficou conhecido como a CPI da Covid pode-se apontar: atentado contra o direito à vida e a saúde; estímulo à invasões hospitalares; incentivo à automedicação e uso medicamentos sem eficácia comprovada; recusa em adotar o isolamento social; demora e negligência na compra de vacinas; afronta ao decoro do cargo presidencial, dentre outros. 

Contudo, esse não foi o primeiro episódio em que o governo é alvo de acusações de envolvimento com a corrupção. Em novembro do ano passado, o deputado evangélico Marcelo Álvaro Antônio, a pedido de Bolsonaro, assumiu o cargo de ministro do Turismo, mesmo estando sob a suspeita de envolvimento com esquema de desvio de recursos do fundo eleitoral. 

Há ainda uma série de escândalos envolvendo a família de Jair Bolsonaro. Um deles é protagonizado pela esposa do presidente, Michelle Bolsonaro e o ex-assessor dele Fabrício Queiroz. Na ocasião, a primeira dama recebeu em sua conta bancária 27 depósitos em cheque que somavam a quantia de R$ 89 mil, sob a justificativa de que Queiroz estaria pagando uma dívida contraída por ele. As movimentações bancárias de Queiroz levantaram suspeitas da Polícia Federal, que, em suas investigações, descobriram que junto à família Bolsonaro Queiroz havia movimentado quase três milhões de reais em sua conta, entre abril de 2017 e dezembro de 2018.     

Outro escândalo é o de peculato, popularmente chamado “rachadinha’, praticado por um dos filhos de Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro. A rachadinha consiste em um esquema de repasses ilegais de salário que acontecia em seu gabinete quando Flávio ainda era Deputado. 

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Bereia classifica como falsas as afirmações do Presidente da República Jair Bolsonaro (PL) no evento de Primeira Consagração Pública de Pastores do Estado do Amazonas. O STF não decidiu sobre a proibição da Bíblia em residências ou bibliotecas, mas sim deliberou pela não obrigatoriedade do livro em escolas e bibliotecas públicas, em respeito a outras religiões e a quem não tem religião. Além disso, não é possível afirmar que o Brasil beirava o socialismo nas pré-eleições de 2018, tendo em vista que era governado por partido de centro-esquerda, alinhado às causas progressistas, com a proposta de mudanças sociais dentro do sistema capitalista. Tampouco se pode confirmar a inexistência de corrupção no Governo Bolsonaro, tendo em vista as acusações feitas na CPI da COVID este ano e outros casos sob investigação.

Checagem sugerida por leitores.

Referências de checagem:

Gov.br. https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/discursos/2021/discurso-do-presidente-da-republica-jair-bolsonaro-na-primeira-consagracao-publica-de-pastores-do-estado-do-amazonas-manaus-am Acesso em: 08 dez 2021

https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2021/10/presidente-jair-bolsonaro-participa-de-consagracao-de-pastores-no-amazonas Acesso em: 17 de dez 2021

YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=IddSj_wxIjQ Acesso em: 08 dez 2021

Metrópoles. https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/bolsonaro-defende-leis-que-obrigam-biblias-em-bibliotecas-publicas Acesso em: 08 dez 2021

Gazeta do Povo. https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/breves/stf-considera-que-obrigacao-de-manter-biblias-em-acervo-de-escolas-publicas-fere-o-estado-laico/ Acesso em: 08 dez 2021

Metrópoles. https://www.metropoles.com/brasil/justica/stf-decide-que-e-inconstitucional-lei-que-obriga-biblia-em-escolas Acesso em: 08 dez 2021

Agência Lupa. https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2021/04/15/verificamos-stf-biblia-escolas-bibliotecas-publicas/ Acesso em: 08 dez 2021

Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas. https://sapl.al.am.leg.br/media/sapl/public/normajuridica/2010/9014/9014_texto_integral.pdf#:~:text=DISP%C3%95E%20sobre%20a%20obrigatoriedade%20de,das%20unidades%20escolares%20do%20Estado. Acesso em: 08 dez 2021

EL Pais. https://brasil.elpais.com/brasil/2020-12-09/crise-no-ministerio-do-turismo-expoe-empenho-do-governo-bolsonaro-na-eleicao-da-camara.html Acesso em: 15 de dez. 2021

https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08-07/queiroz-fez-27-depositos-para-michelle-bolsonaro-a-esposa-do-presidente-indica-quebra-de-sigilo.html Acesso em: 15 de dez. 2021

G1.

https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2021/04/15/e-fake-que-decisao-do-stf-proibe-biblia-em-escolas-e-bibliotecas-publicas.ghtml Acesso em: 08 dez 2021

https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/07/17/governo-bolsonaro-e-as-vacinas-cronologia.ghtml Acesso em: 08 dez 2021

https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/10/07/bolsonaro-diz-que-acabou-com-a-operacao-lava-jato-porque-governo-nao-tem-mais-corrupcao.ghtml Acesso em: 08 dez 2021

https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/12/08/com-base-no-relatorio-da-cpi-grupo-de-juristas-apresenta-pedido-de-impeachment-de-bolsonaro.ghtml Acesso em: 08 de dez de 2021

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/11/09/rachadinhas-entenda-suspeitas-do-mp-sobre-flavio-bolsonaro.ghtml Acesso em: 17 de dezembro de 2021

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/tudo-sobre/cpi-da-covid/ acesso em: 16 de dezembro de 2021

Estado de Minas. https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/factcheck/2021/04/20/interna_internacional,1259092/supremo-tribunal-federal-nao-proibiu-a-biblia-em-escolas-e-bibliotecas.shtml Acesso em: 08 dez 2021

Coletivo Bereia.

https://coletivobereia.com.br/acao-proposta-pelo-psol-nao-exige-que-ideologia-de-genero-seja-obrigatoria-nas-escolas/ Acesso em 08 dez 2021

https://coletivobereia.com.br/argumento-de-ameaca-comunista-para-justificar-golpe-militar-em-1964-e-falso/  Acesso em 08 dez 2021

Brasil Escola. https://brasilescola.uol.com.br/historiab/intentona-comunista.htm Acesso em 08 dez 2021

Tribunal Superior Eleitoral. https://divulgacandcontas.tse.jus.br/candidaturas/oficial/2018/BR/BR/2022802018/280000614517/proposta_1534284632231.pdf  Acesso em: 08 dez 2021

Periódicos UFJF. https://periodicos.ufjf.br/index.php/lumina/article/view/28571/20024 Acesso em: 08 dez 2021

Revista brasileira de homocultura. classroom.google.com/c/MTQ4NTkxNDAyNTA5 Acesso em: 08 dez 2021

Politize. https://www.politize.com.br/marxismo-cultural/ Acesso em: 08 dez 2021

YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=_BFx6uQ1OsM&t=2s Acesso em: 08 dez 2021

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Foto de capa: Evaristo Sá/ AFP

O pensamento simplório e seu uso no fascismo atual

Um governo autoritário não tem forças para impor sua autoridade se não houver, em algum nível, apoio popular. Obviamente que sempre há, na elite, quem realiza a propaganda de tal governo e quem o sustenta moral e financeiramente. Mas é nas camadas mais populares que um governo precisa exercer sua confiança, do contrário, o povo fica, com facilidade, próximo da provocação de alguma revolução, por parte de outros líderes.

Portanto, o fascismo precisa ser atraente, antes de ser autoritário, ou deve disfarçar seu autoritarismo. É necessário que ele consiga tocar no ponto sensível de uma camada do povo para, assim, lhe ser apresentado como solução. Nesse sentido, o pensamento simplório do fascista é bem atraente. Para todas as dificuldades complexas que uma sociedade plural e desigual possui, o fascismo tem a solução simples. Simplificar é uma forma de tornar compreensível um problema complexo. Simplificar, muitas vezes, por isso, é incapacitar de ver todo o conjunto. No caso do fascismo, porém, “simplificar” ganha outro sentido. Trata-se de tratar um problema complexo como se ele fosse simples. Em seu discurso, diria que “A complexidade é invenção de quem quer manipular o povo. O problema, na verdade, é bem simples e fácil de resolver”. O fascismo é simplista por excelência.

Por conta dessa dificuldade e orgulho obscurantista do fascismo, é necessário simplificar tudo: o povo não é composto por diversas nações e culturas. O povo é um só e quem quiser fugir dessa regra cultural, que deve identificar a todos, precisa ser considerado fora do povo; Cidadão de bem é todo aquele que segue essa cultura, o contrário é bandido, marginal, inimigo, ou alguém que precisa ser convertido.

Com o poder do pensamento simplório, o fascismo precisa apenas tocar na “ferida certa”, para que possa ser apresentado como solução. No nosso caso (e no passado também): corrupção e violência. O fascismo não é imposto na marra, ele surge do sentimento de frustração e desesperança. Esses dois temas tocam no coração do brasileiro exatamente nesses dois sentimentos: frustração em ter confiado no PT ou em Lula; frustração pelo desemprego que começava a crescer; desesperança por não encontrar nenhum outro em quem votar, pois “todos são iguais”. Esses são alguns pontos em que esses sentimentos foram explorados.

Pensar de forma complexa, diversa e plural não faz parte do fascismo. Deve-se, porém, fugir da ideia de que somente pessoas sem acesso ao conhecimento que são atraídas pelo fascismo. Não. Hitler tinha, ao seu lado, diversas pessoas com currículo acadêmico invejável. O que se deve concluir é que formação acadêmica não define caráter e nem capacidade de reflexão complexa e crítica. A formação acadêmica ajuda, incentiva e desafia. Mas apenas àqueles que se sentem ajudados, incentivados e desafiados pelo pensamento crítico e pelo método científico.

O que isso tudo tem a ver? Sentimentos como compaixão, empatia, simpatia e o que mais pudermos usar como proximidade sinonímica, nascem de uma capacidade de pensar complexamente. Não se pode ter compaixão por alguém sem um esforço mental (por vezes, aparentemente, natural) que permita imaginar-se no lugar do outro sob as mesmas circunstâncias. Quando alguém diz “eu no lugar dele não teria roubado pra comer” precisa, antes de tudo, saber se pensou mesmo estar sob as mesmas circunstâncias, não apenas em situação de fome, ou vontade de comer. Justamente por não conseguir fazer esse exercício, o fascismo simplifica crimes e atitudes que considera imorais, a exemplo, um argumento contrário à descriminalização do aborto: “Não quer ter filho? Use preservativo! Feche as pernas”.

Essa imperatividade das palavras fascistas, associada à solução fácil do problema complexo, tem ligação com sua mente simplória. Entende que o problema é tão simples e a solução tão óbvia que torna-se intransigente e intolerante. Fora de si, não há um outro mundo possível e nem outras possibilidades: Há um mundo errado e erro se combate. O discurso imperativo é justamente fruto desse desejo de combater aquilo que considera errado. O fascismo transforma uma opinião em verdade dogmática. A solução não deve ser condicionada ou pensada, deve ser implantada, doa a quem e no que doer.

Daí nasce a autoridade do fascista dos nossos dias. Não em ter dito coisas erradas e que pessoas que pensam errado aceitaram. O fascismo não é um dogma. Ele apenas tocou na simplicidade. Sua forma de atuação, porém, segue bem fiel ao seu arquétipo fundado por Mussolini.

Não há outra forma de entender um homem que tem apoio ao ir em uma homenagem/protesto e retirar as cruzes que eram símbolos dos mortos pela pandemia da Covid-19. A dor dos feridos se torna menos importante do que o erro a ser combatido. O mais importante é desmascarar a grande mídia, o comunismo e a farsa que se instalou no país. O erro não pode ser tolerado. Não deve haver gentileza e nem solidariedade com quem está “do outro lado”. Não há crédito na quantidade de mortos. E mesmo que exista um número alto de mortos, esse número é justificado por “N” equações que se imaginar e que, sequer, foram realizadas.

Há maldade? Há preconceito que saiu do armário? Essas pessoas são tão ruins e tão insensíveis assim? Depois que Hitler morreu e foi descoberto tudo o que aconteceu, muitos que o apoiavam diziam não saber o que estava ocorrendo. Diziam que se soubessem não o teriam apoiado. A questão é que Hitler tocou na ferida certa e soube conduzir um povo para o ódio disfarçando-o de dever civil. Neste ponto, me lembro das palavras de um alemão, na época do Terceiro Reich, relembrado por Madeleine Albright, em sua obra sobre o fascismo:

“Viver esse processo é ser absolutamente incapaz de reparar nele – tente acreditar em mim, por favor… Cada passo era tão pequeno, tão insignificante, tão bem explicado ou, às vezes, ‘lastimado’ que, a não ser que você estivesse desde o início a observar de fora, a não ser que entendesse aonde… poderiam levar um dia todas aquelas ‘pequenas medidas’ a que ‘alemão patriota’ algum poderia se opor, não seria capaz de enxergar o desenvolvimento diário da coisa, assim como um fazendeiro não percebe o crescimento de seu milho…

E um dia, quando já é tarde demais, seus princípios, caso tenham importância para você, o tornam de assalto. O peso de se iludir tornou-se forte demais, e algum incidente menor, no meu caso o meu filho, praticamente um bebê, dizendo ‘seu porco judeu’, faz tudo desabar de uma vez, e você repara que tudo, tudo, mudou e mudou por completo debaixo do seu nariz.”

Não dá pra dizer o que essas pessoas são sem considerar essas palavras. Os que, porém, conseguem enxergar tudo, ou parte do tudo, precisam lutar com todas as forças para que tudo não mude por completo debaixo de seu nariz.  

Foto de Capa: Reprodução/ Toda Matéria

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