Justiça decide sobre responsabilidade das plataformas de mídias com publicação de conteúdo ilícito 

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no último 26 de junho, que o artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI), trecho sobre a responsabilidade das plataformas digitais por conteúdos publicados na internet, é parcialmente inconstitucional. Até então, essas empresas – como o Google e a Meta – somente poderiam ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros, que tomam a forma de crimes (crimes sexuais, racismo, indução ao suicídio, entre outros), após desobedecer uma ordem judicial para remover o conteúdo. 

Por maioria de votos (8 contra 3), o entendimento foi de que “há um estado de omissão parcial que decorre do fato de que a regra geral do art. 19 não confere proteção suficiente a bens jurídicos constitucionais de alta relevância (proteção de direitos fundamentais e da democracia)”. 

A partir de agora, com a tese de repercussão geral, determinados conteúdos poderão ser retirados do ar sem decisão judicial. Bereia chama a atenção para que se rechace a desinformação de que tal decisão significa censura. Há, sim, um avanço em novas possibilidades para a construção de um cenário digital mais favorável à preservação da democracia e ao combate à desinformação, aos crimes virtuais e aos discursos de ódio. Confira:

Marco Civil da internet e o julgamento do artigo 19

O Marco Civil da Internet (MCI) sancionado como a Lei n° 12.965, de 2014, é a principal legislação brasileira no estabelecimento de direitos e deveres de usuários, empresas e Estado no uso da internet. Ele foi elaborado em um contexto de crescente preocupação com a privacidade, a liberdade de expressão e a neutralidade das redes, e se destacou internacionalmente por ser uma das primeiras legislações a garantir princípios democráticos no ambiente digital, tornando-se referência global em regulação da internet.

O julgamento da constitucionalidade do artigo 19 do MCI tem sido um dos debates jurídicos mais importantes no Brasil sobre liberdade de expressão, responsabilidade das plataformas e combate à desinformação. A lei é atualmente a principal fonte para julgamento de casos ocorridos nos espaços das mídias sociais e serviços de mensagens, uma vez que ainda não há regulamentação específica sobre as plataformas digitais no Brasil

O modelo em vigor desde 2014 foi duramente criticado por setores da sociedade civil e por acadêmicos, os quais defendem que a exigência de ordem judicial torna o processo de remoção lento e ineficaz. Isso permite que conteúdos ofensivos ou criminosos continuem circulando por muito tempo e colaborem com a proliferação de desinformação, discursos de ódio e crimes virtuais.

A votação no STF

A votação, ocorrida em 26 de junho, decorre de casos concretos recebidos pelo colegiado, como os Recursos Extraordinários (RE) 1037396 e 1057258, contra o Facebook e o Google, respectivamente. O julgamento sobre o artigo 19 do MCI começou em 2023, tendo como relator o ministro Dias Toffoli, que entendeu ser constitucional o entendimento do texto original. O julgamento foi interrompido quando o ministro Luís Roberto Barroso pediu vistas ao processo – ou seja, solicitou mais tempo para analisar o caso – e foi retomado em junho de 2025.

No placar de votos, apenas três dos onze ministros se manifestaram a favor da constitucionalidade do artigo 19, ou seja, tomaram a posição contrária à possibilidade de responsabilização das plataformas sem a devida decisão judicial. 

Reprodução: Portal Migalhas

O ministro André Mendonça foi o primeiro a se posicionar favoravelmente às empresas de tecnologia conhecidas como big techs, no voto feito no último 5 de junho. Ele afirmou que, ao seu ver, as medidas mais endurecidas podem inibir a participação cidadã nos espaços digitais e que “pelo simples fato de ser mentiroso, o discurso não deve ser censurado. Mentir é errado, mas não necessariamente é crime”

O ministro Edson Fachin também se manifestou de forma contrária à decisão do colegiado. Para ele, a regulação das plataformas precisa ser estruturada e sistêmica, e preferentemente não via Poder Judiciário. Ele entende que o remédio empregado ainda não é suficiente para enfrentar os problemas analisados nas plataformas. 

Da mesma forma, o ministro Kassio Nunes Marques acompanhou o posicionamento para manter a interpretação de constitucionalidade do artigo 19 do MCI. Para ele, “o Congresso Nacional é o ambiente mais apropriado para conduzir essa discussão”. 

Em posicionamento de acordo com a maioria, a ministra Carmen Lúcia sintetizou que a interpretação pela inconstitucionalidade do artigo julgado busca preservar o direito, como em casos de crimes contra a honra e contra o Estado Democrático de Direito. 

Em seu voto, a ministra afirmou que o tempo tecnológico de 2014 é muito diferente do ano atual. “A lei é feita baseada na realidade para a qual ela se volta”, disse, e questionou também sobre a atuação da inteligência artificial nas próximas eleições presidenciais ao discorrer sobre os interesses econômicos e políticos das plataformas.

O que muda com a decisão? 

Com a tese de repercussão geral elaborada com o término do julgamento, Bereia explica as principais mudanças que ocorrerão.

Regra geral de responsabilização civil das plataformas

AGORAANTES
Provedores podem ser responsabilizados mesmo sem ordem judicial em casos de conteúdos notoriamente ilícitos.Plataformas só eram responsabilizadas se descumprissem ordem judicial para remoção de conteúdo.
Passam a ter dever de cuidado ativo quando o conteúdo for grave ou de alta circulação.A responsabilidade era condicionada à inércia judicialmente comprovada.

Aplicação do Art. 21 (responsabilidade subsidiária por notificação)

AGORAANTES
Provedores passam a ser responsabilizados civilmente pelos danos causados por qualquer conteúdo ilícito de terceiros após notificação.
Casos como contas falsas (inautênticas) também entram nesse regime.
Aplicado apenas em casos específicos, como nudez não consentida, mediante notificação extrajudicial.

Crimes contra a honra

AGORAANTES
Aplica-se o art. 19 do MCI, sem prejuízo da possibilidade de remoção por notificação extrajudicial.Remoção de conteúdo mediante decisão judicial.

Impulsionamento e anúncios pagos (incluindo robôs/chatbots)

AGORAANTES
Redes sociais presumem responsabilidade direta por impulsionamento de conteúdos ilícitos (mesmo por robôs/inteligência artificial).A responsabilidade era definida conforme o caso concreto.
Plataformas devem agir preventivamente ou demonstrar que agiram em tempo hábil para evitar a disseminação.Não havia exigência de ação proativa.

Plataformas isentas da nova interpretação

Os seguintes serviços continuam seguindo a regra original do art. 19 (responsabilidade apenas após ordem judicial):

  • Provedores de email
  • Plataformas de videoconferência fechada
  • Mensageria instantânea (como WhatsApp)
  • Marketplaces (como Mercado Livre, Shopee e Amazon. Agora também respondem conforme o Código de Defesa do Consumidor)

Rol taxativo de crimes com responsabilidade imediata

Segundo o STF, as plataformas devem agir imediatamente quando se tratar dos seguintes crimes elencados, conforme o princípio do dever de cuidado inaugurado pela legislação europeia:

  • Crimes contra instituições democráticas;
  • Terrorismo e atos preparatórios;
  • Indução ao suicídio e automutilação;
  • Racismo e discriminação (raça, etnia, sexualidade, identidade de gênero);
  • Violência contra a mulher;
  • Crimes sexuais contra vulneráveis (como pornografia infantil);
  • Tráfico de pessoas

Critérios para ausência de responsabilidade 

O STF declarou que a existência de conteúdo ilícito isolado não gera automaticamente responsabilidade. A responsabilização só se aplica quando há inércia (omissão das plataformas) diante de ilícitos graves e com circulação massiva. Nestes casos, vale o regime do Art. 21 (no modelo retirada após notificação).

As plataformas também deverão cumprir deveres como autorregulação obrigatória, que deverá ser composta por:

  • Sistema de notificações e canais de atendimento acessíveis e disponíveis para usuários e não usuários;
  • Devido processo de moderação de conteúdo;
  • Divulgação anual de relatórios de transparência (sobre anúncios, impulsionamentos e remoções de conteúdos);
  • Revisão periódica e transparente das políticas de moderação.

Além disso, vale a regra que os provedores devem ter sede e representante no Brasil.

Novas regras favorecem a democracia e ajudam a combater a desinformação

Dentre os vários discursos desinformativos que perpassam as discussões sobre a responsabilização e a regulamentação das plataformas no Brasil, é comum deparar com abordagens que sugerem que essas medidas são uma forma de censura e que cerceiam a liberdade de expressão.

Bereia entrevistou especialistas que destacam a importância do julgamento em questão para o fortalecimento da democracia e o enfrentamento à desinformação. O professor pesquisador do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict) e coordenador da Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD) Marco Schneider, afirma que com a legislação anterior, não era possível dar conta do volume, da velocidade, nem do alcance da desinformação. Por isso, a atualização no entendimento do STF é importante para se adequar à realidade atual.

O pesquisador explica que o questionamento sobre as medidas serem uma forma de censura traz desafios quanto ao peso histórico vivido no Brasil, e diferencia a censura que houve no Brasil no século passado do estabelecimento de regras para os ambientes virtuais: 

“Uma coisa é um governo se arvorar, como no caso da ditadura militar, no direito de estabelecer de cima para baixo o que pode ou não ser produzido no âmbito da da arte, da ciência, do jornalismo, com base em valores morais, conservadores, e com base numa blindagem da sua própria prática política.

Outra coisa é estabelecermos que nem tudo pode ser dito o tempo inteiro, e em todas as ocasiões, para todas as pessoas. Nesse segundo sentido, a noção de censura não é aplicável, pois tem a ver com a noção de escolha e a imposição de limites”, comenta. 

Para o coordenador da RNCD, muitos dos que acusam a regulação de censura se colocam como defensores da liberdade de expressão, “mas me parece muitas vezes cínico e oportunista, porque são muitas vezes as mesmas pessoas que defendiam a censura da ditadura militar. “A liberdade de expressão como um valor absoluto aparece como uma panaceia, que não pode ser limitada por nada. Ela é um direito fundamental, mas se ela agride outros, ela tem que ser limitada. Isso não é censura”. 

O pesquisador de direitos digitais e professor de Políticas de Comunicação na Universidade de Brasília Marcos Urupá complementa que é equivocado afirmar que a regulamentação de plataformas digitais incorre em censura. “Basta fazer uma analogia com os meios de comunicação. Rádio e televisão têm uma série de compromissos que devem ser cumpridos. Você pode questionar se eles cumprem ou não, mas tem todo um regramento aí, por exemplo, como é o caso da publicidade”. Quanto ao tema, conclui: “não se trata de censura, trata-se de garantir um ambiente digital que respeite a cidadania, os direitos humanos e, acima de tudo, o Estado Democrático de Direito”.

Urupá destaca a responsabilização das plataformas como um avanço na aplicação de freios ao poder que elas exercem. “Hoje elas são configuradas como grandes meios de comunicação e, sem critério nenhum, determinados conteúdos ofensivos, inclusive ao próprio Estado Democrático de Direito, circulam sem ressalvas, sendo que são condutas tipicamente qualificadas como criminosas. Então, sem dúvidas, há um avanço mediante ao cenário anterior”, aponta.

O papel do STF na decisão extrapola a função do Judiciário?

Diante das decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal quanto aos usos e abusos das plataformas digitais, o papel do Poder Judiciário tem sido criticado por certos grupos, que julgam uma atuação excedente às competências dos ministros da Suprema Corte. No entanto, Marco Schneider reafirma que o órgão máximo do Judiciário age, nesse caso, de acordo com a previsão constitucional de assegurar o cumprimento e interpretar a legislação conforme a Constituição Federal. “Nesse caso, em particular, eles estão com a razão e agem em favor do interesse público, pois estão cobrindo com urgência uma lacuna legislativa. Quando houver uma lei aprovada no Congresso Nacional que regule o assunto, ela passará a valer”.

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Bereia avalia que a decisão do Supremo Tribunal Federal age de acordo com a previsão legal e é favorável ao enfrentamento da desinformação, de forma que abre novos caminhos para um cenário regulatório das plataformas e ressalta a urgência de responsabilizar as grandes empresas de tecnologia por conteúdos que causam danos reais aos cidadãos e ainda lhes rende lucros com a monetização de ilícitos. 

Referências:

CNN Brasil

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/stf-forma-tese-para-responsabilizar-big-techs-por-conteudos-de-terceiros/. Acesso em 27/06/25

Planalto (Lei Nº 12.965, de 23 de abril de 2014 – Marco Civil da Internet) https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm 

Portal Migalhas 

https://www.migalhas.com.br/amp/quentes/433462/com-8-votos-a-3-stf-amplia-responsabilidade-de-big-techs-por-conteudo. Acesso em: 27/06/25

Supremo Tribunal Federal – Notícias

https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-define-parametros-para-responsabilizacao-de-plataformas-por-conteudos-de-terceiros/. Acesso em: 27/06/25

Teletime

https://teletime.com.br/26/06/2025/art-19-stf-concilia-votos-e-plataformas-terao-responsabilizacao-parcial/ . Acesso em 27/06/25

Portal gospel omite intolerância e homofobia de líder religioso para sugerir perseguição a cristãos

O portal de notícias Gospel Mais publicou matéria que afirma que o canal do bispo nigeriano T.B. Joshua no Youtube teria sido excluído da plataforma por “supostamente” pregar a “cura gay”. O religioso lidera a Igreja Sinagoga de Todas as Nações (SCOAN, sigla em inglês).

O vídeo que levou à exclusão

Diferente do que a matéria do Gospel Mais afirma, o vídeo excluído pela plataforma digital, de fato, continha a pregação da “cura gay”. Em um primeiro momento, Joshua aparece dando tapas em duas mulheres lésbicas que atendiam ao culto de forma a fazerem-nas cair “sob uma ação espiritual”. Outros membros da igreja também ajudam a derrubar as mulheres que tentam se levantar. Em seguida, elas ficam deitadas por um momento e depois são levantadas e recebem um abraço do religioso.

No segundo momento do vídeo, Mary Okoye, uma das mulheres que passaram pela “libertação do demônio”,  conta seu testemunho. Conforme aparece no primeiro momento do vídeo, Okoye diz que Joshua explicou que ela estava sob a ação de um espírito de mulher. Esse espírito teria feito com que, desde criança, Okoye quisesse ter traços masculinos e se casar com outra mulher quando adulta. Ela também diz que o espírito prejudicava outras áreas da sua vida, como os estudos. Questionada pelo religioso por quem ela sente afeição agora, Okoye responde que agora sentia atração por homens.

De acordo com a BBC, uma das referências citadas pelo Gospel Mais, a decisão do Youtube foi tomada depois da organização openDemocracy, com sede no Reino Unido, prestar queixa pelo conteúdo dos vídeos. 

A matéria da openDemocracy diz que o mesmo tipo de exorcismo foi publicado pelo menos outras sete vezes diferentes antes entre 2016 e 2020. O texto reproduz a justificativa do Youtube para o fechamento do canal. “As Diretrizes da comunidade do YouTube proíbem discurso de ódio e removemos vídeos sinalizados e comentários que violam essas políticas. Nesse caso, encerramos o canal“. A openDemocracy argumenta que o vídeo viola as políticas da plataforma na seção de discurso de ódio, mencionando este trecho: “Afirmar que pessoas ou grupos são fisicamente ou mentalmente inferiores, deficientes ou doentes com base nas características mencionadas acima. Isso inclui declarações de que um grupo é problemático ou menos desenvolvido do que outro em termos de inteligência e capacidade.”

Bereia já verificou outro caso de exclusão de canal religioso por quebra das regras de diretrizes de comunidades.

Apesar do bloqueio, em novo vídeo de uma reunião da SCOAN, Joshua pediu orações pelo Youtube. “Vejam eles como amigos”, afirmou. Ele argumentou que, se não fosse pela plataforma, muitas pessoas não teriam conhecido sua igreja. A matéria da BBC informa que o religioso vai recorrer.

Quem é T.B. Joshua

T. B. Joshua é pastor e televangelista da Sinagoga de Cristo Pelas Nações, em Lagos, maior cidade da Nigéria, sendo um dos pregadores mais influentes do continente africano. Dono da TV Emanuel, com transmissão de cultos 24h, ganhou grande destaque pelas promessas de cura e milagres, relatando ter realizado cura de câncer, HIV/AIDS, esterilidade, ressurreição de mortos e “reversão de sexualidade”. Segundo o site oficial, a sede da igreja reúne em média 15 mil pessoas por culto e suas pregações também têm grande alcance pela internet, reunindo cinco milhões de seguidores no Facebook e 585 mil no Instagram. Antes de ser derrubado, seu canal no YouTube contava com 1,8 milhão de assinantes

Cura Gay

Desde 1990, a Organização Mundial da Saúde deixou de tratar a homossexualidade como doença, um passo importante para a compreensão desta condição humana como identidade, que não necessita de cura. A tentativa de terapias de reversão de sexualidade, conhecidas popularmente como “cura gay”, são procedimentos de tentativas de mudança na orientação sexual por meio de métodos de tortura psicológica e são proibidos pelo Conselho Federal de Psicologia desde 1999.

O procedimento surgiu nos Estados Unidos, em movimentos como o Instituto Exodus, fundado em 1976, em Orlando, que oferecem tratamento para cristãos que querem se livrar de inclinações sexuais “indesejadas”. Em 2013, o fundador Alan Chambers anunciou o fechamento do instituto e pediu perdão público pelas pessoas LGBTQIA+ feridas pelos procedimentos realizados em 37 anos de funcionamento. “Por muito tempo, estivemos aprisionados em uma cosmovisão que não honra nossos irmãos, nem é bíblica.”, afirmou. Apesar disto, o Exodus Brasil permanece comouma missão cristã interdenominacional com filiais em território nacional e realiza congressos anuais e tem como um dos valores “proclamar a mensagem de redenção da sexualidade”. As narrativas de que a sexualidade de pessoas LGBTQIA+ pode ser mudada é comum em discursos evangélicos e frequentemente ouvida em igrejas.

O artigo “Cura Gay? Debates parlamentares sobre a (des)patologização da homossexualidade” de Maria Clara da Gama faz uma revisão das tentativas de parlamentares legislarem contra a resolução 01/99 do CFP. A primeira tentativa, por meio do Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 1640/2009, recebeu parecer que rejeitava a proposta. O PDC foi arquivado em dezembro de 2010. Outro Projeto de Decreto Legislativo (PDC 234/2011) tramitou na legislatura seguinte. Apesar dessa proposta ter recebido um parecer favorável, ela terminou retirada de tramitação pelo próprio autor João Campos (PSDB/GO) que alegou não ter apoio do próprio partido para o PDC. Uma ação popular contra a norma do CFP chegou ao STF e foi extinta pelos ministros da 2ª Turma em maio de 2020, reafirmando a validade da resolução 01/99.

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Bereia conclui que a matéria do Gospel Mais é enganosa. O pastor é conhecido por realizar rituais de reversão de sexualidade e chegou a agredir mulheres lésbicas em cultos. Os vídeos foram excluídos por apresentarem discurso de ódio contra pessoas LGBTQIA+, violando diretrizes da plataforma YouTube. Nesse sentido, não há “suposição de pregação da cura gay”, como o portal gospel registra na reescrita da matéria da BBC que utiliza. O texto do Gospel Mais se coloca no conjunto de conteúdos religiosos, já identificados pelo Coletivo Bereia, que buscam induzir leitores e leitoras a crerem na existência de práticas de censura e de perseguição a cristãos e cristãs em casos de penalidades a lideranças religiosas e igrejas que praticam intolerância, como nesta situação de homofobia na Nigéria.

Referências

Emmanuel TV (Youtube), https://www.youtube.com/c/emmanueltv. Acesso em 19 de maio de 2021.

Cla6iQ Tv Worldwide (Youtube), https://youtu.be/6L2W77QFqNY. Acesso em 19 de maio de 2021.

BBC, https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56775734. Acesso em 19 de maio de 2021.

openDemocracy, https://www.opendemocracy.net/en/5050/youtube-closes-african-channel-promoting-televangelists-violent-conversion-therapy/. Acesso em 19 de maio de 2021.

Youtube, https://support.google.com/youtube/answer/2802168. Acesso em 19 de maio de 2021.

Youtube, https://support.google.com/youtube/answer/2801939#zippy=%2Coutros-tipos-de-conte%C3%BAdo-que-violam-a-pol%C3%ADtica. Acesso em 19 de maio de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/canal-catolico-foi-excluido-por-espalhar-desinformacao-a-respeito-da-pandemia/. Acesso em 19 de maio de 2021.

Deraaco (Youtube), https://youtu.be/W4vqSrqxhGs. Acesso em 19 de maio de 2021.

Sinagoga de Cristo Pelas Nações. https://www.scoan.org/about/. Acesso em 20 de maio de 2021.

Conselho Federal de Psicologia, https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/1999/03/resolucao1999_1.pdf. Acesso em 20 de maio de 2021.

G1, http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/06/grupo-dedicado-cura-gay-pede-desculpas-e-fecha-nos-eua.html. Acesso em 20 de maio de 2021. 

Exodus, https://www.exodus.org.br/. Acesso em 20 de maio de 2021. 

Scielo (Sexualidad, Salud y Sociedad – Rio de Janeiro), https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-64872019000100004. Acesso em 20 de maio de 2021.

Câmara Federal, https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=147CC1F8B08B24C43FBE4895CBF09DDC.proposicoesWeb2?codteor=828201&filename=Tramitacao-PDC+1640/2009/. Acesso em 20 de maio de 2021.

Câmara Federal, https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=CB76BB29626C622D9FE78646C5642559.proposicoesWeb2?codteor=1050466&filename=Tramitacao-PDC+234/2011. Acesso em 20 de maio de 2021.

Jota, https://www.jota.info/stf/do-supremo/turma-do-stf-reafirma-validade-de-resolucao-do-cfp-contra-a-cura-gay-26052020/ Acesso em 20 de maio de 2021.

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Foto de Capa: T.B Joshua: BBC/AFP (Reprodução)

Canal católico não está sendo perseguido, como site gospel quer fazer crer

O portal de notícias Gospel Mais publicou em 16 de fevereiro uma reportagem que afirma que o YouTube teria excluído o maior site católico conservador do mundo, o Life News Site, com cerca de 300 mil seguidores na plataforma. A matéria diz que a empresa de tecnologia baniu o canal do LifeNews Site por desinformação médica, mas o texto não detalha quais conteúdos específicos levaram ao que o Gospel Mais chama de “censura”.

O texto do Gospel Mais também reproduz o que a diretora de marketing do Life News Site Rebekah Roberts disse ao canal norte-americano Christian Broadcast Network News. Rebekah afirma que ela considera o banimento como mais um episódio de perseguição ideológica a veículos conservadores e cristãos. Além disso, a matéria relaciona esse caso à remoção do canal bolsonarista brasileiro Terça Livre do Youtube.

O que motivou a exclusão do Life News Site

A matéria do Gospel Mais reproduz a justificativa do porta-voz do Google (detentora do Youtube) veiculada no Christian Broadcast Network. Originalmente, a declaração foi dada ao portal conservador The Blaze, que também considera o banimento uma censura. “De acordo com nosso antigo sistema de strikes [exclusão de conteúdo], encerramos o canal Life News Site por violar, repetidamente, nossa política de desinformação sobre a COVID-19, que proíbe conteúdo que promova métodos de prevenção que contradizem as autoridades de saúde locais ou a OMS. Qualquer canal que viole nossa política de desinformação sobre a COVID-19 receberá um aviso, que restringe temporariamente o envio ou a transmissão ao vivo. Os canais que receberem três avisos no mesmo período de 90 dias serão removidos permanentemente do YouTube”. A mesma mensagem foi enviada à VICE norte-americana, em reportagem sobre o tema.

No entanto, o site brasileiro não informa quais foram as infrações que o LifeNews Site cometeu até receberem a exclusão. A reportagem da VICE informa que não está claro qual conteúdo levou à última remoção, já que o canal do site não existe mais.

Porém, um vídeo do apresentador John-Henry Weston, no próprio LifeNews Site, mistura críticas ao presidente Joe Biden e à esquerda norte-americana e ao imunologista Anthony Fauci (líder no combate à pandemia nos governos Trump e Biden) e aponta alguns conteúdos que poderiam ter justificado o banimento

De acordo com o vídeo, a primeira exclusão teria vindo por veicular o áudio de um patologista canandense que considera a covid-19 “a maior farsa já perpetrada” e “apenas uma gripe forte”, além de questionar o uso de máscaras, distanciamento social e outras medidas de combate à pandemia. Esse conteúdo já foi verificado como falso pela Associated Press. A seguir, a plataforma deu um alerta ao canal católico por publicar um vídeo em que uma freira também classifica a pandemia como farsa para promover controle, uma Nova Ordem Mundial e uma Grande Restauração. Teorias da conspiração como essas já foram verificadas como falsas pelo Coletivo Bereia.

O vídeo ainda cita exclusões devido a conteúdos relacionados a vacinas ou pesquisas científicas. Bereia já verificou desinformações sobre o tema e explicou a posição oficial da Igreja Católica de apoiar a vacinação por entender que o uso dessas vacinas não constitui legitimação da prática do aborto.

Segundo a reportagem da VICE, um dos conteúdos diz respeito a uma entrevista da bióloga Pamela Acker. A respeito da posição da Academia do Vaticano pela Vida (citada na verificação do Bereia) ela diz: “Você não pode simplesmente dizer: ‘As vacinas salvam vidas, portanto esta vacina é uma ótima ideia’. Você tem que olhar para as vacinas caso a caso, e aquelas que usam células fetais abortadas, em geral, são não. Elas não são realmente vacinas que salvam vidas”. Ela esclarece que não há células fetais nas vacinas Pfizer e Moderna, o que é correto.

Em seguida, ela levanta a hipótese de que pessoas com comorbidade talvez não deveriam ser contadas como mortes por coronavírus – uma interpretação que já foi verificada como falsa – e outros dados sobre expectativa de vida nos EUA para concluir que a pandemia não é causa tão grave. No entanto, em outubro de 2020 a covid já era a terceira maior causa de óbitos nos EUA e em dezembro o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, em inglês) norte-americano concluiu que a pandemia tornou 2020 o ano com mais mortes na história do país. Os EUA lideram a estatística de óbitos por covid em todo mundo, com mais de 490 mil mortos e ocupa o 8º lugar de mortes por 100 mil habitantes, de acordo com o monitoramento da Universidade Johns Hopkins.

O que dizem as políticas do Youtube sobre desinformação relacionada à pandemia

De forma geral, o Youtube monitora o conteúdo que é postado na plataforma em duas fases. A primeira é feita por sistemas automatizados que ajudam a sinalizar violações de políticas e diretrizes. Depois, esses conteúdos passam por revisão humana, como explica este vídeo do Youtube sobre as ações tomadas sobre o coronavírus, datado de 20 de março de 2020. As políticas da plataforma foram atualizadas ao longo do tempo.

O Youtube tem uma política específica para desinformação médica. Conforme o porta-voz do Youtube diz, o Life News Site violou termos que tratam de conteúdos que contradizem métodos de prevenção indicados por autoridades locais e a OMS. O Life News Site diz em seu vídeo de defesa que strikes vieram também por causa de conteúdos que relacionavam vacinas a abortos. A política da plataforma também tem um termo em que pede para criadores não postarem conteúdo que “afirme que uma vacina contra a COVID-19 aprovada contenha substâncias que não estão na lista de ingredientes da vacina, como tecido fetal”.

O caso Terça Livre

Em situação semelhante no Brasil, o encerramento do canal Terça Livre no Youtube se deu pelo mesmo mecanismo de “strikes” explicadas acima e nas matérias do Poder 360 e UOL citadas pelo Gospel Mais. O desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Mathias Coltro considerou a medida do Google desproporcional e que a ação violou o direito constitucional de expressão e informação. Ao UOL, a Google disse que não foi intimada sobre a decisão e que não comenta casos judiciais em andamento.

Debate sobre liberdade de expressão e o controle das big techs

O debate sobre liberdade de expressão e a responsabilidade das Big Techs e mídias sociais no combate a fake news e discurso de ódio tem crescido nos últimos anos. A Lei das Fake News (Projeto de Lei n° 2630, de 2020), aprovada no Senado e aguardando tramitação na Câmara dos Deputados, trata do assunto em seu primeiro artigo:

Art. 1º Esta lei estabelece normas, diretrizes e mecanismos de transparência de redes sociais e de serviços de mensageria privada através da internet, para desestimular o seu abuso ou manipulação com potencial de dar causa a danos individuais ou coletivos.

Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet

Procurada por Bereia, a professora de Comunicação Social na Universidade Federal do Ceará e membro do Coletivo Intervozes Helena Martins respondeu a algumas perguntas sobre liberdade de expressão e as Big Techs. Confira a entrevista:

Bereia: O que é liberdade de expressão? Significa poder falar o que quiser?

A liberdade de expressão é um direito fundamental, reconhecido já na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789): art. 11: “A livre comunicação dos pensamentos e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; todo cidadão pode, então, falar, escrever e imprimir livremente, salvo responder ao abuso desta liberdade nos casos determinados pela lei”. A Constituição brasileira a consagra explicitamente no art. 5º, IV, que diz “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.

Portanto, a liberdade de expressão é um direito, mas os direitos não são absolutos. Eles devem ser postos sempre em relação com outros direitos. A liberdade de expressão não comporta, por exemplo, a incitação a uma violência, porque é um crime. A injúria, o racismo e tantos outros são exemplos de crimes que já são tipificados. Então, não, a liberdade de expressão não quer dizer que se pode dizer tudo. Quer dizer que você tem direito de falar, mas não o direito de praticar crime. Também é importante ponderar que, além do direito de dizer, a pessoa que diz se torna responsável pelos seus atos. Então, as pessoas ficam sujeitas a possíveis repercussões e até mesmo a responsabilização em caso de ter ultrapassado o limite da liberdade de expressão e incorrido em crime.

Helena Martins

Bereia: Quais são os limites e responsabilidades das Big Techs no combate às fake news? Qual a importância da criação de leis e mecanismos de garantia de liberdade de expressão?

As Big Techs têm um papel central na circulação de informações, na própria convivência em sociedade, já que cada vez mais as várias atividades passam a ser mediadas pelas plataformas digitais. Plataformas que não apenas suportam as redes, mas também definem os seus contornos, o que pode ou não ser dito nelas a partir da determinação unilateral – infelizmente – dos seus termos de uso. Muitas vezes, por meio de algoritmos, as redes facilitam ou dificultam a circulação de determinados conteúdos. Tudo isso mostra uma centralidade muito grande das plataformas digitais no momento atual.

Isso quer dizer que elas devem cooperar para a busca por soluções de problemas. Ao meu ver, as plataformas devem ser repensadas em seus próprios modelos de negócios porque eles são baseados na captura de dados, disputa de atenção e na mercantilização das informações. Esses elementos estão na base, inclusive, do funcionamento das fake news, por exemplo. Então, elas devem ser cobradas a contribuir para a resolução desses problemas.

Por outro lado, no direito internacional (e aqui no Brasil com o artigo 19 Marco Civil da internet), há toda uma compreensão que aponta também limites para atuação nas plataformas. Sobretudo quando há uma atuação isolada, unilateral, sem participação e definição pública. Por exemplo, quando a plataforma definir unilateralmente retirar um conteúdo do ar, ela pode, sim, acabar gerando censura em relação àquele conteúdo. Então, é muito preocupante que as plataformas sejam alçadas à posição de donas da verdade, de gatekeepers da informação que circula no cenário nacional e até mesmo mundial. Então há a responsabilidade, é importante que que isso seja cobrado, mas também há limites. Eu apontaria a necessidade sobretudo de um processo de co-regulação, de debate entre os diversos agentes, inclusive o Judiciário e a sociedade para que não haja riscos de, com o intuito de buscar sanar alguns problemas, acabarem incorrendo à censura privada .

Helena Martins

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Bereia conclui que é enganoso que o canal católico LifeNews Site, bem como o canal Terça Livre, tenham sofrido censura do YouTube. Os dois canais infringiram regras previstas nas políticas da plataforma sobre fake news, ao publicarem informações falsas sobre a pandemia que já matou mais de 2 milhões de pessoas no mundo, e sofreram penalidades em decorrência disso.

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Foto de Capa: Pixabay/Reprodução

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Referências

The Blaze, https://www.theblaze.com/news/youtube-bans-lifesitenews-removes-videos. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021.

Youtube, https://support.google.com/youtube/answer/2802032. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021.

Youtube, https://support.google.com/youtube/answer/9891785?hl=en. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021.

VICE, https://www.vice.com/en/article/z3v5mx/youtube-just-banned-a-popular-anti-abortion-channel-for-covid-conspiracies. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021.

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Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/videos-falsos-alegam-vacinacao-e-medicao-de-temperatura-como-forma-de-controle-da-populacao/. Acesso em: 18 de fevereiro de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/padre-engana-ao-falar-de-fraudemia-e-cria-panico-sobre-vacinacao/. Acesso em: 18 de fevereiro de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/vacina-contra-covid-19-nao-usa-celulas-de-bebes-abortados-como-afirma-site-gospel/. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021.

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Aos Fatos, https://www.aosfatos.org/noticias/e-falso-que-pesquisa-americana-disse-que-so-6-das-vitimas-de-covid-19-morreram-pela-infeccao/. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021.

Scientific American, https://www.scientificamerican.com/article/covid-19-is-now-the-third-leading-cause-of-death-in-the-u-s1/. Acesso em: 18 de fevereiro de 2021.

NBC News, https://www.nbcnews.com/health/health-news/covid-pandemic-turned-2020-deadliest-year-u-s-history-cdc-n1252078. Acesso em: 18 de fevereiro de 2021.

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Youtube, https://youtu.be/i352PxWf_3M. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021.

Poder 360, https://www.poder360.com.br/midia/youtube-tira-do-ar-canais-do-terca-livre/. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021.

UOL, https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/02/12/justica-concede-liminar-e-manda-youtube-reativar-canais-do-terca-livre.htm. Acesso: 17 de fevereiro de 2021.

Senado, https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141944. Acesso em: 18 de fevereiro de 2021.

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