Governo Biden muda política de uso de tecido fetal humano para pesquisas médicas

Em 21 de abril, o portal de notícias Gospel Prime publicou que o presidente dos Estados Unidos Joe Biden liberou o uso de tecido de fetos abortados para experiências médicas.

A matéria reproduz informações do jornal norte-americano The Washington Post e relata que a mudança aconteceu no âmbito do Instituto Nacional de Saúde (NIH, sigla em inglês, um conglomerado de centros de pesquisa que formam a agência governamental de pesquisa biomédica do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA). O NIH teria feito, segundo o jornal, uma reversão de restrições efetuadas na administração de Donald Trump. Além disso, o texto ainda elenca críticas à medida vinda de instituições cristãs como o Instituto Charlotte Lozier (CLI) e o Conselho de Pesquisa da Família (FRC).

As restrições da administração Trump

Em 2019, o governo do ex-presidente republicano passou a restringir o uso de tecidos de fetos abortados em estudos conduzidos por pesquisadores pagos pelo governo federal no NIH. Outra restrição dizia respeito a cientistas de outras instituições (como universidades) que buscavam financiamento junto ao NIH: seus projetos passariam a ser avaliados por uma comissão de ética. 

No primeiro caso, os “intramural studies” (estudos internos) receberam cerca de 31 milhões de dólares em 2018 e, no segundo, o montante chegou a 84 milhões distribuídos em 200 projetos. A política foi aplicada apenas para novos pedidos de financiamento. Com isso, três estudos foram encerrados.

A comissão de ética avaliou que a medida do governo Trump buscou uma composição com pessoas de diversas áreas: incluindo, pelo menos, um teólogo, um especialista em ética, um médico e um advogado. Não mais do que a metade poderiam ser cientistas.

Entretanto, demorou cerca de um ano para formação do painel e, quando foi criado, a maioria se identificou como contrária ao aborto, segundo The Washington Post. De 14 projetos analisados, todos, exceto um, foram rejeitados.

Além disso, o jornal norte-americano informa que as regras de 2019 obrigaram os cientistas a elaborar justificativas porque o tecido fetal humano era necessário para pesquisa e porque outros métodos eram inadequados. Isso incomodava os cientistas por ocupar muito espaço em pedidos de financiamento. Essa obrigação não foi alterada. 

As mudanças do governo Biden

A ação da atual administração muda as partes centrais das restrições de 2019. A partir de agora, os estudos tecidos fetais para pesquisadores pagos pelo governo estão liberados enquanto os projetos externos não precisam mais passar pela comissão criada por Trump. Mesmo assim, tais pesquisas ainda são obrigadas a obter o consentimento do doador do tecido fetal, seguir os requerimentos das universidades e não podem pagar pelo tecido utilizado. 

Já os estudos do pesquisador no NIH voltam a ser como eram antes das restrições da administração Trump. Por fim, estudos que foram interrompidos pelas regras de 2019 foram retomados sem necessidade de revisão.

Uso de tecidos fetais em pesquisas

O Gospel Prime reproduz as informações do The Washington Post a respeito do uso de tecidos fetais para pesquisas, que datam dos anos 1950. Naquela década, o material foi usado no desenvolvimento da vacina da poliomielite e nos anos 1980 cientistas transplantaram tecidos do sistema imunológico de fetos abortados em ratos de laboratório. O site não cita, porém, que esses experimentos com ratos “humanizados” ajudaram a desenvolver terapias para HIV, câncer, problemas neurológicos, doença das células falciformes e distúrbios oculares.

As linhas celulares derivadas de fetos abortados foram utilizadas também no desenvolvimento de anticorpos monoclonais para o tratamento da covid-19 de Donald Trump, informou o jornal The New York Times. Vacinas financiadas pela Operação Warp Speed do Governo Americano também fez testes nessas linhagens celulares, como verificou Bereia em novembro de 2020. Vale lembrar que o uso dessas células derivadas não provoca novos abortos e que outros cristãos aceitam esse procedimento no desenvolvimento de vacinas (inclusive um médico citado pelo Gospel Prime na matéria verificada pelo Bereia).

Gospel Prime omitiu falas favoráveis à mudança

Além disso, o Gospel Prime também reproduziu críticas à ação do Governo Biden, mas não registrou as declarações em defesa da mudança, também  colhidas pelas mídias de notícias. De fato, representantes das instituições cristãs, Conselho de Pesquisa da Família (FRC, na sigla em inglês) e do Instituto Charlotte Lozier (CLI, na sigla em inglês) criticaram a medida. Ambos foram ouvidos pelo The New York Times e pelo The Washington Post. Estas instituições dizem que a decisão do governo Biden não é ética por usar tecidos de fetos abortados.

Ao The Washington Post, a presidente da Sociedade Internacional de Pesquisa em Células-Tronco Christine Mummery afirmou em posição divergente: “A comunidade científica reconhece que o governo Biden está suspendendo as restrições arbitrárias sobre a promissora pesquisa biomédica usando tecido fetal humano”. Já o neurocientista da Universidade da Califórnia, San Diego, Lawrence Goldstein, que usou tecidos fetais em sua pesquisa, afirmou ao The New York Times esperar que a política de Trump não volte em uma próxima administração Republicana no futuro: “Seria terrível para essa pesquisa estar sob um vai-e-vem. Ela vai morrer se isso acontecer.”

“Acreditamos que temos que fazer a pesquisa necessária para ter certeza de que estamos incorporando inovação e levando todos esses tipos de tratamentos e terapias para o povo americano”, afirmou aos jornais o Secretário de Estado de Saúde e Serviços Humanos Xavier Becerra. O responsável pela saúde no país é classificado por Tony Perkins, do Conselho de Pesquisa da Família,  como “advogado fanático do aborto.”

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Bereia conclui que a matéria do Gospel Prime é imprecisa. Apesar da mudança de política realizada pelo Governo Biden ser verdadeira, a matéria que faz uso do que foi publicado em jornais dos EUA não expõe o contexto completo das alterações realizadas pelo novo governo e não mostra o ponto de vista dos cientistas que apoiam a nova medida.

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Foto de capa: Susan Walsh/AP Photo

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Referências

Revista Science, https://www.sciencemag.org/news/2019/06/trump-administration-restricts-fetal-tissue-research. Acesso em: 22 de abril de 2021.

Washington Post, https://www.washingtonpost.com/health/biden-administration-removes-trump-era-restrictions-on-fetal-tissue-research/2021/04/16/71719006-9ed2-11eb-8005-bffc3a39f6d3_story.html. Acesso em: 22 de abril de 2021.

The New York Times, https://www.nytimes.com/2021/04/17/health/fetal-tissue-abortion-biden.html. Acesso em: 28 de abril de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/vacina-contra-covid-19-nao-usa-celulas-de-bebes-abortados-como-afirma-site-gospel/. Acesso em: 28 de abril de 2021.

Family Research Council, https://www.frc.org/get.cfm?i=PR21D04. Acesso em: 28 de abril de 2021.

Vacina da Pfizer não causou mortes; Anvisa tem prazo para avaliar uso de imunizantes no Brasil

Postagens em ambientes digitais religiosos têm divulgado que seis pessoas imunizadas com a vacina da Pfizer contra a Covid-19 na Inglaterra teriam morrido.

As postagens surgiram depois que a agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos responsável pela saúde pública, controle de medicamentos, produtos biológicos, dispositivos médicos, alimentos e cosméticos, a FDA (Food and Drug Administration), aprovou, em 11 de dezembro, a vacina do Laboratório Pfizer e da empresa BioNTech. Era a etapa que faltava para permitir o início da distribuição das doses nos Estados Unidos.

Em entrevista coletiva em 12 de dezembro, o diretor da FDA Stephen Hahn negou que tenha sofrido pressão política para acelerar a liberação e garantiu que a avaliação manteve a integridade científica e afirmou que os americanos devem ter plena confiança nos cientistas.

A verificação feita pelo Estadão constatou que a informação é falsa. Duas das pessoas que morreram haviam tomado a vacina, e as outras quatro haviam tomado um placebo (formulação sem efeito farmacológico, administrada ao participante do ensaio clínico com a finalidade de mascaramento ou de ser comparador, segundo a ANVISA, RDC nº9, de 20/02/2015. Uma substância que não contém ingredientes ativos, feito para ter gosto e aparência idêntica da droga real a ser estudada). Portanto, a FDA descartou relação entre as mortes e o imunizante.

A vacina da Pfizer

O imunizante da Pfizer utiliza a técnica de RNA mensageiro, em que informações genéticas levam o organismo a produzir proteína do vírus e assim ativar a produção de anticorpos no sistema imunológico contra o vírus. Já aprovada em alguns países como Reino Unidos, EUA, Chile, Bahrein e México, a chegada da vacina norte-americana ainda é negociada pelo Governo Federal do Brasil. Em 17 de dezembro, a farmacêutica protocolou os dados da fase 3 na Anvisa e a agência analisará os dados recebidos. A próxima fase trata de registrar a vacina para uso emergencial. Até o momento de publicação desta reportagem, nenhuma empresa fez esse pedido no Brasil.

Autorizações para campanhas de vacinação

A Lei 14.006 de 2020, sancionada em maio, estipula que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitário) deve analisar em 72 horas a liberação de vacina que for aprovada por pelo menos uma das seguintes autoridades sanitárias estrangeiras: FDA (Estados Unidos), European Medicines Agency (EMA), da União Europeia; Pharmaceuticals and Medical Devices Agency (PMDA), do Japão; National Medical Products Administration (NMPA), da China.

Nesse sentido, a aprovação da vacina da Pfizer no FDA deveria levar à análise desse imunizante pela Anvisa em até 72 horas. No entanto, matéria do jornal Folha de São Paulo explica como a autoridade brasileira faz uma interpretação restritiva da lei, segundo a qual a regra não se aplicaria à aprovação de uso emergencial no exterior. 

Por outro lado, especialistas ouvidos pela Folha discordam dessa leitura. “Não faria sentido excluir da regra vacinas aprovadas de forma emergencial numa lei editada para fazer frente à situação emergencial da pandemia”, afirma o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, especializado em direito administrativo. O médico e advogado sanitarista  Daniel Dourado, pesquisador do Institut Droit et Santé da Universidade de Paris, também critica a interpretação feita pela autoridade sanitária. “No debate da inclusão desse prazo no Congresso, a lógica foi a de agilizar o processo. Acrescentar um dispositivo para acelerar, mas esperar o registro definitivo em outro país, que demora três ou quatro meses, não faz sentido”, afirma.

A liberação da vacina da Pfizer pela autoridade sanitária norte-americana ocorreu em 11 de dezembro, já no dia 14 de dezembro, a Anvisa publicou nota em que fixou prazo de 10 dias para avaliar pedidos de uso emergencial de vacinas contra a Covid-19. A Agência determinou que só irá realizar a avaliação “se todos os documentos necessários tenham sido enviados pela fabricante da vacina” e possuam ensaios clínicos em condução no Brasil.

A agência também argumentou que nenhum país deu aprovação automática de uma vacina baseada na liberação de agência reguladora estrangeira. Além disso, a Anvisa divulgou uma lista de questões que devem ser respondidas pela fabricante, que vão desde o tipo de vacina, qualidade dos insumos e até mesmo qual é a população-alvo para uso no país.  

Anvisa e CoronaVac

A nota da Anvisa critica os critérios chineses para autorização de uso emergencial da CoronaVac (vacina contra o coronavírus desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan de São Paulo) e menciona a consideração de questões geopolíticas envolvidas na discussão sobre a vacina da Covid-19. Ainda assim, a fixação do prazo de dez dias para análise do pedido de uso emergencial fez o Instituto Butantan divulgar que vai solicitar a aprovação do imunizante nessa modalidade

Mais cedo naquele dia 14 de dezembro, o governador de São Paulo João Doria havia decidido já buscar o registro definitivo do fármaco. Em lugar de divulgar de imediato o estudo preliminar da fase 3 do imunizante foi decidida uma apresentação do ensaio completo no dia 23 de dezembro para o registro definitivo do fármaco. Também no dia 23, a Sinovac vai pedir o registro à NMPA, agência sanitária chinesa. Dessa forma, o governo paulista busca tanto o uso emergencial quanto o registro definitivo.

Limiar do Supremo Tribunal Federal

Em 17 de dezembro, o ministro do STF Ricardo Lewandovski permitiu que estados e municípios distribuam vacinas já aprovadas por autoridades sanitárias estrangeiras, caso a Anvisa não autorizá-las seguindo o prazo de 72 horas estipulado na Lei 14.006/2020. Se o Plano Nacional de Imunização, entregue pelo governo federal ao STF, por exigência do órgão, em novembro, for descumprido, estados e municípios também poderão distribuir e aplicar imunizantes aprovados pela Anvisa.

Em entrevista, o presidente da Anvisa Antônio Barra Torres afirmou: “Não tivemos acesso ao texto oficial, mas faremos todo o possível para o acatamento integral do que está ali preconizado. É claro que prazos podem ser difíceis de serem cumpridos em função do volume de informações, mas, nem por isso, deixaremos de tentar esse cumprimento. Aguardamos obter formalmente essa definição para que possamos fazer os ajustes necessários”.

Estratégias de combate à desinformação

Em 16 de dezembro, o Twitter atualizou sua política de combate a informações falsas sobre a Covid-19 e as vacinas contra a doença. Em uma postagem no blog oficial da empresa, a plataforma afirmou que irá remover postagens com conteúdo enganoso sobre a vacinação a partir da próxima semana. Para as semanas seguintes planejou um esforço maior para inserir avisos marcando tuítes sobre vacinas como potencialmente incorretos.

Já está incluída atualmente na política da empresa a remoção de conteúdos falsos sobre a natureza do coronavírus, transmissões, eficácia de medidas de segurança, tratamentos, diretrizes oficiais de controle da doença e o risco de infecção e morte ligado à Covid-19. Com as novas regras, também serão retiradas as postagens que afirmarem que vacinas causem danos ou são usadas para controle populacional, alegações falsas sobre efeitos colaterais das vacinas e tuítes que digam que a Covid-19 não é real ou um problema sério e que, portanto, não requer vacinação. A partir de 2021 a rede social planeja incluir um aviso em tuítes que espalhem conteúdo falso, informações não verificadas ou incompletas a respeito das vacinas. A inteligência artificial e a análise humana devem estar juntas na checagem das informações.

Pesquisadores ao redor do mundo decidiram se unir em meio à pandemia provocada pelo coronavírus para um desafio que vai além das análises e descobertas em laboratório. Os cientistas estão produzindo conteúdo sobre a Covid-19 em redes como TikTok, Instagram e Twitter para se comunicar com um público amplo de forma direta e didática.

A iniciativa é da Equipe Halo, uma ação global criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e outras organizações internacionais para apoiar e celebrar a colaboração científica em busca de vacinas seguras e eficazes.

Por meio dos aplicativos os pesquisadores mostram seu dia a dia de forma voluntária e publicam vídeos, nos quais contam histórias, explicam detalhes sobre as pesquisas, respondem perguntas do público, esclarecem boatos e informações incorretas. 

Os profissionais são oriundos de diversos países e conta com a participação de seis brasileiros. Entre eles, o professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), diretor regional da Sociedade Brasileira de Imunologia.

Em entrevista, o pesquisador André Báfica afirmou que “esse engajamento é um processo fundamental para que cientistas capilarizem conteúdo confiável e não autoritário para as pessoas. Precisamos ocupar esses espaços e naturalmente as pessoas compreenderão o que a nossa universidade produz e como a ciência é uma grande aliada das nossas vidas”, ressalta.

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Bereia conclui que é falsa a informação de que pessoas morreram em decorrência da imunização pela vacina da farmacêutica Pfizer. O imunizante tem a segurança atestada pelos países em que já está sendo utilizado e. no Brasil. tem seguido as fases necessárias para sua aprovação. Quanto à CoronaVac, vacina produzida em parceria da chinesa Sinovac e o Instituto Butantan, o mais recente status é de espera pelo pedido de uso emergencial, anunciado pelo governo paulista em 17 de dezembro. Em todos os casos, a Agência tem prazo determinados para realizar as avaliações requisitadas para a aprovação de vacinas no país. Bereia também checou e classificou como falsas as informações a respeito da CoronaVac disseminadas por um pastor durante pregação no Ceará.

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Foto de capa: Pixabay/Reprodução

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Referências

Portal FDA, https://www.fda.gov/. Acesso em: 16 dez. 2020

Estadão Verifica, https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/agencia-dos-eua-descartou-relacao-de-vacina-com-morte-de-voluntarios-da-pfizer-maioria-dos-obitos-ocorreu-em-grupo-de-placebo/. Acesso em: 16 dez. 2020.

Instituto Nacional do Câncer (INCA), https://www.inca.gov.br/perguntas-frequentes/o-que-e-placebo. Acesso em: 18 dez. 2020.

Portal UOL, https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/12/16/pfizer-protocola-resultados-de-testes-da-fase-3-de-vacina-na-anvisa.htm. Acesso em: 17 dez. 2020.

Portal do Planalto, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14006.htm. Acesso em: 17 dez. 2020.

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/12/aprovacao-da-vacina-da-pfizer-nos-eua-e-pedido-no-brasil-obrigam-anvisa-a-examinar-liberacao-em-72h.shtml. Acesso em: 17 dez. 2020.

Anvisa, https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2020/uso-emergencial-de-vacinas-anvisa-estabelece-prazo-de-ate-10-dias-para-dar-decisao. Acesso em: 17 dez. 2020.

Portal G1, https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/12/17/governo-de-sp-volta-atras-e-diz-que-pedira-uso-emergencial-da-coronavac-a-anvisa-doria-aguarda-formalizacao-da-compra-pelo-governo-federal.ghtml. Acesso em: 17 dez. 2020.

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/12/doria-prepara-estudo-completo-e-registro-chines-para-pressionar-anvisa-a-aprovar-coronavac.shtml. Acesso em: 17 dez. 2020.

Ministério da Saúde, https://www.gov.br/saude/pt-br/media/pdf/2020/dezembro/16/plano_vacinacao_versao_eletronica.pdf. Acesso em: 18 dez. 2020.

Portal UOL, https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/12/17/stf-libera-estados-a-darem-vacinas-se-anvisa-nao-autorizar-em-ate-72-horas.htm. Acesso em: 17 dez. 2020.

CNN Brasil, https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2020/12/17/presidente-da-anvisa-pede-entendimento-a-autoridades-ja-temos-problemas-demais. Acesso em: 17 dez. 2020.

Twitter Brasil, https://blog.twitter.com/pt_br/topics/company/2020/covid-19-nossa-abordagem-para-informacoes-enganosas-sobre-vacinas.html. Acesso em: 16 dez. 2020

Portal Cultura Notícias, https://cultura.uol.com.br/noticias/14892_twitter-vai-remover-postagens-com-informacoes-falsas-sobre-vacina-da-covid-19.html. Acesso em: 16 dez. 2020

Brasil de Fato, https://www.brasildefato.com.br/2020/11/23/cientistas-combatem-desinformacao-sobre-covid-19-em-apps-como-tiktok-e-instagram. Acesso em: 16 dez. 2020

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/pastor-usa-informacoes-falsas-em-pregacao-sobre-vacina-contra-covid-19/. Acesso em: 17 dez. 2020.

Cultos online e as fissuras do fundamentalismo religioso no Brasil – Parte II

Por Delana Corazza, Angelica Tostes e Marco Fernandes¹

Conteúdo originalmente publicado no site www.thetricontinental.org

Confira a segunda parte do estudo “Cultos online e as fissuras do fundamentalismo religioso no Brasil”. Para ler a primeira parte, basta clicar aqui.

Espiritualidade digital: espiritosanto.com

Apesar de alguns aspectos positivos dessa nova experiência, diversos limites se colocam em evidência. No boletim Cientistas Sociais e o Coronavírus, as pesquisadoras Carolina Parreiras e Renata Mourão Macedo trazem dados sobre as desigualdades digitais em meio à pandemia, com a desigualdade social sendo refletida na desigualdade digital. O acesso à tecnologia ainda é restrito no país. Segundo o levantamento das pesquisadoras, os dados do TIC Domicílios auxiliam a mapear o uso das tecnologias:

“No levantamento de 2018, 93% dos domicílios declararam possuir telefone celular, 27% computador portátil, 19% computador de mesa e apenas 14% possuíam tablet. Em relação à presença de internet nas residências, 67% possuíam algum tipo de acesso, sendo que 62% por banda larga fixa, 39% por cabo ou fibra ótica e 27% por conexão móvel 3G ou 4G. Em relação aos motivos apontados para a inexistência de conexão, chamam a atenção o fator financeiro (“porque os moradores acham muito caro”) – 61% – e a inabilidade para uso da internet (“porque os moradores não sabem usar a internet”) – declarado por 45% dos participantes da pesquisa”

(PARREIRAS; MACEDO, 2020, p. 1).

Muitas igrejas estão nesses espaços de periferia em que o acesso digital é limitado. A igreja como comunidade constrói corporeidades, símbolos e transcendências, além de organizar os cotidianos e criar laços sociais. O pastor Rosivaldo P. de Almeida pensa que para “para os evangélicos, sobretudo os pentecostais, a igreja acaba sendo a única unidade cultural, de socialização, integração, de produção de sentido, inclusive para própria existência.”

Neste cenário, pastores e lideranças das igrejas nas periferias têm buscado diminuir essa distância com mensagens diárias aos fiéis mandadas via WhatsApp e por ligações telefônicas, principalmente à população mais idosa, que além de ser grupo de risco e temer ainda mais as consequências do vírus, tem certa dificuldade para acionar as tecnologias atuais. A pastora Eliad Santos, da Igreja Metodista da Luz, em São Paulo, observa que “ser pastora em tempos de pandemia é complicado porque eu estou atendendo as pessoas via WhatsApp e telefone. As pessoas esperam que você esteja por lá. Tem um caso de uma vizinha com covid-19 e eu não posso visitar. As pessoas sentem falta de ir à igreja, costumes antigos de muitas irmãs da igreja. Problemas novos, novos tempos e adaptar. Semana que vem farei a celebração da ceia via online, não tem necessidade de colocar em risco os fiéis. Tem que se adaptar.” O pastor André Guimarães tem trabalhado com essa metodologia, realizando ligações e chamadas de vídeo com sua pequena comunidade, composta por cerca de 30 pessoas, que por mais que não garantam os abraços e encontros que os fiéis sentem falta, pode-se ao menos olhar, escutar, trocar.

Outra dificuldade encontrada nesse acolhimento dos fiéis no trabalho pastoral é em relação às mulheres em situação de violência doméstica. Segundo a CNN, pela Lei de Acesso à Informação, o número de atendimento da Polícia Militar (PM) referente à violência doméstica subiu 44,6% no mês de março em São Paulo. No Rio de Janeiro, ainda no início do isolamento, os dados apontados pela Justiça foram de um aumento de 50%. A pastora Odja pontua essa preocupação em tempos de pandemia: “Como mulher e pastora, tenho me preocupado de forma especial com o aumento da violência contra as mulheres, uma vez que há a campanha do “fique em casa”, só que a casa não tem sido um lugar seguro para as mulheres, crianças e meninas. Imagine o que é um confinamento com um companheiro violento, com a contenção dessa violência dentro de casa.”. Essas preocupações aumentam quando se somam a outras pesquisas, como a do Datafolha de janeiro de 2020, que aponta o rosto da população evangélica como um rosto de uma mulher negra; à pesquisa da Valéria Vilhena, que demonstra que 40% das mulheres vítimas de violência da Casa de Acolhimento Sofia em São Paulo são evangélicas (2011). Em uma fala mergulhada de angústia e preocupação, a pastora Eliad Santos diz:

“Eu penso na Maria que mora em frente à Igreja e é usuária de crack. (…) Eu penso nessa mulher que está desesperada com medo dos filhos e das filhas pegarem a doença e morrerem, porque ela tem que sair de casa ou porque são muitas pessoas morando na mesma casa pequena. Essa mulher que está buscando em Deus a proteção e força para continuar em tempo de pandemia. São essas mulheres que tem que limpar o hospital, o supermercado, a farmácia. É muito triste. Eu fico bem chateada pensando nisso, como elas estão vivendo? Não tem o mesmo privilégio que eu que posso trabalhar em casa, no computador e celular. Eu só peço a Deus que elas consigam sobreviver. Porque sempre quando eu ligo o jornal e aparece os hospitais da periferia eu só vejo os corpos negros. (…) Nas grandes desgraças, grandes epidemias e nos grandes problemas, é o povo pobre e preto que sofre.”

Questões psicossociais da pandemia e o culto online

O cuidado das igrejas e o sentido de comunidade, muitas vezes, abarcam também as questões econômicas. Muitos “irmãos” conseguiram seus empregos por indicação de um pastor ou frequentador da Igreja, assim como diversos tipos de auxílios. Com a pandemia em curso, a classe trabalhadora mais empobrecida deve sentir de forma profunda como a crise econômica e o distanciamento pode afetar as possibilidades de intermediação da Igreja e seus membros para a conquista de um trabalho. Diversas igrejas, mesmo com todas as dificuldades econômicas que enfrentam, têm se mobilizado para doações e ajudas pontuais para os fiéis que necessitam e para a população mais vulnerável das periferias, contribuindo assim para a manutenção do necessário isolamento.

Para além dessas doações, outras ações estão sendo pensadas para auxiliar economicamente as famílias, conforme nos trouxe Jackson Augusto, militante do movimento negro evangélico e frequentador da Igreja Batista Imperial em Recife: “Estamos planejando, no território que a igreja atua, criar uma plataforma para divulgar pequenos comércios e serviços pela internet. Divulgar pessoas que costuram, eletricistas, boleiras, que embora não possa ser presencial, que funcione de outras formas como encomenda, auxílios”.

Esse esforço de dar conta de todas as manifestações da ausência das igrejas tem sido tarefa constante das lideranças de diversas denominações. Para Alana Barros, cientista social, militante, evangélica e filha de pastores, os cultos online têm buscado diminuir as faltas das práticas comunitárias. Ela relata que no começo da quarentena, alguns fiéis duvidaram da necessidade de proibição dos cultos presenciais, questionando se, de fato, havia essa necessidade e afirma que é muito importante a legitimidade dos pastores na comunidade religiosa e das explicações formuladas para garantir a segurança e o respeito pelas decisões tomadas. A jovem aponta, como alguns pastores já mencionaram, o desafio de construir novas formas de cultos com uma nova tecnologia que não estão acostumados, reformulando a linguagem. No entanto, o dia a dia da comunidade é o mais difícil nesse momento, já que “temos muito a prática do cuidado e o fato de sabermos que tem pessoas doentes, que tem idosos sozinhos e que você não pode simplesmente fazer uma visita ou marcar um encontro na comunidade para que a gente se veja; é bem difícil, é muito difícil lidar com esse momento de ausência do corpo físico, do corpo presente, mantendo só a relação virtual”, relata Alana.

Para os fiéis a experiência é diversa, desde o momento e o tempo de se preparar para o culto até a possibilidade de “visitar” diversas novas igrejas virtualmente, as mudanças são reais, concretas e alteraram a forma de viverem a experiência religiosa tão presente em suas vidas cotidianas. O pastor Fellipe dos Anjos destaca que “todos falam que sentem falta do ajuntamento. Uma espécie de melancolia do encontro (…) Eu sinto que a pandemia colocou em questão o corpo. É o corpo, o encontro, a forma que o encontro é capaz de manejar as subjetividades. As pessoas têm a vida meio ritualizada e em uma crise como essa, elas descobrem que tem um corpo que precisa de um outro corpo, de um abraço. Que tem fome de coisas relacionais, que movem o desejo”. Mesmo com essa ausência, fiéis têm experienciado novas vivências com a espiritualidade digital. Em casa, as pessoas se arrumam, organizam seus espaços, sentam-se em frente à TV, computador ou mesmo celular e assistem a esses cultos. Apesar desse esforço de manterem uma rotina para estarem, ainda que virtualmente, no culto, viver de fato essa experiência não tem sido tão simples, “não tenho muita paciência”, afirma Cleonice. Para Simone, a Igreja é um espaço de entrega, “em casa, qualquer barulho distrai, você não está ali cem por cento”. Welita Caetano, liderança da movimento de moradia do centro da Frente de Luta por Moradia (FLM), cientista do trabalho e adventista diz que “a igreja ao meu ver é uma comunidade e em uma comunidade as pessoas conversam, elas dialogam, é muito mais místico quando ela é presencial. O que você sente, as sensações que você tem, as músicas, o que você visualiza, enfim, você está sensível a tudo que está ao seu redor.”

A necessidade do encontro se configura de forma distinta nos diversos setores da sociedade. Na Igreja Batista da Água Branca, localizada na zona oeste de São Paulo, frequentada por cerca de 2 mil fiéis e que apresenta características de uma igreja de classe média e classe média alta, a falta é sentida de outra forma. “Faz bastante falta não ter o presencial por diversas razões, mas hoje o que eu vejo é que talvez há dois anos eu tivesse uma outra visão, porque a gente frequentava uma igreja menor. Hoje a gente vai em uma igreja que já é muito grande. E uma das coisas que a gente sente falta lá é de ter uma proximidade maior com as pessoas, a gente tem alguns amigos lá, mas ainda é um grupo pequeno de pessoas que a gente já conhecia antes. O fato de estar em uma igreja muito grande, dificulta um pouco essa coisa da proximidade (…) pra gente a parte central do culto é a pregação, pelo menos para mim, independe do lugar que eu estiver, o que eu ouço e o que eu aprendo daquilo, não muda estando em casa ou na igreja” nos diz Jussara F. Aires, empresária e frequentadora da IBAB. Jussara conta que os cultos que ela assiste são menos “emotivos” e que, no entanto, por diversas vezes ela se viu extremamente emocionada mesmo assistindo os cultos pela internet antes da pandemia, ou seja, a igreja para ela cumpre outro papel, ainda que ela sinta falta da proximidade com outras pessoas da igreja. A relação com este espaço está muito mais ligada à espiritualidade e a fé do que ao sentido de acolhimento e comunidade tão fundamental nas igrejas pequenas das periferias.

Para os fiéis, o que pudemos perceber é que, apesar da importância desse espaço do culto online para manterem a relação com a Igreja no cotidiano de suas vidas, foram necessárias outras atividades para diminuir a falta do culto presencial. Algumas igrejas tem como organização institucional as células, podendo ter diversos formatos e modelos. Elas se constituem como pequenos grupos liderados por algum membro da comunidade, que compartilha a visão da igreja, ensinos bíblicos e pastoreia mais de perto o fiel, dando a oportunidade para um contato mais íntimo e espaço de abertura de problemas e questões da vida, como medos, incertezas e a própria fé. As células têm sido também uma atividade do cotidiano de algumas igrejas “O pessoal tá sedento da palavra, estão querendo falar, estão querendo desabafar e é nesse momento na célula que a gente tem sentido isso”, conta Claudio, da Igreja Visão Plena. Esse espaço menor de comunhão tem funcionado para dar conta daquelas angústias que não chegam ao pastor nos cultos online.