Sites religiosos desinformam ao tratar da Revisão do Código Civil Brasileiro

Sites e mídias religiosas questionam os pontos mais sensíveis relacionados à família e costumes do Relatório Final da atualização do Código Civil Brasileiro e causam alardes ao distorcerem trechos que tratam sobre direitos do nascituro, casamento e modelos de família. 

Imagem: reprodução do site Terra Brasil Notícias

Entre estes espaços digitais está  o site Pleno News que publicou título de uma de suas matérias com a afirmação de que o anteprojeto trata de aborto. 

Bereia checou as informações.

Imagem: reprodução site Pleno News

Imagem: reprodução do site Brasil Paralelo

O que é a Comissão de Revisão do Código Civil

Desde quando foi instalada no Senado Federal, em 4 de setembro de 2023, a Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil (CJCODCIVIL) tem sido alvo de polêmicas entre grupos cristãos e outros segmentos alinhados a valores conservadores.  O colegiado é composto por 39 juristas e presidido pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, , o vice-presidente é Marco Aurélio Bellizze, também ministro do STJ. Dos 39 membros, 11 são mulheres. É a primeira vez que juristas mulheres participam da elaboração do Código. Além disso, a professora associada de Direito Civil da Faculdade de Direito da PUC/SP Rosa Maria de Andrade Nery é uma das relatoras do anteprojeto. 

Em oito meses de encontros, audiências e discussões sobre a reformulação do Código, a comissão recebeu 280 sugestões da sociedade, e ouviu especialistas em Direito Civil para compor o documento. O relatório final, que inclui o Anteprojeto de Lei, acompanhado das

justificativas das propostas, foi divulgado em 26 de fevereiro de 2024, e aprovado pela Comissão, em 5 de abril. A sessão de debate temático para apresentação e discussão do anteprojeto para reformular o Código Civil, instituído em 2002 e que está em vigor desde 2003, está marcada para o dia 17 de abril no plenário do Senado Federal. 

Os relatores admitem que há tópicos polêmicos que precisam de especial atenção para que haja um consenso. “O que foi combinado com o Pacheco é que nós daremos um parecer técnico. Depois, a matéria vai ser alterada conforme o Legislativo julgar melhor”, afirmou o presidente da comissão.

Aborto não está sendo tratado

Um dos pontos que mais tem causado reação negativa entre religiosos diz respeito ao direito do nascituro e define o feto como “potencialidade de vida humana pré-uterina ou uterina”. O senador espírita Eduardo Girão (Novo-CE) criticou o texto em discurso no plenário do Senado. Para ele, o artigo introduz no Código Civil a noção de que o bebê, antes de nascer, não teria vida humana. “É uma verdadeira aberração! Querem por uma perspectiva que afronte a biologia, ao definir que o bebê antes de nascer não é humano. E, como também não é animal, então passaria a ser apenas uma coisa descartável. É o sonho dos abortistas que defendem a legalização do assassinato de crianças no ventre materno”, disse Girão aos seus pares, o que foi reproduzido em veículos que propagam notícias da direita extremista.

Imagem: reprodução do jornal Gazeta do Povo

O trecho ao qual Girão se refere é o primeiro parágrafo do Art. 1.511-A:§ 1º A potencialidade da vida humana pré-uterina e a vida humana pré-uterina e uterina são expressões da dignidade humana e de paternidade e maternidade responsáveis”. A expressão que aparenta limitar o alcance dos direitos do feto foi usada para alimentar notícias falsas, em alguns sites cristãos e da extrema direita. 

“Eu queria esclarecer que até aqui nós não temos nenhum tratamento sobre aborto no projeto, nenhum tratamento com família multiespécie, nós não temos nenhum tratamento sobre incesto no projeto, nós não temos nenhum tratamento a respeito de famílias paralelas. Não há nada no código a respeito desses assuntos, e isso vai ser percebido pela própria votação”, explicou um dos relatores da CJCODCIVI Dr. Flávio Tartuce

O jurista acrescenta, ainda, que o Código Civil sempre motiva debates, porque lida com a vida do cidadão desde antes do nascimento até depois da morte. “É normal haver discordâncias. Mas há também as polêmicas promocionais, de pessoas que querem se promover, e entre essas a grande maioria não leu nada”, lamenta.

De acordo com o artigo Fake news sobre a reforma do Código Civil: a quem interessa a desinformação?”, de autoria dos advogados Gustavo de Castro Afonso e Laura de Moraes Lima e do professor de Direito pela USP, doutor e mestre em Filosofia do Direito pela PUC-SP Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico (ConJur):

A realidade do debate no Congresso conduzido por gente séria e comprometida, (…) está bem distante das teorias dos moralistas de plantão, que vivem uma realidade transcendente, que nem mesmo Platão saberia onde fixar na imaginária caverna. Chamemos de metaverso

“O texto ainda em discussão, longe de pretender a legalização do aborto, alarga a proteção ao nascituro, prevendo, inclusive, a necessidade de intervenção do Ministério Público nos procedimentos extrajudiciais em que presentes seus interesses”, explica o texto da Conjur.

O presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) ressaltou em entrevista à Agência Senado que a sociedade deve se tranquilizar em relação à Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil. “O objetivo do grupo não é elaborar um novo Código Civil, mas sim suprir lacunas de normas que foram criadas há 20 anos”. 

Pacheco afirmou que está ciente da preocupação das comunidades católicas e evangélicas em relação aos temas que envolvem a família. “Todos esses temas, independente de como venham da Comissão de Juristas, obviamente, terão aqui um amplo debate com a sociedade e uma decisão que será do Parlamento”. O presidente do Senado explica, desta forma,  que o que for indicado pela comissão de juristas não exclui o Congresso nem vira força de lei, ao contrário do que os sites e parlamentares citados fazem crer.

“O colegiado promoveu verdadeiro debate democrático acerca de quais avanços e alterações precisam ser promovidos para que a nossa legislação de direito civil seja adaptada às demandas sociais dos tempos em que vivemos. Para que o Código Civil continue a perpetuar seu compromisso de garantir segurança jurídica e promover justiça em nossa nação, contribuindo para a edificação de uma sociedade mais justa e democrática, é chegado o momento de atualizá-lo”, declarou o senador Rodrigo Pacheco no requerimento que fez para determinar a discussão do anteprojeto em sessão temática no Plenário, em 17 de abril.

Sobre definições de família

Outro ponto que tem causado confusão entre gruposcristãos é a divulgação do texto do artigo 19: “A afetividade humana também se manifesta por expressões de cuidado e de proteção aos animais que compõem o entorno sociofamiliar da pessoa”. Para parte da comunidade cristã, esse texto elevaria o status jurídico da relação entre pessoas e animais. “… Abrindo espaço para o reconhecimento legal do que tem sido chamado de família multiespécie”, alega uma carta aberta divulgada por entidades cristãs da Paraíba, assinada pela Associação dos Pastores Evangélicos da Paraíba, Núcleo de Estudos em Política, Cidadania e Cosmovisão Cristã, Missão Juvep e VINACC. 

O texto se baseou em denúncias do site alinhado a grupos extremistas  Gazeta do Povo, para compor seu manifesto. Além das organizações paraibanas, a União Nacional das Igrejas e Pastores Evangélicos (UNIGREJAS) que diz em seu site ter reunido mais de 20 mil pastores pelo Brasil, também divulgou nota de repúdio ao anteprojeto se baseando em matérias do mesmo jornal, já desmentidas pelo relator da comissão de juristas

Imagem: reprodução do site Gazeta do Povo

Imagem: reprodução do site Gazeta do Povo

O presidente da comissão rebateu as críticas e disse não haver no anteprojeto nada sobre aborto ou qualquer menção a relações entre espécies. “O Código Civil não trata de aborto, nem tampouco da relação entre humano e animal. São notícias estapafúrdias. Imaginamos que isso seja fruto desse fenômeno moderno das notícias falsas que inclusive está sendo tratado pelo texto. Estamos tratando de coibir essas notícias falsas por intermédio de plataformas digitais”, ressaltou o ministro do Supremo Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão.

Sobre a questão do casamento, o texto remove menções a “homem e mulher”, reconhecendo o casamento civil e a união estável para casais homoafetivos, ampliando a definição de família para incluir vínculos conjugais e não conjugais, abrindo caminho para proteger, no texto da lei, o direito de homossexuais ao casamento civil, à união estável e à formação de família. 

Nessa linha, sem ingressar em debates ideológicos, primando pela absoluta cientificidade, respeitando jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, baniu-se, nas normas disciplinadoras do casamento e da união estável, referências a “homem e mulher” ou “marido e mulher”, optando, precisa e objetivamente, pela expressão “duas pessoas”, o que contempla, em perspectiva constitucional e isonômica, todo e qualquer casal, seja heteroafetivo ou não”, diz o relatório final no trecho em que a comissão explica as mudanças sugeridas no Código. 

Neste caso, os sites religiosos não incorreram em divulgação de informação falsa. E, como descrito, os casais heterossexuais estão incluídos na definição, sem excluir as demais formações familiares que já existem, na prática.

Divórcio também foi tema

O divórcio unilateral também é abordado pelas notas de repúdio e reportagens nos sites questionados nesta matéria. O artigo 1.582-A traz conteúdo sobre esta questão: O cônjuge ou o convivente, poderão requerer unilateralmente o divórcio ou a dissolução da união estável no Cartório do Registro Civil em que está lançado o assento do casamento ou onde foi registrada a união, nos termos do § 1º do art. 9º deste Código

No entanto, o Anteprojeto do Código Civil reforça logo em seguida, no segundo parágrafo, que o outro cônjuge deve ser notificado imediatamente: § 2º Serão notificados prévia e pessoalmente o outro cônjuge ou convivente para conhecimento do pedido

Outra proposta abordada no direito de família foi a mudança de nomenclatura de família para “das famílias”, no plural, e a criação de uma nova figura jurídica, chamada de “convivente”, além do “cônjuge”, para descrever as uniões estáveis. 

Além das entidades cristãs da Paraíba e da UNIGREJAS, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) e a União de Juristas Católicos também lançaram notas de repúdio e preocupação com o texto da reforma do Código Civil. 

“Sem qualquer diálogo público efetivo, nem mesmo com uma consulta ao mundo jurídico em geral (apenas 3 audiências públicas), o texto apresentado sugere reformas fundamentais em diversas matérias, com especial destaque para a personalidade civil e o direito de família (que sugere-se renomear de direito “das famílias”)”, diz a nota que se equivocou quanto ao número de audiências públicas, foram quatro e não três. (23/10/2023; 20/11/2023; 07/12/2023 e 26/02/2024), segundo o site da comissão.

Além disso, Bereia checou que, ao contrário das críticas dos juristas católicos, a comissão constituída no Senado ouviu a população e recebeu 280 sugestões para elaboração do texto. 

Código Civil no Brasil: breve histórico

O Código Civil é um conjunto de normas que impactam o dia a dia dos cidadãos brasileiros, e regula a vida do cidadão desde antes do nascimento, com efeitos até depois da morte do indivíduo, passando pelo casamento, regulação de empresas e contratos, além de regras de sucessão e herança. Ele reúne as normas que determinam os direitos e deveres das pessoas, dos bens e das suas relações no âmbito privado.

 Embora tenha sido elaborado em 2002, o Código Civil não foi o primeiro regulamento criado no país.

Nos séculos 17 e 19 havia a preocupação de neutralizar o Poder Judiciário através da criação de normas que o limitassem. Desta forma, foi outorgado em 1804 por Napoleão Bonaparte o Código Civil francês, revolucionando o Direito na Idade Contemporânea, cristalizando o conceito de Direito Civil, segregando as normas chamadas de Direito Público.

Com a conclusão de seu processo de independência, em 1823, o Brasil quis se inserir no concerto das nações e para isso era apropriado que o país se organizasse de acordo com uma legislação seguindo os moldes de então. Ainda naquele ano se discutiu a rápida confecção de um Código Civil. A lei foi votada na Assembleia Geral e Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, determinando a recepção de todo ordenamento jurídico português enquanto não fosse redigido “um  Código Civil” próprio, promessa reiterada na Constituição Imperial de 1824, em seu art. 179, XVIII (“Organizar-se-á quanto antes um Código Civil e Criminal, fundado nas sólidas bases da Justiça e Equidade”). 

A vontade de ter um Código Civil próprio não foi suficiente e somente em 1916 foi criado o primeiro documento responsável por instituir regras para as relações civis: o Código de Bevilacqua, idealizado pelo jurista Clóvis Bevilacqua (Lei 3071/1916). Antes de sua criação as Ordenações Filipinas, de 1603, que Portugal havia substituído em 1867, quando publicou seu próprio Código Civil.

As bases doutrinárias do Código Civil de 1916 eram assentadas em conceitos do século 19 que logo foram superados no século 20, a exemplo de patriarcalismo pronunciado nas relações de família e liberalismo, por esta razão passando por diversas reformas pontuais.

Durante o governo do ditador general Castelo Branco, na segunda metade do século 20, iniciou-se um movimento de reforma profunda da sociedade brasileira, o que implicou em uma tentativa de atualização da legislação civil. Devido a esse movimento de reforma, em 1969, durante a administração do ditador general Costa e Silva foi constituída a Comissão Miguel Reale, cujo objetivo era atualizar, reformar e recodificar o Direito Civil brasileiro. O novo Código Civil iniciou sua tramitação no Congresso Nacional, em 1975. 

O texto final foi aprovado em 15 de agosto de 2001, quando começou o período de transição fixado em lei. Após 32 anos de discussão, o novo Código Civil foi sancionado em janeiro de 2002 (Lei n° 10.406/2002), tendo entrado em vigor em 2003. 

Direito digital

Enfrentar a desinformação é um dos pontos que a comissão de juristas adicionou ao texto final do anteprojeto da reforma do Código Civil. A novidade é a criação do Direito Civil Digital, como Livro autônomo do Código Civil

“Fica evidente que as relações e situações jurídicas digitais já fazem parte do cotidiano do brasileiro e tornaram premente o delineamento do Direito Civil Digital, em face da evidente virada tecnológica do direito, de modo a agregar inúmeras interações de institutos tradicionais e de novos institutos, relações e situações jurídicas neste ambiente digital”, diz o relatório final da comissão. “O Livro de Direito Civil Digital ilumina a necessidade de atualizar a legislação brasileira para abordar os desafios e oportunidades apresentados pelo ambiente digital. A lei é meticulosamente estruturada em capítulos que abrangem desde disposições gerais até normas específicas para atos notariais eletrônicos”, explica ainda o relatório

O texto trata de assuntos como o direito digital à intimidade, liberdade de expressão, patrimônio e herança digital, proteção à criança, inteligência artificial, contratos e assinaturas digitais.

“A nossa grande inovação é a criação de normas gerais, criando um livro próprio sobre direito digital. Estamos propondo questões como a moderação de conteúdo das plataformas, avanços no neurodireito digital. São vários temas que estão sendo tratados e que vão conversar com outros pontos. Um exemplo é a herança digital e os bens digitais: moedas eletrônicas, mas também patrimônio que está em redes sociais, fotografias, os dados colocados nas redes, perfis”, diz Salomão.

A Inteligência artificial não ficou de fora. A regulamentação de ferramentas do tipo também faz parte do projeto. Segundo o presidente do colegiado, a proposta do anteprojeto traz linhas gerais sobre a necessidade de autorização do uso da imagem gerada por IA e outros temas para não ficar defasado em relação a inovações tecnológicas. “A ideia é fazer uma regulamentação geral, sem amarrar. Ninguém vai  segurar a evolução das tecnologias”, destacou.

O novo Livro representa um passo significativo, colocando o Brasil na vanguarda do tema e alinhando o direito brasileiro com as realidades do mundo digital, garantindo proteção, transparência e segurança nas interações online, enquanto promove a inovação e respeita os direitos fundamentais no ambiente digital”, argumentam os autores do anteprojeto no relatório final. 

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Bereia conclui que  as matérias do site religioso Pleno News, da Gazeta do Povo entre outros veículos e grupos que criticam o relatório final da Comissão de Juristas criada no Senado para elaboração de um anteprojeto de lei para a reforma do Código Civil Brasileiro são ENGANOSAS. Estes espaços digitais usam títulos com conteúdo falso e sensacionalista para confundir leitores e levá-los a conclusões erradas sobre o trabalho da comissão. 

As notícias refutadas nesta matéria são enganosas porque, apesar de terem conteúdo verdadeiro, os títulos e alguns trechos confundem leitores e os levam a acreditar em falsidades, uso de pânico moral, assunto já abordado por Bereia. Também instigam o público a fazer julgamentos equivocados sobre o anteprojeto e a Comissão de Juristas formada para a elaboração e reforma do Código Civil no Senado.

Em nenhuma das 311 páginas do relatório final fala-se sobre aborto, ou relação entre humanos e animais, ou sobre direito de pessoas que mantenham uma união extraconjugal. 

Entretanto, é verdadeiro que o texto suprime as palavras “homem e mulher” ou “marido e esposa” para definir as relações familiares. O intuito é garantir os direitos e deveres de famílias que não se encaixam nessa nomenclatura. Entre elas estão as formadas por casais do mesmo sexo, mas também aquelas formadas por parentes ou pessoas agregadas, sem necessariamente haver algum tipo de relacionamento amoroso entre os integrantes. Por exemplo, famílias cujos pais faleceram e um irmão mais velho passou a exercer o papel de chefe daquele núcleo. 

Referências de checagem:

Agência Senado

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/09/04/instalada-comissao-de-juristas-para-atualizar-o-codigo-civil Acesso em 15 ABR 24

https://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao?codcol=2630 Acesso em 15 ABR 24

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/download/3f08b888-b1e7-472c-850e-45cdda6b7494 Acesso em 15 ABR 24

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/04/05/juristas-concluem-anteprojeto-de-codigo-civil-direito-digital-e-familia-tem-inovacoes Acesso em 15 ABR 24

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/03/07/pacheco-afasta-preocupacoes-sobre-atualizacao-do-codigo-civil Acesso em 15 ABR 24

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/04/11/anteprojeto-do-novo-codigo-civil-sera-apresentado-na-quarta-17 Acesso em 15 ABR 24

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/download/3f08b888-b1e7-472c-850e-45cdda6b7494 Acesso em 15 ABR 24

Estadão 

https://www.estadao.com.br/politica/reforma-codigo-civil-familia-uniao-homoafetiva-casamento-gay-pets-inteligencia-artificial-senado-congresso-nacional-nprp/ Acesso em 15 ABR 24

CONJUR 

https://www.conjur.com.br/2024-mar-16/fake-news-sobre-a-reforma-do-codigo-civil-a-quem-interessa-a-desinformacao/ Acesso em 15 ABR 24

EBC 

https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2024-03/comissao-de-juristas-vota-relatorio-final-da-reforma-do-codigo-civil Acesso em 15 ABR 24

CNN Brasil

https://www.cnnbrasil.com.br/blogs/caio-junqueira/politica/juristas-catolicos-criticam-novo-codigo-civil-proposto-pelo-senado/ Acesso em 15 ABR 24

Assembleia Legislativa do Espírito Santo

https://www.al.es.gov.br/Noticia/2022/01/42426/codigo-civil-brasileiro-completa-20-anos.html Acesso em 15 ABR 24

Politize

https://www.politize.com.br/novo-codigo-civil/ Acesso em 15 ABR 24

Câmara dos deputados

https://www2.camara.leg.br/a-camara/visiteacamara/cultura-na-camara/copy_of_museu/exposicoes-2012/10-anos-do-codigo-civil Acesso em 15 ABR 24

https://www.camara.leg.br/noticias/24906-historia-do-novo-codigo-civil/#:~:text=O%20novo%20C%C3%B3digo%20Civil%20come%C3%A7ou,de%20transi%C3%A7%C3%A3o%20fixado%20em%20lei Acesso em 15 ABR 24
https://www2.camara.leg.br/a-camara/visiteacamara/cultura-na-camara/copy_of_museu/exposicoes-2012/10-anos-do-codigo-civil Acesso em 15 ABR 24

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Foto de capa: Waldemir Barreto/Agência Senado

Site gospel divulga atitude desrespeitosa em cidade de Santa Catarina como ato de intolerância religiosa

Em 22 de outubro de 2020 o portal evangélico Gospel Prime publicou matéria intitulada “Trio sobe em cruz e postam fotos com mensagens ofensivas”.

De acordo com o texto, três pessoas, dentre elas um adolescente, subiram em uma cruz em frente à Igreja Matriz Puríssimo Coração de Maria, situada no centro da cidade de São Bento do Sul, no norte de Santa Catarina, na manhã de 20 de outubro. O momento teria sido registrado, e um dos envolvidos divulgou nas mídias sociais as fotos com palavras de baixo calão na legenda. A publicação teria sido excluída do perfil do participante naquele mesmo dia. 

A matéria afirma que a Polícia Civil começou a investigar o caso depois que as imagens chegaram aos agentes por intermédio da imprensa local. O pároco da igreja registrou boletim de ocorrência contra os jovens, classificados na matéria do Gospel Prime como “vândalos”, apesar de o texto original, do qual o site faz uso, afirmar que “os jovens subiram na cruz” e “a cruz não chegou a ser vandalizada”. 

Em entrevista ao site NSC Total, o delegado Lucas Mendonça afirmou que com a identificação dos envolvidos, o primeiro passo será acioná-los para depor. “Quando isso for feito, eles poderão responder pelo artigo 208 do Código Penal, que trata de vilipendiar publicamente um ato ou objeto de culto religioso”, explicou. O portal G1 também reportou o assunto.

Nenhuma das publicações-fonte do Gospel Prime menciona a palavra “ofensa” ou indica que tipo de ofensa teria proferida ou a quem os jovens teriam ofendido nas publicações em suas mídias sociais. A menção do NSC Total, de onde Gospel Prime tirou a informação, é da publicação de “palavrões” na legenda das fotos, mas não há detalhes sobre a que ou a quem estas expressões estavam vinculadas.

A conclusão da matéria de Gospel Prime relaciona o caso de São Bento do Sul com “cenas de intolerância religiosa contra igrejas cristãs que têm sido frequente (sic) no mundo”. Apresenta o caso de um jovem que arrancou a cruz de uma igreja em Londres e o caso do incêndio de igrejas no Chile, há duas semanas.

Vilipêndio e violação do sentimento religioso coletivo

A matéria do NSC Total diz que os jovens podem ser enquadrados em crime de vilipêndio. Ele está previsto no Código Penal, nos artigos 208 e 2012 como:

“o ato de vilipendiar, sinônimo de desrespeitar, ultrajar, menosprezar, sendo admitido através de qualquer meio de execução (palavras, gestos, escritos). O Código Penal tipifica o crime de vilipêndio público de ato ou objeto de culto religioso, sendo necessário que a conduta recaia sobre ato religioso ou sobre objeto de culto religioso e que ocorra em público; e também o crime de vilipêndio a cadáver, sendo necessário que o ato seja praticado na presença do cadáver ou de suas cinzas, com a específica intenção de ultrajar o cadáver e de que seu gesto seja visto por testemunhas, hipóteses em que o crime normalmente é praticado no próprio velório ou enterro”.

O artigo 208, que trata especificamente do vilipêndio religioso, diz:

“Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”. A pena é de um mês a um ano de detenção ou multa. 

No caso em questão, apesar de a cruz não ter sido danificada, o ato foi interpretado pelo delegado, depois da queixa do padre, como desrespeito público à crença de terceiros.

O termo vilipêndio religioso foi destaque no episódio que envolveu o especial de Natal da produtora de vídeos de comédia Porta dos Fundos, em dezembro de 2019. Na ocasião, o filme “A primeira tentação de Cristo” foi criticado por grupos religiosos por retratar um Jesus homossexual e um Deus mentiroso. A sede da produtora chegou a ser atacada por grupos extremistas. Um exemplo foi o vídeo do pastor evangélico Silas Malafaia, no qual cita o artigo 208 do Código Penal, mas também critica o ataque à sede da produtora.

Diante da repercussão, um grupo de deputados estaduais de São Paulo chegou a pedir a criação da CPI do Porta dos Fundos na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), o que não teve prosseguimento.

Em março de 2020, o caso em torno da Escola de Samba Águia de Ouro (São Paulo) alcançou repercussão na mídia . A Justiça proibiu a agremiação de apresentar ao público a escultura da Virgem Maria, baseada na “Pietá” de Michelangelo. A alegoria mostrava Maria segurando no colo um indígena, com sinais de crucificação, no lugar de Jesus. Ao tomar a decisão, o desembargador José Luiz Fonseca Tavares citou o artigo 208 do Código Penal, a fim de justificá-la.

Estes são casos mais recentes mas há muitas outras expressões culturais  classificadas ou não como vilipendiosas, a partir de queixas estabelecidas.

O uso do tema da intolerância religiosa

Gospel Prime publica sobre a brincadeira de mau gosto de três jovens, desrespeitosa com símbolo religioso público da cidade de São Bento do Sul, em momento em que há clima no noticiário religioso em torno do tema da intolerância religiosa. 

O site relaciona ao caso ocorrido de Londres, capital da Inglaterra, que já havia noticiado, em que um jovem decidiu arrancar a cruz da Chadwell Heath Baptist Church, conforme noticiou o londrino The Sun. Outro veículo, Mirror, relatou a prisão do homem por danificação criminosa.

Gospel Prime também cita as  igrejas incendiadas no Chile, em meio às manifestações que lembraram um ano dos protestos contra a política anti-direitos do governo daquele país. O site diz que os atos geraram “muita preocupação quanto a liberdade religiosa no país”. Mídias e personagens religiosos no Brasil classificaram o ato “cristofobia”, perseguição a cristãos.

Bereia verificou as informações a respeito desses atos de intolerância religiosa no país sul-americano, contextualizou a situação política do país e esclareceu que não se trata de perseguição religiosa e que não há preocupação quanto à liberdade religiosa no Chile, um país predominantemente cristão.

Importa registrar que vilipêndio, como explicado acima, não é sinônimo de intolerância religiosa. Segundo o Relatório sobre Intolerância e Violência Religiosa no Brasil (2011 – 2015): Resultados Preliminares, publicado pelo governo federal em 2016, é considerado intolerância e violência religiosa (p. 8):

o conjunto de ideologias e atitudes ofensivas a diferentes crenças e religiões, podendo em casos extremos tornar-se uma perseguição. Entende-se intolerância religiosa como crime de ódio que fere a liberdade e a dignidade humana, a violência e a perseguição por motivo religioso, são práticas de extrema gravidade e costumam ser caracterizadas pela ofensa, discriminação e até mesmo por atos que atentam à vida
Asseguradas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e pela Constituição Federal (BRASIL, 1988), temos as liberdades de expressão e de culto, onde a religião e a crença dos cidadãos não devem constituir barreiras a fraternais e melhores relações humanas. Portanto, as pessoas devem ser respeitadas e tratadas de maneira igual perante a lei, independente da orientação religiosa. Acrescenta-se que pela Constituição Federal, o Brasil é um Estado laico, onde não há uma religião oficial brasileira, garantindo uma separação entre Estado e religiões, onde se espera do Estado que se mantenha neutro e imparcial às diferentes religiões, assegurando o tratamento igualitário aos cidadãos e as cidadãs, quaisquer que sejam suas crenças ou não crenças, de conformidade que a liberdade religiosa seja protegida, e sob nenhuma hipótese, deva ser desrespeitada.

Bereia conclui que a matéria de Gospel Prime é enganosa. O  possível vilipêndio, ou desrespeito, público (ainda será julgado), ocorrido em São Bento do Sul, praticado por três jovens, que subiram na cruz histórica da cidade, tiraram fotos e as publicaram legendas com palavrões em mídias sociais, é verdadeiro,. No entanto, a forma como a matéria é construída faz parecer que a provável atitude desrespeitosa dos jovens foi um ato de intolerância religiosa, no contexto de perseguição a cristãos no mundo. Gospel Prime faz uso da expressão “mensagens ofensivas” no título, sem explicar a quê ou a quem foram dirigidas ofensas. O termo não é mencionado na matéria original que o site utilizou como fonte; esta cita apenas o uso de palavrões na legenda das fotos sem explicitar a quem foram dirigidos. Gospel Prime também usa o termo “jovens vândalos”, o que não condiz com o relato da fonte, o NSC Total, que afirma que a cruz não foi vandalizada, os jovens apenas “subiram nela” para tirar as fotos, o que provocou a queixa do padre local, que considerou desrespeitosa a atitude. 

Bereia lembra ainda a necessidade de se contextualizar atos contra templos ou símbolos religiosos e a fiéis e identificar as diferenças entre os casos de desrespeito, de vandalismo, de intolerância e situações de perseguição em que a liberdade religiosa é de fato tolhida, conforme já realçado pelo Coletivo em outras matérias.

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Foto de Capa: NSC Total/Reprodução

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Referências de checagem

Constituição Federal, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 23 out 2020. 

Portal G1, https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2020/10/22/policia-tenta-identificar-trio-que-escalou-cruz-de-igreja-em-sc.ghtml Acesso em: 23 out 2020.

Site NSC Total, https://www.nsctotal.com.br/noticias/identificado-trio-que-subiu-em-cruz-da-igreja-matriz-de-sao-bento-do-sul Acesso em: 23 out 2020.

Site NSC Total, https://www.nsctotal.com.br/noticias/trio-que-subiu-em-cruz-da-igreja-matriz-de-sao-bento-do-sul-sera-investigado-pela-policia Acesso em: 24 out 2020.

DireitoNet, https://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/1312/Vilipendio. Acesso em: 27 out. 2020.

Portal JusBrasil, https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10612290/artigo-208-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940 Acesso em: 24 out 2020.

Portal G1, https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/01/06/acusado-de-participar-de-ataque-ao-porta-dos-fundos-e-expulso-do-psl.ghtml. Acesso em: 27 out. 2020.

Observatório G, https://observatoriog.bol.uol.com.br/noticias/silas-malafaia-se-revolta-com-jesus-gay-e-afirma-que-porta-dos-fundos-cometeu-crime Acesso em: 26 de out 2020.

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Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/noticias-sobre-cristofobia-em-portais-gospel-nao-contextualizam-questao-ao-redor-do-mundo/ Acesso em: 25 out 2020.