A parceria entre dois significativos veículos de comunicação e das mídias sociais, com forte segmentação religiosa, a Rede Canção Nova (internet, rádio e TV) e a produtora Brasil Paralelo (internet e stream media) repercutiu negativamente. Neste 10 de setembro, foi divulgada uma nota pública do Observatório da Comunicação Religiosa no Brasil (OCR), ligado à Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) e à Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), a serviço da Comissão Episcopal de Pastoral para a Comunicação Social da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
A nota do OCR viralizou em várias mídias sociais. Bereia verificou a procedência da nota que circula amplamente em grupos de WhatsApp, e diz o seguinte:
“O Observatório da Comunicação Religiosa (OCR), iniciativa da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB Nacional) e da Comissão de Justiça e Paz (CBJP) a serviço da CNBB (§ 345, Capítulo X do Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil, 2023), tomou conhecimento em julho da parceria entre a TV Canção Nova (Estúdio Anuncia-me) e a empresa Brasil Paralelo.
Esta nova informação apenas confirma o que a própria empresa Brasil Paralelo já havia divulgado, em fevereiro de 2022, quando listou a Canção Nova entre os meios de comunicação que veiculavam seus conteúdos.
Considerando que a TV Canção Nova é um importante e poderoso meio de comunicação que integra o Sistema Canção Nova de Comunicação e se apresenta como parte da Comunidade Católica Brasileira; e
Considerando que a empresa Brasil Paralelo notoriamente se alinha com o pensamento de extrema direita; divulga teorias conspiratórias que já foram contestadas, dentre outros, pela Associação Nacional de História; e divulga, reiteradamente, notícias falsas identificadas e denunciadas por agencias de checagem idôneas e pelo próprio TSE;
O OCR julga de seu dever chamar a atenção da própria Canção Nova e das autoridades eclesiásticas para os graves riscos que esta parceria com a empresa Brasil Paralelo representa para o cumprimento das Diretrizes da Igreja Católica, o alinhamento com o ensinamento do Papa Francisco e a fidelidade ao Evangelho de Jesus Cristo”.
Risco às Diretrizes Católicas
Bereia ouviu a Coordenação do Observatório da Comunicação Religiosa (OCR), que confirmou a publicação da Nota Pública em agosto deste ano.
A Coordenação explicou que , “o Observatório não é um órgão da CNBB, mas uma iniciativa da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) e da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), a serviço da CNBB e da sociedade”. Um dos objetivos do OCR é “contribuir para qualificar sempre mais a comunicação da Igreja Católica do país, orientado pelas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora e pelo Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil”.
Bereia ouviu que o OCR “tomou conhecimento da parceria entre a TV Canção Nova (Estúdio Anuncia-me) e a empresa Brasil Paralelo, durante evento realizado em 14 de julho de 2024”, o que causou preocupação. Segundo a Coordenação do Observatório “a nota publicada evita posicionamento ideológico. É uma nota factual”.
O anúncio de inauguração do Projeto Anuncia-me, feito pelos líderes da Canção Nova no evento que teve a presença de mais de 10 mil pessoas, mostrou em dois momentos a lista de parceiros do canal católico, na qual aparece o nome do Brasil Paralelo.
Outras publicações foram registradas pelo OCR, como por exemplo, uma no X, que agora não é mais possível visualizar no Brasil, e em matéria publicada pelo site do Brasil Paralelo, em 25 de fevereiro de 2022, com o título “Conteúdo da BP gratuito em TVs e Rádios” e intertítulo: “Veja quais são os canais que transmitem conteúdo da Brasil Paralelo gratuitamente”. A TV Canção Nova está na lista apresentada pela matéria.
A nota pública emitida pelo OCR foi publicada no website da organização
A nota cita o Diretório de Comunicação da Igreja para explicar que as instituições católicas não podem divergir das orientações episcopais e pontifícias. Isto porque o OCR avalia que “notoriamente [a Brasil Paralelo] se alinha com o pensamento de extrema direita; divulga teorias conspiratórias que já foram contestadas, dentre outros, pela Associação Nacional de História; e divulga, reiteradamente, notícias falsas identificadas e denunciadas por agencias de checagem idôneas e pelo próprio TSE [Tribunal Superior Eleitoral]”.
A produtora Brasil Paralelo tem se destacado no segmento religioso, conseguindo forte penetração em espaços no meio evangélico. A parceria com a Rede Canção Nova faz parte de um crescimento em direção a outro grupo cristão, o católico. Porém, ao contrário da fragmentação característica ao meio evangélico, as instituições ligadas à Igreja Católica Romana têm subordinação hierárquica e orientação doutrinária centralizada, bem como interrelacionamentos e diretivas.
O OCR, conforme consta em seu site, “é uma iniciativa da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) e da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), a serviço da Comissão Episcopal de Pastoral para a Comunicação Social da CNBB. É inspirado pelo valor da comunicação como serviço de uma autêntica cultura do encontro; quer contribuir para qualificar sempre mais a comunicação da Igreja Católica no País, orientada pelas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora.
A CNBB é a instituição permanente que congrega os bispos da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil, na qual exercem conjuntamente algumas funções pastorais em favor dos fiéis (cf. cân. 381, § 2). Foi fundada em 1952, no Rio de Janeiro, onde teve sua sede até 1977, quando foi transferida para Brasília.
São membros da CNBB, os bispos diocesanos, coadjutores, auxiliares e titulares que exerçam no Brasil um encargo especial confiado pela Sé Apostólica ou pela CNBB. Estão incluídos os hierarcas das Igrejas Orientais Católicas, com ofícios correspondentes aos de bispos diocesanos (ou os que a eles se equiparam no direito), coadjutores ou auxiliares.
Sobre a Rede Canção Nova
A Canção Nova é uma rede católica de comunicação (Comunidade Canção Nova) fundada pelo Monsenhor Jonas Abid, em 2 de fevereiro de 1978, com a missão de evangelizar por meio de encontros e pelos meios de comunicação social. depois de ingressar na Renovação Carismática Católica (RCC), Abid, inaugurou, em 1980, a Rádio Canção Nova, em Cachoeira Paulista (SP), e em 1989, criou a TV Canção Nova. A Comunidade Canção Nova tornou-se uma Rede de Comunicação, com TV, Rádio e Editora. Também atua no mercado musical.
Monsenhor Jonas Abid fundou e tornou-se presidente da Fundação João Paulo II, mantenedora do Sistema Canção Nova de Comunicação e da Rede de Desenvolvimento Social Canção Nova. Oficialmente, a Canção Nova participa da Fraternidade Católica Internacional, órgão ligado ao Pontifício Conselho para Leigos da Santa Sé, em Roma, e tem alguns de seus integrantes como membros do Conselho Nacional da Renovação Carismática Católica no Brasil (RCC).
Sobre a produtora Brasil Paralelo
Sob o CNPJ 25.446.930/0001-02 , a Brasil Paralelo, em seu próprio website, autonomeia-se uma “empresa de mídia independente” e declara não receber nenhum tipo de financiamento de partidos, políticos, movimentos, leis, entre outros. Declara, também, que sua receita “advém da venda de assinaturas de conteúdo para os membros”, sobre os quais e propagandeia ter mais de 400 mil. O conteúdo publicado é distribuído gratuitamente em seis plataformas de mídias sociais – que servem como degustação para produções veiculadas para assinantes (acesso pago).
Filipe Valerim, Henrique Viana e Lucas Ferrugem fundaram a Brasil Paralelo em Porto Alegre (RS), em 2016 e a primeira produção, o “Congresso Brasil Paralelo” . A empresa, atualmente, tem sede em São Paulo (SP) e declara ter produzido “mais de 70 documentários que alcançaram milhões de brasileiros”.
A Brasil Paralelo produz documentários, filmes, programas, notícias, cursos e séries que tratam de política, história, filosofia, economia, educação, artes e cultural com produções de alto custo. A empresa diz ter a meta de alcançar um milhão de assinantes.
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Covid (Requerimento n° 1371, de 2021) incluiu a Brasil Paralelo como parte das investigações – por conta de publicações com conteúdo negacionista. Posteriormente, a empresa solicitou (e conseguiu) a limitação da quebra de sigilo solicitada pela CPI. A empresa também reagiu na Justiça contra veículos que divulgaram seus gastos em publicidade (Youtube, Meta e outras mídias).
O negacionismo também passa pelo tema da crise climática. Após a tragédia ambiental no Rio Grande do Sul, no primeiro semestre de 2024, o ICL Notícias levantou que o vice-prefeito de Porto Alegre Ricardo Gomes atua na produtora Brasil Paralelo, com conteúdo negacionista sobre as mudanças climáticas.
O pesquisador e professor do Instituto de Ciência Política da UnB Luis Felipe Miguel afirma que a alegação de que o faturamento com anunciantes mantém a propaganda e a produção é “contrafação”.
A publicação do balanço (demonstrativo e financeiro) da Brasil Paralelo S/A não foi localizada pelo Bereia, apesar de a legislação obrigar a empresa a fazê-lo, conforme artigo 1º, da Lei 13.818/2019, que alterou o artigo 289 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976).
A lei prevê que as publicações deverão ser feitas em jornal de grande circulação, editado na localidade da sede da companhia, de forma resumida e com divulgação simultânea da íntegra dos documentos na página do mesmo jornal na internet. Somente com base nessas informações – que também não estavam disponíveis no site da produtora – seria possível dizer que a base de assinantes é a única fonte de renda da organização.
Oposição à Brasil Paralelo
A nota do Observatório da Comunicação Religiosa, da Igreja Católica, crítica à parceria da Rede Canção Nova com a Brasil Paralelo, se une a outras iniciativas que denunciam o prejuízo que o conteúdo disseminado pode oferecer. Além de trabalhos acadêmicos e de matérias e artigos publicados sobre o tema em veículos da imprensa, neste 2024 foi criado o coletivo Brasil Parasita. Segundo os organizadores, o objetivo é “inverter a lógica [de projetos como o Brasil Paralelo] e, em nosso parasitismo, atuar desgastando e esvaziando desinformações, com educação, ética, ciência, responsabilidade social e uma pitada de bom humor”
Perguntada pelo Bereia se o OCR vê alguma possibilidade de mudança de atitude da Canção Nova, a Coordenação respondeu que “o OCR e as demais organizações fizeram o seu papel de evidenciar uma contradição, porém não se sabe ainda como será a resposta da rede de TV católica”.
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Bereia classifica as publicações que afirmam que a nota da CNBB faz advertência crítica à parceria entre a produtora Brasil Paralelo e o Sistema Canção Nova como informação VERDADEIRA. O OCR cita diretrizes e normas das organizações católicas para que as instituições ligadas à igreja observem a hierarquia e as orientações da Santa Sé, dos bispos e das doutrinas do Catolicismo.
“Se nos esforçamos e lutamos, é porque pusemos a nossa esperança no Deus vivo, que é o salvador de todos” (1 Tm 4,10).”
Reunidos no Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, de 28 de agosto a 2 de setembro, para a etapa presencial da 59ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, nós, bispos católicos, em colegialidade e comunhão, nos dirigimos a todos os homens e mulheres de boa vontade.
Como pastores, temos presente a vida e a história de nossas comunidades, o rosto de nossa de gente, marcado pela fé, esperança e capacidade de resiliência. Nossas alegrias e esperanças, tristezas e angústias (cf. Gaudium et Spes, 1) são as mesmas de cada brasileira e brasileiro. Com esta mensagem, queremos falar ao coração de todos.
Nossa fé comporta exigências éticas que se traduzem em compaixão e solidariedade concretas. O compromisso com a promoção, o cuidado e a defesa da vida, desde a concepção até o seu término natural, bem como, da família, da ecologia integral e do estado democrático de direito estão intrinsecamente vinculado à nossa missão apostólica. Todas as vezes que esses compromissos têm sido abalados, não nos furtamos em levantar nossa voz. “A Igreja é advogada da justiça e dos pobres, exatamente por não se identificar com os políticos nem com os interesses de partido” (Bento XVI, Discurso Inaugural da Conferência de Aparecida).
Com a esperança que nos vem do Senhor e que não nos decepciona (Cf Rm 5,5), reconhecemos o tempo difícil em que vivemos. Nosso País está envolto numa complexa e sistêmica crise, que escancara a desigualdade estrutural, historicamente enraizada na sociedade brasileira. Constatamos os alarmantes descuidos com a Terra, a violência latente, explícita e crescente, potencializada pela flexibilização da posse e porte de armas que ameaçam o convívio humano harmonioso e pacífico na sociedade. Entre outros aspectos destes tempos estão o desemprego e a falta de acesso à educação de qualidade para todos. A fome é certamente o maiscruel e criminoso deles, pois a alimentação é um direito inalienável (cf. Papa Francisco, Fratelli Tutti, 189). Segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, 2022), a quantidade de brasileiras e brasileiros que enfrentam algum tipo de insegurança alimentar ultrapassou a marca de 60 milhões.
Como se não bastassem todos os desafios estruturais e conjunturais a serem enfrentados, urge reafirmar o óbvio: Nossa jovem democracia precisa ser protegida, por meio de amplo pacto nacional. Isso não significa somente “um respeito formal de regras, mas é o fruto da convicta aceitação dos valores que inspiram os procedimentos democráticos […] se não há um consenso sobre tais valores, se perde o significado da democracia e se compromete a sua estabilidade” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 407).
Ao comemorarmos o bicentenário da Independência do Brasil, é fundamental ter presente que somos uma nação marcada por riquezas e potencialidades, contudo, carente de um projeto de desenvolvimento humano, integral e sustentável. Vítimas de uma economia que mata, celebramos as conquistas desses 200 anos de independência conscientes de que condições de vida digna para todos ainda constituem um grande desafio. É necessário o compromisso autêntico com a verdade, com a promoção de políticas de Estado capazes de contribuir de forma efetiva para a diminuição das desigualdades, a superação da violência e a ampliação do acesso a teto, trabalho e terra. Comprometidos com essas conquistas e inspirados pela cultura do diálogo e do encontro, podemos ser uma nação realmente independente e soberana.
É motivo de preocupação a manipulação religiosa e a disseminação de fake news que têm o poder de desestruturar a harmonia entre pessoas, povos e culturas, colocando em risco a democracia. A manipulação religiosa, protagonizada por políticos e religiosos, desvirtua os valores do Evangelho e tira o foco dos reais problemas que necessitam ser debatidos e enfrentados em nosso Brasil. É fundamental um compromisso autêntico com o Evangelho e com a verdade.
A corrupção, histórica, contínua e persistente, subtrai o que pertence aos mais pobres.
A Lei da Ficha Limpa, que proíbe que condenados por órgãos colegiados possam se candidatar a cargos políticos, é uma conquista popular e democrática, que deve ser promovida, juntamente com outros mecanismos de controle que garantam a ética na política.
Mesmo com todos esses desafios, a dinâmica da democracia nos coloca, mais uma vez, num processo eleitoral. Tentativas de ruptura da ordem institucional, veladas ou explícitas, buscam colocar em xeque a lisura desse processo, bem como, a conquista irrevogável do voto.Pelo seu exercício responsável e consciente, a população tem a capacidade de refazer caminhos, corrigir equívocos e reafirmar valores. Reiteramos nosso apoio incondicional às instituições da República, responsáveis pela legitimação do processo e dos resultados das eleições.
Assim, conclamamos, mais uma vez, toda a sociedade brasileira a participar ativa e pacificamente das eleições, escolhendo candidatos e candidatas, para o executivo (presidente e governadores) e o legislativo (senadores e deputados federais, estaduais e distritais), que representem projetos comprometidos com o bem comum, a justiça social, a defesa integral da vida, da família e da Casa Comum.
Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, nos ajude a buscar sempre a melhor política, uma das formas mais eminentes da caridade.
Circula em mídias sociais e sites religiosos pronunciamento feito pelo Presidente da República Jair Messias Bolsonaro (PL), no qual defende que durante os três anos de seu mandato houve uma redução de investimentos destinados às Organizações Não Governamentais (ONGs), que, consequentemente, levou à extinção do Movimento Sem Terra (MST). No mesmo pronunciamento o presidente defende que mais de mil licenças CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) foram emitidas por dia.
O site Pleno News destaca o pronunciamento do presidente, realizado em 10 de fevereiro de 2022, em frente ao Palácio do Planalto, diante de público apoiador. A matéria expõe os seguintes temas presente no discurso do presidente: não houve aumento no número de demarcações de terras destinadas aos povos tradicionais indígenas brasileiros; a redução de verbas para ONGS e possível extinção do MST; as CACs podem garantir a fazendeiros, a quem se refere como “produtor rural”, a defesa de seu patrimônio territorial contra quem desejar tomar posse de suas terras.
Bereia checou os elementos destacados pelo presidente no pronunciamento e repercutidos pelo Pleno News, bem como por outros espaços digitais religiosos.
Corte de verbas para ONGs e mudanças políticas
As ONGs são organizações sem fins lucrativos, caracterizadas por suas ações de prestação de serviços e solidariedade, frente às políticas públicas em áreas em que o Estado está ausente ou apresenta carências. Os recursos para a manutenção das ONGs brasileiras são, em sua maioria, provenientes de captação que elas fazem com empresas privadas, doadores individuais, realização de eventos, campanhas de financiamento coletivo ou venda de produtos que são parte de suas ações.
Nascidas no regime de exceção da ditadura militar, a cultura das ONGs surgiu da necessidade de se estabelecer um diálogo entre a população e as formas de governança, como defende a professora universitária, Olivia Perez. Suas atividades financeiras dependem do financiamento vindo de entidades, fundações, empresas, incentivos internacionais, ações governamentais e criação de investimentos próprios.
No caso do MST, a maior parte dos recursos que financiam o MST não vêem de verbas governamentais, mas sim do financiamento de insumos realizado pelo Financiamento Popular da Agricultura Familiar (FINAPOP). Este é um fundo de investimento ligado às cooperativas da Reforma Agrária Popular, que, através da venda de títulos, arrecada verbas destinadas à produção agrícola; doação interna dos membros do Movimento e da venda de insumos por eles produzidos. Outra fonte de financiamento para o MST vem de doadores nacionais e internacionais e de parcerias com ONGs europeias, Programas governamentais como Procera (Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária), não apoiam diretamente o movimento, por terem relação direta com pequenos produtores, portanto e, consequentemente, o movimento.
Das muitas possibilidades de captação de recursos estão as leis de incentivo fiscal, nelas o governo abre mão de parte dos impostos pagos por empresas privadas e destina parte dessas verbas para entidades ou projetos sociais, tudo mediado pelo cumprimento e implementação de editais auditáveis (são exemplos Lei Rouanet na área da cultura – Lei nº 8.313/9; Lei do Audiovisual – Lei nº 8.685/93).
Há ainda as leis de incentivo parlamentar, em que os governantes podem destinar até 0,6% da corrente líquida prevista para um projeto encaminhado pelo Poder Executivo para ações humanitárias, tal qual as ONGs, conforme determinado pelo § 9º artigo, 166 (Emenda Constitucional 86). Na prática isto significa que cada parlamentar pode apresentar até 25 emendas ao orçamento, com o valor total de R$ 15,9 milhões, desse valor 50% precisa obrigatoriamente ser destinado a ações e serviços públicos de saúde e educação.
“De fato, a partir da década de 1990 houve uma expansão de diversas organizações civis, inclusive daquelas que executam serviços governamentais junto ao poder público. Esse crescimento pode ser explicado pelas novas diretrizes dos governos pós- democratização – que se abriram às parcerias com organizações civis – e também pela multiplicação de iniciativas da sociedade civil”, opina a professora Olívia Perez.
Por sua vez, o MST, assim como outras ONGS comprometidas com direitos humanos, sociais, culturais e ambientais, não têm recebido verbas governamentais. A política é parte da postura assumida pelo governo de Jair Bolsonaro de negar o papel das ONGs e atribuí-las caráter criminoso. Já no primeiro ano de governo, Nabhan Garcia, nomeado secretário especial de Regulação Fundiária do Ministério da Agricultura, afirmou ao tomar posse no cargo, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo: “Não haverá mais dinheiro para ONGs escusas”, o. Presidente da UDR (União Democrática Ruralista), Nabhan foi conselheiro de Bolsonaro para o agronegócio durante a campanha.
Na entrevista, o secretário se recusou a citar nomes de entidades que considera suspeitas. “Tem muita ONG que, se quiser sobreviver, vai ter que sobreviver como manda a lei, às custas próprias”, continuou. “Existe uma preocupação de algumas ONGs que estão reclamando… Não vejo um motivo. Talvez seja isso. Ora, já se diz: organização não governamental. Que sobreviva às custas próprias, não tirando dinheiro dos cofres públicos.”, declarou.
De fato, já na campanha para a Presidência da República, em 2018, Jair Bolsonaro, então candidato do PSL, ameaçou: “A faxina agora será muito mais ampla. Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão pra fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”, ameaçou Bolsonaro, que mais uma vez combinou um suposto discurso patriótico com exaltação violenta contra adversários políticos. “Essa pátria é nossa. Não é dessa gangue que tem uma bandeira vermelha.” Depois desta declaração pública, a Associação Brasileira de ONGs (ABONG) divulgou nota pública condenando a criminalização das organizações pelo então candidato e as ameaças de perseguição.
Em 2019, a A MESA de Articulação de Associações Nacionais e Redes Regionais de ONGs da América Latina e Caribe publicou nota solidarizando-se com a sociedade civil e o povo brasileiro em razão da Medida Provisória que deu à Secretaria de Governo, liderada pelo general Santos Cruz, o poder de supervisionar, coordenar e monitorar as atividades de ONGs e organizações internacionais.
Ao longo do governo Bolsonaro foram diversas as declarações de negação do papel das ONGs e de criminalização de suas ações, várias delas baseadas em desinformação, como verificou o projeto Aos Fatos.
No entanto, no atual governo recursos destinados às ONGs continuam sendo aplicados em instituições sem fins lucrativos, aponta o colunista do portal UOL, Demétrio Vecchioli, porém, há motivações que fogem da lógica do atendimento a políticas públicas e passam por questões ideológicas e relações pessoais entre líderes do governo, deputados federais e beneficiários. Em 2020 o Instituto Léo Moura (jogador de futebol veterano), por exemplo, sediado no Rio de Janeiro, recebeu cerca de R$ 5,2 milhões destinados pelo governo federal, para a manutenção de 15 escolinhas de futebol. O Rio é o estado do deputado federal Luiz Lima (PSL), apoiador do governo federal. Como comparação, o valor é maior do que recebem, por ano, 29 das 35 confederações olímpicas, incluindo as de atletismo e esportes aquáticos.
“A grande maioria dessas emendas visa beneficiar prefeituras municipais. No ano passado, por exemplo, o Ministério da Cidadania firmou 160 convênios originários de emendas que beneficiaram o estado de São Paulo. Dessas, só 11 eram com ONG’s e nenhuma emenda foi de valor superior a R$ 300 mil. É mais comum que projetos sociais sejam financiados via Lei de Incentivo ao Esporte”, afirma Demétrio Vecchioli, colunista esportivo do portal UOL
Matéria do UOL em 2019 já mostrava que as condições precárias nos postos de saúde das aldeias indígenas de Dourados, a 230 km de Campo Grande (MS) contrastam com o enorme volume de recursos públicos destinados ao atendimento médico dos cerca de 17 mil índios das etnias terena, kaiowá e guarani que vivem naquela região. A ONG Missão Evangélica Caiuá já era, à época, a recordista em repasses federais por meio de convênios nos seis primeiros meses do governo Jair Bolsonaro (PSL), superando Estados e municípios nas chamadas transferências voluntárias de dinheiro.
Já matéria da Agência Pública levantou que entidades cristãs receberam quase 70% da verba federal para comunidades terapêuticas (CTs) no primeiro ano de governo Bolsonaro. Dinheiro público financiou CTs denunciadas por violações de direitos humanos, incluindo LGBTfobia e desrespeito à liberdade religiosa.
O MST
O Movimento Sem Terra (MST), surgiu da união de movimentos populares de luta pela terra promovidas nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, na primeira metade dos anos 1980. Fundado em 1984 no Primeiro Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terras, o MST forma uma frente de luta em prol da reforma agrária brasileira. Hoje o movimento encontra assentamentos em todos os estados do país, mantendo vínculos diretos com cerca de 400.000 famílias assentadas e mais 120.000 acampadas. Dentre as principais ações desenvolvidas pelo movimento estão o de produção de insumos agrícolas, educação para jovens e adultos e distribuição de alimentos à famílias carentes.
“As famílias acampadas e assentadas estão hoje entre os principais produtores de orgânicos do país —no caso do arroz, já são os maiores da América Latina— e seus produtos chegam tanto em escolas públicas como a mercados europeus. Esta é a história desses homens e mulheres do campo”, segundo matéria do jornal EL País.
“Tirei dinheiro de ONG do MST. Não tem mais MST. O número de invasão é menos de dez por ano. Resolvido rapidamente”, disse o presidente Bolsonaro no pronunciamento checado pelo Bereia. Parte do plano de ações do governo federal para a posse de terras e o relacionamento com o MST está sob o programa Titular Brasil, articulado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Invasão e ocupação não são sinônimos. A ocupação de terras ou patrimônios diz respeito a um movimento legalizado e previsto por lei, sua ação consiste na ocupação de uma área, seja rural ou urbana, que seja ociosa, isto é, que não esteja sendo utilizada ou possua um fim destinado pelo proprietário. Tal movimento é respaldado pela Lei de Ocupação de Solo, prevista na Constituição de 1988, e defende que o proprietário não pode deixar o seu imóvel ou terras sem uso, visando uma possível especulação imobiliária para sua venda, sendo possível a ocupação do imóvel ou território que não cumpra sua função social.
Artigo 186 da Constituição de 1988: “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”.
Para exercer direito legal sobre o território ocupado, os ocupantes precisam realizar atividades econômicas sob o solo tornando-o economicamente produtivo. Para a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Deuze Laureano, “juridicamente, o direito à propriedade é um direito real oponível erga omnes. Trocando em miúdos, é um direito que ocorre entre um sujeito, aquele que é o titular do domínio, em face de todos os outros integrantes daquela sociedade, que devem respeitar esse direito. Entretanto, para este sujeito dono é exigido o cumprimento da função social. Essa é a condição sine qua non para que todos os demais, não proprietários, respeitem o seu direito de propriedade. Descumprindo a função social, perde o proprietário o critério objetivo inerente à propriedade que é o direito de posse. Portanto, um imóvel que não cumpre a função social está vazio. Ninguém tem a sua posse, como consequência lógica não pode o Poder Judiciário, baseado somente no registro, dar as garantias da ação possessória.”, afirma.
Em contrapartida, a invasão diz respeito à apropriação ilegítima de terras e imóveis que comprovadamente têm uso e função social. É configurado como invasão de terra e propriedade a apropriação indevida de imóveis e territórios em uso ou produção agrícola, sendo a pena para esse crime detenção de seis meses a três anos, de acordo com o artigo 5º da lei 4.947 de 1966.
De acordo com a Câmara de Conciliação Agrária do INCRA no triênio 2019 a 2021 foram registradas 24 ocupações em fazendas e terras ociosas, uma redução expressiva se comparada as quase 150 ocupações em 2018. Em entrevista à Rede Brasil Atual, a dirigente nacional do MST Marina dos Santos, aponta que a queda no número de ocupações se deu graças ao cenário pandêmico. A líder do movimento destaca ainda, “Na verdade, não é nem uma necessidade que o MST tem de organizar. Mas é uma necessidade que surge a partir das necessidades do próprio povo trabalhador. Precisamos retomar as ocupações, porque elas também podem ser um instrumento importante no combate à fome que estamos vivendo hoje”, explica.
Em comparação com o histórico relatório anual da Comissão Pastoral da Terra da Comissão Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) Igreja Católica “Conflitos no Campo Brasil 2020, os dados do governo são bem menores mas indicam a realidade de queda no número de ocupações. No entanto, o documento da CPT relaciona esta situação não a cortes de verbas para ONGs, mas ao crescimento da violência no campo, relacionada ao aumento do número de licença de armas para fazendeiros, e às barreiras sanitárias, com a pandemia de covid-19.
O relatório Conflitos no Campo Brasil 2020, que é referência nacional e internacional para pesquisas sobre este tema, desde 1985 (todos os relatórios podem ser encontrados aqui), aponta que 2020 foi o “ano de terror no campo”, com um aumento de 8% de conflitos de terra e das águas em relação a 2019, média 6.62 conflitos por dia. Os dois primeiros anos do governo Bolsonaro registraram o maior número de aumentos de conflitos no campo. Os povos indígenas (42%) foi o grupo que mais sofreu ações de conflitos por terra, seguido por quilombolas com 17% e posseiros com 15%. Foram registradas 2.054 ocorrências em 2020, um aumento de 8% em relação a 2019. Esse é o maior número de ocorrências de conflitos no campo já registrado pela organização desde 1985. Foram 914.144 pessoas envolvidas em conflitos ano passado, um aumento de 2% em relação ao ano anterior.
“Injustiça fundiária”
Segundo o relatório, o Brasil viveu em 2020 um quadro de “injustiça fundiária, prevalência dos interesses do capital, violência, omissão/conivência do Estado e resistência dos povos e comunidades. 2020, porém, foi um ano em que alguns atores tiveram que se adaptar frente a uma condicionante inesperada: a COVID-19. Nesse sentido, as ações de resistência, como ocupações/retomadas e acampamentos – que já haviam declinado em 2019, diante da postura belicosa do governo federal –, experimentaram novo enfraquecimento, e somaram apenas 29 ocupações e três acampamentos” (página 9).
O documento da CPT oferece um comparativo do número de ações de ocupação e retoma de terras nos últimos dez anos:
Imagem: reprodução de tabela do documento
Extraído de Conflitos no Campo 2020, CPT, p. 22
Uma audiência na Câmara dos Deputados debateu o tema da violência no campo, em 2021, com a participação do INCRA. De janeiro a maio, a Procuradoria-Geral Federal, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU), atuou em 505 processos judiciais relativos a ações de posse e de reivindicação de propriedade efetiva de terras. Também há preocupação com a invasão de terras indígenas, sobretudo no caso dos conflitos dos Munduruku com garimpeiros ilegais, no Pará. As discussões corroboraram o que consta no relatório da CPT.
O direito às “terras indígenas” é garantido pela constituição cidadã de 1988, Título VIII, Da Ordem Social, Capítulo VIII, Dos Índios. A constituição partiu em defesa dos índios como os primeiros, e naturais, senhores da terra, sendo eles seus proprietários de seus direitos. Assim, o direito dos nativos à terra independe do reconhecimento formal. No artigo 20 está estabelecido que essas terras são bens da União, sendo reconhecidos aos povos indígenas a posse, usufruto e permanência em seu território.
Artigo 231: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens § 1º – São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
As terras demarcadas como pertencentes aos povos indígenas somam hoje 15% do território amazônico. 63 milhões de hectares. E apesar de serem popularmente chamadas de “terras indígenas” o território demarcado para os povos originários é de posse do Estado, cabendo a ele sua manutenção e preservação, sendo sua venda ou arrendamento a terceiros punível por lei. De acordo com relatório “Conflito no Campo Brasil 2020”, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2021 modalidades de violência como a invasão de território indígenas cresceram em relação a anos anteriores. Das 81 mil famílias vítimas de invasão territorial, 58. 327 são indígenas (71,8%). Em 2019, essa porcentagem havia sido de 66,5% (26.621) e em 2018, 50,1% (14.757)
“Os registros da CPT confirmam a análise da prof. Patrícia [Chaves, da Universidade Federal do Amapá] ao identifcar, na esteira dos ataques promovidos pelos referidos agentes, os principais tipos de violência por eles cometidos em 2020: “invasão”, “grilagem” e “desmatamento ilegal”. Foram vitimadas por invasão 81.225 famílias, das quais 58.327 9 são indígenas (72%); 19.489 sofreram grilagem (37% indígenas); e 25.559, desmatamento ilegal (60% indígenas)”, afirma CPT em relatório.
O relatório da CPT reconhece que o governo federal “apresentou o Projeto de Lei (PL) 191/2020, para regulamentar a exploração em terras indígenas, e apoiou o PL 5.518/2020, apresentado pelo deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), cujo objetivo é de aprovar concessões de exploração das florestas à iniciativa privada” (p. 29).
O governo deu porte de arma às pessoas?
“Demos o porte de arma ao fazendeiro. Estamos criando mais de mil CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) por dia”, disse Jair Bolsonaro, no encontro com apoiadores em 10 de fevereiro . De fato, isto é resultado de uma política do governo federal que prevê um processo de armamento de parcela da população.
Desde 2019, houve um aumento nos registros de compras de novas armas por cidadãos brasileiros, contabilizando um acréscimo de 225% se comparado ao triênio anterior, foram 153 mil novas armas adquiridas de 2019 a 2021, estando 143 mil desse total, 76%, sob posse de cidadãos sem especificação de uso ou territorialidade (se para centros urbanos, como autodefesa, ou para o campo, como arma de caça). Em contrapartida, o número de alvarás para a posse de armas foi de 10.627, entre 2019 e 2021, menos de 10% do número de novas armas. No mesmo período, o número de pedidos para registro de atuação como CACs aumentou 43%, chegando a 286,9 mil pedidos em 2020.
Posse e porte não são sinônimos. A posse permite a pessoa adquirir e tutelar uma arma de fogo, já o porte permite que a mesma faça o seu uso e locomoção. De acordo com o artigo 6º, IX da Lei 10.826/03 – Estatuto do Desarmamento, a licença CAC-atirador não é o mesmo que posse de armas. Ela permite ao sujeito o manuseio da arma em ambiente controlado, dentro de um Clube de Tiro, além da participação em treinos e competições de tiro. Para isto é necessário estar apto para tal ação, sendo o uso da arma em ambiente externo ao clube permitido apenas para competições e não para autodefesa ou defesa patrimonial.
O relatório Conflitos no Campo 2020 da CPT confirma a fala do presidente, ao relacionar o aumento na violência no campo a partir de 2019 com estas políticas de armamentismo. O texto registra que o governo Bolsonaro
“não somente faz vistas grossas para as ilegalidades e impunidades cometidas pelas classes ruralista e burguesa do país, ele abertamente propõe leis ou cria decretos que estimulam os massacres contra as populações, como é o caso dos decretos 10.627/21, 10.628/21, 10.629/21 e 10.630/21, que flexibilizam os procedimentos para porte de armas; ampliam a lista de profissões autorizadas ao uso de armas; retiram o imposto de importação de armas; e permitem a posse de arma para toda propriedade rural” (p. 28)
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Bereia classifica a afirmação do presidente Jair Bolsonaro, repercutida pelo site gospel Pleno News, de que “tirou verba de ONG e acabou com o MST” como enganosa. O conteúdo do pronunciamento é impreciso e não corresponde a tal afirmação, que foi utilizada como chamariz. A apesar de ter elementos verdadeiros, como a redução de verbas governamentais para as ONGs, a declaração do presidente omite dados referentes à autonomia financeira do MST em relação ao governo, às causas da redução das ocupações de terra, como a pandemia de covid-19, e aos interesses em torno da não-demarcação de terras indígenas. Além disso, a fala de Jair Bolsonaro denota como positiva a insegurança no campo, com as ações armadas da parte de fazendeiros para reduzir ocupações de terras, e o não cumprimento do direito constitucional dos indígenas à demarcação. Bereia verificou que o MST não só segue em atuação como foi destaque no noticiário recente por conta de sua premiação pela Organização Internacional do Trabalho e sua entrada no mercado financeiro para captação de recursos.
A missa solene, realizada em 12 de outubro pelo arcebispo do Santuário de Aparecida (SP) D. Orlando Brandes, foi um dos assuntos mais comentados na última semana em mídias sociais. Durante a homilia, na manhã do dia consagrado à santa padroeira do Brasil, segundo a tradição católica romana, que é feriado nacional, o arcebispo pregou contra o armamento, o ódio e a propagação de fake news. Já na parte da tarde, outra missa contou com a presença do presidente da República Jair Bolsonaro, defensor de políticas pró-armamentistas, que recentemente, mais uma vez, criou controvérsia, ao expôr uma criança fardada portando uma arma de brinquedo durante evento oficial.
”Para ser pátria amada, seja uma pátria sem ódio. Para ser pátria amada, uma República sem mentira e sem fake news. Pátria amada sem corrupção”. Após a declaração gravada em vídeo amplamente compartilhada nas mídias sociais, o arcebispo de Aparecida foi acusado de ser comunista, por apoiadores do presidente, que se saíram a público em sua defesa.
Apesar do ambiente de intolerância, o sacerdote não abre mão de exercer o “profetismo”. Em entrevista concedida à Band Vale, na época das eleições de 2020, ele foi categórico: “Não podemos deixar de falar pela defesa dos Direitos Humanos, da dignidade da vida, e de salvarmos o mundo através da Amazônia.” Sobre a sua compreensão política afirma que não se deve ver o mundo através das ideologias que, segundo ele, tendem aos interesses pessoais, mas defende que “nós temos um compromisso com a verdade, com aquele que é a Verdade: Jesus, verdade, caminho e vida.”
D. Orlando Brandes integra o quadro da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que congrega bispos da Igreja Católica em todo país, e foi nomeado arcebispo de Aparecida pelo Papa Francisco, em novembro de 2016. Durante sua trajetória eclesiástica exerceu diversas funções, de professor a reitor de seminário teológico, e ocupou cargos de presidência dentro da própria CNBB, inclusive. Não existe na biografia recente do religioso associações a partidos ou declarações de preferências políticas. Ademais, a CNBB, em seu canal oficial, afirma que “não se identifica com nenhuma ideologia ou partido político.”
Comunismo e pânico moral
Os termos “comunismo” e “comunista” têm sido frequentemente usados em postagens de mídias sociais, desde os movimentos reacionários que emergiram no Brasil em 2013, relacionados ao termo “esquerda”. Segundo a pesquisadora e editora-geral do Bereia Magali Cunha (“Do púlpito às mídias sociais”, livro de 2019) é “um termômetro da atmosfera do tempo presente em que o imaginário do ‘perigo comunista’, da ‘ameaça vermelha’, presente historicamente na cultura brasileira é reavivado nos discursos da direita conservadora”.
Esta direita, a partir dos movimentos de junho de 2013, consolidando nos atos pró-impeachment da Presidente Dilma Rousseff (PT), em 2015 e 2016, evocou para si, segundo a pesquisadora, a simbologia das cores verde e amarela da identidade brasileira contra o vermelho da esquerda progressista. Os grupos religiosos conservadores, católico-romanos e evangélicos, se identificaram com tais discursos, como pode ser verificado em várias postagens em mídias sociais no período.
O comunismo, segundo o “Dicionário de Política” é um ideal político que tem origem na Grécia Antiga, na qual o filósofo Platão, traça um modelo da cidade ideal, que prevê “a supressão da propriedade privada, a fim de que desapareça qualquer conflito entre o interesse privado e o Estado, e a supressão da família, a fim de que os afetos não diminuam a devoção para o bem público” ( Dicionário, p. 204).
No verbete do “Dicionário de Política” sobre “comunismo”, é explicado que foi no âmbito da civilização cristã que floresceram os primeiros ideais comunistas, por conta da pregação dos Evangelhos sobre a partilha de bens, o despojamento, o valor dos pobres, os cristãos que tinham tudo em comum, e outras orientações encontradas no Novo Testamento e nos escritos dos Pais da Igreja. O texto explica que as utopias comunistas entraram pela Idade Moderna, se concretizaram na Revolução Inglesa do século 15 e emergiram no seio da grande Revolução Francesa, no século 18, a partir da qual floresceram escolas comunistas e socialistas na Europa.
Entretanto, foi com a concepção comunista dos pensadores Karl Marx e Fredrich Engels, no século 19, com o Manifesto Comunista (1848), que o período contemporâneo passa a discutir o tema. Marx e Engels fazem uma leitura do papel da burguesia, classe dominante, das minorias, na consolidação do capitalismo, critica a exploração da classe proletária, classe dominada, das maiorias. Para superação deste quadro, os pensadores pregam a revolução do proletariado para transformar a sociedade capitalista em sociedade comunista, na qual “o augusto direito burguês será superado e cada um dará segundo as próprias capacidades e receberá segundo suas necessidades. Para atingir este objetivo é, porém, necessário que as forças produtivas atinjam o máximo desenvolvimento e as fontes da riqueza social produzam com toda sua plenitude (Dicionário, p. 210).
A revolução russa (1917), com a liderança de Vladimir Ilyich Ulianov (conhecido como Lenin), tornou-se símbolo da aplicação dos ideais comunistas, gerando a União Soviética. A partir do governo de Joseph Stalin, encaminhamentos políticos deram destinos dramáticos a uma parcela do movimento comunista, com governos que impuseram a restrição de liberdades civis e a negação de regras sociais pluralistas.
Por isso, uma diversidade de expressões de partidos e regimes comunistas emergiram na Europa e em outros lugares do mundo, alinhados ou não com a dominante União Soviética. A Guerra Fria, tensão política que colocou Estados Unidos e União Soviética, e seus respectivos aliados, em concorrência, depois da Segunda Guerra Mundial (anos 1950 em diante), passou a alimentar uma disputa ideológica entre capitalistas e comunistas e a ideia de uma divisão dos países em Primeiro, Segundo Mundos, ficando no Terceiro Mundo aqueles considerados subdesenvolvidos. Na América Latina (parte do então Terceiro Mundo), partidos políticos com identidade comunista emergiram ao longo do século 20 e a Revolução Cubana (1956) tornou-se símbolo do movimento comunista no continente.
É neste período da Guerra Fria que emerge um forte sentimento anticomunista (que também é um verbete do “Dicionário de Política”). O termo ”comunista” passa a ser usado de forma pejorativa e acusatória, distante do sentido original da palavra relacionada ao movimento político que representava o comunismo. Partidários ou simpatizantes de regimes comunistas ou do ideal comunista passaram a ser tratados como inimigos da democracia.
O “inimigo das religiões”
Este sentimento foi alimentado de forma ameaçadora entre grupos religiosos, que eram apresentados como alvos do regime comunista, defensor da “religião como ópio do povo” (uma leitura reducionista de um dos escritos de Marx e Engels) e atuaria para pôr fim a todas as religiões.
Vários estudos indicam o lugar das mídias na demonização do comunismo e dos comunistas, em alinhamento com os Estados Unidos em seus aliados durante a Guerra Fria. No Brasil, segundo os estudos de Bethania Mariani, esta representação negativa se fixa no noticiário no Brasil dos anos 1930. Ela diz que as matérias jornalísticas da época não assinadas apresentavam o comunismo como uma “doutrina ou ideologia perigosa para o Brasil” e “os comunistas como inimigos astuciosos – os maus cidadãos ou como alguns brasileiros ingênuos que se deixaram levar por ideias falsas”. Por outro lado, os demais brasileiros, os não-comunistas, eram representados como patriotas e democratas.
Esta noção alcançou seu auge no período pré-ditadura civil-militar e alimentou o golpe de 1964 e os 21 anos do regime. A partir dos anos 80, com os processos de redemocratização do país, houve momentos de enfraquecimento desta compreensão (com a queda dos regimes socialistas no Leste Europeu e o fim da União Soviética) mas surgiram novos significados dados a elas, com a atribuição da noção de “ameaça vermelha” às esquerdas.
No entanto, é com o surgimento de militâncias de direita e extrema-direita, a partir de 2013, que levaram à eleição de Jair Bolsonaro à Presidência, que apareceu o significado da salvação do Brasil de uma ditadura comunista que estava em processo de consolidação, como afirma a pesquisadora Helcimara Telles.
Nos discursos das manifestações de rua e de perfis em mídias sociais, uma nova configuração do anticomunismo se materializava: comunistas seriam todos os que propagam justiça econômica (defesa de programas de distribuição de renda, por exemplo), advogam os direitos humanos, em particular os das minorias, e reivindicam e atuam na superação de violência racial, cultural, de gênero, de classe. As esquerdas, em consonância com os governos do PT, são identificadas como as defensoras destas “políticas comunistas” e seus militantes classificados como anomalias sociais: “esquerdopatas”. Emerge uma nova face do anticomunismo: o antipetismo. Este discurso está intensamente presente nas postagens de perfis relacionados à direita e à extrema-direita em mídias sociais e são alimentadas por muitos grupos religiosos.
É neste contexto que emergem as acusações do tipo que foram publicadas contra D. Orlando Brades e circulam amplamente em espaços digitais contra opositores do governo de Jair Bolsonaro. Conforme os estudos aqui apresentados, elas servem para alimentar o pânico moral contra pessoas críticas da conjuntura política do país, especialmente entre grupos cristãos. Segundo tais (antigos) conteúdos, até os dias de hoje comunistas atuam para “fechar as igrejas” e proibir as religiões, o que se configura uma falsidade na forma como o movimento comunista historicamente se expressa no Brasil. São vários os historiadores que comprovam em pesquisas que nunca houve nem existe possibilidade de um regime comunista no Brasil.
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Bereia classifica como falsa a afirmação de que o arcebispo de Aparecida D. Orlando Brandes seja comunista. Não há registros da ligação do arcebispo católico com esta tendência política ou com partidos identificados como comunistas. O termo comunista tem sido utilizado de forma pejorativa, como falsa acusação que surge da intolerância a posições políticas divergentes e é uma ameaça à liberdade de expressão, alimentando medo na população através da sustentação de “bichos-papões” que buscam impedir o desenvolvimento de consciências e posturas críticas.
Bethania Sampaio Correa Mariani. O comunismo imaginário. Práticas discursivas da imprensa sobre o PCB (1922-1989). Tese de Doutorado (Curso de Linguística). Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1996. http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/270690 Acesso em: 18 out 2021.
Metade de 2020 vai passando e estamos diante de uma pandemia gravíssima. Em alguns lugares do mundo com mais gravidade: Brasil, por exemplo; outros com menos: NovaZelândia, por exemplo. E a crise econômica que já estava instalada antes e está piorando durante, será agravada depois da pandemia afetando todo planeta.
De janeiro até agora uma pergunta tem se repetido: “Como será a vida no pós-pandemia?” As primeiras previsões, por parte de muitos, era otimista: “Teremos um mundo melhor”. Mas o tempo foi passando e fomos assistindo situações das mais grotescas.
Muitos estão comemorando a volta ao “normal”. Outros falam de um “novo normal”. Apontaremos aqui para outra direção. Talvez tal direção seja “um sonho acordado da mente humana”, como diria o filósofo L. Feuerbach, quando se referia à religião, lá no século dezenove. Contudo, antes de chamar a utopia do Bem Viver de irrealizável, pelo menos se pergunte o que é “normal” ou o tal “novo normal”. Faça um esforço, se possível, de olhar a realidade e verificar se o que está acontecendo é uma situação na qual toda a vida que peregrina por este planeta vai em direção, no modelo que predomina, isto é, de relações capitalistas, de conduzir a natureza, e nela o ser humano, a um grau superior de convivência e harmonia. A um grau no qual possamos afirmar que há condições de alcançar dignidade fundamental de existência para todos os seres vivos. O que seria o “normal” ou o “novonormal”?
Seria habitual não se espantar diante de quase 70 mil mortose daqui uns dias bem mais? Ou buscar aquelas explicações estapafúrdias que dizem: “Durante o ano morre muito mais gente!”? Lembrando que a COVID-19 já matou muitos mais gente que qualquer outra doença, e mesmo acidentes de trânsito, e antes do fim do ano. Por que foi habitual o espanto com a morte de 71 pessoas no acidente com avião da Chapecoense?
É natural que diante de uma pandemia com alto índice de contágio saiamos às ruas para comprar quinquilharias, ou algo que não seja realmente necessário? Mas alguns podem dizer: “Minhas meias estão velhas, preciso ir ao shopping adquirir meias novas. Ora, como posso ser feliz sem meias novas?”. É natural pensar assim?
É usual agredir pessoas que se dedicam a salvar vidas porque estas estão dizendo que o seu parente morreu de COVID-19 e não de infarto?
O que nos leva a agir de forma trivial com pessoas que pensam diferentes de nós?
Vivemos relações na qual naturalizamos o que não é natural. Odiar é comum, mas não é comum cultivar o ódio. É frequente que cometamos erros com determinados saberes. Por exemplo, posso não saber qual é capital do Butão, mas afirmar que a terra é plana é um pouco demais, não é normal. Vivemos uma banalização do saber e, muitas vezes, admiramos o vulgar.
Ora, em mundo onde um por cento da população detém a maior parte da riqueza produzida, é fundamental que se encontre entre os outros noventa e nove por cento, aliados e aliadas, conscientes ou inconscientes, que digam ser a vida destes um por cento normal.
É normal que depois da pandemia voltemos aos níveis de consumo anteriores, que continuemos a olhar para o nosso próprio umbigo comprando, comprando, e comprando? Inclusive comprando muito remédio para nos manter de pé para continuar comprando? Quem acredita que um crescimento infinito é possível em um mundo finito, conclui um economista americano em 1973, ou é louco ou é economista.
Podem dizer ainda: “É só mais uma pandemia. Morrerão milhares, mas depois a vida continua normal”. É o “normal” que está nos matando, e não apenas a COVID-19. É o normal que está aumentando o número de suicídios no mundo, que está fazendo crescer, assustadoramente, o consumo de drogas, sejam lícitas ou ilícitas, inclusive drogas vendidas nas farmácias livremente. Enfim, é o normal que está aumentando a desigualdade planetáriae você acreditando que um dia será uma pessoa normal.
2. O novo normal
Aqui existe uma enorme dificuldade. O Google não ajuda muito. As possibilidades são quase infinitas. Um montão de intelectuais quer ser o primeiro a definir o “novo normal” nopós-pandemia. Poucos vão em direção contrária, e os que vão quase não são ouvidos, pois são falas que dizem, por exemplo, que não será possível continuar a organizar a sociedade planetária em base ao que se chama “desenvolvimento”, mesmo que seja o tal “desenvolvimento sustentável”.
Ouvir um dirigente de futebol afirmar que a federação montou um protocolo invejável para que as partidas fossem absolutamente seguras é altamente reconfortante (sic). Poxa, não mais o normal, é um “novonormal”.
Alguns poucos estão pensando, de fato, em um novo modelo de sociedade, pois tudo indica que o normal ou novo normal não será capaz de responder a crise civilizatória que está aí. E se novas pandemias surgirem, pior ainda.
De um lado temos políticos e partidos, nos quais tem gente boa, batendo cabeça para definir quem vai ocupar o cargo de “gerente” na prefeitura, no estado ou no país. Sim, gerentes da estrutura de poder do capital. O poder é econômico e pouco governamental.
Do outro lado trinta por cento da população planetária que não tá nem aí para o resultado das relações de produção: “farinha pouca meu pirão primeiro”. São aliados dos tais um por cento que realmente tem poder e ainda podem arrastar os que precisam se alimentar agora, pois estes não podem esperar que a sociedade resolva as contradições sociais rapidamente.
Ora, vem logo a pergunta: “o que fazer então?”.
3. O Bem Viver
Qualquer pessoa que afirmar ter uma solução para a crise civilizatóriaque estamos vivendo, seria como uma pessoa que afirma saber física quântica. Porém, o fato de não ter uma resposta pronta e acabada não significa que devamos nos render ao que esta aí. Precisaremos pensar de forma processual e por etapas. Os visionários muitas vezes sofrem muito. Percebem a necessidade de mudança com profundidade, mas ainda não conseguem propor exatamente um caminho que possa contagiar a maioria, pois a maioria ainda pensa dentro de uma estrutura mental que pode ser chamada de “normal”.
É fato: “esta economia mata”, diz o Papa Francisco. Assim sendo, é preciso repensar o modelo. E assim, ainda na linha de Francisco, diante de uma “terceira guerra mundial em parcelas que instalou um genocídio”, será necessário reorientar o caminho que a humanidade está fazendo.
E, por incrível que pareça não se trata de criar algo absolutamente novo, mas de resgatar uma sabedoria que pode ser chamada, em linhas gerais, de BemViver.
Os povos tradicionais encontraram uma forma de sobreviver que possibilitou uma força de resistência capaz de passar pela dominação colonial sem desaparecer. Uma das expressões que os povos andinos usam para denominar este modo de vida é sumak kawsay, que pode ter como uma tradução possível o BemViver. Trata-se de buscar relações humanas calcadas não na acumulação, no desperdício, em sugar da natureza tudo o que for possível para um modo de vida opulento, mas na reciprocidade, na solidariedade, na empatia e na harmonia com o conjunto da natureza.
Começa a surgir gente que pensa este modelo em sintonia com a situação da humanidade no presente estágio civilizatório. Como exemplo podemos citar o equatoriano Alberto Acosta, o uruguaio Eduardo Gudynas, e o boliviano Pablo Solon, entre outros e outras. Também em outras latitudes, como na Europa se pode citar a francesa GenevieveAzam e também francês Serge Latouche na linha do decrescimento, isto é, na afirmação de que o modelo desenvolvimentista está fadado a esgotar a vida planetária.
Muitos podem dizer: “Doce utopia, muito bonito, contudo irrealizável”. Talvez. Contudo, estamos vivendo relações capitalistas faz tempo. De forma mais agressiva nos últimos duzentos anos. O socialismoreal acabou não se configurando como alternativa. Houve, sem dúvida, crescimento humano neste processo. Porém, também sem dúvida, tal crescimento custou caro. Não estaria na hora de redirecionar o que se entende por “progresso” na direção de um maior equilíbrio nas relações que compõem avida no planeta? Vamos “pagar para ver” para onde o “deus mercado” nos conduzirá?
Sim, precisaremos pensar e agir de forma processual. Precisaremos estabelecer etapas. Precisaremos encontrar a intercessão que une todos e todas que acreditam em outro mundo possível. Precisaremos na etapa atual, por exemplo, defender a democracia como instrumento político que permita o debate e a configuração do novo horizonte. Mas não podemos nos render ao modelo político representativo que está esgotado. Não podemos mais confiar totalmente no modelo econômico totalmente extrativista.
Seguindo aquela ideia gandhiana, precisaremos ser a mudança que desejamos no mundo. Anciãos, adultos e jovens, homens e mulheres, deveremos constituir um novo padrão de vida, não um novonormal. Quanto tempo será necessário? Não há previsão possível. Previsível é que da forma como está não haverá futuro. Trabalhemos agora no terreno pedregoso para que outras gerações possam plantar, e outras ainda possam colher.
É interessante que muita gente que prega o normal se afirma cristã. Termino esta reflexão no domingo no qual o texto bíblico é o Evangelho de Mateus 11,25-20. Neste trecho Jesus faz uma oração ao Pai dizendo:
“Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelastes aos pequeninos”.
Parece que boa parte dos cristãos não confia muito nisso. O PapaFrancisco tem sido uma grande exceção. Ele tem afirmado que nada pode ser feito para o povo, mas somente com o povo, isto é BemViver, isto é o UBUNTU da tradição africana: eu só posso ser se você for comigo. Essa é a nossa esperança, sem messianismo, sem salvadores da pátria. Quem viver verá.